A segurança pública como direito social

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Resumo: O presente trabalho tem por objetivo estudar a segurança pública como direito social no âmbito da Constituição Federal de 1988, servindo de elemento para promoção do bem-estar social. Por isso, sobretudo com o advento da recente crise no sistema prisional, cabe ao Estado olhar para a Segurança Pública com a relevância necessária, abandonando as soluções paliativas e aventureiras.

Palavras-chave: Direito Social. Constituição Federal. Segurança Pública. Polícia Civil.

Abstract: The present study aims to study public safety as a social right under the Federal Constitution of 1988, serving as an element to promote social welfare. Therefore, especially with the advent of the recent crisis in the prison system, it is up to the State to look to Public Security with the necessary relevance, abandoning palliative and adventurous solutions.

Keywords: Social Law. Federal Constitution. Public security. Civil Police.

Sumário: 1. Introdução. 2. A Constituição Cidadã de 1988. 2.1. A Natureza Basilar da CF/88. 2.2. Direitos Sociais como Política de Estado. 3. A Busca pelo Direito Social à Segurança. 3.1. Estado e Proteção Social. 3.2. Modelos de Reação ao Crime. 3.3. Formas de Prevenção do Delito. 3.4. O Necessário Protagonismo da Polícia Judiciária. 4. O Bem-estar Social. Referências. Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo buscará tratar de políticas públicas de proteção social, sob a ótica constitucional, reconhecendo a segurança pública como direito social, que produz bem-estar social, enquanto objetivo da ordem social republicana.

2. A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ DE 1988

A Constituição Federal de 1988, democrática e liberal (LENZA, 2015), foi a primeira entre todos os Textos Maiores brasileiros a desvincular a ordem econômica da ordem social, revelando seu protagonismo no novo ordenamento.

A ordem social constitucional está estruturada no binômio base e objetivo. A base trata-se do primado do trabalho, enquanto que o objetivo consiste no bem-estar e na justiça social. E a ordem social se constrói através de direitos sociais.

É, portanto, prescindível afirmar-se que o ser humano é o alocutário dos direitos sociais.

Todavia, é imprescindível para o enfrentamento da questão por este artigo, apresentar com clareza o rol, consoante prevê o art. 6º, dos direitos sociais com status constitucional no Brasil: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

Em que pese algumas vezes a discussão do Estado de Proteção Social limitar-se à segurança econômica ou externa (DRAIBE, 1993), o texto constitucional em seu art. 6º ao inserir a segurança no rol de direitos sociais, não tem tal conotação[1], mas fala propriamente de segurança pública.

Neste sentido, o acatado constitucionalista Pedro Lenza, ensina:

“[…] a previsão no art. 6º tem sentido diverso daquela no art. 5º. Enquanto lá está ligada à ideia de garantia individual, aqui, no art. 6º, aproxima-se do conceito de segurança pública, que, como dever do Estado, aparece como direito e responsabilidade de todos, sendo exercida, nos termos do art. 144, caput, para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.

2.1. A Natureza Basilar da CF/88

Sendo, pois, a Constituição a base do ordenamento jurídico de um Estado soberano, é no âmbito da Constituição Cidadã de 1988 que devemos buscar estudar concretamente o modelo de proteção social adotado por nossa nação, inaugurando a partir desta estrutura jurídica as discussões multidisciplinares que envolvem a proteção social, que, aliás, é uma função do poder público.

Neste sentido, tem-se, segundo professor da Universidade Estadual de Campinas (DI GIOVANNI, 1998), que:

“[…] a proteção social exercida através do Estado é socialmente assumida como função do poder público e representa a existência de um conjunto de garantias, mais ou menos extensas, através de intervenção política e administrativa.”

Outrossim, segundo o jurista mineiro José Afonso da Silva, os direitos sociais “disciplinam situações subjetivas pessoas ou grupais de caráter concreto” (SILVA, 2012).

E ante sua concretude, os direitos sociais são tidos como direitos fundamentais em nossa República, sendo, segundo na tradicional classificação[2], normas constitucionais de eficácia plena, ou seja, estão aptas a gerar efeitos, independentemente de qualquer integração legislativa de ordem infraconstitucional.

Portanto, em uma interpretação sistemática das normas constitucionais, revela-se que a segurança pública integra o rol de direitos sociais, bem como é um objetivo da ordem social, no âmbito, sobretudo, do bem-estar social.

E por isso não há como se falar em Estado de Proteção Social sem também enfrentar, ainda que aqueles mais avessos a façam por via oblíqua, a questão da segurança pública dos indivíduos, porquanto esta é incindível daquele.

2.2. Direitos Sociais como Política de Estado

Nesta seara, os direitos sociais e a ordem social, por possuírem natureza constitucional não são, ou não deveriam ser, política de Governo, mas sim política de Estado.

E deste raciocínio podemos concluir que os direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, ao trabalho, a moradia, ao lazer, a segurança, a previdência social, a proteção, a maternidade e a infância, bem como a assistência aos desamparados, são essenciais aos indivíduos na República Federativa do Brasil.

Por isso, a previsão constitucional original de 1988, mesmo à época sem considerar as Emendas Constitucionais 26/2000 e 64/2010, já produziu em alguns uma perspectiva de qualidade, o que se denominou em estudo de periodização, uma Restruturação Progressista (DRAIBE, 1993, pág. 32).

3. A BUSCA PELO DIREITO SOCIAL À SEGURANÇA

O Estado Brasileiro notadamente vive um cenário de guerra civil, diuturnamente ignorado pelos gestores públicos. Diz-se guerra civil, porquanto são assassinadas diariamente mais pessoas no Brasil, do que na guerra da Síria.

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Só ano de 2014 atingimos a assustadora marca de 59.627 homicídios, conforme o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM)[3], do Ministério da Saúde, o que equivale a 163,36 mortes violentas por dia ou quase 7 (sete) mortes por hora no território nacional.

Cotejando, na guerra da Síria, desde de seu início em 2011 até 2014, estima-se que foram mortas violentamente cerca de 191.000 pessoas[4], portanto, no território sírio foram assassinadas por volta de 130,82 pessoas por dia, em torno de 6 (seis) pessoas por hora.

Morre uma pessoa a mais no Brasil, por hora, do que na guerra síria. Logo, de modo sorumbático, conclui-se que o cenário nacional se assemelha, em muito, ao de guerra civil.

3.1. Estado e Proteção Social

E sabendo-se que a Constituição Federal de 1988 traz a segurança pública como um direito social, nos parece que sobra Estado e falta Proteção Social, fazendo aqui um módico silogismo com a expressão Estado e Proteção Social.

Diz-se que sobra Estado porquanto sua estrutura enquanto máquina é robusta e complexa. Diz-se que falta proteção social porquanto as políticas públicas voltadas a concretização do direito social à segurança são ineficazes.

Pode-se problematizar a questão querendo-se tratar da origem da criminalidade. Não é o caso. Deixemos o estudo etiológico à criminologia. Aqui o pano de fundo da discussão é outro: é a segurança pública como direito social.

3.2. Modelos de Reação ao Crime

Partindo da premissa que o crime em si é um fenômeno presente em todas as sociedades humanas[5], em maior ou menor escala, e que teria seu primeiro registro já no Éden[6], passemos tão somente à questão: as políticas públicas atuais no Brasil permitem concebermos que o direito social à segurança está sendo alcançado? – A resposta parece dispensar expertise, já que notória: não!

Neste cenário é forçoso concluir que o Estado precisa se debruçar com maior afinco e seriedade nas políticas públicas voltadas aos temas segurança pública e justiça criminal.

E não se acredita, de forma alguma, que o abolicionismo penal defendido pelo falecido criminólogo holandês Louck Hulsman (1993) na linha de Michel Foucault, seja o melhor remédio.

Por sua vez, o modelo clássico dissuasório de reação ao crime também tem suas mazelas, sobretudo quando aplicado aos crimes menores, já que coloca pequenos infratores com os chamados profissionais do crime, e com isso não consegue eficazmente ressocializar.

Por isso, acredita-se que o equilíbrio da justiça restaurativa de Howard Zher (nos crimes de menor repulsa social, menor gravidade), ponderado com os modelos ressocializador (aplicável nos indivíduos presos) e clássico dissuasório (nos crimes mais graves, como homicídio, estupros e afins), deve trazer melhores resultados.

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3.3. Formas de Prevenção do Delito

Mas não é só com a reação ao crime que o Estado deve se preocupar, mas também, a sua medida, com as prevenções primária, secundária e terciária.

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A conscientização como prevenção primária, é produzida, dentre outros, com a investigação dos crimes já cometidos, produzindo concreta sensação de que não existe impunidade.

Já a prevenção secundária, embora menos eficaz, também pode ser promovida, dentre outros, pela investigação policial adequada atuando em regiões de maior incidência criminosa.

Na prevenção terciária, objetivando evitar reincidência, também, dentre outros, pode se dar pela justa e eficaz investigação policial, evitando prisões injustas e arbitrárias.

Para simplificar: sugere-se maior investigação policial, como forma de promover as três prevenções.

Sem o pretexto de inovar com uma espécie de prestidigitação, mas apenas trazendo uma importante reflexão, entende-se que o Estado precisa entender que investir em policiamento ostensivo em detrimento da polícia judiciária, tipicamente investigativa, é – perdoada a linguagem – enxugar gelo.

3.4. O Necessário Protagonismo da Polícia Judiciária

Note-se que no Estado de São Paulo o Governo tem prestigiado institucionalmente a Polícia Militar em desfavor da Polícia Civil[7], nos fazendo crer que o policiamento ostensivo-repressivo é mais relevante e útil – como política pública – do que o policiamento judiciário-investigativo.

Quando na verdade o primeiro é sim importante, sobretudo diante de sua natureza essencial e republicana, mas o segundo é mais relevante como política pública, na medida em que é o único capaz de atuar conjuntamente nas prevenções primária, secundária e terciária.

Por isso não podemos admitir que um governo invista em políticas públicas de policiamento ostensivo-repressivo, relegando ao abandono o policiamento investigativo, típico e exclusivo da polícia judiciária.

Na seriedade de um sistema policial, objetivando assegurar o direito social à segurança, poderia um criminoso escapar de uma abordagem ostensiva, contudo, jamais poderia escapar de um trabalho de investigação.

Mas no Brasil, por enquanto, à luz das políticas públicas atuais, o crime tem compensado para muitos que dele vivem, já que poucos casos se consegue solucionar, daí os altos índices de “criminosos profissionais”, crentes de que jamais serão pegos.

4. O BEM-ESTAR SOCIAL

Considerando que o objetivo da ordem social constitucional é promover bem-estar social e que a segurança pública está insculpida no rol de direitos sociais, a ausência prática de tal direito inibe o exercício de outros.

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Há lugares em nosso país, que não se confundem com rincões, porquanto bem excessivamente metropolitanos, em que a saúde, a educação, o lazer, a moradia dentre outros direitos sociais, são afetados pela falta de segurança. Médicos que não aceitam ir às periferias por falta de segurança. Alunos impedidos de estudar por falta de segurança. Espaços que não podem ser utilizados para lazer pela falta de segurança. Pessoas que abandonam suas casas pela falta de segurança.

Os direitos sociais são inter-relacionados, por isso sempre que um fica demasiadamente deficiente, os outros também não podem ser exercidos.

Portanto, o caos na segurança pública não é uma questão de polícia ou de governo, mas de Estado, de cidadania, de direitos humanos, de direitos fundamentais e de sobrevivência da própria sociedade, já que a barbárie só aproveita àqueles políticos que se alimentam do caos social e àqueles que refutam o contrato social.

Sem segurança pública são ineficazes, isoladamente, os demais direitos sociais, porquanto inexequíveis, e por isso afetado está, o objetivo do bem-estar social.

 

Referências
DI GIOVANNI, G. Sistemas de proteção social; uma introdução conceitual. In: OLIVEIRA, M.A. (Org.), Reforma do Estado & Políticas de Emprego no Brasil. Campinas: Instituto de Economia, UNICAMP, 1998.
DRAIBE, Sônia. Welfare State no Brasil: Características e Perspectivas. Caderno de Pesquisa, n.8, pp.1-50, Campinas: NEPP-Unicamp, 1993.
HULSMAN, Louk; DE CELIS, Jacqueline Bernat. Penas Perdidas. O Sistema Penal em Questão. Niterói: Luam, 1993
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
 
Notas
[1] Note-se que a segurança econômica poderia, v.g., estar ligada à previdência social, mas não a segurança propriamente dita a que se refere o art. 6º da CF/88.

[2] José Afonso da Silva, tese do Concurso para provimento da Cátedra de Direito Constitucional da FADUSP, 1967.

[3] Atlas da Violência, 2016. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão do Governo Federal.

[4] Fonte: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/08/140822_siria_mortos_hb

[5] E que por isso não deixará de existir.

[6] 4:8 de Gênesis (ou Bereshit (na Torá)).

[7] Fonte: Portal G1 04/11/2016. http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2016/11/pm-fica-estavel-e-policia-civil-de-sp-perde-3-mil-policiais-na-gestao-alckmin.html – Acesso em 20/11/2016 – 18hs


Informações Sobre o Autor

Rodrigo Rodrigues Nascimento

Advogado. Especialista em Direito Constitucional e em Direito Administrativo pela Escola Paulista de Direito Mestrando em Políticas Públicas da Universidade de Mogi das Cruzes UMC


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