Resumo: A remissão pré-processual é instituto de grande importância e que possibilita ao adolescente a oportunidade de ser perdoado sem que se passe pela estimatização de um processo judicial, possibilitando o desafogamento do Poder Judiciário e o intuito pedagógico do Estatuto da Criança e do Adolescente, que é a ressocialização do menor infrator.
Palavras-chave: Remissão. Ministério Público. Medida Socioeducativa. Defesa Técnica.
Abstract: The pre-procedural referral is an institute of great importance and allows the adolescent the opportunity to be forgiven without the estimation of a judicial process, allowing the uncontrolled Judiciary and the pedagogical purpose of the Statute of the Child and Adolescent, which Is the resocialization of the juvenile offender.
Keywords: Remission. Public ministry. Socio-educational Measure. Technical Defense.
Sumário: Introdução; 1-Origem Histórica; 2-Conceito de remissão; 3-Momento da concessão; 4-O Ministério Público e a remissão; 4.1-A remissão como forma de exclusão e a sua cumulação com medida socioeducativa; 4.2-A remissão e a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça; 4.3-Quanto à obrigatoriedade de advogado ou defensor ao adolescente no momento da concessão da remissão ministerial; 4.4-O adolescente e a sua liberdade de aceitação da remissão; Conclusão
INTRODUÇÃO
O instituto da remissão tem por finalidade possibilitar ao menor infrator o seu arrependimento pela prática do ato infracional, considerando a sua condição de pessoa em desenvolvimento sem que ele ao final seja responsabilizado a cumprir medidas socioeducativas de inserção em regime de semi-liberdade ou de internação. O perdão deve ser interpretado como uma regra, analisando o caso concreto, e o órgão concessor verificará as condições pessoais do menor que praticou o ato infracional. É de grande valia o estudo do instituto e o presente artigo visa abordar pontos específicos que são objeto de discussão tanto na jurisprudência pátria quanto na doutrina quanto à remissão ministerial.
1-ORIGEM HISTÓRICA
A remissão é instituto que está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente e traduz a ideia de perdão ao adolescente infrator. O instituto foi adotado com esta tradução no ordenamento jurídico brasileiro, contudo a sua origem histórica surge em período anterior com as Regras Mínimas das Nações Unidas para administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing), que, inclusive trata o instituto em análise com outra nomenclatura.
Segundo Márcio André Lopes Cavalcante, citando Luciano Alves Rossato, “na versão original das Regras de Beijing, escrita em inglês, a expressão utilizada para o instituto foi “diversion” que acabou sendo traduzido como “remissão”. A doutrina especializada, no entanto, critica esta tradução e afirma que remissão é chamada no inglês de remission” (perdão). Logo, a tradução mais correta de “diversion” seria algo como “encaminhamento diferente do original”.”[1]
Por fim, destaca-se que o instituto da remissão está localizado no item 11 das Regras de Beijing. E para fins de conhecimento diz o item 11.3 que:
“Toda remissão que signifique encaminhar o jovem a instituições da comunidade ou de outro tipo dependerá do consentimento dele, de seus pais ou tutores; entretanto, a decisão relativa à remissão do caso será submetida ao exame de uma autoridade competente, se assim for solicitado”.
Diante do exposto, observa-se que a origem histórica se baseia nas Regras de Beijing, tendo o Estatuto da Criança e do Adolescente adotado instituto semelhante, haja vista no Código de Menores sequer ter previsto a existência de um instituto tão importante como é o da remissão.
2-CONCEITO DE REMISSÃO
O instituto da remissão é aquele que possibilita a concessão de perdão ao adolescente quando se está diante de uma prática de ato infracional, ocasião em que o Ministério Público ou o Poder Judiciário, a depender do momento processual, poderá concedê-lo. Segundo o autor Noberto de Almeida Carride, “exprime, pois o sentido de perdão, renúncia, desistência ou absolvição. Juridicamente, a remissão exprime sempre a renúncia voluntária ou a liberação graciosa a respeito de uma dívida, de um direito”.
Segundo o autor Antonio Cezar Lima da Fonseca:
“a remissão implica o “esquecimento” do ato cometido. A “folha” de antecedentes judiciais do infrator é “zerada”, o que não significa que esteja isento de outras reparações, como eventual indenização pelo dano causado.”
Neste mesmo sentido o autor Guilherme Freire de Melo Barros destaca que:
“a remissão não vale como antecedente. Essa característica é importante especialmente em relação à aplicação da medida de internação com base no inciso II do art. 122. Se o adolescente recebe uma remissão e posteriormente comete um ato infracional sem grave ameaça ou violência, não lhe pode ser imposta a medida socioeducativa de internação”.
Superada a fase conceitual faz-se importante destacar o momento em que o benefício é concedido ao menor infrator.
3-MOMENTO DA CONCESSÃO
A remissão se divide em três espécies, sendo elas: exclusão, suspensão ou extinção do processo.
A primeira delas é a remissão como forma de exclusão do processo, também conhecida como pré-processual, que compete exclusivamente ao Ministério Público, antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, conforme prevê o art. 126, caput, do Estatuto, baseando-se no princípio da voluntariedade, hipótese em que poderá o órgão ministerial avaliar a possibilidade de concessão, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e a sua maior ou menor participação no ato infracional. Esta avaliação se dá na oitiva informal, quando o órgão ministerial avalia o comportamento do infrator ainda primário. Ao final da concessão da remissão haverá a homologação judicial, sendo que segundo Antonio Cezar Lima da Fonseca essa homologação ocorre como forma de fiscalização para “que o órgão não cometa abusos, proteção indevida ou benemerências ao arrepio da norma legal”.
Já as outras duas espécies de remissão, tanto a como forma de suspensão quanto de extinção do processo se dão na fase judicial. Aquela visa a suspensão do processo enquanto o adolescente permanecer vinculado à medida- ou medidas ajustadas, e esta visa a extinção do processo, isto é, quando o Poder Judiciário após toda a análise probatória e de condições pessoais do adolescente decide extinguir o processo que teve prosseguimento mediante representação do órgão ministerial em que reconheceu a responsabilidade do adolescente pela prática de ato infracional. Veja que neste caso o Judiciário poderá cumular a remissão com medida socioeducativa, haja vista ser a medida de reserva jurisdicional, conforme teor da súmula nº 108 do Superior Tribunal de Justiça, que diz ser de competência exclusiva do Judiciário.
4-O MINISTÉRIO PÚBLICO E A REMISSÃO
O Ministério Público, dentro de toda a sua vasta área de atuação que o ordenamento jurídico lhe confere, possui a atribuição de conceder a remissão como forma de exclusão do processo (art. 201, I, ECA).
Inicialmente vale destacar que o referido órgão no momento em que toma ciência da prática de ato infracional e que o adolescente lhe é apresentado, deverá proceder imediata e informalmente à sua oitiva e, em sendo possível, de seus pais ou responsáveis legais, vítima e testemunhas, tendo três opções de decisão, podendo promover o arquivamento dos autos, conceder a remissão ou representar à autoridade judiciária para aplicação de medida socioeducativa, conforme se depreende do texto do art. 180 do Estatuto.
A remissão antes da fase judicial é forma de exclusão do processo e constitui-se ato bilateral complexo[2], conforme afirma o autor Tarcísio José Martins Costa, citado por Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (2014, p. 995), porquanto, veja que somente completa o seu ciclo de formação mediante a homologação da autoridade judiciária.
É de notar que o referido instituto tem peculiaridades quando a sua análise é feita de maneira aprofundada em determinados pontos, possuindo divergências de entendimentos, como veremos a seguir.
4.1-A REMISSÃO COMO FORMA DE EXCLUSÃO E A SUA CUMULAÇÃO COM MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
A remissão, como já dito, é instituto que se desdobra em três conseqüências jurídicas, a depender de cada caso concreto. Se a remissão for concedida no âmbito da fase judicial, não há dúvidas de que é possível ser cumulada com medida socioeducativa, pois ela será concedida pelo próprio Poder Judiciário e como já se posicionou em sede de entendimento sumulado o Superior Tribunal de Justiça pacificou a sua jurisprudência no sentido da medida socioeducativa ser ato exclusivo do Juiz.[3]
No que tange à remissão como forma de exclusão do processo, há divergência quanto à sua possibilidade, havendo duas correntes, uma entendendo ser possível ao órgão ministerial a cumulação, desde que a medida socioeducativa não seja privativa de liberdade ou de semiliberdade, já a outra entendendo não ser possível, pelo mesmo fundamento da remissão na fase judicial, qual seja o da súmula 108 do STJ. Ocorre que há julgado recente do próprio STJ que contraria o seu próprio entendimento sumulado. Veja-se:
RECURSO ESPECIAL. LEIN. 8.069/1990. REMISSÃO PRÉ-PROCESSUAL. INICIATIVA DOMINISTÉRIO PÚBLICO. DIVERGÊNCIA TOTAL OU PARCIAL. APLICAÇÃO DO ART. 181, § 2°, DO ECA. RECURSO PROVIDO. 1. É prerrogativa do Ministério Público, como titular da representação por ato infracional, a iniciativa de propor a remissão pré-processual como forma de exclusão do processo, a qual, por expressa previsão do art. 127 do ECA, já declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, pode ser cumulada com medidas socioeducativas em meio aberto, as quais não pressupõem a apuração de responsabilidade e não prevalecem para fins de antecedentes, possuindo apenas caráter pedagógico. 2. O Juiz, no ato da homologação exigida pelo art. 181, § 1°, do ECA, se discordar da remissão concedida pelo Ministério Público, fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça e este oferecerá representação, designará outro promotor para apresentá-la ou ratificará o arquivamento ou a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar. 3. Em caso de discordância parcial quanto aos termos da remissão, não pode o juiz modificar os termos da proposta do Ministério Público no ato da homologação, para fins de excluir medida em meio aberto cumulada com o perdão. 4. Recurso especial provido para anular a homologação da remissão e determinar que o Juízo de primeiro grau adote o rito do art. 181, §2°, do ECA. (REsp 1392888 / MS RECURSO ESPECIAL 2013/0250573-1, Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, 6ª Turma, 30/06/2016.)
Vale destacar que este julgado não representa a posição do Plenário, pois se trata de decisão de Turma, logo, ainda tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça o seu entendimento sumulado.
No que se refere à remissão poder ser cumulada com medida socioeducativa o principal fator da sua admissibilidade é o de que a medida não tem caráter de pena, mas sim pedagógico, para fins de reeducação, frisando ainda o fato de que mesmo com a cumulação a remissão não perde a sua essência de perdão, e segundo o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente o instituto não prevalece para efeitos de antecedentes. Esta, inclusive, é a posição pacífica da Suprema Corte, senão vejamos:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ARTIGO 127 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REMISSÃO CONCEDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CUMULAÇÃO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA IMPOSTA PELA AUTORIDADE JUDICIÁRIA. POSSIBILIDADE. CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA. PRECEDENTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. O acórdão recorrido declarou a inconstitucionalidade do artigo 127, in fine, da Lei n° 8.089/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), por entender que não é possível cumular a remissão concedida pelo Ministério Público, antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, com a aplicação de medida sócio-educativa. 2. A medida sócio-educativa foi imposta pela autoridade judicial, logo, não fere o devido processo legal. A medida de advertência tem caráter pedagógico, de orientação ao menor e em tudo se harmoniza com o escopo que inspirou o sistema instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. A remissão pré-processual concedida pelo Ministério Público, antes mesmo de se iniciar o procedimento no qual seria apurada a responsabilidade, não é incompatível com a imposição de medida sócio-educativa de advertência, porquanto não possui esta caráter de penalidade. Ademais, a imposição de tal medida não prevalece para fins de antecedentes e não pressupõe a apuração de responsabilidade. Precedente. 4. Recurso Extraordinário conhecido e provido. (RE 248018, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 06/05/2008, DJe-112 DIVULG 19-06-2008 PUBLIC 20-06-2008 EMENT VOL-02324-04 PP-00728 RTJ VOL-00205-01 PP-00422 RT v. 97, n. 876, 2008, p. 537-541 LEXSTF v. 30, n. 359, 2008, p. 235-244 RMP n. 36, 2010, p. 247-254).
No mesmo sentido do Supremo Tribunal Federal caminha a doutrina, conforme se observa do artigo publicado pela autora Luana Souza Delitti sobre o tema. Diz a autora:
“A doutrina majoritária, no entanto, é favorável à cumulação de remissão processual com medida socioeducativa, exceto se privativas de liberdade. É dada interpretação distinta à súmula em análise, entendendo que serviu para encerrar discussão anteriormente existente sobre a possibilidade de órgão diverso do Poder Judiciário praticar ato decisório; discussão esta que teve como base a redação do art. 126 no qual se utiliza o verbo conceder.
A cumulação não ofende os princípios constitucionais acima citados, uma vez que a própria lei faz previsão da exceção à regra da cumulação. Vale lembrar, ainda, que a remissão deve ser aceita pelo adolescente e a proposta deve ser aceita pelo juiz, nos termos do artigo 128 do ECA.”
Este também é o entendimento extraído da obra dos autores Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo (p. 246, 2009):
“A referida súmula deve ser interpretada com cautela, de modo a evitar a conclusão apressada (e obviamente equivocada) de que o Ministério Público estaria impedido de exercer uma atribuição que lhe foi expressamente confiada pela Lei nº 8.069/1990. Para tanto, devemos partir da constatação de que a Lei nº 8.069/1990, foi bastante clara ao conferir ao Ministério Público a atribuição/prerrogativa de conceder ao adolescente acusado da prática de atos infracionais a remissão cumulada (ou não) com medidas socioeducativas não privativas de liberdade, o que se extrai da inteligência dos arts. 126 a 128, do ECA e, em especial, do disposto no art. 181, §1º, do mesmo Diploma Legal, que de maneira expressa estabelece que a autoridade judiciária, após homologar a remissão concedida pelo Ministério Público como forma de exclusão do processo, “determinará, conforme o caso, o cumprimento da medida” (verbis), o que seria ocioso (e mesmo teratológico) mencionar caso o termo de remissão homologado não pudesse conter qualquer medida a ser cumprida pelo adolescente”.
Do exposto, analisa-se que a jurisprudência é divergente entre os Tribunais Superiores. Já a doutrina, no entanto, possui posição majoritária quanto à admissibilidade do órgão ministerial conceder remissão cumulada com medida socioeducativa.
4.2-A REMISSÃO E A REMESSA DOS AUTOS AO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
O Estatuto da Criança e do Adolescente traz em seu art. 181, §2º dispositivo que diz em caso de haver discordância quanto à concessão da remissão, “a autoridade judiciária fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado, e este oferecerá representação, designará outro membro do Ministério Público para representá-la, ou ratificará o arquivamento ou a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar.”
Veja que o referido texto possui semelhança ao que prevê o art. 28 do Código de Processo Penal, no que tange à discordância de opinião entre o Ministério Público e o Poder Judiciário quanto ao arquivamento do Inquérito Policial.
Quanto a esse ponto não há divergência alguma da doutrina ou jurisprudência brasileira. Para enriquecimento destaca-se julgado do Tribunal do Paraná fazendo menção a ambos os dispositivos legais:
“O Ministério Público é o titular da ação, podendo, após verificar a possível ocorrência de ato infracional, submeter à autoridade judiciária a promoção para o arquivamento dos autos, a remissão ou a representação para aplicação de medida sócio-educativa, abrindo-se, contudo, para o juiz, tão-somente, caso discorde do arquivamento ou remissão, a possibilidade da remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, valendo-se de mecanismo previsto no art 181, § 2º, do ECA, semelhante ao do art. 28 do CPP. Writ deferido. APL 3842291 PR 0384229-1, 2ª Câmara Criminal, Rel. Lilian Romero, TJ/PR, 14/06/2007.” (Grifo meu).
Assim, havendo opinião do órgão ministerial em conceder a remissão e o Judiciário divergindo no sentido de entender pela representação do ato infracional, ou vice-versa, os autos serão encaminhados ao Procurador-Geral de Justiça, tendo o Estatuto dispositivo próprio (art. 181, §2º), não necessitando de se recorrer à analogia do art. 28 do Código de Processo Penal.[4]
4.3-QUANTO À OBRIGATORIEDADE DE ADVOGADO OU DEFENSOR AO ADOLESCENTE NO MOMENTO DA CONCESSÃO DA REMISSÃO MINISTERIAL
Sabe-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura ao adolescente a garantia de defesa técnica por advogado, a igualdade na relação processual, e a assistência judiciária gratuita a quem dela necessitar, através de defensor público ou advogado nomeado, sendo este raciocínio aplicável da interpretação literal que se faz do art. 111, incisos II e III[5] e do art. 141, §1º[6].
No entanto, há grande polêmica em relação à necessidade de o adolescente ser representado tecnicamente por advogado ainda na fase inicial (pré-processual), quando o Ministério Público procede à imediata e informal oitiva do adolescente infrator e, em sendo possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunhas (art. 179, ECA), isto porque a remissão como forma de exclusão do processo não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade do adolescente, nem prevalece para efeito de antecedentes.
O fator preponderante para quem se posiciona pela necessidade de defesa na oitiva informal é que quando o Ministério Público concede a remissão cumulada com medida socioeducativa (imprópria) o menor se encontra em situação de fragilidade processual, pois em tese recebe um perdão, porém com uma sanção, isto é, uma responsabilidade de cumprir medida socioeducativa de reparar o prejuízo advindo da prática do ato infracional que possivelmente sequer pode ter sido cometido pelo suposto adolescente, daí a necessidade dele querer produzir provas para provar a sua inocência e eventual arquivamento. Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça se posiciona pela imprescindibilidade de advogado. Veja-se:
CRIANÇA E ADOLESCENTE. HABEAS CORPUS . AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO. DEFESA TÉCNICA. PRESCINDIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO. RECONHECIMENTO. 1. A remissão, nos moldes dos arts. 126 e ss. do ECA, implica a submissão a medida sócio educativa sem processo. Tal providência, com significativos efeitos na esfera pessoal do adolescente, deve ser imantada pelo devido processo legal. Dada a carga sancionatória da medida possivelmente assumida, é imperioso que o adolescente se faça acompanhar por advogado, visto que a defesa técnica, apanágio da ampla defesa, é irrenunciável. 2. Ordem concedida para anular o processo e, via de consequência, reconhecer a prescrição do ato infracional imputado à paciente.HABEAS CORPUS Nº 67.826 – SP (2006/0220358-1), Min. Rel. Maria Thereza de Assis Moura.
No entanto, não se pode olvidar que o Ministério Público como órgão de função essencial à justiça, tem o dever legal de ser fiscal do ordenamento jurídico. Logo, não se pode partir do pressuposto de que o referido órgão agirá aos alvedrios da lei. Somado a isso, tem-se o fato de que a remissão é um perdão, e ainda que venha a ser cumulada com medida socioeducativa, caso se adote a corrente que sustenta que este órgão poderá cumular essa medida, não haveria prejuízo ao menor infrator de estar sem representação de um defensor, pois não há que se falar em contraditório em ampla defesa em uma fase pré-processual e ao final o adolescente estaria cumprindo uma medida pedagógica, e não de sanção.
No que tange à remissão própria essa discussão perde o sentido, pois neste caso o perdão sequer pode ser rejeitado pelo adolescente, logo não haveria necessidade de um defensor diante de um benefício que ao final será homologado pelo órgão jurisdicional.
4.4-O ADOLESCENTE E A SUA LIBERDADE DE ACEITAÇÃO DA REMISSÃO
O instituto da remissão como forma de exclusão do processo quando aplicado de forma pura, sem a cumulação de medida socioeducativa (remissão própria), segundo a melhor doutrina, não dá a liberdade de escolha ao adolescente de aceitar ou não o benefício. Neste caso, o adolescente se encontra em situação apenas de sua aceitação, pois se trata de perdão, e que não lhe prejudicará para fins de antecedentes e de eventuais reiterações de atos infracionais.
Diferentemente é a situação em que o perdão é concedido ao adolescente quando cumulada com medida socioeducativa (remissão imprópria), pois mesmo esta tendo caráter pedagógico, o menor estará sujeito ao cumprimento de uma obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade ou liberdade assistida. E veja, o adolescente pode comprovar que não praticou o ato infracional, seja por não ter sido o autor do ato infracional ou por este inexistir. Assim, o adolescente poderá provar a sua inocência e recusar a remissão cumulada com quaisquer dessas medidas socioeducativas citadas. As duas interpretações são confirmadas pelos autores Murillo José Digiácomo e Ildeara de Amorim Digiácomo (p. 213, 2009):
“Em sede de remissão, seja como forma de exclusão do processo (arts. 126, caput c/c 201, inciso I, ambos do ECA), seja como forma de suspensão ou extinção do processo (arts. 126, par. único c/c 148, inciso II, ambos do ECA), não poderá haver a imposição de medidas socioeducativas, que somente poderão ser incluídas no termo se houver a concordância expressa do adolescente, devidamente assistido por seus pais ou responsável. A imposição de medidas socioeducativas em sede de remissão importaria em afronta ao princípio constitucional do devido processo legal, ex vi do disposto no art. 5º, inciso LIV, da CF”.
Em outro trecho da obra dizem que:
“Embora em condições normais a oitiva informal do adolescente não possa ser dispensada, nada impede que, em situações excepcionais (quando da não localização deste para o ato, por exemplo), o representante do MP promova o arquivamento dos autos, conceda remissão (em sua forma de “perdão puro e simples, desacompanhada de qualquer medida socioeducativa) ou mesmo ofereça a representação socioeducativa, sem a prévia realização da oitiva.”
Assim, devido à importância do Ministério Público no ordenamento jurídico, os autores afirmam que é possível que o órgão conceda a remissão própria até mesmo sem a oitiva informal, o que significa dizer que prescinde da anuência do adolescente para que seja homologada pelo Poder Judiciário.
CONCLUSÃO
Conforme se observa do estudo da remissão pré-processual, trata-se de instituto de grande valia que possui aplicação prática relevante devido a suas grandes divergências que se dão em determinados pontos específicos, como a possibilidade de o órgão ministerial conceder essa cumulação, a de necessidade de defesa, a de anuência do menor infrator, entre outras exploradas neste artigo. O intuito do presente artigo foi concretizado ao delimitar cada ponto abordado de acordo com a posição da doutrina e da jurisprudência pátria, que como dito, não têm sido unânime até o presente momento.
Informações Sobre o Autor
João Gabriel Cardoso
Advogado. Pós-graduado em Direito Administrativo pela Faculdade de Ciências Wenceslau Braz. Aprovado no concurso público de provas e títulos para o cargo de Delegado de Polícia Civil do Estado do Ceará