Resumo: O presente artigo pretende discorrer, sucintamente, sobre a teoria da perda de uma chance, como um novo desdobramento da responsabilidade civil. Para tanto, optamos por comparar a aplicação desta teoria tanto no direito brasileiro como no português. Finalmente, ao escolhermos os casos jurisprudenciais a serem utilizados, optamos, sobretudo, pelo enfoque da teoria aplicada à advocacia.
Palavras-chave: Responsabilidade civil; perda de uma chance; advocacia.
Abstract: The following article aims to discuss briefly about the theory of loss of a chance, as a new offshoot of liability. Therefore, we chose to compare the application of this theory both in Brazilian and Portuguese law. Finally, by choosing the jurisprudential cases to be used, we decided mainly by theory applied to advocacy.
Keywords: Liability; loss a of chance; advocacy
Sumário: Introdução; 1.Direito português; 1.1. A teoria da perda de uma chance: sua definição e pressupostos; 1.2; Na jurisprudência; 1.3. Posição adotada; 2. Direito brasileiro; 2.1. A teoria da perda de uma chance: considerações iniciais; 2.2. Natureza jurídica; 2.3. Nexo Causal; Conclusão; Referências Bibliográficas; Referências Jurisprudenciais.
O nosso trabalho incide sobre a questão da teoria da perda de uma chance, analisando-a a luz dos ordenamentos jurídicos português e brasileiro. Assim, o mesmo está dividido em duas partes.
Numa primeira parte vai ser analisada a teoria da perda de uma chance no ordenamento jurídico português, sendo reservada uma pequena parte para a teoria em sentido geral, onde se pretende muito brevemente definir esta figura e analisar os seus principais pressuposto. De seguida iremos analisar alguns acórdãos dos tribunais superiores portugueses por forma a analisar de que modo esta teoria é, ou não adotada em Portugal, num sentido mais restrito, limitando-a à questão da responsabilidade civil do profissional forense, uma vez que é nosso entendimento que é esta a matéria em que a questão terá maior interesse dada a própria natureza jurídica do curso. Terminando a primeira parte será feita uma conclusão relativamente ao conjunto de acórdãos apresentados, no sentido de aferir se efetivamente a teoria da perda de uma chance é adotada como forma de responsabilizar o advogado cuja conduta resultou na perda de uma vantagem para o seu constituinte.
Já no tocante à aplicação da teoria no Brasil, observaremos que não há previsão legal que autorize sua aplicação, mas que, ainda assim, a perte d’une chance vem sendo adotada devido à aplicação analógica de alguns dispositivos referentes a responsabilidade civil. Ademais, tendo vista que o tema é relativamente recente e que sua construção vem sendo consolidada mais na jurisprudência do que na doutrina, usaremos julgados recentes, e sempre em grau de recurso, para fundamentar nosso posicionamento.
Discorreremos, por fim, a respeito da natureza jurídica da teoria e o problema do nexo causal e, nesta oportunidade, faremos algumas ponderações a respeito da sua aplicação na atividade do advogado a fim de que se mantenha certa simetria entre as duas partes deste trabalho.
1.1. A teoria da perda de uma chance: Sua definição e pressupostos
A perda de uma chance[1] pode ser definida como a perda de uma possibilidade de obter um resultado favorável. Aplica-se a teoria da perda de uma chance para casos em que perante um fato ilícito se pretende atribuir uma indemnização por um dano que resultou da perda de uma vantagem, nos casos em que não se consegue ligar com toda a certeza aquele fato àquela perda. Como realça Paulo Mota Pinto, o problema que levanta a perda de uma chance é o da “interferência da incerteza relacionada com o futuro na questão da determinação da responsabilidade”.[2]
E porque a perda de uma chance se baseia em probabilidades a sua indemnização constitui o seu aspeto mais complexo. Não será difícil provar que houve um comportamento ou conduta censurável, também não constituirá problema de maior provar que houve a perda de uma vantagem. O mesmo já não se poderá dizer relativamente à prova de que sem aquele comportamento haveria lugar, com um grau de probabilidade razoável, à existência dum ganho. Falamos assim numa indemnização “a meio termo” sendo que, dum lado temos a probabilidade nula da qual não resulta qualquer indemnização, e do outro a probabilidade total, ou muito alta, da qual resulta a indemnização integral.[3] No entanto, deve ter-se em conta os argumentos que criticam esta solução, nomeadamente por esta transformar o agente causador do dano em “garante da probabilidade de sucesso” do titular da chance, quando, à partida, nada era certo, oferecendo-lhe mais do que a chance prometia.[4] Na esteira de Júlio Gomes outra questão fica por resolver: a de saber se “por detrás desta fachada unitária” não caberão na figura da perda de uma chance dois planos distintos que até se excluem mutuamente: o plano do dano e o plano da causalidade.[5]
Para que haja lugar à aplicação da doutrina da perda de uma chance relativamente à responsabilidade do profissional forense[6] é preciso fazer um “juízo dentro do juízo”[7], ou seja dum juízo de prognose no sentido de averiguar qual seria a vantagem caso o dano não tivesse ocorrido e qual a probabilidade de essa vantagem se vir a concretizar e de seguida, se mediante aquela vantagem qual o grau de probabilidade de a mesma vir a acontecer fixando-se em função desse grau o valor da indemnização a atribuir. Mas como nota Moitinho de Almeida aferir o êxito de uma ação que não chegou a se concretizar é uma tarefa difícil. Na verdade, o prejuízo parece ser hipotético por um lado, não fundamentando uma responsabilidade civil, mas ainda assim não deixa de ser certo e aí estamos perante a figura da perda de uma chance[8]. Deste modo, a ligação entre o direito e chance parece situar-se em “áreas movediças” pois o direito pretende oferecer uma segurança que a chance não permite.[9]
A questão da perda de uma chance não é uma questão muito recorrente nos nossos tribunais. Ainda assim há algumas decisões relativamente a ela, quer no sentido de admissão da figura, quer no sentido de rejeição.
Assim, na primeira decisão que trazemos à colação[10], está em causa um acidente de viação, em virtude do qual os AA entraram em contato com o R, advogado, para que este propusesse ação declarativa de condenação em nome destes. Apesar de intentada a ação e posteriormente recurso, foi o mesmo declarado deserto uma vez que não foram juntas as alegações. Ora, os AA invocam a perda de uma chance, na medida em que "apesar de não serem certos o sucesso da ação e a medida do ganho, o comportamento do recorrido impediu-os de ver devidamente apreciada a sua situação e assim, porque a “chance” representa, não uma vantagem possível, mas uma possibilidade de vantagem, possibilidade essa que aparece como uma “entidade economicamente viável” deve o recorrido indemnizar os recorrentes conforme peticionado."[11] O tribunal entendeu haver lugar à aplicação da teoria da perda de uma chance relativamente aos danos não patrimoniais sofridos. Na verdade o tribunal entende que a teoria não pode aplicar-se para efeitos indenizatórios em relação aos danos patrimoniais sob pena da mesma resultarem efeitos punitivos e não ressarcitórios, uma vez que se alegariam lucros cessantes e danos emergentes cujo valor não seria possível apurar. Relativamente aos danos não patrimoniais, entende o tribunal que "Sufragamos o entendimento de que a perda de oportunidade ou “perda de chance” deve ser valorada como um dano autônomo e indemnizada segundo um julgamento de equidade, desde que seja possível formar a convicção de que a conduta negligente do mandatário judicial frustrou uma probabilidade de êxito, ainda que parcial, da pretensão ou da defesa do seu cliente. "[12] Desse modo, conclui o douto tribunal que houve efetivamente a perda de uma chance de fazer valer uma pretensão com êxito parcial e nesse medido entenderam ser de atribuir uma indemnização aos AA com base em juízos de equidade.
No segundo acórdão que nos propomos analisar[13] a mandatária, ora R., não compareceu no julgamento relativo a processo que lhe havia sido confiado pelo seu constituinte e em consequência de tal ato o R, ora Autor, fora condenado no pedido. Ainda que tenha sido interposto recurso relativamente a essa decisão, o mesmo foi declarado deserto por falta de alegações. Assim, entende o tribunal que deve aplicar-se ao caso o instituto da perda de uma chance, uma vez que não é possível afirmar que o R não teria sido condenado no montante em causa caso o julgamento se tivesse efetivamente realizado. Nesse sentido, deve ser indemnizada a ausência de possibilidade de o constituinte ver a sua pretensão apreciada pelo tribunal a quo e não pelo valor que esse processo lhe poderia propiciar ou pelo menos obrigado a despender. Atendeu o tribunal a critérios de equidade na valoração da indemnização a atribuir.
O terceiro acórdão[14] retrata uma situação em que, por força de um contrato-promessa com entrega de sinal, e porque o promitente-vendedor não tinha marcado a escritura definitiva, o A procurou o advogado, ora R, para intentar ação judicial por forma a receber o sinal que havia entregado em dobro. Declarada a improcedência da ação o seu recurso foi declarado deserto por falta de alegações. Entende o STJ que não se pode garantir a procedência de um recurso, e que tal afirmação não pode sequer ser feita à luz de uma probabilidade pois não estamos perante um dano presente, pois não é um dano que se tenha concretizado, mas também não é um dano futuro por não se enquadrar na definição do art. 564.º n.º 2 do CC por faltar o requisito da previsibilidade. Assim, conclui o douto tribunal que estamos perante um dano futuro mas eventual, e nesse sentido entende o STJ que os AA não conseguiram provar o nexo de causalidade entre a conduta do mandatário e um dano concreto e determinado. Assim, à luz do que já foi dito pela Relação do Porto, também o STJ entende que no caso ficcionar o dano patrimonial através da perda de uma chance seria despir a função indenizatória da sua função reparatória, atribuindo-lhe uma função punitiva. Conclui no sentido de não se conseguir perfilhar qualquer dano patrimonial indemnizável e nesse sentido a mera perda de chance deve irrelevar para efeitos indenizatórios.
No último acórdão[15] a analisar, a situação é a de um mandatário que, mandatado para impugnar um despedimento coletivo após considerar que não havia razão para o considerar ilícito não o impugnou, tendo, entretanto, decorrido o prazo para fazer a impugnação. Assim o A pretende ser indemnizado pelo valor que viria a receber se a impugnação do despedimento tivesse sido procedente. O tribunal entende que no caso em apreço a perda de chance em sentido jurídico não releva por contrariar o princípio da certeza dos danos e as regras da causalidade adequada. Conclui deste modo no sentido em que não resultou provado que o despedimento coletivo fosse ilícito, e que tão pouco os fatos, entretanto, apurados apontam com uma forte probabilidade nesse sentido e em consequência não foi provado o nexo de causalidade adequada entre a omissão do mandatário em impugnar o despedimento e o dano invocado. Por falta de nexo de causalidade entre fato e dano improcede a obrigação de indemnizar.[16]
Parece não haver uma posição consensual relativamente à adoção da figura da perda de uma chance como dano autônomo. Na verdade, mesmo a sua adoção está sempre limitada aos danos não patrimoniais, sob pena de se atribuir à indemnização efeitos punitivos, face à incerteza e impossibilidade de apuramento de lucros cessantes e danos emergentes. Por outro lado há também rejeição em pleno desta figura, concluindo pela sua irrelevância em resultado da imprevisibilidade em garantir que aquele dano não se tivesse verificado não fosse a conduta do lesante, falhando assim o nexo de causalidade entre a conduta e o dano e ainda por contrariar o princípio da certeza dos danos, sendo que caberia ao lesado provar sem margem de incerteza que aquele dano derivou daquela conduta.
2.1.A teoria da perda de uma chance: considerações iniciais
Tal como em Portugal, a teoria de origem francesa perte d’une chance também é adotada no direito brasileiro, como um desdobramento da responsabilidade civil. Trata-se da possibilidade de se obter indenização em decorrência da perda da oportunidade de alcançar determinado resultado ou evitar determinado prejuízo.[17]
Em síntese, não há um dano certo e determinado, mas existe um prejuízo para a vítima, decorrente da legítima expectativa em angariar determinado benéfico ou evitar certo prejuízo. Quando da sobreposição dos fatos à realidade jurídica, porém, tem-se visto na jurisprudência certa dificuldade em quantificar os danos e a indenização correspondente.[18]
Os fundamentos jurídicos para o acolhimento da teoria da perda de uma chance frequentemente invocados são os arts. 402, 186, 927, 948 e 949, todos do Código Civil, aplicados analogicamente, tendo em vista que a legislação não menciona a teoria.
A reparação do dano, decorrente da perda de uma chance, não consiste segundo o entendimento doutrinário e jurisprudencial consolidado, na reparação do dano em si, mas apenas da chance, tal como explanado no REsp 788459-BA, considerado o leading case brasileiro.
Durante a participação no programa “Show do Milhão”, a concorrente teve frustrada a chance de ganhar o prêmio máximo em virtude de formulação errada de uma pergunta, razão por que ingressou em juízo pleitenado indenização no valor de R$500.000. Seu pleito foi acolhido em primeira instância mas quando do julgamento do recurso pelo Superior Tribunal de Justiça, optou-se pela aplicação da teoria da perda de uma chance para adequar o valor da indenização. Decidiu-se, assim, por arbitrar o valor da indenização em R$ 125.00,00, pois o valor reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida, isto é, a probabilidade matemática de acerto de uma questão com quatro alternativas. [19].
“RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade.2. Recurso conhecido e, em parte, provido.”
Um dos pontos controversos da teoria da perda de uma chance diz respeito à sua natureza jurídica. A doutrina divide-se em três correntes, quais sejam, nas categorias de lucros cessantes; danos emergentes; ou numa categoria autônoma[20]. Há, ainda uma posição minotirária que a enquadra em danos morais. A título de exemplo, citamos Ap. Cív. 20040111230184/TJ-DF, que dispõe que “a teoria da perda de uma chance elastece os contornos dos lucros cesssantes [21]”.
Ora, lucros cessantes, na definição legal, compreende tudo que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. É algo quase certo que somente precisa ser quantificado. Já o dano emergente importa numa efetiva e imediata diminuição do patrimônio da vítima, naquilo que ela efetivamente perdeu, tal como consagrado no art. 402, CC.[22] Não nos parece ser, em nenhum caso, o que a perda de uma chance transparece.
Perfilhamos o posicionamento de se tratar uma categoria independente, pois não se verifica total justaposição com os outros dois institutos, eis que, conforme o caso, a perda de uma chance poderá ter contornos de lucros cessantes ou de dano emergente ou, ainda, distinta de ambos.
De toda forma, ainda que controversa sua natureza jurídica, a teoria vem sendo frequentemente invocada e admitida no Brasil. Apenas no STJ, isto é, já em última instância, encontram-se os seguintes julgados REsp 788.459, REsp 965.758, REsp 1.104.665, REsp 1.079.185, REsp 1.190.180, REsp 1.117.974 e REsp 1.243022.
Um dos pontos centrais da aplicação da teoria da perda de uma chance diz respeito ao nexo causal, isto é, a ligação existente entre o dano e a conduta do agente que deu causa ao dano. Isso porque a regra geral da responsabilidade civil pressupõe prova do nexo causal, conforme se infere do art. 403, CC, já que “ ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato”[23], tal como se infere da Ap. Cív. 2003.51.10.001761-6/TRF2[24].
“TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO PAGO E NÃO CADASTRADO – TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. […] A abrangência do artigo 403 do CC não autoriza a reparação do dano remoto, o que ocorreria se levado em conta o valor do prêmio que poderia ser obtido. A chamada teoria da perda de uma chance, em caso como o dos autos, deve ser equacionada dentro da reparação do dano moral, e sua carga lateral punitiva. […].”
A jurisprudência, no entanto, têm se mostrado flexível quanto à prova do nexo causal, bastando que fique demonstrado que a chance perdida era “séria e real”., excluindo-se as meras expectativas e possibilidades hipotéticas.Nesse sentido é Ap. Civ. 70025575002/TJ-RS[25].
“[…] 6.No que tange à alegação de que o nexo de causalidade estaria excluído em razão de que a vítima faleceria de qualquer modo. Embora seja forçoso reconhecer que a gravidade de seu estado de saúde, como afiançado pelo Perito Médico Legista. Não há como se ter certeza de que se o paciente tivesse recebido pronto e adequado atendimento médico teria falecido da mesma forma. Aplicável aos fatos narrados na exordial a teoria da perda de uma chance. Indenização por danos morais 7.Reconhecida a responsabilidade da entidade hospitalar pelo evento danoso, exsurge o dever de ressarcir os danos daí decorrentes, como o prejuízo imaterial ocasionado, decorrente da dor e sofrimento da parte autora, em razão da perda de seu pai[…]”
Interessantes têm sido os julgados que tratam da perda de uma chance pelo advogado que, culposamente, perde o prazo para contestar, recorrer ou sequer ingressa com a ação acordada, alguns dos vários exemplos possíveis.
A discussão advém do fato de a advocacia ser atividade meio e não de resultado, ou seja, o profissional não tem como assegurar o resultado da atividade ao seu cliente. Ademais, como se trata apenas da perda de uma chance, não é possível determinar qual teria sido a decisão proferida se o advogado houvesse agido corretamente.[26]
Segundo STOCCO[27] (2004, p.287, apud. BORTOLUZZI, 2012), não há como admitir que outrem substitua o juiz natural da causa para perscutar o íntimo de sua convicção e fazer um juízo de valor sobre a ‘possibilidade’ de qual seria a sua decisão, caso a ação fosse julgada e chegasse ao seu termo. Ora, admitir a possibilidade de o cliente obter a reparação por perda de uma chance é o mesmo que aceitar ou presumir essa chance de ver a ação julgada conduzirá, obrigatoriamente, a uma decisão a ele favorável.
Com a devida vênia, discordamos desse posicionamento por duas razões: a) porque diante da matéria objeto da demanda pode ser demonstrado o entendimento jurisprudencial consolidado denotando que, não fosse a desídia do causídico, o resultado provavelmente teria sido outro; b) o que se pretende com a indenização por perda de uma chance é, tão somente, a perda da chance. Logo, descabido é o uso da teoria se o autor pleiteia a totalidade das perdas, mas não a “chance”.
É nesse sentido, Ap. Cív. 20040111230184[28]:
“ADVOGADO – RESPONSABILIDADE CIVIL – OBRIGAÇÃO DE MEIO – TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. […] A denominada "teoria da perda de uma chance", de inspiração francesa, empresta suporte jurídico para indenizações em caso de frustração de demandas judiciais devido ao desleixo profissional de advogados lenientes, contanto que estejam configuradas, de modo preciso, a seriedade da probabilidade dos ganhos e sua relação de causalidade direta com os atos desidiosos. À luz da "teoria da perda de uma chance", que elastece os contornos dos lucros cessantes, o atendimento do pleito indenizatório está adstrito não apenas à comprovação de que os serviços advocatícios deixaram de ser prestados segundo parâmetros razoáveis de qualidade. Exige também a comprovação de que o autor da demanda efetivamente titularizava os direitos pleiteados e que a repulsa judicial derivou das faltas técnicas atribuídas aos serviços advocatícios.”
Logo, observamos certa relativização do nexo de causalidade mas desde que, comprovadamente, se verifique os danos e as probabilidades de obtenção do resultado pretendido, sendo feito, a partir daí, um juízo com base na verossimilhança dos fatos e meios probatórios trazidos aos autos, haja vista que, em realidade, não é possível afirmar com exatidão se o desfecho almejado ocorreria ou não.
CONCLUSÃO
No nosso entendimento a teoria da perda de uma chance não tem sido adotada nos mesmos moldes em Portugal e no Brasil.
Na verdade, em Portugal parece haver algum “receio” em atribuir uma indemnização por danos que não se chegaram a concretizar por força da sua incerteza e imprevisibilidade. E mesmo quando se admite a sua indemnização a mesma não extravasa do limite dos danos não patrimoniais. Tem sido nesse aspeto entendimento dominante, à luz da responsabilidade civil do profissional forense, o de que a atribuição de uma indemnização com base na teoria da perda de uma chance, a danos patrimoniais subtrai à indemnização a sua função ressarcitiva substituindo-a por uma função meramente punitiva.
Na verdade, e atendendo ao caso do mandatário, tem-se entendido que atribuição ao lesado de uma indemnização em função do valor que ele viria a receber com a procedência da ação, não fosse a conduta do mandatário, traduz-se na atribuição de um valor certo com base numa mera probabilidade de sucesso que a própria chance não pode garantir.
Já no Brasil, existe uma profusão de julgados acolhendo a teoria da perda de uma chance em sede recursal e, ao analisá-los, percebemos certa relativização do nexo causal desde que se verifiquem os danos e que a probabilidade de que a chance tivesse produzido o efeito desejado seja “séria e real”, ou seja, não basta a mera expectativa. Observamos ainda que, no tacante à atividade do advogado, a teoria vem sendo aplicada com um pouco mais de rigor mas que, mesmo assim, o que vem sendo atribuído é apenas e tão somente indenização corespondente à chance em si, sem prejuízo das demais verbas indenizatórias a títulos de danos morais ou materiais.
Afinal, acreditamos que, o provimento indiscriminado de ações que envolvam a uma chance frustrada deve ser combatido com veemência, para que o instituto não seja banalizado e, consequentemente, reflita na segurança jurídica. Neste aspecto, deve-se ter ainda mais atenção no que diz respeito à atividade do mandatário para que a perda de uma chance não se torne uma forma de culpar o causídico pelo insucesso da demanda, que ocorreria fatalmente tivesse ele atuado corretamente ou não. Ademais, deve-se ter sempre em mente que a chance não pode traduzir integralmente o valor da causa.
Por fim, acreditamos que, sendo a teoria originária da criação jurisprudencial e apenas recentemente aplicada aos países em estudo, é ainda precoce avaliar a adoção da perda de uma chance, tendo em vista que mesmo dentro de cada ordenamento a teoria ainda não é adotada uniformemente
Informações Sobre o Autor
Mariana Candini Bastos
Advogada. Mestranda em Direito dos Contratos e da Empresa pela Escola de Direito da Universidade do Minho (Portugal). Pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Trainee em 2010 na CBMM Europe BV – Amsterdã, Holanda.