A Responsabilidade Consumerista Das Instituições de Ensino Privado Nos Casos de Bullying

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Hebert Henrique de Oliveira Melanias-  Escrivão de Polícia Judiciária do Estado de Alagoas; Assessor Jurídico da Delegacia Geral de Polícia Civil do Estado de Alagoas; Avenida General Luiz de França Albuquerque (Rodovia AL 101 Norte), Jacarecica, Maceió/AL, CEP: 57038-650; [email protected].

 

Resumo: O bullying tem se revelado um grande inimigo no âmbito das instituições de ensino (público e privado), não apenas por resultar prejuízos psicológicos aos alunos, vítimas dos atos de bullying, mas das inúmeras ações judiciais suportadas pelas escolas que pode ser traduzido como um verdadeiro mecanismo de coibição. Neste artigo, busca-se fazer uma análise não exaustiva, sobre a responsabilidade consumerista das instituições de ensino privado nos casos em que há omissão ou até mesmo atitude comissiva, impondo afirmar que a responsabilidade não recairá apenas nas escolas e professores, mas também sob os pais e o próprio incapaz autor do dano. Além disso, o presente estudo se propõe a apresentar a Lei Federal nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC) e sua incontroversa aplicabilidade às instituições de ensino privado, considerando ser o CDC advindo do avanço jurídico-social exigido pelo Constituinte Originário, conforme bem inclina o inciso XXXII, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Bullying. Instituições de Ensino. Responsabilidade Consumerista. Professores. Pais.

 

Abstract: Bullying has proved to be a major enemy within educational institutions (public and private), not only because it results in psychological damage to pupils who are victims of bullying, but also to the many legal actions taken by schools that can be translated as a true mechanism. In this article, we seek to make a non-exhaustive analysis of the consumer responsibility of private education institutions in cases where there is omission or even a commissive attitude, with the assumption that responsibility will not only fall on schools and teachers, but also on parents and the incapable perpetrator of the damage. In addition, the present study proposes to present Federal Law no. 8.078 / 90 (Code of Consumer Protection – CDC) and its uncontroversial applicability to private education institutions, considering that the CDC comes from the juridical-social advance required by the Native Constituent , as per item XXXII of art. 5º, of the Federal Constitution of 1988.

Keywords: Bullying. Educational Institutions. Consumer Responsibility. Teachers. Parents.

 

Sumário: Introdução. 1. Da relação e responsabilidade consumerista. 1.1. Partes da relação contratual de consumo. 1.2. Responsabilidade civil. 1.3. Responsabilidade consumerista. 2. A responsabilidade consumerista das instituições de ensino privado nos casos de bullying 2.1. Considerações gerais sobre o bullying escolar. 2.2.            As instituições de ensino privado como responsáveis pelos danos causados às vítimas de bullying. 2.3. O entendimento jurisprudencial nos casos de bullying. Conclusão. Referências.

 

 

INTRODUÇÃO

O objetivo do presente artigo é mostrar a problemática existente sobre o fenômeno bullying e a responsabilidade das instituições de ensino privado, sob a ótica da Lei Federal nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC) e do entendimento jurisprudencial.

Sobre isso, o artigo em testilha tem como principal função demarcar e disseminar os limites da responsabilidade das instituições de ensino sobre os alunos quando identificados problemas relacionados ao bullying, com base nos preceitos infraconstitucionais e jurisprudenciais.

Em primeiro momento, será apresentado os dispositivos legais que versam sobre o direito do consumidor, as partes da relação contatual de consumo, a responsabilidade civil e a responsabilidade consumerista e, num segundo momento, uma análise voltada ao conceito de bullying, a responsabilidade das escolas pelos danos causados às vítimas de bullying e o entendimento jurisprudencial acerca da obrigação de ressarcir das instituições de ensino.

A pesquisa foi baseada na coleta de dados em fontes bibliográficas, através de livros físicos e de artigos publicados em periódicos na internet, sendo esta do tipo exploratória, e o seu método de abordagem hipotético-dedutivo.

Seguindo essa linha de análise, pretende-se demonstrar a importância de uma análise mais acurada sobre o fenômeno bullying nas escolas e, como forma de melhor enriquecer o artigo, aborda-se a legislação vigente e o entendimento doutrinário e jurisprudencial, a fim de que se exponha como vem atuando o Poder Judiciário.

 

  1. DA RELAÇÃO E RESPONSABILIDADE CONSUMERISTA

A Lei Federal nº 8.078/90 que instituiu o Código de Defesa do Consumidor – CDC define as partes envolvidas, ou seja, a relação consumerista configurada pelas partes consumidor e fornecedor. Não é toda relação jurídica que haverá a possibilidade de aplicação do CDC, assim, torna-se necessária uma análise teleológica da norma unificada à doutrina.

Desta forma, vejamos como o CDC e a doutrina definem o consumidor.

1.1.      PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL DE CONSUMO

Um problema insurgente desde o nascedouro do Código de Defesa do Consumidor, foi o próprio conceito de consumidor, no que diz respeito à sua abrangência e amplitude, que possibilitasse a pessoa física ou jurídica ser contemplada e amparada pelo referido instrumento jurídico-social.

Diante do que aponta a doutrina, o conceito de consumidor adotado pela Lei Federal nº 8.078/90, tem como foco, essencialmente, o viés econômico, ou seja, leva-se:

[…] em consideração tão somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vista ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial. (FILOMENO et al., 2011, p. 23, grifo nosso)

Na conceituação objetiva do caput, do art. 2º do CDC, temos que consumidor “é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final[1].” O termo “destinatário final” significa dizer que para que a pessoa física ou jurídica seja considerada consumidor é necessário que o bem adquirido (produto) ou o serviço adquirido seja utilizado para fins próprios e não para terceiros, objetivando lucro ou para uso profissional como instrumento de produção.

Com ênfase sobre o assunto temos que:

[…] não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do produto ou serviço, ou como afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro das cadeias de produção e de distribuição. (MARQUES et al., 2014, p. 98)

De forma elucidativa, ainda sobre a definição de consumidor:

[…] conceito (adotada pela lei) afasta quaisquer exclusões quer de classe econômica, quer de função social. Bastará que numa relação jurídica com um fornecedor, alguém (pessoa física ou jurídica) se posicione como “destinatário final” de um bem ou de um serviço, para que a saibamos consumidora. (GAMA, 2008, p. 38, grifo nosso)

Em que pese a clareza e objetivo do conceito dado pelo CDC, parte de seu texto, no caso, a palavra “destinatário final”, como já dito, é uma característica que fez surgir no cenário jurídico a formulação de duas correntes doutrinárias – teoria maximalista ou objetiva e a teoria finalista ou subjetiva – que interpretam de forma distinta a expressão em comento.

Na primeira, considerar-se-á consumidor qualquer pessoa, independentemente se este adquire ou utiliza produto e serviço com fins comerciais para aferir lucros, já que para este a definição de consumidor no CDC é meramente objetiva, além de não valorar o fato de o consumidor ser hipossuficiente economicamente na relação jurídica.

Já a teoria finalista ou subjetiva o conceito de consumidor é restrito, não se tratando de relação de consumo como uma relação comercial ou mercantil. Esta é a teoria adotada pela doutrina e pela jurisprudência majoritária do país, onde consumidor é aquele que utiliza ou adquire produto ou serviço como destinatário final para consumo próprio, ou seja, a utilização tem caráter pessoal ou privado, e não comercial.

Na tentativa de abster qualquer dúvida acerca da distinção entre as teorias supramencionadas, recorremos ao ensinamento doutrinário abaixo, vejamos:

Não há dúvidas de que o trabalhador que deposita o seu salário em conta corrente junto ao banco é consumidor de serviços por este prestados ao mercado de consumo. Está, portanto, sob a tutela do Código de Defesa do Consumidor. Contudo, se se tratar de contrato bancário com um exercente de atividade empresarial, visando ao implemento de sua empresa, deve-se verificar se este pode ser tido como consumidor. Se o empresário apenas intermedeia o crédito, a sua relação com o banco não se caracteriza, juridicamente, como consumo, incidindo na hipótese, portanto, apenas o direito comercial. (COELHO, 2003, p. 450, grifo nosso)

Por derradeiro, utilizando-se do entendimento doutrinário dos autores em epígrafe, temos que consumidor é a pessoa física ou jurídica que se posicione fidedignamente como “destinatário final”, não podendo o consumidor utilizar-se do produto e do serviço de forma a aferir lucros (caráter comercial e financeiro).

1.2.      RESPONSABILIDADE CIVIL

O legislador infraconstitucional tomou o cuidado de editar norma que orientasse e, ao mesmo tempo, preservasse a vítima e condenasse o causador de eventual dano, seja de forma omissiva ou comissiva. O Código Civil Brasileiro, expõe no caput do art. 186 que “aqueles que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente, comete ato ilícito[2]”. No caso em testilha, temos a responsabilidade subjetiva, sendo necessário demonstrar a culpa ou dolo do agente, a fim de se ver obrigado o autor a ressarcir eventual ilicitude em desfavor da vítima[3].

A teoria subjetiva é a teoria adotada majoritariamente pela doutrina, o que significa dizer que o elemento culpa genérica (que engloba dolo ou culpa), em regra, é elemento necessário da conduta humana para que se constitua o dever de reparar o dano causado.

Para que seja configurada a obrigatoriedade de indenizar, é necessário que tenha sido exercido de forma ilícita e que resulte em dano a conduta (ação ou omissão), nexo de causalidade, culpa e o dano.

A aplicação de medidas que obriguem a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato ou de coisa de animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva). Definição esta que guarda, em sua estrutura, a ideia de culpa quando se cogita da existência de ato ilícito e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa. (DINIZ, 2003, p. 308)

Insta gizar que o Código Civil admite também a responsabilidade civil objetiva (teoria objetiva), diante do que se vislumbra no art. 932 do Código Civil Brasileiro, in casu, atos praticados por terceiros como os pais, pelos filhos menores que estejam sob sua autoridade, tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, empregador, por seus empregados etc.[4]

1.3.      RESPONSABILIDADE CONSUMERISTA

Diferentemente da responsabilidade civil em seu caráter lato sensu (teoria subjetiva), na relação consumerista a responsabilidade é, em regra, objetiva e não há necessidade do ofendido (consumidor) demonstrar ou comprovar a culpa do agente (fornecedor), já que basta apenas que o consumidor demonstre ter sofrido qualquer tipo de dano para ser ressarcido em razão da protetividade já abordada neste artigo.

No caso em testilha, onde estamos a tratar da responsabilidade consumerista das instituições de ensino privado, a responsabilidade incide na prestação do serviço, e a responsabilidade será objetiva, independentemente da existência de culpa, in verbis:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.[5]

A teoria adotada levam em consideração os princípios existentes na relação consumerista, sobretudo o dever de segurança dos fornecedores. Vislumbra-se a partir daí o pensamento do legislador infraconstitucional que adotou no CDC a responsabilidade objetiva ou teoria do risco, na qual o fornecedor que explora atividade com interesse financeiro, comercial ou econômica deve suportar os danos causados por essa exploração, mesmo que não tenha concorrido de forma voluntária para a produção dos danos.

A teoria do risco criado importa em ampliação do conceito do risco proveito. Aumenta os encargos do agente, é, porém, mais equitativa para a vítima, que não tem de provar que o dano resultou de uma vantagem ou de um benefício obtido pelo causador do dano. (PEREIRA, 1992, p. 24, grifo nosso)

Na mesma linha CAVALIERI FILHO (2010, p. 137) enaltece a teoria do risco como “todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou independente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de nexo de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa.”

Alerta ainda CAVALIERI FILHO (2010) que, ante a inexistência do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor tinha atitudes abusivas e colocava em risco a segurança dos consumidores, impondo situações de efetivo constrangimento.

Por fim, diante das colocações apresentadas, conclui-se que serão aplicados os regramentos contidos no CDC às instituições de ensino privado, com o amparo trazido aos consumidores no sentido de que caberá à escola comprovar a ausência de culpa por eventuais transgressões e prejuízos causados por terceiros.

 

  1. A RESPONSABILIDADE CONSUMERISTA DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PRIVADO NOS CASOS DE BULLYING

O fenômeno bullying vem resultando numa maior incidência de medidas protetivas e repressivas no combate aos conflitos gerados ante a responsabilidade das instituições de ensino, face a sua omissão ou comissão do dever de cuidar dos educandos, momento em que, oportunamente, será abordado de forma incisiva o conceito, sua ocorrência e a responsabilidade consumerista das instituições de ensino privado, além do entendimento jurisprudencial sobre o tema.

2.1.      CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O BULLYING ESCOLAR

Conceitua-se o bullying como a prática reiterada de atos constrangedores e até violentos, intencionais em desfavor de outrem indefeso e intimidado. Geralmente ocorrem danos físicos, morais ou psicológicos às vítimas. O termo é oriundo da língua inglesa, “bully”, cujo significado literal é cruel, despótico, provocador. Em nosso país o vocábulo traduz o ato de mexer, provocar, desprezar, rebaixar moralmente, destruindo a reputação da pessoa. Anote-se que tal violência pode e geralmente é praticada por mais de uma pessoa, contra alguém indefeso. Muitas vezes tal infortúnio é cometido contra aluno(a) dedicados(as) e exemplares, cujo aproveitamento escolar é considerado excelente, ou contra notas aqueles que são considerados diferenciados em razão de suas opções, gostos e maneiras de enxergarem o mundo.

Neste sentido, bullying:

[…] é utilizada para qualificar comportamentos violentos no âmbito escolar, tanto de meninos quanto de meninas. Dentre esses comportamentos podemos destacar as agressões, os assédios e as ações desrespeitosas, todas realizados de maneira recorrente e intencional por parte dos agressores. (SILVA, 2010, p. 21)

Importante ressaltar que o bullying possui sua origem na história bem antiga, pois há notícias de seu aparecimento por volta de 1.240 d.C. Conforme leciona Lopes e Fantacelle, o surgimento deste fenômeno se apresentou “dentro das primeiras Universidades Inglesas e seus movimentos revolucionários”.[6]

Depreende-se das diferentes definições doutrinárias, que o bullying é uma ação repetitiva ao longo do tempo, cujo interesse do agressor é menosprezar uma pessoa específica, por diversas razões, conforme já assinalado alhures.

O fenômeno bullying escolar deu origem a exaustivos estudos, em razão das práticas contumazes e abusivas em desfavor de crianças e adolescentes, realizadas no âmbito escolar por pessoas de séries ou turmas mais adiantadas e mais velhas, em comparação as vítimas, ou seja, os mais velhos utilizam-se da vantagem proporcionada pela faixa etária, experiência e compleição física para impor pela força e intimidação sua vontade devassa e pervertida aos mais fracos e indefesos, incapazes ou impossibilitados de fazer frente aos seus agressores:

Tais condutas quase sempre praticadas pelos colegas mais fortes (ou que se encontram em bandos) consiste em hostilizar a vítima através de várias maneiras. Por exemplo: – não permitir a passagem por determinado local (banheiros, salas, corredores, pátios, etc); – privar a liberdade por alguns instantes (“encarão”); – exigir que suporte alguma conduta (trotes e prendas); – ameaçar de lhe praticar algum mal; – agredir com tapas, empurrões, cascudos, chutes, cuspes; – danificar algum objeto pessoal ou mesmo imputar à vítima xingamentos, apelidos, qualidades negativas, deformações ou algum tipo de fato ou comportamento que lhe cause humilhação ou dor profunda na alma, diminuindo-lhe a auto-estima e o amor próprio.[7] (grifo nosso)

Além do fator idade ou de “graduação” escolar, é costumeiro nas escolas a prática do bullying por grupos de alunos, de forma que a atuação em conjunto faça ainda mais efeito em desfavor do agredido. Muitas vezes, até os alunos fracos, já vítimas de bullying, podem se unir e causar agressões a alunos ainda mais fracos – é um efeito “cadeia”:

É muito comum nas escolas, por exemplo, que o “bullying” seja praticado por grupos de alunos, atuando em conjunto. Neste caso, alunos fisicamente fracos podem se revestir de muito poder e usá-la contra outros. No mais, é preciso estar atento para o fato de que determinadas correlações encontradas várias vezes entre características pessoais e a experiência de vitimização não significa, necessariamente, uma causação. […] Nesta hipótese, estudantes mais introvertidos e menos confiantes seriam selecionados pelos agressores e aquilo, que aparentemente seria uma consequência de “bullying” poderia ser, na verdade, uma das suas condições de possibilidade. O mais provável, inclusive, é que os efeitos sejam bi-direcionais e se reforcem circularmente.[8] (grifo nosso)

Dentro da escola, há ainda a figura daqueles alunos “intocáveis” ou “populares”, haja vista a notoriedade conquistada frente aos demais colegas de classe ou de escola. Esses alunos “populares” conseguem obter esse privilégio em razão de vários motivos, como beleza física, supremacia econômica, social, (apresentando vestimentas de marca, celulares importados etc.), compleição física, e, por esse motivo, acabam por se sentir no direito de atingir e desvalorizar os mais fracos.

Apesar disso, é importante esclarecer que:

Isto não significa que os autores de “bullying” sejam, por definição, “populares”. O maior ou menor reconhecimento que os alunos mais agressivos podem obter de seus pares parece estar associado a noções rudimentares e essencialmente retributivas de “justiça”. Isto também “vale” para as relações com os professores. Alunos capazes de afrontar as noções disciplinares impostar por professores repudiados pela maioria (por serem considerados “estúpido”, ou “enganadores”, por exemplo), exercitam, em nome dos demais, ações de “justiça”.[9] (grifo nosso)

O aluno “popular” responsável, em regra, pelo ato de bullying, adquire em razão disso prestígio perante os colegas, sendo alvo de imitação, ou seja, para evitarem serem agredidos fisicamente (tapa, empurrão, chute etc.) ou psicologicamente (apelido pejorativo, cuspes etc.), os demais alunos comportam-se como se valentão fossem, utilizando utensílios e vestimentas similares ao do responsável pelas diversas agressões a colegas.

Muitas vezes até os professores, até por falta de preparo, acabam induzidos a atribuírem apelidos aos alunos, agravando sobremaneira a situação daqueles que sofrem pela discriminação:

Os professores não conseguem detectar os problemas e, muitas vezes, também demonstram desgaste emocional com o resultado das várias situações próprias do seu dia sobrecarregado de trabalhos e dos conflitos em seu ambiente profissional. Muitas vezes, devido a isso, alguns professores contribuem com o agravamento do quadro, rotulando com apelidos pejorativos ou reagindo de forma agressiva ao comportamento indisciplinado de alguns alunos.[10] (grifo nosso)

Ainda assim, uma das formas de reduzir o problema, segundo Calhau, seria a criatividade, pois “não é o dinheiro (ou o tempo investido) que vai garantir um bom resultado. Mais do que isso, comprometimento com o projeto e criatividade serão o seu diferencial.” (CALHAU, 2011, p. 81)

A melhor doutrina vem assinalando que o bullying é um problema de saúde pública que vem se agravando cada vez mais, ante a ausência de métodos eficazes ou mecanismos pedagógicos nas escolas, inclusive, por culpa dos próprios pais que, ausentes e desligados em razão de suas ocupações, deixam de lado a educação dos filhos.

Conforme o que já foi até aqui exposto, evidencia-se que a prática doentia do bullying atinge diretamente e sobretudo os mais vulneráveis da escola, ou seja, aqueles desprovidos de força bruta ou de um biotipo padrão, como por exemplo, o gordinho ou o magérrimo, os menos afeiçoados, os exóticos. A maioria é alvo predileto, vítima inapelável das inconsequentes chacotas e sarcasmos, o que termina por resultar em efeitos devastadores, culminando no desempenho insatisfatório e sofrível no que diz respeito à questão relacionada ao aproveitamento escolar.

2.2.      AS INSTITUIÇÕES DE ENSINO PRIVADO COMO RESPONSÁVEIS PELOS DANOS CAUSADOS ÀS VÍTIMAS DE BULLYING

Sabe-se que existem as perversões que constituem as crianças e adolescentes, e as perversões que as diferenciam. Peter Gray, ao tratar sobre os escritos de Sigmund Freud, médico neurologista, criador da psicanálise, já havia alertado sobre a perversidade infantil, esse lado oculto que o senso comum teima em não perceber. Segundo ele, a criança e/ou adolescente, facilmente influenciável e seduzida, podem se tornar perversas polimorfas e introduzir nelas todas as transgressões possíveis. Isso nos mostra claramente que essas criaturas trazem em suas disposições a aptidão inata. Por isso, sua execução encontra pouca resistência, já que, segundo ele, conforme o imaginário da criatura, os diques existentes construídos contra os excessos – a vergonha, a moral – ainda não foram devidamente erigidos ou estão em processo de construção. (GRAY, 1989)

Costuma-se associar essas criaturas a “anjos”, seres puros, inocentes e sem maldade. Enganamo-nos quando adotamos a ideia de que essas criaturas em formação são incapazes de cometer atrocidades, contrariamente, assim como os adultos, possuem seus próprios desejos, e isso inclui aspectos inconfessáveis e sombrios, ocultos, que influenciam e implicam decisivamente em suas respectivas subjetividades inexploradas.

No ambiente escolar, por exemplo, há vários gêneros, raça, cor e personalidade de crianças e adolescentes. Ser bom, ser mal, ser mentiroso, tudo isso, em regra, é fruto da formação psicológica e educacional herdadas na ambiência familiar e social. Isso é natural, e por isso repercute na educação escolar, sendo necessário a escola fazer o seu papel:  Vigiar e educar.

Ocorre que nem sempre a escola consegue manter um controle efetivo, quando necessário. Em tese, as escolas possuem um “arsenal” psicopedagogo para inibir qualquer tipo de constrangimento que incidam sobre os alunos, principalmente o bullying.

Pior ainda é quando, na prática, a escola que possui serviço de acompanhamento psicológico, apenas foca para o agredido, fazendo com que o agressor, impune, fique do lado de fora apenas rindo e continuando seguro de suas ameaças e ridicularizações. Outro grande problema gerado com isso é a sensação de insegurança das vítimas, que, com medo de represálias, acabam por não denunciar o que está ocorrendo de maneira adequada, ou pior, quando há um “fingir não ver” o que está acontecendo, virando as costas enquanto o tais atos ocorrem.[11]

A escola é uma prestadora de serviço e como tal atribui-se a ela, em caso de falha no oferecimento dessa prestação, a responsabilidade objetiva, ou seja, basta que o prejudicado (estudante) da escola, se menor, através de seus pais, ingressarem com uma ação requerendo a reparação por danos morais e até mesmo materiais. Nesse caso, basta apenas que comprovem o dano (dolo) e o nexo de causalidade, não sendo imperioso demonstrar a culpa da instituição. Esse é o entendimento trazido pelo Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8078/90, em seu art. 14, caput, do CDC, onde o colégio é o prestador de serviço e os alunos são os consumidores. De maneira elucidativa, temos que:

Consagrada a responsabilidade objetiva do fornecedor, não se perquire a existência de culpa; sua ocorrência é irrelevante e sua verificação desnecessária, pois não há interferência na responsabilização. Para a reparação de danos, no particular, basta a demonstração do evento danoso, do nexo causal e do dano ressarcível e sua extensão. (ALMEIDA, 2003, p. 61, grifo nosso)

Desta forma, fica demonstrada a obrigação da escola em indenizar o aluno que sofrer qualquer tipo de dano dentro do estabelecimento de ensino, seja ele material, psicológico ou físico.

2.3.      O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL NOS CASOS DE BULLYING

A mídia vem dando ênfase, ultimamente, às ocorrências do fenômeno denominado bullying, o que tem alertado os pais indagarem aos seus filhos se são vítimas de tais abusos, e, em caso afirmativo, recorrerem ao Poder Judiciário como forma de coibir e serem ressarcidos pelos danos causados aos seus filhos. Anote-se que as informações relativas ao bullying deveriam advir da própria instituição de ensino se fossem mais ativas, zelosas e diligentes.

Diante disso, a jurisprudência pátria tem se manifestado e punindo rigorosamente o estabelecimento de ensino ou, a depender do caso, os pais responsáveis pela criança (agressor):

[…] o recorrente sofreu agressões físicas e verbais de alguns colegas de turma que iam muito além de pequenos atritos entre crianças daquela idade; no interior do estabelecimento réu, durante todo o ano letivo de 2005, as quais caracterizam o fenômeno hoje estudado nacional e internacionalmente pela psicopedagogia sob a denominação “bullying”, ou seja, violência escolar, de funestas conseqüências. (Acórdão nº 317276, Apelação Cível nº 20060310083312, 2ª Turma Cível, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Relator: Waldir Leôncio Lopes Júnior, Data de Julgamento: 09/07/2008, Publicado no DJE: 25/08/2008. Pág.: 70)

A jurisprudência supramencionada, apesar de ter sido julgada no dia 09 de julho de 2008, apresenta o relato de acontecimentos ocorridos em desfavor do menor em 2005, onde fora alvo de diversas agressões físicas no estabelecimento de ensino; agressões estas que resultou, inclusive, no encaminhamento do menor ao IML para fazer Exame de Corpo de Delito. Nesse caso, o Desembargador do TJ do Distrito Federal e Territórios condenou o estabelecimento de ensino no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais).

As punições e o quantum debeatur variam conforme o caso concreto. Além disso, é necessário informar que não há, ainda, norma tipificando o bullying como crime, entretanto, os diversos atos praticados pelo agressor de bullying podem constituir diversos crimes que já foram devidamente inseridos no Código Penal Brasileiro, a exemplo da injúria, difamação e calúnia, lesão corporal etc. É importante ressaltar que, seguindo esse entendimento, o estabelecimento de ensino público é também passivo de punição, nos mesmos moldes do estabelecimento de ensino privado, pois não se retira do Estado a obrigação-dever de guarda da criança e do adolescente:

A Administração Pública responde objetivamente pelos danos advindos dos atos comissivos realizados pelos agentes públicos, nesta condição, contra terceiros.  […] é crível sustentar o dever de agir no sentido de salvaguardar o respeito e consideração relativamente aos cidadãos. […] Constitui-se ato ilícito por parte destes servidores qualquer ação capaz de colocar os alunos em situação degradante ou vexatória. (Apelação Cível Nº 70049350127, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em 29/08/2012, Publicado no DJE: 06/09/2012, grifo nosso)

O fato acima transcrito torna-se ainda mais interessante, pois a prática de bullying foi causada pela professora da instituição de ensino municipal (Comarca de São Leopoldo) em desfavor da aluna. O acórdão mostra que a aluna, então com 14 (quatorze) anos, tornou-se alvo dos demais colegas de escola quando sua professora a apelidou de “Maria Tortinha”, por sofrer a referida vítima de um problema congênito no pescoço.

Outro caso interessante foi o da perseguição de um menor através das redes sociais, perseguição essa conhecida como cyberbullying. Neste caso, a vítima foi alvo de diversos “xingamentos” nas redes sociais pela agressora que, além disso, acabou por incentivar outros colegas a fazerem o mesmo.

[…] as referidas ofensas dão conta de um fenômeno moderno denominado de bullying, no qual adolescente se dedica a maltratar determinado colega, desqualificando-o em redes sociais perante os demais e incitando estes a prosseguirem com a agressão, conduta ilícita que deve ser reprimida também na esfera civil com a devida reparação, pois é notório que este tipo de ato vem a causar danos psíquicos na parte ofendida, levando, em alguns casos, ao suicídio. (Apelação Cível Nº 70052810595, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 27/03/2013, Publicado no DJE: 03/04/2013)

Conclui-se, assim, que os Magistrados vêm admitindo o bullying como um fenômeno que deve ser combatido e repelido através de condenações rigorosas, coercitivas e exemplares, transmitindo às partes, agressor e agredido, que condutas que se rebelem contra a dignidade da pessoa humana são repugnáveis no ordenamento jurídico brasileiro. As faltas ocorrentes no sistema pedagógico-educacional, seja no âmbito familiar ou escolar, vem repercutindo no Poder Judiciário que tem contribuído, mesmo que acanhadamente, com a responsabilidade transversal de combater o famigerado bullying.

 

CONCLUSÃO

Diante do tema abordado, conclui-se que para que haja a inibição da prática do bullying, tão crescente no meio escolar e, até mesmo, no virtual, é necessária uma conscientização e vigilância por parte dos pais, e de apoio psicopedagogo nas instituições de ensino.

A intervenção assídua da escola, precisamente o olhar “clínico” e de constante vigilância dos professores, até porque eles são responsáveis por toda a aprendizagem do aluno, desde o disciplinamento dos conhecimentos científicos às próprias regras do convívio social, é de suma importância.

É imprescindível que se estude e analise a praticado bullying para que se possa combate-lo com eficácia. Para tanto são necessárias à adoção de medidas que implicam a arregimentação de profissionais de áreas distintas como saúde, educação e jurídica, pois se trata de fato social desagregador e que atinge indiscriminadamente o alunado pertencente qualquer estirpe estudantil.

Por fim, temos que nos casos de bullying escolar aplicar-se-á o Código de Defesa do Consumidor, sendo a responsabilidade objetiva, cabendo apenas a comprovação do nexo de causalidade e da existência do fato, abstendo-se da comprovação da culpa.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 61

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078compilado.htm>. Acesso em: 14 nov. 2018.

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CALHAU, Lélio Braga. Bullying: O que você precisa saber. Identificação, prevenção e repressão. Ed. 3ª. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 81.

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[1] BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078compilado.htm>. Acesso em: 14 nov. 2018.

[2] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivIl_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 17 nov. 2018.

[3] Ibidem.

[4] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivIl_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 21 nov. 2018.

[5] BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078compilado.htm>. Acesso em: 21 nov. 2018.

[6] RODRIGO LOPES, Hálisson; FANTECELLE, Gylliard Matos. Da tipificação penal do bullying: modismo ou crime?. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 92, set 2011. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/?artigo_id=10285&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em: 25 nov. 2018.

[7] Ibidem.

[8] ROLIM, Marcos. BULLYING: O pesadelo da escola um estudo de caso e notas sobre o que fazer. 2008. 174 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Curso de Pós-graduação em Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/14951/000672845.pdf?sequence=1>. Acesso em: 28 nov. 2018.

[9] Ibidem.

[10] DE JESUS SILVA, Geane. Bullying: quando a escola não é um paraíso. Disponível em: <http://www.mundojovem.com.br/artigos/bullying-quando-a-escola-nao-e-um-paraiso>. Acesso em: 28 nov. 2018.

[11] SANTANA, Agatha Gonçalves. A necessidade do Direito de repensar o Bullying: Uma reflexão do caso Realengo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 89, jun 2011. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9651&revista_caderno=7>.  Acesso em: 28 nov. 2018.