A Resolução 245 do Contran e a infantilização do brasileiro

No meio de tantas notícias escandalosas dos últimos meses, do caos aéreo ao “mensalão”, um fato relativamente prosaico passou quase despercebido na mídia: no dia 1° de agosto, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) publicou a Resolução 245, que estabelece a obrigatoriedade, a partir de agosto de 2009, de que os veículos saiam das fábricas com dispositivos de rastreamento e bloqueio remoto instalados.

À primeira vista, parece ser uma medida bastante salutar. Afinal de contas, milhares de carros são furtados e roubados todos os anos, e a nova tecnologia poderia aumentar de modo considerável o percentual de veículos recuperados pela polícia.

Todavia, parece tratar-se de um sintoma de uma doença degenerativa que avança bastante rapidamente: a infantilização do brasileiro. O Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleceu a doutrina da “proteção integral” no tratamento ao menor. Nos últimos anos, o governo tem se esforçado para ampliar essa doutrina a todos os brasileiros, incluídos os maiores e vacinados.

Vários exemplos dessa “infantilização” apareceram nos últimos meses: o cerco quase obsessivo aos fumantes; a tentativa do governo de impor determinados valores à mídia, por meio de uma forma velada de censura; os projetos do Ministério da Saúde de restrição à publicidade de doces; e, por último, a distribuição de manuais sobre condutas sexuais a adolescentes.

O que tudo isso tem em comum? O fato de considerar-se o brasileiro como incapaz de tomar decisões por si próprio, que deve ser sempre guiado pelo “Grande Pai”, aquele que pode nos conduzir a um mundo melhor. Dessa forma, estamos sendo induzidos a deixarmos nossa vida nas mãos dele, esquendo-nos da responsabilidade pessoal que necessariamente acompanha a liberdade. Afinal de contas, o art. 6° da Constituição diz que temos direito à saúde, à educação, à moradia, ao lazer, etc. O “Estado Providência” sempre nos dirá o que fazer e nos retirará do fardo de termos que decidir nosso destino.

Cada pessoa que dirige um automóvel sabe dos riscos dessa atividade em um país como o Brasil. Além de furtos e roubos, têm-se estradas em péssimo estado que constituem um risco constante para o motorista. Se alguém quer correr o risco, que o faça da maneira como achar melhor. Alguns utilizam múltiplos instrumentos de segurança, além do tradicional seguro; outros nada fazem. Preferem correr os riscos por si mesmos. Alguns exímios motoristas nunca foram assaltados ou sofreram acidentes. Outros, não tão hábeis ou sortudos, sofreram danos. Trata-se de uma opção pessoal.

Mas, como diria uma conhecida vinheta: seus problemas acabaram! Quer queira quer não, você estará seguro! O “Grande Pai” cuidará de tudo. Lembrar-se da infância é inevitável: sem saber como se comportar nesse mundo estranho, dependíamos das orientações dos pais. Parece que estamos retornando a isso…

Daqui a pouco, na compra de carne vermelha, todos terão que levar uma cesta de frutas para tornar sua dieta mais saudável! Afinal de contas, precisamos ser protegidos de nós mesmos!

Se formos apenas tratados como crianças incapazes e imaturas, não há maiores problemas, esse é um processo que vem desde a Constituição de 1988, pelo menos. A questão aqui é que, além de tudo, somos tratados como idiotas, e temos que arcar com o ônus, pois o preço do bloqueador deve ficar entre R$2.000,00 e R$2.500,00, segundo a imprensa. Além disso, haverá uma mensalidade de cerca de R$80,00.

É a mesma lógica implícita com a qual nos acostumamos: o Estado não provê sua obrigação básica – a segurança – e quer deixar para a classe média “pagar o pato” novamente. Já vimos essa historia com a saúde: todos que podem, pagam um plano, mesmo a Constituição garantindo a saúde como direito de todos e dever do Estado.

Mais ainda: de acordo com os especialistas, esse sistema não garante a segurança do motorista, mas apenas do veículo. Podemos imaginar assaltantes utilizando-se cada vez mais de seqüestros-relâmpagos para obrigarem os motoristas a retirar o bloqueador.

É bastante evidente que as grandes beneficiárias desse novo sistema serão as seguradoras, que terão prejuízos bem menores com furto e roubo de carros. Não por acaso, as empresas que fazem o serviço de rastreamento trabalham em estreita cooperação com as seguradoras.

O problema jurídico salta aos olhos: trata-se de um caso explícito de venda casada, em que o consumidor é forçado a levar outro bem conjuntamente com aquele que realmente queria obter.

Tal conduta é prevista como prática abusiva no art. 39, I, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), portanto, ilícita. Além disso, é crime contra as relações de consumo, cuja pena varia de dois a cinco anos – vide a Lei de Crimes contra a Economia Popular (Lei 8.137/90, art. 5°, I).

O que o consumidor poderia fazer? A título de sugestão: o próprio CDC dispõe que produtos entregues ao consumidor sem solicitação prévia são considerados amostras grátis, desobrigando-o de qualquer pagamento (art. 39, parágrafo único)!

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Alexandre Magno Fernandes Moreira Aguiar

 

Procurador do banco Central em Brasília e professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade Paulista

 


 

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