Resumo: O presente artigo objetiva fazer algumas considerações a respeito da repartição das competências constitucionais, em matéria ambiental, entre as pessoas políticas no Brasil. Abordará as competências relacionadas na Constituição Federal da União, dos Estados e Distrito Federal, e dará especial enfoque a competência do Município. Nesse aspecto, perquirirá a respeito do significado da competência suplementar e do interesse local que a Constituição Federal atribui ao Município, no que pertine ao meio ambiente. Abordará o entendimento jurisprudencial sobre a possibilidade, ou não, do Município legislar sobre meio ambiente. E, por fim, tratará dos instrumentos do planejamento urbano e ambiental das cidades contemporâneas.
Palavras-chave: competência – meio ambiente – Município
Abstract: This paper aims to make some considerations about the constitutional division of powers in environmental policies among people in Brazil. Address the competencies listed in the Constitution of the Union and the States and the Federal District, and give special focus jurisdiction of the Municipality. In this respect, review about the meaning of supplementary jurisdiction and local interest that the Constitution assigns to the municipality in respect to the environment. Address the legal understanding on whether or not the municipality to legislate on the environment. And finally, treat the instruments of urban and environmental planning of contemporary cities.
Keywords: competence – environment – Municipality
Sumário: Introdução. I- O despertar da conscientização sobre a importância do meio ambiente e de sua proteção. II- O conceito de meio ambiente. III- Da repartição de competência na Constituição Federal. IV- A competência ambiental na Constituição Federal. IV- A) Da competência da União. IV-B) Da competência dos Estados e DF. IV-C) Da competência dos Municípios. V-Instrumentos do planejamento urbano e ambiental. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente artigo abordará a competência ambiental das pessoas políticas no Brasil desenhada na Constituição Federal, com destaque ao papel do Município. Preliminarmente, fará um breve retrospecto do caminho percorrido até o surgimento da conscientização mundial, e, particularmente, a do Brasil, sobre a necessidade da preservação do meio ambiente. Em seguida, dará sua definição de meio ambiente.
Adentrando, propriamente no objeto do estudo, analisará a repartição das competências das entidades políticas previstas pela Constituição Federal do Brasil, de modo geral, e, especificamente, a ambiental, e, nesse particular, abrirá tópicos em separado, para a União, os Estados e Distrito Federal, e Municípios, onde serão abordadas as competências material e legislativa. No tópico do Município, procurará indagar sobre o significado da competência suplementar e o que seja “interesse local”. Abre tópico específico sobre os instrumentos do planejamento urbano e ambiental dos Municípios.
Conclui, por fim, que não obstante a falta de competência do Município, como entende a jurisprudência, para legislar sobre questão ambiental, não o impede de criar cidades sustentáveis mediante a competência administrativa consubstanciada através de seu poder de polícia.
I- O DESPERTAR DA CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE A IMPORTÂNCIA DO MEIO AMBIENTE E DE SUA PROTEÇÃO
Antes de se partir para a análise da distribuição da competência ambiental, prevista na Constituição Federal de 1988 para as pessoas políticas no Brasil, faz-se necessário um pequeno retrospecto do caminho percorrido até o surgimento da conscientização mundial da necessidade da preservação do meio ambiente, e que aqui também encontrou solo fértil tanto que o elevou a categoria de bem constitucional.
O embrião desse novo entendimento iniciou-se no final da década de 1960, mas, de fato, somente na seguinte, com o surgimento da crise do petróleo, o acidente industrial na cidade de Seveso, norte da Itália, em 1976, e o acidente naútico com o petroleiro Amoco Cadiz, em 1978, na costa da Bretanha, considerado à época o maior desastre biológico, é que foi repensada a idéia então prevalecente de que a proteção e qualidade ambiental eram incompatíveis com o desenvolvimento econômico.
Nesse ambiente propício a mudanças, na Suécia, entre 05 a 16/06/1972, ocorreu a Conferência de Estocolmo, a primeira atitude mundial em tentar organizar a relação do Homem eo Meio Ambiente mediante a adoção de políticas de controle da poluição ambiental, e que a partir da Declaração de Estocolmo criou com status constitucional o direito do homem ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Foi a partir dessa Conferência que no Brasil os principais órgãos de meio ambiente, nas esferas federal e estadual, tiveram início, ocorrendo, inclusive a criação, em 1973, da Secretaria de Meio Ambiente da Presidência da República, e o aparecimento dos primeiros movimentos ambientalistas.
Na década de 1980, importantes leis foram criadas, com a de nº 6.803/1980, que previu as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição e a de nº 6.902/1981, que dispôs sobre a criação de estações biológicas e de Áreas de Proteção Ambiental.
Com a Lei nº 6.938/81 – Política Nacional do Meio Ambiente – caminhou-se para a proteção ambiental de forma específica e global, por meio da instituição de um Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) composto de órgãos e entidades de todas as unidades da Federação vinculados ao meio ambiente, com a seguinte composição (OLIVEIRA, et al, 2012, pág.59):
a-) órgão superior: o Conselho de Governo, com a função de assessorar o Presidente da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais;
b-) órgão consultivo e deliberativo: Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida;
c-) órgão central: Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão federal, a política nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente;
d-) órgão executor: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA), com a finalidade de executar e fazer executar, como órgão federal, a política e diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente. Apesar de não constar na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, considera-se igualmente como órgão executor do SISNAMA o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), conforme Decreto nº 99.274/90, que regulamentou a Lei nº 6.938/81 (art.3º, IV);
e-) órgãos seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental;
f-) órgãos locais: os órgãos ou entidades municipais responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições.
E, em 1988, com a promulgação da Constituição Federal previu-se nela, como direito fundamental do cidadão,a possibilidade de propor ação popular visando a anulação de ato lesivo ao meio ambiente (artigo 5º, inciso LXXIII), a inserção deum capítulo sobre o meio ambiente (artigo 225), sendo a sua defesa elevada a princípio da ordem econômica (artigo 171, inciso VI)
Há que se atentar que a Lei nº 6.938/81, que estabelece o SISNAMA, foi recepcionada pela Constituição de 1988, como lei complementar prevista no artigo 23, à exceção do §1º do seu artigo 6º.
O direito ao meio ambiente e sua tutela é considerado direito constitucional de terceira dimensão ou fraternal, ainda que inserido na ordem social, que necessita de esforços de todos, estando no mesmo patamar do direito à paz, ao desenvolvimento, ao respeito do patrimônio comum da humanidade. (SCHMIDT, et al, 2011, pág.21)
II – O CONCEITO DE MEIO AMBIENTE
Pedro Lenza (2009,pág. 844), parafraseando José Afonso da Silva, entende que o meio ambiente é a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida em qualquer de suas formas.
Lenza (2009,pág.844), salienta que o preservacionismo ambiental caracteriza-se como direito humano de terceira dimensão, estando o ser humano inserido na coletividade sendo, assim, titular dos direitos de solidariedade. E, identifica no conceito de meio ambiente, quatro aspectos específicos, a saber:
a) meio ambiente natural ou físico, constituído pelo solo, água, ar atmosférico, energia, flora, fauna, ou seja, a correlação entre seres vivos e o meio em que vivem (art.225, caput e §1º, I e VII, CF);
b) meio ambiente cultural, que aponta a história e a cultura de um povo, as suas raízes e identidade, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico (cf. arts. 225, caput, 215 e 216,CF);
c) meio ambiente artificial ou humano: consubstanciado no espaço urbano construído, destacando-se as edificações (espaço urbano fechado) e os equipamentos públicos, como ruas, parques, praças,etc. (espaço urbano aberto) (arts. 225, caput, 5º,XXIII, 182 e segs, dentre outros,CF);
d) meio ambiente do trabalho, espécie domeio ambiente artificial, caracterizado pelo local em que o trabalhador exerce sua atividade (arts. 200, VIII, 196 e segs. e 7º, CF).
Christiano Ribeiro Dorneles (SCHMIDT et al, 2011,pág.20), depois de concluir que um conceito mínimo do que seja meio ambiente acaba influindo diretamente na definição das competências dos entes federados sobre o assunto, aponta que a doutrina costuma identificar o Direito Ambiental dentro de um conceito onde podem ser ressaltados os aspectos: 1) objetivos – conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da proteção do meio ambiente -; 2) científico – busca do conhecimento sistematizado das normas e dos princípios ordenadores da tutela –; e, 3) cultural – jurisprudência judicial e administrativa, práticas locais, etc..
Para José Afonso da Silva (2005, pág. 316), a Constituição define meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos e lhe dá a natureza de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.
Conclui-se, pois, ao ver o posicionamento dos doutrinadores supra, que o meio ambiente e sua proteção encontram-se constitucionalizados, abrangem todos os aspectos da vida terrestre e sua proteção é direito de todos, não só da geração presente, mas, também das futuras, e nesse particular, apresenta uma característica de mão dupla, uma vez que a sua defesa e preservação não é obrigação somente atribuída ao Poder Público, mas, também, a toda a coletividade.
III – DA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
As entidades políticas são todas autônomas e essa espécie de poder constitui o núcleo do conceito do Estado federal, poderes aí, significando a porção de matérias que a Constituição distribui entre as entidades e que passam a compor seu campo de atuação governamental, suas áreas de competência, definidas essas como as diversas modalidades desse poder que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar as suas funções. (SILVA, 2005, pág.477)
O princípio geral que norteia a repartição de competências entre as entidades componentes do Estado federal que é o da predominância do interesse, segundo o qual caberá a União as matérias de predominante interesse geral, nacional, aos Estados, os de interesse regional, e aos Municípios, os de interesse local, está-se tornando cada vez mais difícil de discernir. Exemplificando, os problemas da Amazônia, os do polígono da seca, não afetam a União como um todo, porém atingem mais de um Estado. (SILVA, 2005, pág.478)
Assim é, que seguindo a tendência moderna, a Constituição Federal de 1988 adota um sistema complexo de repartição de competências, que segundo Silva (2005, pág.479) “… busca realizar o equilíbrio federativo, por meio de uma repartição de competências que se fundamenta na técnica de enumeração dos poderes da União (arts. 21 e 22), com poderes remanescentes para os Estados(art.25, §1º) e poderes definidos indicativamente para os Municípios art.30), combinando com essa reserva de poderes de campos específicos, possibilidades de delegação (art.22, § único), áreas comuns em que se preveem atuações paralelas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art.23) e concorrentes entre a União e os Estados em que a competência para estabelecer políticas, diretrizes ou normas gerais, cabe à União, enquanto se defere aos Estados e até aos Municípios a competência suplementar”.
IV – A COMPETÊNCIA AMBIENTAL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A competência ambiental, segundo Christiano Ribeiro Dornelles (SCHMIDT, et al, 2011, pág.24) é a medida do poder de sua tutela intrinsecamente relacionada com o pacto federativo e a repartição de poderes no âmbito de nossa República Federativa, e diz respeito à atividade legislativa e administrativa. E aí temos a competência privativa, em corte vertical, e as competências concorrente e comum, em corte horizontal.
Raul Machado Horta (1994, pág.24) ao abordar as referências ao meio ambiente na Constituição, procura agrupá-las na seguinte classificação:
I – regras de garantia- artigo 5º, LXXIII;
II- regras de competência – competências comuns e concorrentes (artigos 22, 23 e 24);
III- regras gerais – definem princípios de conduta como por exemplo a que determina o artigo 170, VI, princípios gerais do meio ambiente; responsabilidade da pessoa jurídica por atos praticados contra a ordem econômica dentre elas a defesa do meio ambiente (artigo 173,§5º); a que impõe à propriedade rural a preservação do meio ambiente artigo 186, II; e as atribuições do SUS colaborar com a proteção do meio ambiente (artigo 200);
IV- regras específicas: são as dispostas no artigo 225 e seus §s e incisos.
A essas regras apontadas por Horta, sugere-se outra, ligada à política urbana prevista no artigo 182, que ainda que não mencione expressamente o meio ambiente regula a política de desenvolvimento urbano, a ser executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, que objetiva ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
A lei mencionada pelo artigo é a de nr. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) que em seu artigo 1º,§ único, vem a explicitar o seu alcance que é o de estabelecer normas de ordem pública e interesse social que regulem o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como o equilíbrio ambiental.
Vê-se, assim, a multiplicidade de referências ao meio ambiente, todas demandando políticas públicas a serem implementadas pelos Poderes Públicos.
E, é, aí, que surgem as dificuldades para o funcionamento da tutela do meio ambiente no Brasil, uma vez que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos.
Assim, a qual deles cabe a tarefa de tutelar o meio ambiente?
Para responder a essa questão, passa-se a analisar, separadamente, a competência que cada uma das entidades políticas recebeu da Lei Maior no que se refere ao meio ambiente.
IV- A) DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO
A União dispõe de competência material ou administrativa exclusiva (art.21); de competência legislativa privativa (art. 22); de competência comum com os Estado, Distrito Federal e Municípios (art.23); e de competência legislativa concorrente com os Estados (art.24).
A competência material ou administrativa regulamenta o campo do exercício das funções governamentais podendo ser tanto exclusiva da União (com a característica da indelegabilidade), como comum (cumulativa, concorrente administrativa ou paralela).
Na competência material ou administrativa exclusiva, em matéria de meio ambiente vê-se que compete com exclusividade à União: a) explorar diretamente ou por autorização, concessão ou permissão os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos d’água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos (inciso XII, alínea “b”); instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso (inciso XIX); c) instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; d) atendidos os princípios e condições elencadas em seu inciso XXIII,constitui monopólio estatal da União a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados; e) estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de garimpagem, em forma associativa.
Na competência comum em que todos os entes federativos podem atuar, a Constituição Federal previu em seu artigo 23, § único, que leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
Em relação ao meio ambiente, pode-se verificar no tocante à competência comum (art.23) que: a) o inciso III, visa proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; b) o inciso IV visa impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; c) o inciso VI, especificamente prevê a proteção do meio ambiente e o combate da poluição em qualquer de suas formas; d) o inciso VII objetiva preservar as florestas, a fauna e a flora; e) o inciso XI, visa registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.
O artigo 22 que trata da competência legislativa privativa da União admite uma autorização aos Estados por meio de lei complementar para que esses legislem sobre questões específicas onde prepondere o aspecto regional.
E essa competência para legislar sobre o meio ambiente é concernente: a) águas, energia (inciso IV); b) jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia (inciso XII); c) atividades nucleares de qualquer natureza (inciso XXVI).
O artigo 24 elenca a competência concorrente entre a União e os Estados e o Distrito Federal, cabendo àquela as normas gerais, e na falta delas, a competência plena dos Estados para atender as suas peculiaridades (é claro, que no caso de superveniência de lei federal sobre normas gerais, suspende a lei estadual, no que lhe for contrário).
No que concerne ao meio ambiente, a competência concorrente da União e Estados e Distrito Federal proposta pelo artigo 24, é: a) direito urbanístico (inciso I); b) florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (inciso VI); c) proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (inciso VII); d) responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (inciso VIII).
II – B) DA COMPETÊNCIA DOS ESTADO E DISTRITO FEDERAL
A Constituição Federal, ao contrário do que dispõe à União e ao Município, não elenca as competências dos Estados prevendo, apenas, em seu artigo 25, §1º, que aos Estados são reservadas as competências que não lhes sejam por ela vedadas.
Entretanto, a par dessa previsão constitucional, que à primeira vista parece limitar a competência dos Estados e Distrito Federal, há que se apontar que a própria Lei Maior reserva, expressamente, aos Estados e ao Distrito Federal, matérias de competência privativa que podem ter reflexo na qualidade do meio ambiente como na hipótese do artigo 25, §3º, que disciplina a instituição de Regiões Metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões e, neste particular cabe a eles disciplinar legislativamente sobre a preservação e defesa do meio ambiente.
A par dessa exceção, constata-se que de maneira geral os Estados e Distrito Federal têm uma competência, ora remanescente (art.25,§1º), ora concorrente com a União (art.24), ora podendo, inclusive, legislar em matéria exclusiva da União desde que, como se disse supra, autorizado por lei complementar e sobre questões específicas (art.22, § único).
À vista do quanto exposto, de que o Estado não tem um elenco de competências exclusivas – à exceção do quanto previsto no art. 25, §3º, da CF- parece acertado o entendimento de Celso Bastos (apud MORAES, 2007, pág. 286) de que a União tem um papel hegemônico na atividade legislativa em todos os campos e o Município em razão do artigo 30,I, para os assuntos de interesse local, o que leva a constatação de que a competência do Estado para legislar originariamente fica reduzido a itens poucos numerosos, quase inexistentes.
IV- C) DA COMPETÊNCIA MUNICIPAL
O artigo 30, da Constituição Federal, prevê que compete ao Município legislar sobre assuntos de interesse local (inciso I); suplementar a legislação federal e estadual no que couber (inciso II); promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle de uso, do parcelamento e da ocupação do solo (inciso VIII).
Quanto à competência suplementar, no que concerne ao meio ambiente, competirá aos Municípios legislar, dentre outros, sobre: a) proteção do patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; b) responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico local; c) direito urbanístico local.
Há que se atentar que ao se tratar da competência do Município é oportuno dizer que interesse local não pode ser entendido como aquilo que é exclusivo, mas o que é preponderante.
Para Mello (2008, pág. 832), todavia, a matéria da União pode ter ressonância no plano municipal, porém, sobre certas matérias, improcede alegar interesse local do Município para fundamentar a legislação municipal. Assim, por exemplo, as relações de trabalho, cíveis e comerciais, as relações agrárias, vão se realizar no Município porém serão reguladas pela União.
Um outro aspecto primacial no estudo das competências do Munícipio é a falta de definição do que seja, interesse local.
O que se pode dizer, é que as competências privativas do Município, em matéria de meio ambiente, a maior parte delas se reconhece que se comparte com a União e com os Estados, pois, nos termos do artigo 225, são encargos do Poder Público integrando o universo das competências comuns e concorrentes.
Por outro lado o artigo 24, da CF, apenas prevê ser da competência da União e dos Estados legislar concorrentemente sobre o rol de matérias nele relacionadas. É silente quanto ao Município.
Assim, utilizando-se de uma interpretação possível, poder-se-ia dizer que ao Município não cabe suprir a falta de normas gerais de competência da União, mas pode, sim, em virtude da previsão contida no artigo 30, II, complementá-la no que couber, ou seja, dentro do universo de competência a ele reservada pela Lei Maior, e aqui excluída a competência do Estado, ainda que necessite, ao exercitá-la, observar a legislação concorrente federal e estadual sobre normas gerais já existentes.
Desta maneira, inexistindo normas gerais da União, aos Municípios se abre a possibilidade de suprir a lacuna para editá-las para atender suas peculiaridades. Caso o Estado tenha expedido tais normas caberá ao Município respeitá-la só podendo complementá-las.
Toshio Mukai (2002, pág. 121), ao tratar da autonomia municipal e a legislação sobre meio ambiente, afirma que a competência do Município é sempre concorrente com a União e a dos Estados membros, podendo legislar sobre todos os aspectos do meio ambiente, de acordo com a autonomia local, quando então sua legislação deve prevalecer sobre qualquer outra, desde que inferida da predominância do interesse local, o que não ocorre nas hipóteses em que a emissão da lei decorra de competências privativas subsistindo a do Município, entretanto, as observando.
Vladimir Passos de Freitas (2005, pág.67), concordando com o doutrinador supra, dá importante exemplo: a Lei municipal nº 35, de 08/05/1997, de Barra do Quaraí, no Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai foi promulgada para disciplinar a captura, transporte, comercialização e fiscalização do pescado na área do Município e definir as espécies de pescador, a proibição de pesca e a imposição de sanções administrativas. Posicionando-se sobre o assunto, assevera que não obstante haver lei tanto da União, quanto do Estado do Rio Grande do Sul,a reger a matéria, a lei municipal em tela é constitucional, com base no artigo 30, inciso I, da CF, tratando-se de lei suplementar, uma vez que as leis federais e estaduais são normas de natureza mais genérica e não atendem ao caso ora analisado.
Faz, contudo, uma advertência: a de que deve ser aceito tal posicionamento após análise criteriosa e particular de cada caso concreto.
Não é, entretanto, o posicionamento atual da jurisprudência.
Senão, veja-se:
Em pesquisa junto à jurisprudência doTribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, verifica-se, pelos julgados recentes, a inadmissibilidade do município legislar sobre meio ambiente:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 4742/93 DE RIO GRANDE. NÍVEIS DE DECIBÉIS. HORÁRIOS NOTURNO E DIURNO. AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA DA MUNICIPALIDADE PARA DISPOR SOBRE NÍVEIS DE DECIBÉIS SUPERIORES AOS CONSTANTES NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA.
Nos termos do disposto no artigo 24, VI, da Constituição Federal, os Municípios não dispõem de competência concorrente para legislar sobre proteção ao meio ambiente e controle da poluição, competência restrita da União, Estados e Distrito Federal, o que, no âmbito estadual foi disciplinado pelo artigo 52, XIV, da Constituição Estadual, que editou o Decreto Estadual 23.439/74 para tanto, podendo os Municípios suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, por aplicação do artigo 30, II, da Constituição Federal.
Logo, ausente competência do Município para disciplinar níveis de decibéis superiores aos constantes na legislação estadual, flagrada a inconstitucionalidade da norma municipal. Precedente do Órgão Especial do TJRGS.AÇÃO JULGADA PROCEDENTE, POR MAIORIA”. (ADI 70033909680, d.j. 19/04/10, grifos nossos)
“ADIN. Lei municipal. inconstitucionalidade formal e material. Matéria de competência do estado. CAPINA QUÍMICA. Padece de inconstitucionalidade formal, por vício material e formal dos artigos 8º e 251, § 1º, inciso III, da CE, a Lei n.º 538/2007, do Município de Sete de Setembro, que dispõe ‘sobre o saneamento vegetal, regulamenta o uso e manipulação de produtos para a capina química e dá outras providências’, por adentrar em seara de competência exclusiva do Estado.A competência comum do Município é para normas de proteção ao meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas (inc.VI, art. 23, CF), mas a regulamentação do uso de agrotóxicos, se encontra na órbita do Estado, cuja previsão é expressa em proibir a utilização da capina química (Portaria nº 16/94 – Secretaria de Estado da Saúde e do Meio Ambiente)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. (ADI 70030334460, d.j.14/1209, grifos nossos)
À vista desses Acórdãos, pode-se inferir que o que se admite como competência do Município, são as normas de proteção, que tem caráter administrativo, de que trata o artigo 23 da CF, compatível com a atuação do poder de polícia. Competência esta que não se estende a legislar sobre o tema – ainda que o primeiro julgado avente a possibilidade de lei suplementar, de que trata o artigo 30, inciso II, da CF.
Nessa mesma toada são as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“EMENTA – Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei Municipal n° 4.228, de 17 de novembro de 2010 e suas alterações posteriores, que dispõe sobre a ‘substituição do uso de sacos plásticos de lixo e de sacolas plásticas por sacos de lixo ecológicos ou compostáveis e sacolas ecológicas ou compostáveis, e dá outras providências’. Proteção do Meio Ambiente. Matéria decompetência concorrente reservada àUnião e ao Estado. Vício de iniciativa. Precedentes do Colendo Órgão Especial.Ação procedente” (ADI 0111157-61.2012.8.26.0000,d.j. 27/03/13) .
Para um melhor entendimento dessa questão, passa-se a apresentar trecho do voto do Relator Franco Carvalho, do acórdão supra, que assim o fundamentou:
“A presente ação tem por objeto a Lei n°4.228, de 17 de novembro de 2010, do Município de Bebedouro, que dispõe sobre a substituição do uso de sacos plásticos de lixo e de sacolas plásticas por sacos de lixo ecológicos ou compostáveis e sacolas ecológicas ou compostáveis. Trata-se de diploma, que tem por escopo, a proteção do meio ambiente, mediante a substituição de sacos e sacolas por outros produtos mais adequados às exigências ecológicas, sem ônus ao consumidor, cuja circunstância, porém, ao contrário do alegado a fls. 142 e seguintes, não insere a lei no âmbito da legislação consumerista.
Embora louvável a intenção do legislador local de editar regras para a proteção do meio ambiente, a norma do artigo 23, inciso VI, da CF, que lhe atribui a incumbência de ‘proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas’, não arreda a inconstitucionalidade da lei editada. Com efeito. O rol de competências do art.23 da CF é de caráter administrativo e não legislativo, pois envolve a execução de políticas públicas, atinentes à proteção do meio ambiente e combate à poluição. Segundo o Prof. José Afonso da Silva, "O princípio geral que norteia a repartição da competência entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse, segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos Municípios conheceremos assuntos de interesse local, tendo a Constituição vigente desprezado o velho conceito de peculiar interesse local que não lograra conceituação satisfatória num século de vigência’ (Curso de Direito ConstitucionalPositivo, SP, Malheiros, 2007, 29a ed., pag. 478). Outra não é a lição da doutrina sempre prestigiada de Hely Lopes Meirelles, trazida à colação às fls. 7: ‘O interesse local caracteriza-se pela predominância (e não pela exclusividade) do interesse para o Município, em relação ao do Estado e da União. Isso porque não há assunto municipal que não seja reflexamente de interesse estadual e nacional. A diferença é apenas de grau e não de substância’ (Direito de Construir, 6ª ed., Malheiros, 1993,pág. 120). Portanto, a competência do Município para ‘legislar sobre assuntos de seu interesse’, prevista no artigo 30, inciso I, da CF, não favorece a tese de constitucionalidade da lei impugnada, uma vez que ‘embora inegavelmente seja interesse também do Município o de zelar pela preservação do meio ambiente, não há nisso o caráter de preponderância em seu favor’(Ação Direta de Inconstitucionalidade n°0036733-48.2012.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, Relator o EminenteDesembargador ARTHUR MARQUES). No mesmo diapasão, a lição contida no v.acórdão da lavra do culto Desembargador WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n°49.2011.8.26.0000, da comarca de São Paulo: ‘No que concerne à proteção do meioambiente, a competência legislativa é concorrente, tendo sido atribuída à União e aos Estados, com exclusão, todavia, dos Municípios. Pode, todavia,o Município legislar sobre proteção do meio ambiente de forma a suplementar a lei federal e a estadual no que couber (art. 30, II da CF). Alguém há de dizer que proteger o meio ambiente se insere, também, dado o inerente interesse, na competência legislativa do Município. Sim, mas não exclusivamente. Por outras palavras, se o legislador constituinte outorgou, concorrentemente, à União, aos Estados e ao Distrito Federal, legislar sobre a proteção ao meio ambiente, não há como entender, sob pena de absoluta contradição, que o tivesse feito, relativamente aos Municípios, de forma exclusiva. Resta-lhe, por conseguinte, no tema, a competência suplementar. Não poderia ser a proteção ao meio ambiente matéria de competência concorrente e, ao mesmo tempo, exclusiva dos Municípios, destes, sob alegação de ser assunto de interesse local. Meio ambiente é assunto que interessa a todos os entes federativos, incluídos os Municípios, é claro, mas não sendo de preponderante interesse local’. A competência legislativa concorrente prevista no artigo 24 da Constituição Federal, não contempla o Município, pois atribuída apenas à União, aos Estados e ao Distrito Federal, para legislar sobre matéria ambiental, e tendo o legislador municipal editado lei como se estivesse no exercício de competência exclusiva e não de regramento suplementar, o diploma contém vício da inconstitucionalidade. Assim, a lei ora impugnada, por não albergar matéria de peculiar interesse do Município, invade competência legislativa da União e do Estado, uma vez que o interesse posto, de proteção ao meio ambiente, não pode ser considerado como predominante no âmbito municipal, mas de matéria que se insere no âmbito da competência concorrente regional e nacional, conforme a regra do artigo 24, VI, daConstituição Federal’.…”
Também na seara do Supremo Tribunal Federal:
“AGRAVOS REGIMENTAIS NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL. PLANEJAMENTO COSTEIRO. 1. Competência dos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local e promover o ordenamento territorial urbano: necessidade de observância das normas estaduais sobre direito urbanístico, meio ambiente e proteção ao patrimônioturístico e paisagístico. 2. Deficiência na fundamentação do recurso.Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal. 3. Agravos regimentais aosquais se nega provimento”. (2ºAg.Rg no RE 474.922, 2ª T, d.j. 27/11/12)
À vista do exposto, e retornando a pergunta feita alhures: “a qual deles cabe a tarefa de tutelar o meio ambiente?”.
Do que se depreende da jurisprudência colhida, é que há um consenso na atualidade que entende não ser admissível o Município legislar sobre meio ambiente podendo, tão somente, administrativamente, através do poder de polícia, editar, por exemplo, resoluções de conselhos de meio ambiente, de modo a tornar eficaz o quanto disposto no artigo 23, inciso VI, ou seja, a proteção e o combate à poluição em qualquer de suas formas. A competência suplementar não pode ser uma porta aberta para a inobservância da Constituição Federal que expressamente atribuiu à competência concorrente entre a União e os Estados e Distrito Federal no tocante ao meio ambiente. Também no que pertine a ser de interesse local. Ademais como bem observou em seu voto o Relator do julgado supra “a proteção ao meio ambiente, não pode ser considerado como predominante no âmbito municipal, mas de matéria que se insere no âmbito da competência concorrente regional e nacional, conforme a regra do artigo 24, VI, da Constituição Federal’.…”
E será esse modelo, desenhado pelo constituinte – que, afinal, modificou profundamente a posição dos Municípios na Federação, posto que os considerou componentes da estrutura federativa, saindo do modelo usual praticado pelas demais constituições no mundo – adequado para se atingir o objetivo de se ter cidades sustentáveis ? Ou é necessário uma mudança na Constituição, no sentido de se atribuir também ao Município a competência para legislar sobre o meio ambiente?
Acredita-se que não. O Brasil possui, pelo menos teoricamente, uma Constituição que prestigia o Município e que constitucionalizou, a exemplo das demais nações, o meio ambiente.
Nesse passo, o que está a faltar é espírito público, profissionalismo, eficiência e probidade aos homens (e mulheres) que ocupam cargos que tenham poder, quer na esfera municipal, quer na estadual, quer na federal e que podem fazer a diferença.
Idéias boas não faltam. Um bom exemplo disso, é o projeto de cidades sustentáveis do Ministério do Meio Ambiente, que está à disposição de todos os Municípios, e que, de maneira sucinta e exemplificativa, abaixo se descreve um de seus elementos: o planejamento ambiental urbano, que se desdobra nos seguintes objetivos:
1-) capacitação: uma das metas da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano é fomentar a capacitação em gestão ambiental urbana, através de cursos de ensino à distância, voltados a capacitação em sustentabilidade ambiental urbana de servidores municipais efetivos;
2-) indicadores: a formulação de indicadores ao longo das últimas décadas vem se consolidando como uma importante ferramenta para o planejamento e avaliação de políticas públicas, entre elas a política ambiental urbana. A correta utilização e leitura desses indicadores fortalece dentre outras aplicabilidades a tomada de decisões e a participação da sociedade. A avaliação desses indicadores permite a inserção de variáveis e parâmetros ambientais nos instrumentos de caráter urbanístico, tais como: plano diretor; planos setoriais; leis de parcelamento do solo e zoneamento urbano;
3-) instrumentos econômicos: a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, fruto da ECO – 92, enuncia que os Estados devem promover a adoção de instrumentos econômicos como iniciativa de proteção à integridade do sistema ambiental global. Na política ambiental urbana há dispositivos de incentivo econômico como a transferência do direito de construir, a inclusão de critérios ambientais a uma parcela do ICMS que é repassado aos Municípios, o chamado “ICMS ecológico”;
4-) instrumentos de planejamento: o planejamento das cidades no Brasil é prerrogativa constitucional da gestão municipal, que responde pela delimitação oficial da zona urbana, rural, para onde são direcionados os instrumento de planejamento ambiental. No âmbito do meio ambiente urbano, os principais instrumentos são o Zoneamento Ecológico-Econômico – ZEE, o Plano Diretor Municipal, o Plano de Bacia Hidrográfica, o Plano Ambiental Municipal, a Agenda 21 Local e o Plano de gestão Integrada da Orla. O fundamental é que esses instrumentos sejam compostos por ações preventivas e normativas que permitam controlar os impactos territoriais negativos dos investimentos público-privados sobre os recursos naturais componentes das cidades.
É claro que não se está a dizer que os Municípios, entidades autônomas, e um dos componentes da República Federativa do Brasil, deva estar a reboque de um Ministério que lhe dê as diretrizes para a condução de seus assuntos internos, mas, serve como uma orientação, de especialistas nas áreas de planejamento ambiental, sendo certo que os Municípios poderão, também, valer-se de seu quadro funcional ou, até mesmo, contratar profissionais da área desde que, nesse último caso, sejam observadas às disposições da Lei 8.666/93.
V – INSTRUMENTOS DO PLANEJAMENTO URBANO E AMBIENTAL
Inicialmente, por apresentar de modo explícito a essencialidade de se instituir um planejamento integrado que implante uma coordenação intersetorial, com destaque ao vetor ambiental, aponte-se o entendimento sintetizado de Yves Chalas, apud Élson Pereira (SCHMIDT et al, 2011, pág. 254), sobre a sua caracterização de cidades contemporâneas: para ele, a urbanidade que hoje se desenha não faz tábua rasa de elementos tradicionais da análise urbana, tais como: rural/urbano; centro/periferia; cidade/não cidade; homogêneo/heterogêneo, ao contrário, ela os integra a todos, e os reorganiza e os redistribui segundo uma dinâmica não dualista do terceiro incluído. Para ele, a cidade contemporânea é caracterizada como a da “mobilidade”, “presente em todo o território”, “imbricada à natureza”, “policêntrica”, “de várias possibilidades de escolha”, “dos vazios” e “a tempo contínuo”.
Para tanto há que haver maior capacidade de gestão, controle da densificação, regulação de atividades incompatíveis ou inconvenientes, monitoramento da capacidade de adensamento para a adequada utilização da infraestrutura e a tomada de medidas que evitem a deterioração urbana e a degradação ambiental mediante mecanismos que possibilitem a manutenção do patrimônio edificado e natural (Letícia Marques Osório, apud Boratti, 2011, pág. 254).
Uma questão levantada por José Afonso da Silva, apud Boratti (2011, pág. 255), é o problema da estruturação da pretendida integração, uma vez que os Municípios carecem de competência para o planejamento econômico, razão pela qual, necessitam de uma política de desenvolvimento nacional, conforme prevê o doutrinador: “o aspecto econômico do sistema deverá ser mais intenso em nível nacional, tornando-se menos nos escalões inferiores até o nível local; em contrapartida, o aspecto da ordenação físico-territorial há de ser mais concreto e eficaz no nível local e mais geral nos escalões superiores, até o de simples diretrizes em nível nacional”.
Para Ribeiro Almeida (SCHMIDT, 2011, pág. 256) a forma da incorporação do ambiente a esse planejamento integrado não significa apenas a sua agregação na forma de um capítulo especial, nem a organização de uma hierarquia de valores, mas “consiste na análise da sistemática, no decorrer do processo de planejamento, das oportunidades e potencialidades, bem como dos riscos e perigos inerentes à utilização dos recurso ambientais da sociedade para o seu desenvolvimento”.
Um ponto a ser debatido é quanto à compreensão dos conceitos de gestão e planejamento, para os quais Marcelo Lopes de Souza apud Boratti (SCHMIDT et al, 2011) propugna não serem termos intercambiáveis, por ocorrerem em tempos distintos e, por se referirem a diferentes tipos de atividades, mas, complementares.
Mas para a formulação qualificada de políticas de planejamento e gestão urbanos faz-se necessário verificar o vínculo entre as práticas de planejamento e o Direito, e em que medida as orientações descritas apresentam-se incorporadas às alternativas legislativas existentes.
A esse respeito, Silva (2006, pág.90), assim se manifesta:
“A institucionalização do processo de planejamento importou convertê-lo num tema de Direito, de entidade basicamente técnica passou a ser orientado uma instituição jurídica, sem perder suas características técnicas. Mesmo seus aspectos técnicos acabaram, em grande medida, juridicizando-se, deixando de ser regras puramente técnicas para se tornar normas técnico-jurídicas”.
Quanto aos Municípios, o artigo 30, inciso VIII, da Constituição Federal confere-lhe competência legislativa exclusiva para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.
No que concerne à incorporação do vetor ambiental no processo de implementação de políticas públicas para as cidades brasileiras valem as disposições da Lei nº 10.257/2001 – Estatuto da Cidade – responsável pela regulamentação do capítulo constitucional relativo à política urbana.
O Estatuto da Cidade já em seu artigo 1º, quando expressamente se imputa ser a lei a qual se referem os artigos 182 e 183, da CF, em seu §único, dispõe que as normas de ordem pública e interesse social nele estabelecidas, regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem- estar dos cidadãos, bem como o equilíbrio ambiental.
Em seu artigo 4º, ao definir os instrumentos a serem utilizados para atingir seus fins, nomeia aqueles a serem utilizados, em especial, no planejamento municipal, quais sejam:
a) plano diretor;
b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
c) zoneamento ambiental;
d) plano plurianual;
e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;
f) gestão orçamentária participativa;
g) planos, programas e projetos setoriais;
h) planos de desenvolvimento econômico e social.
Deles, destaca-se o plano diretor, que é, por imposição constitucional, obrigatório para cidades com mais de 20.000 habitantes, e por ela apontado como o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (artigo 182, §1º, da CF/88).
Segundo o artigo 40, § 1º, do Estatuto da Cidade, o plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.
VI – CONCLUSÃO
À vista da própria Constituição, e das leis que tratam do tema, verifica-se que a questão ambiental está definitivamente introduzida no arcabouço jurídico nacional.
A falta de competência do Município para legislar sobre meio ambiente, é suprida em razão da competência administrativa que lhe conferiu a Constituição, por meio do poder de polícia que lhe dá a possibilidade de atuar na proteção do meio ambiente e do combate a poluição, em qualquer de suas formas, através de medidas administrativas, da implementação de boas e eficientes políticas a serem adotadas no planejamento municipal e da conscientização de seus governantes e da própria coletividade na importância do respeito ao meio ambiente.
Nesse passo, conforme dito alhures, não há necessidade de se proceder a inclusão da competência legislativa do Município em meio ambiente, uma vez que já existem instrumentos hábeis a proporcionar as ferramentas necessárias no sentido de se obterem cidades sustentáveis, capazes de oferecer às gerações presentes e também futuras, cidades funcionais que propiciem boa qualidade de vida aos seus habitantes.
Só faltam, talvez – mas, não para todos – boas intenções, capacidade e acima de tudo espírito público.
Informações Sobre o Autor
Maria de Fatima Rodrigues Marques
Procuradora Municipal na Prefeitura de Praia Grande/SP em execução fiscal, Mestranda em Direito Internacional pela UNISANTOS