Resumo: Esta composição de letras se refere ao tratado dispensado que a doutrina faz em relação a natureza jurídica da sentença falimentar. Desta maneira buscaremos neste breve esboço expor as teorias existentes acerca da essência da sentença falimentar, não se esquecendo de que o legislador ao determinar a retoratividade dos seus efeitos acaba por também afetar a segurança jurídica dos negócios perfeitos, por assim, criar a possibilidade de existência de uma norma jurídica inconstitucional, por ferir esta decisão o ato jurídico perfeito celebrado entre as partes empresa (agora falida) e outrem, sem a comprovação de existência de qualquer fato que torna-se aquele negócio vicioso.
Sumário: Natureza jurídica do processo falimentar. Procedimento Pré-falimentar. Procedimento falimentar.
1. Natureza jurídica do processo falimentar
A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa. Na nossa legislação falimentar, há uma mescla de regras de direito material ao lado de normas de direito formal.
O processo falimentar visa verificar se um determinado devedor dispõe ou não de ativos líquidos suficientes para efetuarem o cumprimento das suas dívidas, propiciando meios de preservar os interesses dos trabalhadores e dos consumidores, bem como possibilitar a reabilitação do devedor, quando viável.
A eficiência do sistema falimentar deve ser objetivo norteador de qualquer processo falimentar em que se pretenda um mecanismo justo, célere e que preserve, a medida do possível, a maximização da riqueza social. A solução de litígios inerentes ao sistema falimentar não pode mais ser encontra levando em consideração apenas o corpo normativo, mas, antes, à luz do inteiro ordenamento jurídico. Isto ocorrerá, mediante um processo de recuperação de empresas ou mesmo no processo falimentar[1]. Nesta última hipótese ocorrerá a partir de um conjunto de procedimentos que se inicial denominado de pré-falimentar, falimentar e pós-falimentar.
– A fase pré-falimentar inicia-se com o pedido e vai até a decretação ou não da falência (art. 94 a 101, da Lei 11.101/05 = LRE).
– A fase falimentar inicia-se com a decretação de falência e termina com o pagamento dos credores (art. 102 a 153, da LRE)
– A fase pós-falimentar inicia-se após o pagamento dos credores e vai até a extinção das obrigações do falido (art. 154 a 160, da LRE).
1.1. Procedimento Pré-falimentar
O procedimento pré-falimentar é um processo de conhecimento, de feição contenciosa, no qual sumariamente, o magistrado irá conhecer dos fatos trazidos pelo autor e, ao final, decidirá ou não se o devedor é falido. O pedido de abertura da quebra é pretensão de tutela de constitutiva, e a sentença que decreta a falência que modifica não apenas a situação do falido, pessoa natural (empresário individual) ou pessoa jurídica (sociedade empresária), e seus sócios com responsabilidade ilimitada (art. 81, da LFRE), mas, com maior ou menor intensidade, as relações jurídicas firmadas pelo devedor com os empregados, os fornecedores, consumidores e portadores de uma diversidade de títulos.
Refutados pelo juiz os elementos de defesa apresentados pelo devedor, e, não tendo ele, nas hipóteses dos incisos I e II do art. 94, da LFRE, realizado o deposito elisivo (art. 98, parágrafo único da LFRE), não restará ao magistrado outro caminho senão o de decretar-lhe a falência, bem como, no caso da confissão pelo devedor (auto-falência – art. 105, da LFRE).
1.2. Procedimento falimentar
O procedimento falimentar é um procedimento que tem início com a decretação da falência.
O primeiro ponto que devemos observar é natureza jurídica da sentença que conclui que o devedor é falido. Nesta questão há cinco teorias pontadas por J. R. Franco da Fonseca[2]:
a) Teoria que identifica a sentença declaratória da falência como mero provimento de natureza executiva;
b) Teoria que vê na sentença declaratória da falência verdadeira sentença de mérito prolata no em processo de conhecimento;
c) Teoria que vê na sentença declaratória da falência provimento de conhecimento objetivamente complexo, enquanto criação de um titulo executivo e início de execução
d) Teoria que sustenta que a sentença declaratória é provimento emitido em processo de conhecimento, título executivo que legitimará a ação executiva geral e coletiva contra o devedor;
e) Teoria para a qual a sentença decretatória é provimento de natureza administrativa.
A primeira crítica que podemos apontar nas teorias é a natureza da sentença que decreta a falência do devedor.
De acordo com o art. 162, parágrafo 1º do CPC a sentença “é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”, ou seja, a sentença poderá julgar o mérito (definitiva) ou não (terminativa)[3]. Neste caso a sentença deverá julgar o mérito e considerar o devedor com falido. Nas palavras de Pontes de Miranda a sentença “é emitida como prestação do Estado em virtude da obrigação assumida na relação jurídico-processual (processo), quando a parte ou as partes vierem a juízo, isto é exercerem a pretensão à tutela jurídica”[4]. Luiz Fux demonstra que a sentença é “o ato pelo qual o juiz cumpre a função jurisdicional, aplicando o direito ao caso concreto, definido o litígio e carreando a paz social pela imperatividade que a decisão encerra”[5].
Toda sentença tem um cunho declaratório, pois na sentença, o juiz sempre declara a existência de um direito.
Assim, segundo Luiz Fux a sentença possui as seguintes espécies: condenatórias, declaratórias, constitutiva (sempre auto executáveis ou executivas lato sensu) e mandamental[6]. Já Humberto Theodoro Júnior a classificação das sentenças se revestem da seguinte forma: condenatórias, constitutivas e declaratórias[7]. Elpídio Donizetti e Pontes de Miranda classificam a sentença em: declaratória, condenatórias, constitutivas, sentença executiva lato sensu e mandamental[8].
a) A sentença declaratória, ou melhor, meramente declaratória tem como finalidade declarar a existência ou a inexistência de uma relação, situação ou estado jurídico.
b) Na sentença condenatória declara-se um ter havido uma lesão e se estabelece uma sanção correspondente à citada violação, que consiste numa pretensão devida pelo sucumbente. É uma sentença, pois, em condições de ser executada e se dará nós próprios autos. Humberto Theodoro Júnior afirma que a sentença determina que se realize e torne efetiva determinada sanção, Isto é, que “o vencido cumpra a prestação de dar, fazer ou não fazer, ou de se abster-se de realizar certo fato, ou de desfazer o que realizou”[9]. A sentença atribui ao vencedor um título executivo, possibilitando lhe recorrer ao processo de execução, caso o vencido não cumpra a prestação a que lhe foi condenado. Com a vigência da 11.232/2005 as sentenças que resolvem o mérito, e têm natureza condenatória, deixaram de por fim ao processo pois, não havendo o cumprimento voluntário da obrigação, prossegue-se coma fase de cumprimento da sentença.
c) Na sentença constitutiva (constitutiva criativa, constitutiva modificativa e constitutiva extintiva), não são passíveis de serem executadas, não se impõe nenhuma sanção que dependa de prestação de conduta do sucumbente. Altera-se, extingue-se ou cria-se uma situação jurídica, trazendo, pois, dessa forma, sempre, uma novidade ou uma modificação para o universo jurídico.
d) A sentença mandamental são aqueles que o Estado-Juiz, ao sentenciar, desempenha ato de autoridade, emitindo uma ordem para ser cumprida pelo sucumbente, e em caso de descumprimento haverá uma afronta a autoridade estatal.
e) Na sentença executiva, contém além de executar (tal como ocorre na sentença condenatória), aptidão intrínseca para levar à efetiva satisfação do credor, independetemente de nova demanda de execução. Esta modalidade de sentença tem como consequência inarredável o fato de transferir para o patrimônio de alguém algo que nele deveria estar, mas que, por motivos outros, encontra-se em patrimônio alheio. Pontes de Miranda expõe que "a sentença favorável nas ações executivas retira valor que está no patrimônio do demandado, ou dos demandados, e põe-no no patrimônio do demandante". [10]
A sentença de procedência, na medida em que acolhem a pretensão deduzida pelo autor, têm a natureza dos pedidos que contemplem, até porque a eles se sujeita o juiz.
A sentença que decretar a falência do devedor deverá conter além dos itens abaixo as regras do art. 458, do CPC:
“I – conterá a síntese do pedido, a identificação do falido e os nomes dos que forem a esse tempo seus administradores;
II – fixará o termo legal da falência, sem poder retrotraí-lo por mais de 90 (noventa) dias contados do pedido de falência, do pedido de recuperação judicial ou do 1o (primeiro) protesto por falta de pagamento, excluindo-se, para esta finalidade, os protestos que tenham sido cancelados;
III – ordenará ao falido que apresente, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos, se esta já não se encontrar nos autos, sob pena de desobediência;
IV – explicitará o prazo para as habilitações de crédito, observado o disposto no § 1o do art. 7o desta Lei;
V – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o falido, ressalvadas as hipóteses previstas nos §§ 1o e 2o do art. 6o desta Lei;
VI – proibirá a prática de qualquer ato de disposição ou oneração de bens do falido, submetendo-os preliminarmente à autorização judicial e do Comitê, se houver, ressalvados os bens cuja venda faça parte das atividades normais do devedor se autorizada a continuação provisória nos termos do inciso XI do caput deste artigo;
VII – determinará as diligências necessárias para salvaguardar os interesses das partes envolvidas, podendo ordenar a prisão preventiva do falido ou de seus administradores quando requerida com fundamento em provas da prática de crime definido nesta Lei;
VIII – ordenará ao Registro Público de Empresas que proceda à anotação da falência no registro do devedor, para que conste a expressão "Falido", a data da decretação da falência e a inabilitação de que trata o art. 102 desta Lei;
IX – nomeará o administrador judicial, que desempenhará suas funções na forma do inciso III do caput do art. 22 desta Lei sem prejuízo do disposto na alínea a do inciso II do caput do art. 35 desta Lei;
X – determinará a expedição de ofícios aos órgãos e repartições públicas e outras entidades para que informem a existência de bens e direitos do falido;
XI – pronunciar-se-á a respeito da continuação provisória das atividades do falido com o administrador judicial ou da lacração dos estabelecimentos, observado o disposto no art. 109 desta Lei;
XII – determinará, quando entender conveniente, a convocação da assembleia-geral de credores para a constituição de Comitê de Credores, podendo ainda autorizar a manutenção do Comitê eventualmente em funcionamento na recuperação judicial quando da decretação da falência;
XIII – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento, para que tomem conhecimento da falência”.
Como se percebe, o conteúdo da sentença implica uma série de consequências jurídicas no curso do processo falimentar, no próprio negócio e bens do devedor e na relação com seus credores.
A doutrina empresarial é divergente quanto a natureza da sentença que decreta a falência do devedor.
Sampaio de Lacerda reporta-se à posição tomada por vários autores nacionais e estrangeiros, sem, contudo, definir de modo explicita o seu posicionamento. Todavia, ao se referir à sentença como declaratória, evidentemente demonstra o seu engajamento à corrente que sustenta essa natureza. É seu o seguinte ensinamento: “de fato, a sentença declaratória vem reconhecer a situação jurídica do comerciante insolvente, declarando-o falido para o fim de daí em diante sujeitar-se aos efeitos que essa nova situação traz, efeitos esses previstos na lei”.[11]
Paulo Lacerda citado por Rubens Requião preleciona que “a falência é um estado de fato, consistente, em tese, na insolvência, que a lei caracteriza, ora pela impontualidade no pagamento de obrigação líquida e certa, ora pela ocorrência de fatos que revelam a situação patrimonial desesperadora do devedor. E assim caracterizado, dá-se o estado de direito em virtude da sentença judicial, que não cria, mas pressupõe e por isso apenas declara o estado de falência, razão pela qual a doutrina e a jurisprudência chamam-na de sentença declaratória”.[12]
Nelson Abrão afirma que “a sentença é elemento formal indispensável a caracterização da falência, pois, sendo ela dotada de natureza constitutiva, transforma o estado de fato em estado de direito”.[13]
Rubens Requião sustenta a mesma opinião ao afirma r que “a sentença, com efeito, é mais do que uma simples declaração de estado de direito: ela cria a massa falida objetiva e amassa falida subjetiva, esta constituída pelos credores e aquela formada pelo patrimônio do falido, dando-lhe nítido status jurídico. O devedor, por sua vez, passa, ainda em conseqüência da sentença falimentar, a ser impedido de exercer sua profissão comercial, a ponto de Fredericq aludir à incapacidade profissional”. [14]
Ecio Perin Júnior afirma que a sentença falimentar possui natureza constitutiva, uma vez que “instaura um novo estado jurídico, qual seja, o falimentar, gerando efeitos que alteram a situação jurídica na qual se insere o falido e seus credores”. [15]
Pontes de Miranda demonstra que a constitutividade da sentença de declaração de abertura de falência é preponderante. Após ela, há um estado jurídico que não existia. A sentença de forte carga declarativa abre as portas para a execução forçada coletiva. A força da decisão é constitutiva. Compreende-se facilmente que assim seja, porque entre outros efeitos, tem a decisão de admissão do concurso de credores, o efeito de suspender as ações executivas singulares. Ficam absorvidas na execução coletiva e exercendo-se essa sobre todo o patrimônio do falido, caindo no vácuo a execução singular, ou então os dois procedimentos se chocariam. [16]
Fabio Ulhoa Coelho afirma que a sentença de falência que introduz a falida e seus credores em uma nova fase, portanto a sentença não se limita a declarar fatos ou relações preexistente, mas modifica a disciplina jurídica destes, daí o caráter constitutivo.[17]
Para Trajano de Miranda Valverde a sentença é declaratória porque reconhece a preexistência de uma situação de fato, e é constitutiva por instaurar um novo estado jurídico, o de falência, previsto e regulado pela lei, valendo erga omnes. Portanto de caráter misto.[18]
Amador Paes de Almeida entende que a “sentença falimentar é antes de tudo declaratória, pois reconhece uma situação de fato, declarando a falência e iniciando a execução, como faz toda sentença. Mas, enquanto declaratória reconhece um estado de quebra anterior, inquestionavelmente de natureza constitutiva, na medida em que instaura um novo estado jurídico de falência“.[19]
José da Silva Pacheco realça o caráter executório da sentença ao afirmar que pelo conteúdo e eficácia da sentença pode-se concluir que se tratará de uma sentença executiva.[20]
Gladston Mamede preleciona o caráter hibrido da sentença que decreta a falência do devedor pelos seguintes argumentos: 01 será constitutiva porque gera um novo estado econômico para o devedor, sendo que para as sociedades, decorrerá um novo estado civil, já que será a sociedade dissolvida; 02 têm em vista que o termo legal da falência irá retrair em até 90 dias a contar do pedido de falência,de recuperação ou 1º protesto válido, ou seja, terá efeitos ex tunc, efeito não permitido nas sentenças constitutivas. [21]
Analisando o conteúdo da sentença falimentar podemos concluir que ser trata de uma sentença constitutiva com efeitos previstos na legislação, pois toda sentença na sua formação é declaração do juízo de valor que o magistrado faz acerca do caso concreto, baseado nas provas produzidas, em relação à retroatividade dos efeitos podemos afirmar que a sentença é um ato jurídico e os atos jurídicos podem produzir efeitos retroativos, ou seja, a retroatividade não é incompatível com o ato jurídico, seja qual for a sua natureza.
Assim, o legislador ao determinar a retoratividade dos efeitos da sentença falimentar acaba por também afetar a segurança jurídica dos negócios perfeitos, pois a sentença torna ineficazes os negócios jurídicos sem qualquer vício formal existente a época de sua celebração ou mesmo na execução, mas apenas pelo aspecto temporal. Assim, o legislador ao determinar esta retroativdade tornou a norma do art. 99, II da Lei 11.101/05 inconstitucional, por ferir o ato jurídico perfeito celebrado entre as partes empresa (agora falida) e outrem, sem a comprovação de existência de qualquer fato que torna-se aquele negócio vicioso.
Informações Sobre o Autor
Leonardo Gomes de Aquino
Advogado. Mestre em Direito. Especialista em Processo Civil e em Direito Empresarial todos pela Faculdade de Direito da Universidade de Cimbra Portugal. Pos graduado em Docência do Ensino Superior. Professor Universitário. Autor dos Livros: Direito Empresarial: Teoria geral e Direito Societário e Legislação aplicável à Engenharia