Resumo: Este artigo trata sobre a repercussão do princípio constitucional da função social da propriedade no direito ambiental sob uma análise fundada na evolução histórica do conceito da função social e a sua interface e frente ao direito ambiental. Considerando que o direito ambiental se traduz numa perspectiva de garantia de um ambiente ecologicamente equilibrado sendo portanto um direito fundamental do ser humano. Nesta qualidade tornasse um meio essencial para qualidade de vida vez que pertence a coletividade e deve prevalecer quando se confrontam interesses públicos e privados. A função social da propriedade neste contexto somente é alcançada quando quem a utiliza faz uso adequado dos recursos naturais preservando o meio ambiente consequentemente proporcionando o desenvolvimento sustentável.
Sumário: Introdução; 1. A evolução histórica do conceito de função social da propriedade no Brasil; 2. A Função Social da Propriedade na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; 3. A Função Social da Propriedade e o Meio Ambiente; Conclusão.
Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê a função social da propriedade como garantia fundamental traduzindo-se na limitação do poder de usar, gozar, dispor. O proprietário deve sempre considerar a função social inerente à propriedade o que provoca uma utilização racional de acordo com os preceitos Constitucionais e ainda, de acordo com a realidade social. A desobediência ao princípio provoca a prescrição aquisitiva ou desapropriação.
O Estado Democrático de Direito deve respeitar o seu próprio ordenamento jurídico garantindo assim, que a função social inerente a qualquer propriedade seja cumprida também pelas propriedades públicas.
Assim, este trabalho pretende analisar a sistemática do Direito através da evolução história do conceito de função social da propriedade e repercussão no direito ambiental.
1. A evolução histórica do conceito de função social da propriedade no Brasil
O primeiro Código Civil Brasileiro surge em 1916 sobre influência das leis e costumes de Portugal. A ordem jurídica portuguesa era compreendida por algumas ordenações, Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. A Afonsina que vigorou no reinado de D João I e tinha um capítulo dedicado exclusivamente a assuntos relacionados à propriedade. A Ordenação Manuelina, não sofreu nenhuma alteração significativa em relação à primeira. A ordenação Filipinas surgiu em um período em que Portugal estava sobre domínio da Espanha e inovou criando mecanismos de sanção aos indivíduos que por meio de ações ilícitas causassem prejuízos a terceiros no que diz respeito à propriedade.
Na primeira Constituição Brasileira, na época do Brasil Império promulgada em 1824, sob a égide imperial, estava disposto no inciso XXII do artigo 179 que era garantido aos cidadãos o direito a propriedade em toda a sua plenitude. Em 1891, era permitido que se os influentes se organizassem de acordo com seus peculiares interesses, desde que não contradissessem a Constituição.
Na segunda Constituição, em 1934, com influência da Constituição de Weimar de 1919 e ideais socialistas, ocorreu restrição por parte do Estado do direito de propriedade como objetivo de aumentar a garantia do direito à função social da coletividade. O direito de propriedade é garantido de acordo com a lei, sendo importante que este não seja imposto em detrimento do interesse social e coletivo. O princípio de garantia a estes direitos foram mantidos nas Constituições Brasileiras de 1937 e 1942.
A Constituição de 1937 reduziu os direitos individuais, trouxe expresso em seu texto constitucional que a legalidade de todos os atos relacionados com o direito à propriedade está de acordo com a lei. Posteriormente, em 1946, a Constituição impôs aos cidadãos que a propriedade deveria garantir o bem estar social.
A Constituição de 1967, sob a égide do poder do militar, aumentou a importância da função social, principalmente a privada. O proprietário tinha todo o direito e incentivo para usar sua propriedade da maneira mais vantajosa individualmente, desde que respeitasse a função social da propriedade.
Em 1969 foi inserida na Constituição, a possibilidade de existirem no ordenamento jurídico pátrio, os princípios programáticos, os quais traçam diretrizes e fins colimados pelo Estado na consecução dos objetivos sociais, como por exemplo, a determinação legal que dispõe que a propriedade deve atender a função social.
A Constituição Federal de 1988 ficou conhecida como Constituição Cidadã e tinha como objetivo prevalecer o interesse social, o que fica claro no texto do artigo 3º que dispõe os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
O sistema de direitos fundamentais pertinentes à Constituição surge através de um complexo de normas hierárquicas no sistema jurídico. Os direitos fundamentais estão dentro do rol de princípios constitucionais fundamentais. Os direitos e garantias fundamentais são elementos que sustentam a Constituição Brasileira, vez que é por meio deles, que é possível a instituição de normas constitucionais como mecanismos de integração das várias partes do sistema.
De acordo com Norberto Bobbio é possível concluir que os direitos e garantias fundamentais, além dos objetivos claros e constituídos, têm ainda o dever de limitar a ação do Estado.
2. A Função Social da Propriedade na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
O direito à propriedade é um direito individual assegurado a todos os cidadãos, e desta feita, os mesmos devem agir de forma a atender função social em favor de uma coletividade, garantindo um meio ambiente saudável e equilibrado. Do que se conclui que o direito ambiental só pode ser garantido se for cumprida a função social por parte de seus proprietários.
A função social não limita o direito à propriedade, pelo contrario, o poder-dever é do proprietário que da a destinação correta da propriedade de acordo com os preceitos básicos de bem estar coletivo e da preservação ambiental.
A função social da propriedade está disposta no rol das cláusulas pétreas, o que confere estabilidade e determina que não possa ser alterada enquanto vigorar a Constituição Federal.
A função social, o direito de propriedade e proteção ao meio ambiente é alicerce da ordem econômica;
“Art. 170- A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios.
II-a propriedade privada
III- função social da propriedade
VI- a defesa do meio ambiente”
A ordem econômica deve de acordo com a Constituição Federal agir em respeito do direito a propriedade. O direito de propriedade, por sua vez, só é concretizado a partir do atendimento dos princípios de função social.
“Art 5°(….)
XXII- é garantido o direito da propriedade;
XXIII- a propriedade atenderá a função social;”
3. A Função Social da Propriedade e o Meio Ambiente
A função social da propriedade está interligada a vários fatores, um deles é a interferência que pode ser constatada no âmbito da esfera ambiental.
A tutela ao meio ambiente foi consagrada na Constituição Federal no artigo 225, o qual dispõe que, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para a presente e futura geração.
A proteção ao meio ambiente e a função social da propriedade estão claramente interligados, considerando que a partir da efetivação de um que se da à existência do outro.
Jose Afonso da Silva faz uma ponderação relevante sobre o assunto,
“A máxima efetividade do texto constitucional somente será alcançada se a função social da propriedade for interpretada e gizada pelos princípios de proteção ambiental. As normas constitucionais assumiram a consciência de que o direito a vida, como matriz de os demais direitos fundamentais do homem é que há de orientar todas as formas de atuação no campo de tutela do meio ambiente. (…)”
A proteção ambiental se alicerça na concretização da função social da propriedade e desencadeia na proteção a vida, considerando que este é o fim almejado. Esses princípios devem estra sempre interligados para desse modo cumprir os preceitos constitucionais.
Conclusão
O direito ambiental tem como escopo a proteção de valores constitucionais, como por exemplo, a dignidade da pessoa humana e justiça social. Nesses pilares está a função social da propriedade, que somente é concretizada a partir da prevalência do interesse social e consequentemente da preservação do meio ambiente.
A Constituição Federal prevê o principio da função social dentre os Direitos e Garantias Fundamentais, está previsto também ordem econômica e no direito ambiental. Esse princípio está inserido dentre varias estruturas jurídicas, respaldando o direito individual sobre o interesse coletivo.
O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito difuso, um bem de todos, é essencial para a qualidade de vida e consequentemente tornasse uma premissa básica para que a função social da propriedade seja efetivada.
Por fim, a função social e o meio ambiente estão intimamente ligados, considerando que para a existência de um, o outro também deverá prevalecer e desta forma alcançar a justiça social. Os princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente tem como principio basilar, a função social em detrimento ao interesse individual, considerando a primazia do direito coletivo.
O meio ambiente ecologicamente equilibrado, só é alcançado através do cumprimento da função social da propriedade, e desta forma será garantido que as gerações futuras possam usufruir assim como as atuais gerações, da propriedade.
Informações Sobre o Autor
Marleide Anatólia Pereira da Silva
advogada estudante de pós graduação de direito de Família pela Estácio de Sá de Belo Horizonte