Introdução
Diante de tanta tecnologia, a prestação de serviços em informática vem colecionando inúmeros problemas e desentendimentos que, inevitávelmente, se transformam em contencioso jurídico.
São processos litigiosos que buscam indenizações pelo descumprimento contratual, gerando desgaste para ambas as partes e, ofuscando o brilho da profissão digital.
As partes são prejudicadas, e o mercado passa a desacreditar o profissional, generalizando a prestação de serviços, colocando todos em mesmo patamar.
De fato é que as empresas não se preocupam em confeccionar contratos que estipulem detalhadamente o serviço a ser prestado, e de outra forma, existe dificuldades para definir a métrica a ser cumprida pelas partes.
Essa dificuldade remonta a natureza especial dessa prestação de serviços, quando para entendê-la devemos esclarecer alguns pontos fundamentais nesse processo.
Distinção entre os serviços de tecnologia e suas responsabilidades
Importante saber é que o hardware é composto pela parte física dos equipamentos informáticos, aquele que podemos manusear e tocar. São exemplo a Unidade Central de Processamento (CPU) que é formada pela placa mãe (motherboard), memória, processador, discos rígidos (hard disk), entre outros. Impressoras, mouses, teclados, webcam, pen-drives, também compõem esse grupo.
De outro lado, o software é a alma do hardware, já que é o resultado da programação humana, escritos de códigos que informam o hardware como se deve trabalhar. Não conseguimos tocá-lo, entretanto, é pelo software que o hardware se comunica com o homem, e com isso, passa a ter sua utilidade efetiva.
Não podemos ter software sem hardware, mas podemos ter hardware sem software, que considero um amontoado de ferro e cobre sem utilidade nenhuma.
Distinguir o objeto da prestação de serviços, na incidência sobre o hardware ou software, é essencial para as atribuições da responsabilidade civil sobre o contrato celebrado.
Tomemos a prestação de serviços em hardware: o objeto tem fundamento na manutenção de equipamento eletrônico, cuja interação depende exclusivamente do técnico e maquina. Embora existam variáveis diversas envolvendo a prestação de serviços, como a disponibilidade de peças de reposição, uso adequado do equipamento conforme as instruções do manual, é de se notar que a prestação muito se acomoda a execução técnica enquadrando-se na prestação comum de serviços.
Não que esse serviço seja comum, pelo contrário, se exige capacidade técnica e certificações nos fabricantes. É comum por estar seus dispositivos assentados na lei consumerista, acolhendo a responsabilização objetiva do prestador.
Antes da edição do Código de Defesa do Consumidor, impunha-se a ele o ônus de provar a culpa do prestador de serviço, respondendo pela prova do nexo de causa entre a conduta do agente e o resultado danoso que produziu.
Mudou. Hoje o prestador de serviços responde, por força do artigo 14 do CDC, independente da existência de culpa, sendo isentado desse ônus apenas se provar a inexistência do defeito ou se ocorreu culpa exclusiva do consumidor.
Há mais, tratando-se de hardware, por força do artigo 12 do diploma citado, responde o fabricante, importador, construtor, o fornecedor em geral, pela reparação dos danos causados por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Diferente é essa relação quando vista nas peculiaridades da prestação de serviços em software.
A prestação de serviços em software sofre dicotomia, distinguindo de maneira singular o tipo de contratação.
Há o software de uso geral, aquele que o usuário não tem condições de alterar sua essência, modificar seus parâmetros de programação, sendo instalado e executado por um assistente (wizard), normalmente distribuído em grande escala, conhecido na área por software de prateleira.
O software de prateleira tem se desenvolvimento pautado na generalidade, exigindo para sua execução requisitos mínimos de equipamento de hardware. Essa condição contratual deve ser observada, e representa a condicionante na prestação.
São considerados softwares de prateleira os sistemas operacionais, softwares de edição de textos e planilhas, programas de manipulação de imagens, anti-virus, e outros similares.
Nesse caso, temos dois indivíduos distintos na prestação de serviços, o fabricante produtor, que detém os direitos autorais pelo software e o técnico responsável pela “manutenção” do software.
Fala-se em manutenção por praxe do mercado, já que esse prestador não pode interferir diretamente no projeto do software, tampouco realizar engenharia reversa para ter acesso ao código fonte. Sua função é de instalar e configurar o software (usando somente o assistente fornecido pelo fabricante).
A responsabilidade é distinta entre um e outro: para o primeiro cabe a responsabilidade objetiva, similar a responsabilidade do fabricante de harware; para o segundo cabe a subjetiva.
Vamos explicar.
Antes, trazemos a prestação de serviços de software por encomenda, ou com configurações adaptáveis ao tipo de negócio e as forma de gestão do usuário.
São softwares programados seguindo regras fornecidas pelo cliente final, quando o prestador de serviços tem acesso direto ao código fonte, ou a parâmetros especiais que transformam o software em produto único, adequado e exclusivo a sua finalidade.
Fazem parte desse grupo os softwares de Enterprise Resource Planning (ERP), Customer relationship management (CRM), Planejamento e Controle da Produção (PCP), entre outros correlatos.
A implantação e programação desses softwares dependem de diversos fatores que não dependem apenas da habilidade do prestador de serviços, necessitando peremptoriamente do usuário para o sucesso esperado.
Temos, portanto, um novo indivíduo na relação: o Peopleware (pessoas).
Essa prestação tem se assemelhado com a parceria, com responsabilidades de execução á ambas as partes, não envolvendo o código consumerista na relação.
A integral consumação da implantação do software, com obtenção de resultados esperados, depende diretamente dos recursos humanos e materiais fornecidos pela contratante, devendo essa cooperar diretamente para o sucesso da empreitada.
Age com culpa, incorrendo para a inadimplência, a contratante que não observa e se exime de providenciar as obrigações que lhe competem na execução complexa do contrato pactuado.
Assim versou o Recurso de Apelação Classe II nº 26.289, do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, relator Des. Athaide Monteiro da Silva, na parte que interessa do acordão:
“Diante das circunstâncias expostas, entendo em concluir que, o contrato objeto da controvérsia, caracteriza-se não como alegou a requerente, relação jurídica de consumo – “prestação de serviços”, mas, entendo que é correta a tipificação descrita pela requerida, pois a relação jurídica que envolveu obrigações recíprocas caracteriza-se melhor como “contrato de parceria”, pois, ambas, por força expressa do contrato, dividiam funções com obrigações mútuas, o cumprimento de uma estava interrelacionado ao cumprimento da outra, é o que demonstra a cláusula nona. O integral e consumação de toda implantação dos serviços, a serem prestados pela requerida, restava dependente dos recursos humanos e materiais a serem oferecidos pela requerente. Ora, em análise acurada do contrato, não sobra qualquer dúvida ao reconhecer que a obrigação pela prestação de condições humanas e materiais que deveria colocar à disposição a requerente da requerida, constituía obrigação simultânea, pois desta dependia o desenrolar dos trabalhos até a sua efetiva conclusão. Ora, se a requerida ao desenvolver as atividades inerentes ao desenvolvimento dos trabalhos e conclusão do mesmo, não obteve a cooperação expressa da requerente, a lógica é que houve também a inadimplência da contratante. De outro lado, considero que a requerida ao não efetuar a entrega dos serviços nos prazos assinalados, a meu ver, demonstrou a inadimplência contratual, caracterizando assim, a meu ver, a mora recíproca. Pois, se, de um lado reclama a requerente a violação ao contratado, atribuindo falhar a requerida no cronograma para a entrega dos serviços, requerendo a resilição do mesmo face ao inadimplemento contratual, com in rem verso cumulada com perdas e danos, há que se conferir com as provas constantes dos autos a inadimplência da requerente em falhas ao fornecer material indispensável do controle interno, disponibilizando pessoal de apoio e os equipamento necessários para a conclusão dos serviços e entrega pontual do sistema.
Não há que ser mencionado o disposto no art. 1.092, segunda parte, do Código Civil, pois o referido dispositivo legal, somente aplicar-se-ia em casos de obrigações não simultâneas, que não vem ao caso examinado. Acredito que, devido ao volume e a complexidade dos trabalhos a serem desenvolvidos, as partes deveriam se precaver melhor, quanto à fixação de responsabilidades de cada qual, o que sem rodeios, a ausência pormenorizada destas obrigações no referido contrato, prejudicou em muito os esclarecimento do litígio. Assim que, considero o inadimplemento bilateral reconhecido
pelos motivos expostos nas provas testemunhais, a falta de assistência da requerente e providências a esta atinente, como prejuízos ao integral cumprimento da obrigação da requerida em manter o cronograma exatamente como pactuado, pela deficiência apresentada pela requerente ao virar as costas a sustentação humana e material provocou a inadimplência da requerida.” (fls 03)
Com o afastamento direto do código consumerista, diante da aplicação dos ditames do código civil, restará ao usuário do serviço provar a relação da conduta do prestador aos danos ocasionados.
A culpa – relação entre a imprudência, negligência, imperícia – deve ser clara e evidente de modo a forçar uma possível indenização.
Conclusão
Diante de tamanhas variáveis, há de concluirmos da evidente necessidade de um contrato que estipule detalhadamente as obrigações entre as partes, definindo métricas para a prestação de serviço.
Antes do pacto, um preâmbulo deve ser firmado, no sentido de definir a aderência do software às necessidades do negócio, mediante de testes de aderência, avaliação organizacional, para a construção do fluxograma de informações.
Em posse dessas informações, deve-se escolher uma técnica de medição de projetos, em especial as que atendam os requisitos da gestão de Governança Corporativa (Sabanes-Oxley) e que esteja de acordo com o framework do Control Objectives for Information and related Technology (CobiT/ISACA – Information Systems Audit and Control Association).
Uma técnica eficiente, e de fácil positivação em contratos é do tipo Análise de Pontos de Função (APF), cujo objetivos são de medir a funcionalidade solicitada pelo usuário, antes do projeto de software, de forma a estimar seu tamanho e seu custo; medir projetos de desenvolvimento e manutenção de software, independentemente da tecnologia utilizada na implementação, de forma a acompanhar sua evolução e, medir a funcionalidade recebida pelo usuário, após o projeto de software, de forma verificar seu tamanho e seu custo, comparando-os com o que foi originalmente estimado.
Com um contrato bem redigido, alinhavando todos os conceitos aqui expostos, definindo pontualmente as responsabilidades e a forma de medição da execução, os litígios seriam mais bem solucionados, oferecendo caminhos para o campo extra-judicial, ofertando ao mercado a segurança jurídica necessária para a consolidação da prestação de serviços que envolvem Tecnologia e Informação.
Fabiano Rabaneda é advogado e especializando em Direito Eletrônico e Tecnologia da Informação.
Advogado
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