Resumo: A análise da situação do Loteamento Jardim Praiamar, sua judicialização por meio de Ação Civil Pública a partir da sua não implantação por parte da empresa responsável e a perspectiva de resolução dos conflitos fundiários resultantes da ocupação desordenada do mesmo, passaram a exigir do Município de Itapema uma política pública de regularização e urbanização da área, que possui oficialmente 1319 lotes. Para tanto, propõe-se o envolvimento de vários atores sociais, tais como o Poder Público (Poder Executivo, Poder Judiciário, Ministério Público, Poder Legislativo), a sociedade organizada, os moradores, os proprietários e os investidores. Em cima deste problema foram reunidos elementos legais e doutrinários na busca de um método de resolução de conflitos individuais e coletivos e de formalização da área, concebendo um processo de urbanização e de acesso à Cidade sustentável para os moradores e proprietários do referido loteamento.
Palavras chave: loteamento Jardim Praiamar. Município de Itapema. Regularização fundiária. Estatuto das Cidades. Acesso à cidade sustentável.
Sumário: 1. Introdução; 2. O que é Regularização Fundiária; 3. O Objeto da Regularização; 4. As Diretrizes Aplicáveis à Regularização do Loteamento Jardim Praiamar; 5. Os Instrumento Legais: uma proposta concreta para o Loteamento Jardim Praiamar; 6. Conclusão; 7. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
O Loteamento Jardim Praiamar no Município de Itapema é mais um de tantos loteamentos[1] realizados pelo Brasil a fora, que foram iniciados, mas que por uma série de fatores não foram concluídos, transformando-se em um passivo para a comunidade e para o Poder Público Local.
A situação específica do Loteamento Jardim Praiamar, no Município de Itapema, representa a ausência de mecanismos de controle efetivos e ágeis na legislação, bem como a incapacidade de municípios pequenos de efetivarem o controle sobre a implantação de loteamentos, parcelamentos e demais formas de ocupação do solo.
No entanto, esta incapacidade técnica não é o único da ausência de controle da implantação de loteamentos. Muitas irregularidades no parcelamento e ocupação do solo urbano também envolvem a prática corrupta de certos gestores (Prefeitos, Secretários e Vereadores) e empresários e proprietários que se beneficiam deste estado de ilegalidade gerado por eles mesmos[2].
Este passivo gerado à sociedade e, geralmente, assumido pelo Poder Público, necessita de mecanismos que possibilitem a regularização da área e que garantam o direito à moradia digna, à segurança da posse[3] e ao acesso à cidade para os moradores que ali residem, todos direitos que estão vinculados à implantação de equipamentos públicos para torná-los possíveis[4].
Assim, a intenção deste texto é efetivar o recorte dos instrumentos legais e doutrinários voltados para a situação atual do Loteamento Jardim Praiamar, demonstrando a realidade existente, sua fragilidade e a angústia da população, observando os problemas a serem enfrentados e propondo os mecanismos legais que deverão ser utilizados para a regularização do loteamento, isso sob o olhar e participação dos moradores e em comum acordo com os órgãos do Ministério Público e do Poder Judiciário da Comarca de Itapema.
2. O que é Regularização Fundiária
Antes de mais nada, é necessário conceituar-se o que é regularização fundiária e o que se pretende com uma política pública como esta em um Município ou em uma de suas áreas, ou seja, estabelecer quais os objetivos pretendidos com esta política pública e como orientar os esforços para se comungar objetivos na construção de alternativas que buscam solucionar os problemas vivenciados pela Cidade de Itapema, principalmente pela população residente no Loteamento Jardim Praiamar.
Estes elementos devem, inicialmente, ser buscados na legislação vigente. Os parâmetros para a instituição de uma Política de Regularização Fundiária estão basicamente na Lei Federal nº 10.257/01 e na Lei Federal nº 11.997/09. Esta prescreve em seu art. 46:
“Art. 46 A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.”[5]
Simone Santos Moretto e Simone Somesi reafirmam este conceito, articulando-o sob o foco do direito de propriedade:
“Denomina-se regularização fundiária o processo de verificação da situação da propriedade e posse de áreas urbanas e rurais, públicas ou privadas. Pressupõe, portanto, uma utilização do território em condições que trazem dúvidas sobre direitos de propriedade e posse do local.”[6]
Por sua vez, o Manual de Regularização Fundiária em Terras da União, produzido pelo Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão e pelo Instituto Polis, prescreve dois aspectos centrais para a política pública de Regularização Fundiária:
“o jurídico – que visa garantir a segurança jurídica da moradia por meio da titulação -, e o urbanístico ambiental – que busca dotar os assentamentos/ocupações da infra-estrutura, garantindo assim, uma moradia digna e a preservação ambiental. Conjugando estes dois aspectos, a regularização fundiária pode ser considerada como ‘o processo de intervenção pública, sob os aspectos jurídicos, físico e social, que objetiva legalizar a permanência de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a lei para fins de habitação, implicando melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da cidadania e da qualidade de vida da população beneficiária’ (AFONSIN, 1997).”[7]
Ainda no mesmo Manual, observa-se como objetivo da regularização fundiária a segurança da posse e a excepcionalidade da remoção dos ocupantes e moradores para outras áreas.
“… a formalização jurídica da posse dos moradores garantindo sua permanência no local onde estabelecem suas residências, relações pessoais, subsistência, etc. O reassentamento deve ser uma medida excepcional a se adotada nos casos de ocupação em área de risco à vida ou à saúde dos moradores.”[8]
Fator relevante também para a política pública de Regularização Fundiária está na condição de a mesma conseguir obter mecanismos que bloqueiem novas irregularidades. Em face disto, tal política deve vir casada com outras, que permitam a leitura da Cidade como um todo.
“A Política de Regularização deve ser capaz de superar o circulo vicioso da irregularidade. Sendo uma política de caráter curativo, ela só terá sentido no planejamento das cidades se estiver combinada com uma política preventiva, capaz de alterar as regras do jogo imobiliário urbano, a exemplo da ocupação dos vazios urbanos para procurar novas moradias de interesse social. No caso da regularização de assentamentos informais, entende-se que os Programas de Regularização Fundiária devem contemplar ações de Regularização Jurídica referente a titulação dos terrenos, de forma articulada ao Plano de Urbanização, no qual se definem, por exemplo, os parâmetros arquitetônicos e de uso e ocupação dos solo compatíveis com as dimensões socioeconômicas e físico-ambientais das áreas de intervenção.”[9]
Assim, conclui-se que a política pública de Regularização Fundiária é um processo fundamentado na necessidade principal de garantir o direito de moradia, conjugando-se a necessidade de segurança jurídica[10] da posse ou da propriedade, para aqueles que não a possuem, objetivando incluir o local objeto da regularização na Cidade formal, permitindo a todos o acesso à Cidade, buscando melhores condições de vida para a população que ali reside.
3. O Objeto da Regularização
O Loteamento Jardim Praiamar está localizado em área urbana, à oeste da Rodovia BR 101, no Bairro Leopoldo Zarling, Município de Itapema, sendo de propriedade da Empresa Empreendimentos Praiamar Ltda.
O referido loteamento foi aprovado em 28 de março de 1979[11], resultando na constituição de 1319 (um mil trezentos e dezenove) lotes, com área total de 544.054,55 m², sendo destas 37.772,33m² de área de reserva. A esta área soma-se 146.508,65 m² de área pública[12].
Ocorre que o loteamento nunca foi totalmente efetivado, tendo uma série de carências, que vão desde vias e ruas projetadas não implantadas, até a não pavimentação de outras, a ausência de drenagem pluvial, de iluminação pública e de rede de água potável e vários lugares[13].
A quase totalidade destes lotes foram vendidos pela Empresa Praiamar Empreendimentos Imobiliários Ltda. a terceiros através de contratos de compromisso de compra e venda, na qual os adquirentes realizavam pagamentos parcelados dos imóveis que adquiriram, não efetivando ao término do pagamento a escrituração e a averbação na matrícula do imóvel.
Devido as ausências de infra-estrutura urbana, a forma de ocupação regular tornou-se prejudicada, o que desvalorizou os imóveis, permanecendo ainda o local com vários espaços vazios e outros espaços ocupados irregular ou indevidamente[14]. São poucas as áreas ocupadas com regularidade.
Neste sentido, para poder-se entender essa dinâmica de ocupações do solo não formais, pode-se absorver de José Afonso da Silva conceituação a respeito dos ditos “loteamentos irregulares”, ou seja, aqueles que não cumprem a legislação federal – Lei nº 6.66/79 – e a legislação local.
“Esses loteamentos (sentido amplo) ilegais são de duas espécies: (a) os clandestinos, que são aqueles que não foram aprovados pela Prefeitura Municipal; (b) os irregulares, que são aqueles aprovados pela Prefeitura, mas que não foram inscritos, ou o foram mas são executados em desconformidade com o plano e as planta aprovadas.
O loteamento clandestino constitui, ainda, uma das pragas mais daninhas do urbanismo brasileiro. Loteadores parcelam terrenos de que, não raro, não têm título de domínio, por isso não conseguem aprovação do plano, quando se dignam a apresentá-lo à Prefeitura, pois é que sequer se preocupem com essa providência, que é onerosa, inclusive porque demanda a transferência de áreas dos logradouros públicos e outras ao domínio público. Feito o loteamento nessas condições, põem-se os lotes à venda, geralmente para pessoas de rendas modestas, que, de uma hora para outra, perdem seu terreno e a casa que nele ergueram, também clandestinamente, porque não tinham documentos que lhes permitissem obter a competente licença para edificar no lote. (…)
Os loteamentos irregulares constituem outro mal do sistema de parcelamento do solo, especialmente nas grandes cidades. Os loteadores, nesse caso, providenciam junto à Prefeitura a aprovação do seu loteamento e, depois de consegui-la, abandonam o caminho da legalidade e enveredaram pela ilegalidade, quer executando o loteamento tal como foi aprovado mas sem a inscrição no Registro de Imóveis, quer desrespeitando o plano aprovado e mesmo inscrito, modificando-a à sua conveniência, provocando dificuldades aos compradores de lotes, sob vários aspectos, inclusive quanto à obtenção de licença para edificá-los.”[15]
Além do mais, o referido loteamento se encontra na área de influência da Bacia do Rio Perequê, sendo cortado aos fundos por um de seus afluentes, o Rio da Fita, tendo sido a referida área, por várias vezes, acometida por alagamentos.
Isso, de certa forma, demonstra que parte da área não deveria ter sido objeto de ocupação humana, muito menos de parcelamento do solo sujeito à venda.
Em função das irregularidades do referido loteamento, sobretudo no que se refere a ausência de infra-estrutura, a que seria obrigado o loteador, nos termos da Lei nº 6766/79, o Ministério Público e o Município de Itapema, no ano de 2004, propuseram em conjunto Ação Civil Pública com a intenção de obrigar o loteador, a Empresa Empreendimentos Praiamar Ltda., a concluir a implantação do loteamento e a efetivar todos os equipamentos públicos exigidos pela legislação.
Esta ação judicial, por sua vez, gerou uma decisão em 03 de junho de 2004 que indisponibilizou o patrimônio da Empresa Empreendimentos Praiamar Ltda., proibindo a realização de novos contratos de compromisso de compra e venda e a transferência de imóveis para terceiros[16].
No entanto, a única parte da decisão judicial proferida liminarmente nos autos nº 125.04.001170-8 que teve, até então, efeitos práticos foi a impossibilidade de transferência de imóveis pertencentes à Empresa Empreendimentos Praiamar Ltda. para os adquirentes e para terceiros, ou seja, todos aqueles que adquiriram imóveis da referida empresa no Loteamento Praiamar ficaram impossibilitados de formalizarem a transferência ou alienarem sua propriedade.
Essa indisponibilidade gerou uma série de outras ações, sobretudo Embargos de Terceiros, propostos pelos particulares adquirentes que sentiam-se prejudicados com a referida situação.
As demais ordens contidas na decisão judicial não puderam ser cumpridas até o presente momento principalmente porque não foi encontrado patrimônio em nome da Empresa loteadora, estando esta inativa, havendo dificuldades inclusive para intimá-la das decisões judiciais e em fazer a Empresa cumpri-la.
4. As Diretrizes Aplicáveis à Regularização do Loteamento Jardim Praiamar
A Constituição Federal de 1988 apresenta um arcabouço normativo determinante para a atuação de diversos atores sociais na perspectiva de implementação de uma política pública voltada para a Regularização Fundiária. O direto fundamental à moradia (art.6º, caput), a função social da propriedade (art.5º, XXIII e art. 170, III) e a orientação dos arts. 182 e 183 da CF para a constituição das diretrizes gerais da Política Urbana, baseadas no planejamento[17], no bem estar dos habitantes e na função social da Cidade, determinou os marcos necessários para a criação de instrumentos legais que possibilitem a regularização de áreas públicas e privadas e que tenham sido objeto de ocupação desordenada.
Além da Constituição, as diretrizes e os instrumentos legais que estão à disposição das Políticas Públicas de Regularização Fundiária estão basicamente enumerados na Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade), na Medida Provisória nº 2.220/01e na Lei nº 11.977/09.
Existem ainda legislações e atos administrativos estaduais e municipais que merecem ser citadas como esforço desse processo de regularização. No Estado de Santa Catarina o Poder Judiciário emitiu o Provimento nº 37/99 da Corregedoria de Justiça e a Resolução 011/08 do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ambos instituindo o Projeto “Lar Legal”, objetivando a regularização do parcelamento do solo urbano.
No caso concreto ora sob estudo algumas diretrizes e alguns destes instrumentos legais devem ser enumerados e explicitados, para que sejam melhor analisados e para que se possa chegar a uma adequada proposta para a regularização do Loteamento Jardim Praiamar[18].
É certo que todas as diretrizes previstas na Constituição e, principalmente, no Estatuto das Cidades (art. 2º da Lei n° 10.257/01) devem ser levadas em consideração no processo de regularização do Loteamento Jardim Praiamar. Porém, algumas merecem destaque especial, relacionadas no caput do art. 2º, da Lei nº 10.257/01, e nos incisos I, II, IX e XIV, do referido artigo).
A busca de um método para regularizar o Loteamento Jardim Praiamar precisa incorporar inicialmente a garantia do direito dos moradores e proprietários daquela localidade à cidade sustentável, entendida pelo próprio Estatuto das Cidades como o “… o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.”[19]
“A cidade, como espaço onde a vida moderna se desenrola, tem suas funções sociais: fornecer às pessoas moradia, trabalho, saúde, educação, cultura, lazer, transporte etc. Mas, como o espaço da cidade é parcelado, sendo objeto de apropriação, tanto privada (terrenos e edificações) como estatal (ruas, praças, equipamentos etc), suas funções tem de ser cumpridas pelas partes, isto é, pelas propriedades urbanas. A política urbana tem, portanto, a missão de viabilizar o pleno desenvolvimento das funções sociais do todo (a cidade) e das partes (cada propriedade em particular).”[20]
Outra diretriz imprescindível para se permitir o acesso à cidade sustentável, no processo de regularização, é a participação dos cidadãos, principalmente dos moradores da localidade que se está pretendendo regularizar (art. 2º, II, Lei nº 10.257/01).
A gestão democrática é uma forma de os moradores de toda a Cidade, mas principalmente das áreas historicamente excluídas, se inserirem na organização da Cidade sustentável, é uma forma de dar acesso à Cidade a quem não tem e de permitir que problemas antigos sejam realmente resolvidos, já que diagnosticados e analisados por quem de fato os sente.
“… o planejamento urbano não deve ser idealizado em gabinete e posteriormente aplicado à realidade urbana, sendo indispensável a participação da população, seja de maneira individual, seja de maneira coletiva, por meio, por exemplo de organizações não-governamentais. A diretriz envolve a legitimidade do conjunto de decisões políticas que compõe o planejamento urbano e também sua eficiência, pois quando há convergência de vontades para compor o plano também há convergência de interesses para cumpri-lo.”[21]
No processo de gestão democrática da cidade está incluso a necessidade de cooperação entre governos, a iniciativa privadas e os demais setores da sociedade (art.2º, III), bem como a audiência do Poder Público municipal e da população interessada no processo de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos (art. 2º, XIII).
Como complementação da gestão democrática, na busca da cidade sustentável de acesso à todos, está a “… justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização” (art. 2º, IX). Essa justiça só ocorrerá se houver a real participação de todos os interessados na vida da cidade.
Decorrente do princípio da isonomia, esta justa distribuição possui o intuito de fazer com que todos os moradores da Cidade tenham acesso aos benefícios que a mesma possa oferecer, mas que também arquem com os ônus que esses benefícios podem acarrear. Esta regra se completa com as diretrizes previstas no inc. IV, V, VI, “c”, “d” e “e”, XV e XVI, do art. 2º da Lei nº 10.257/01.
Por fim, na constituição da Cidade sustentável e do acesso de todos a mesma e aos seus benefícios, está a regra que propõe como diretriz a regularização e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda.
Essa norma específica, também decorrência da isonomia e da busca da função social da cidade, é proveniente de um passivo gigantesco existentes na maioria dos Municípios brasileiros e que decorre do processo de urbanização desordenada dos mesmos[22].
A análise destas diretrizes é imprescindível para que se possa compreender que o processo de regularização de uma área não se resume apenas à titulação desta à seus possuidores, com o objetivo de garantir a segurança jurídica e a segurança da posse. Ela envolve vários outros fatores que complementam o direito de todos à Cidade e que estão presentes no Estatuto das Cidades.
5. Os Instrumento Legais: uma proposta concreta para o Loteamento Jardim Praiamar
Como mencionado no tópico anterior, os instrumentos legais que estão à disposição das Políticas Públicas de Regularização Fundiária estão basicamente enumerados na Lei nº 10.257/01 (Estatuto das Cidades), na Medida Provisória nº 2.220/01e na Lei nº 11.977/09 e.
A Lei nº 11.997/09 além de conceituar a política pública de regularização fundiária, cria mecanismos para implementá-la, além de conceituar outros instrumentos para seu alcance.
Os instrumentos presentes nesta lei estão enumerados em seu art. 47, devendo-se dar ênfase, diante da realidade do Loteamento Jardim Praiamar à “demarcação urbanística”[23], à “legitimação de posse”[24] e à “Zona Especial de Interesse Social”[25].
A perspectiva de regularização envolve o encadeamento destes instrumentos, com outros previstos no Estatuto das Cidades e na Medida Provisória 2.220/01, quais sejam o “usucapião especial individual”[26], “o usucapião especial coletivo”[27], a “concessão de uso especial para fins de moradia”[28] e a “concessão de direito real de uso”[29].
Outro instrumento que fatalmente será utilizado e que merece uma análise pormenorizada é a “operação urbana consorciada”[30]. O fato de o Loteamento Jardim Praiamar não está totalmente ocupado e necessitar de implantação de vários equipamentos públicos, bem como o fato de se observar que existem proprietários de vários lotes no referido loteamento, permite que se pense na possibilidade de constituir um consórcio entre a Administração Pública, os proprietários, investidores e moradores da área.
Desta forma, em razão da judicialização do problema e em função da responsabilidade legal, a atuação inicial deve ser do Poder Público que deverá constituir uma equipe técnico-política que fique responsável pela organização dos trabalhos desencadeados no que se refere à regularização fundiária.
Esta equipe terá a responsabilidade de coordenar os debates com a sociedade e com os moradores[31], proprietários e investidores, além de articular as demais equipes técnicas do Município e órgãos envolvidos.
Constituída a organização da equipe que conduzirá os trabalhos, o primeiro ato desta é a realização da demarcação urbanística da área, através da constituição de um levantamento planialtimétrico do local físico do Jardim Praiamar, com a divisão da área de acordo com sua atual ocupação. Isso poderá ser feito pelo poder público ou em consórcio com os moradores, proprietários e investidores.
Junto a isto, é necessário que haja no âmbito municipal legislação municipal específica que institua no âmbito do Município alguns destes institutos legais abordados neste trabalho e a forma como serão concretizados, com o próprio Estatuto das Cidades o exige.
Nessa realidade legislativa municipal, imprescindível também a alteração e flexibilização dos padrões de ocupação do solo previstos na regra geram da Cidade, criando mecanismos específicos aplicáveis ao local, que permitam também a regularização das obras já construídas, o que deverá ocorrer através da transformação de todo o Loteamento Jardim Praiamar em uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS).
Por sua vez, em função da judicialização da questão, toda esta composição inicial e suas derivações deverão estar previstos em um acordo homologado judicialmente na Ação Civil Pública (autos nº 125.04.001170-8), acordo este que deverá ser realizado entre o Município e o Ministério Público.
Deverá estar presente como cláusula do acordo judicial a constituição do aparato legal municipal, a realização da demarcação urbanísticas e algumas ações de reconhecimento de titularidade definitivas e provisórias do espaço urbano, tais como:
1ª) a permissão do registro dos contratos particulares ou escrituras públicas de todos os adquirentes de imóveis diretamente da Empresa Loteadora;
2ª) a atribuição de títulos de legitimação de posse para todos aqueles que possuírem contratos particulares de compra e venda ou similares de lotes da área, de acordo com a demarcação anteriormente realizada[32];
3ª) a atribuição de títulos de concessão de direito real de uso ou de concessão especial de uso para fins de moradia para os ocupantes de áreas públicas que se enquadrarem nos critérios prescritos na legislação municipal.
Outras duas circunstâncias podem ocorrer que não estão relacionadas na regra construída anteriormente, ou seja, os conflitos individuais entre possuidores ou entre estes e os promitentes compradores e o abandono de imóveis pelos proprietários, constatado na ausência de promitentes compradores em reivindicar a titularidade de áreas sem qualquer ocupação.
No primeiro caso, pouco pode ser feito na realidade da regra gera, senão prever a garantia dos direitos individuais de promitentes compradores e de possuidores, que deverão ser resolvidos no caso concreto.
Quanto aos imóveis abandonados, sugere-se que o Município de Itapema os arrecade[33] para seu patrimônio com a perspectiva de manter a implantação do loteamento, de renegociá-los e de garantir, com isso, recursos para a urbanização da área.
Esta arrecadação deverá ocorrer em prazo certo, com a possibilidade de todos os proprietários e adquirentes de apresentarem anteriormente seus títulos de os terem reconhecidos pelos novos responsáveis pela implantação do loteamento.
As operações consorciadas e os planos de urbanização específicos de cada área deverão instituir formas de contribuição de moradores, proprietários e investidores, de acordo com seus padrões econômico-sociais. O intuito destas contribuições deverá ser exclusivamente a realização da urbanização da área.
Assim, após o assentamento e titulação de todos os moradores da área e dos proprietários, deverá o Município, através da administração direta, indireta, ou através de dos concessionários de serviços públicos ou ainda de operações urbanas consorciadas, estabelecer um Plano de Urbanização, com as respectivas metas de realização, para garantir a diretriz prevista no art. 2º, I, da Lei nº 10.257/01.
6. Conclusão
A realidade do Loteamento Jardim Praiamar não é diferente daquela de milhares de outros loteamentos não concluídos, áreas ocupadas clandestinamente, invasões, etc, existentes pelo Brasil a fora.
A demanda habitacional e a concentração de terra no Brasil fizeram com que um grande número de pessoas, sobretudo de baixa renda, tivessem que “optar” por moradias em locais de risco ou sem estrutura, diante do custo da terra e da própria habitação.
Na cidade de Itapema esse problema se agrava em muito, já que se trata de uma cidade com pequena área de terra, localizada no litoral de Santa Catarina, na qual o valor da terra é relativamente alto e a especulação imobiliária é muito forte.
Além do mais, este fato se agrava quando se observa que a habitação na cidade de Itapema é concebida como mercadoria e não como direito fundamental à moradia, o que encarece mais ainda o custo da moradia.
Isso acarreta um passivo enorme para o Poder Público local, em relação aos serviços e equipamentos públicos que devem estar à disposição da comunidade residente e da população flutuante, que varia de aproximadamente 40.000 (quarenta mil) pessoas em baixa temporada, para mais de 400.000 (quatrocentas mil) nos momentos de pico da alta temporada.
Somado a estes fatores conjunturais, segue-se um crescente fluxo migratório que gerou um aumento populacional de cerca de 200% nos últimos 10 (dez) anos.
Como se não bastasse todas estas variáveis, o Município de Itapema sofreu de inúmeros desgovernos e de uma casta política extremamente inoperante e corrupta, que permitiu as mais variadas barbáries contra os cidadãos e contra a Cidade.
Casada a esta dinâmica própria local, está o novo perfilhamento das cidades modernas, que se apresentam como “único” âmbito das relações humanas, como constituintes do direito à vida em sociedade e como local de solução de todos os problemas individuais e coletivos[34].
Desta forma, qualquer instrumento de regularização que se implante, deverá acarretar esforços conjuntos de todos os órgãos públicos envolvidos, em conjunto com a sociedade civil e com os reais interessados, os moradores que sofrem diariamente com problemas dos mais variados, que vão desde a insegurança constante de suas moradias, até a impossibilidade de realizarem simples ligações de água e luz.
Informações Sobre o Autor
Evaldo José Guerreiro Filho
Advogado, Especialista em Direito Público pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC), Bacharel em Dirieto pela Universidade Federal de Santa Catarina, Secretário de Governo e Planejamento Estratégico do Município de Itapema/SC