Resumo: Em breve análise da situação imposta aos maiores de 70 anos no inciso II do art. 1.641 do Código Civil, vislumbra-se que a eles é retirada a liberdade de escolha quanto ao regime de bens no casamento, o que determina a separação obrigatória de bens no caso dos indivíduos ali enquadrados. No presente trabalho será demonstrado que esta imposição não é plausível – e por que não dizer inconstitucional – tendo em vista que os indivíduos desta faixa etária não são considerados civilmente incapazes aos atos da vida civil, tampouco apresentam redução de sua capacidade mental a ensejar o empeço na escolha do regime de bens que melhor lhe convier. Não obstante, o legislador trouxe o aludido dispositivo com clara intenção de que fossem evitados os golpes do baú, entretanto, resta saber, quanto são os idosos no país com tamanha capacidade econômica para serem vitimados por tal golpe? Sem olvidar, inclusive, da possibilidade de as pessoas com mais de setenta anos de idade estar autorizadas a viver em União Estável e, com isso, serem livres para a opção dentre os diversos tipos de regime patrimonial disponíveis no sistema jurídico pátrio.[1]
Palavras-chave: Idoso; Incapacidade; Patrimônio;Proteção.
Abstract:In brief analysis of the situation imposed on over 70 years in item II of art. 1641 of the Civil Code, one sees that to them the freedom of choice as to the matrimonial property regime, which provides for the compulsory separation of property in the case of individuals framed there is withdrawal. In the present work will be shown that this charge is plausible – and why not unconstitutional – a view that individuals in this age group are not considered civilly unable to acts of civil life, nor have reduced his mental capacity to give rise to the trammels the choice of goods regime that suits you best. Nevertheless, the legislature brought the aforementioned device with clear intention that the blows were prevented the trunk, however, remains to be seen, as are the elderly in the country with such economic capacity to be victimized by this scam? Without forgetting even the possibility for people over seventy years of age be allowed to live in Stable Union and, with it, be free to the choice among the various types of property regimes available in the Brazilian legal system.
Keywords:Elderly; Incapability; Patrimony; Protection.
Sumário: 1. Introdução; 2. O Código Civil de 1916: panorama social e legislativo; 2.1 A família conjugal no Código de Beviláqua; 3. O Código Civil de 2002; 4. A idade como causa determinante da incapacidade: será?; 4.1 O regime da separação de bens versus o regime da separação obrigatória de bens; 4.2 A discussão acerca do artigo 1.641, II, do Código Civil; 4.3 Da União Estável e o regime de bens; 5. Considerações finais. Referências.
1 Introdução
O presente trabalho surge a partir de uma análise, ponderadamente, crítica acerca do regime da separação obrigatória de bens, imposta aos nubentes com idade superior a 70 anos, prevista no artigo 1641, inciso II do Código Civil.
Impende salientar que tal imposição legal perdura no tempo, visto que o Código Civil de 1916 impunha aos nubentes com idade superior a 60 anos, quando do sexo masculino, e 50 anos, quando do sexo feminino, a separação obrigatória de bens.
Entretanto, em razão da Constituição Federal de 1988 igualar homens e mulheres em direitos e obrigações, foi revogada a distinção de idades no que concerne ao sexo dos nubentes. Com a reforma do Código Civil em 2002, o criticado art. 1.641, II não foi revogado, aindaque sendo alvo de inúmeras censuras. Houve posteriormente uma pequena alteração no que tange à idade dos consortes que, em razão da elevação da expectativa de vida, saltou de 60 para 70 anos, levando-se à alteração legislativa do artigo 1.641 do CC, por intermédio da Lei nº 12.344 em 09 de dezembro de 2010.
Pois bem, da breve análise concluiu-se que a evolução social impôs ao legislador efetuar pequenos ajustes no dispositivo de lei. Todavia, indaga-se acerca da pertinência de se manter tal dispositivo, mormente em se considerando algumas lacunas legislativas, como no caso da união estável, em que há a liberdade de escolha de regime de bens por maiores de setenta anos.
Ora, a sociedade de 1916 ainda era eminentemente patriarcal, robusta de preconceitos e distinções entre classes. A escravatura ainda era uma situação recente e, em razão dos dogmas sociais da época, verificam-se alguns respaldospelos quais o legislador se pautou para que justificasse as restrições a nubentes idosos.
No entanto, a reforma do Código Civil foi realizada em 2002, adentrando ao século XXI, palco de inúmeras mudanças sociais, avanços tecnológicos, medicinais e, inclusive, jurídicos, momento em que o Poder Legiferante, vivenciando este contexto, ainda assim decidiu por manter este dispositivo, com singelas alterações no que tange à igualdade em direitos entre homens e mulheres, mediante interpretação conforme a Constituição Federal de 1988.
A manutenção do referido dispositivo causa grande celeuma jurídico entre as posições doutrinárias e jurisprudenciais, visto que se mostra afronto à própria Constituição Federal, em razão do princípio da isonomia e máxime por ferir diametralmente o princípio da dignidade da pessoa humana.
2 O código civil de 1916: panorama social e legislativo
A fim de melhor compreensão acerca do surgimento do dispositivo constante no artigo 1.641, inciso II do CC/02, insta rememorar a criação do Código Civil anterior, pois é de lá que advém e perdura esta disposição, outrora prevista no artigo 258 do CC/16.
Nessa linha de ideias, importante trazer à tona o panorama social daquela época:
“Toda estrutura socioeconômica da sociedade brasileira, ao longo do Império, amparou-se na monocultura latifundiária e na técnica do trabalho escravo. Isso iria refletir-se na construção inicial da ordem político-jurídica do país.Numa estrutura agrária e escravocrata, como a brasileira do século XIX, não havia lugar para o abrigo de concepções avançadas na esfera do direito privado” (WOLKMER, 2010, p. 153).
Neste contexto, surgem dois novos projetos daquilo que seria o Código Civil hoje em vigor: o de Coelho Rodrigues em 1890 e o de Clóvis Beviláqua em 1889, sendo este último quem preponderou na arte legislativa daquele período quase que medieval.
“Influenciado pelo Código Civil Alemão de 1896 (que entrou em vigência em 1 de janeiro de 1900), sua aprovação passou por inúmeras discussões na Câmara e no senado da república, onde recebeu críticas contundentes (principalmente de Rui Barbosa) e modificações consideráveis, sendo sancionado somente em 1916, vigorando a partir de 1917. O primeiro e tão esperado ordenamento civil, substituto das ordenações portuguesas, deixa transparecer o espírito que norteava seu redator, Clovis Beviláqua, integrante da escola do Recife e com pendores naturais pela recepção do direito Alemão.As características do novo Código estavam mais próximas de um perfil conservador do que inovador, em razão da ênfase muito maior atribuída ao patrimônio privado do que realmente as pessoas, admitindo um pátrio poder rigoroso, que foi diminuído posteriormente com a gradativa concessão de outros direitos a esposa.Em verdade, a codificação civil, enquanto uma das primeiras grandes realizações da jovem republica, traduzia, em seus avanços relativos, sem muita ousadia, os intentos de uma classe média consciente e receptiva aos ideais liberais mais igualmente comprometida com o poder oligárquico familiar” (WOLKMER, 2010, p. 155).
É neste contexto recém-liberto da escravatura, com uma monarquia ainda dominante e uma sociedade excessivamente conservadora, que o Código Civil de 1916 teve seu nascedouro, período em que ainda havia a preponderânciado patrimônio em dissonância ao valor do indivíduo como pessoa humana.
De fato, lardeada de resquícios preconceituosos, a seara jurídica não esperavapor grandes inovações, tampouco a valoração dos indivíduos, visto que, há poucos anos anteriores à outorga da Lei Substantiva de 1916, negros ainda eram comercializados como objetos, mulheres tratadas como relativamente incapazes.
Partindo ainda de uma sociedade excessivamente patriarcal, frustrada a implementação de grandes avanços no que diz respeito à condição da família no contexto social e, ainda, percebe-se o contexto pelas quais as disposições versavam mais a respeito do patrimônio do que o quesito volitivo do casal em compartilharem suas vidas em comum.
Diante destaconjuntura extremamente voltada ao TER – alijado o valor do SER – nenhuma surpresa há no que tange a restrição descabida da obrigatoriedade da separação de bens entre os cônjuges idosos; entretanto, é surpreendente e repugnante essa questão retrógada aindaser mantida até hoje, no corpo do Código Civil de 1916.
2.1 A família conjugal no Código de Beviláqua
Revestindo-se da tradição, outra não seria a formação da família senão essencialmente patriarcal e hierarquizada.
Neste diapasão, o art. 233 do Código Civil de 1916 determinava que o marido fosse o chefe da sociedade conjugal, e nos incisos seguintes havia o rol de sua competência e funções no âmbito familiar.[2]
Uma curiosa disposição do Código de 1916, no que diz respeito às relações conjugais, era a impossibilidade de alteração do regime de bens após a celebração do casamento, situação revogada pelo Código atual, em que vigora a possibilidade de modificação motivada e conjunta do regime de bens pelos cônjuges.
A mulher era considerada relativamente incapaz, nos termos do artigo 6º, II, do aludido diploma, motivo pelo qual há ligeira presunção de que a mens legis era manter a mulher sempre sob o comando de seu esposo.[3]
Havia, ainda, disposição legal quanto ao consentimento dos pais para a realização do casamento dos filhos menores de 21 anos. Contudo, em razão desta família efetivamente patriarcal, centrada no domínio paterno, havendo discordância prevalecia à vontade paterna.
Era ainda obrigação da mulher velar pela direção material e moral da família, conforme disposto no artigo 240, embora seja de sabença que naquela época apenas o varão era o arrimo de família, único provedor da casa patriarcal.[4]
A igualdade entre os filhos também não foi matéria elucidada no diploma legal de 1916, pelo contrário, havia expressa disposição de desigualdade entre eles, com odiosa classificação discriminatória dentre os legítimos, ilegítimos e adotivos, sendo que os adotados sequer participavam da sucessão hereditária, nos termos do artigo 377.[5]
3 O código de 2002
Após quase um século da promulgação do primeiro Código Civil, a sociedade clamava por mudanças que atendessem às necessidades e evoluções da contemporaneidade. No decorrer do século passado, houveram algumas modificações esparsas, em alguns pontos não tão significativos, mas que, de certa forma, atendiam ao clamor da época.
Assim, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a manutenção do vetusto Código Civil de 1916 passou a ser uma afronta aos ditames constitucionais, haja vista estarem em choque contundente com o foco que havia sido dada á igualdade, fraternidade e solidariedade da Constituição Cidadã. Acerca do tema, leciona Antônio Carlos Wolkmer:
“A nova legislação privatista, ao longo de seus 2046 artigos, redefiniu institutos como casamento, filhos, herança, uso do sobrenome, emancipação, maioridade civil e perda da virgindade feminina, bem como instituiu novos temas acerca dos direitos da personalidade, associações e fundações, propriedade fiduciária, posse-trabalho, direito de empresa e etc. Entretanto, numa análise mais rigorosa critica mais rigorosa, verifica-se que seus avanços foram muito comedidos para enfrentar a evolução e o grau de complexidade das relações sociais, vivenciadas nos horizontes de um novo milênio, marcadas por diversidades e realidades emergenciais. Obviamente, que o Código Civil de 2002 tentou adequar à legislação civil a constituição brasileira de 1988, que já vinha despertando o sopro de ventos alternativos como a “constitucionalização do direito civil” e a “repersonalização da civilística nacional”. Na verdade, o Código Civil do novo milênio foi tímido e não desencadeou significativas e profícuas inovações.”(WOLKMER, 2010, p. 159).
Dentre as tímidas alterações realizadas no Código Civil de 2002, a disposição prevista no art. 258 do CC 1916, qual seja, a da separação obrigatória de bens imposta aos nubentes maiores de 60 anos (agora 70) não foi uma delas, ou seja, mantiveram-se as raízes patrimonialistas em detrimento das relações intersubjetivo- afetivas.
Todavia, duas grandes importantesmodificações em toda a seara familiarista dispostas no Código Civil foram a igualdade entre os homens e mulheres, baseando-se no preceito constitucional (art. 5º, inciso I, CF/88) e a afetividade como princípio norteador do Direito de Família.
4 A idade como causa determinante da incapacidade: será?
Envelhecer é consequência da própria existência do ser humano. Tudo quanto existe na natureza está fadado ao envelhecimento e à morte, sendo que a ciência, em seus inúmeros avanços e descobertas ao longo dos tempos dificilmente encontrará um “elixir da juventude”.
Neste ínterim, o Estatuto do Idoso prevê que idosa é a pessoa que conta com 60 anos ou mais, enquanto que a Organização Mundial da Saúde estatui que pessoa idosa é aquele que conta com 60 anos ou mais quando reside em um país em desenvolvimento, enquanto que nos países desenvolvidos, esta idade salta para 65 anos.
Contudo, cumpre esclarecer o que efetivamente significa e quais as consequências do processo de envelhecimento:
“Envelhecer é um processo multifatorial e subjetivo, ou seja, cada indivíduo tem sua maneira própria de envelhecer. Sendo assim o processo de envelhecimento é um conjunto de fatores que vai além do fato de ter mais de 60 anos.Deve-se levar em consideração também as condições biológicas, que está intimamente relacionada com a idade cronológica, traduzindo-se por um declínio harmônico de todo conjunto orgânico, tornado-se mais acelerado quanto maior a idade; as condições sociais variam de acordo com o momento histórico e cultural; as condições econômicas são marcadas pela aposentadoria; a intelectual é quando suas faculdades cognitivas começam a falhar, apresentando problemas de memória, atenção, orientação e concentração; e a funcional é quando há perda da independência e autonomia, precisando de ajuda para desempenhar suas atividades básicas do dia-a-dia”(PASCHOAL, 1996; MAZO, et al., 2007 apud Dias, 2007)”.
Neste diapasão, é perceptível que o processo de envelhecimento não incapacita o idoso para os seus atos da vida civil, tampouco lhe prejudica o discernimento no que tange às suas escolhas e seus quesitos racionais.
As mudanças são apenas biológicas, excluindo, contudo os casos excepcionais em que há a perda das faculdades cognitivas e mentais, não elucidados neste trabalho, quando deverá ser objeto de perícia e, possivelmente, processo de interdição e representação por um curador.
Nada obstante, o próprio artigo 1º do Código Civil assegura que a princípio todos os indivíduos são plenamente capazes e, após, elenca as exceções, conforme artigo 3º e 4º, donde não se encontra elencada a figura do idoso para que haja uma cognição sumária de sua incapacidade em decidir sobre o regime de bens que deseja para vigorar em razão do seu enlace nupcial.
4.1 O regime da separação de bens versus o regime da separação obrigatória de bens
Aos cônjuges é dado, antes da celebração do casamento, a opção de escolhade regime de bens por meio de pacto antenupcial, que é assim definido por Rolf Madaleno, citado na obra de Flávio Tartuce:
“No pacto antenupcial, o Direito de Família permite exercer livremente a autonomia da vontade, podendo os nubentes contratar acerca do regime que melhor entendam deva dispor sobre as relações patrimoniais de seu casamento, constituindo-se em verdadeira exceção a regra de indisponibilidade dos direito de família, cujos preceitos são compostos de normas cogentes e, portanto, insuscetíveis de serem derrogadas pela convenção entre particulares” (MADALENO apud TARTUCE, 2014, p. 155).
A legislação civil pátria dispõe de cinco tipos de regimes de bens passíveis de escolha pelos cônjuges, quais sejam: a comunhão universal de bens; a comunhão parcial de bens; o regime da participação final dos aquestos; e o regime da separação absoluta de bens.
Todavia, contrariando o que dispõe as lições supracitadas, haverá situações em que a autonomia da vontade restará suprimida ante a imposição do Estado pelo regime da separação obrigatória de bens, sendo uma delas a que é imposta aos nubentes maiores de 70 anos, matéria sobre a qual versa o presente trabalho.
No regime da separação absoluta, total ou convencional de bens, que não se confunde com o da separação obrigatória ou legal de bens, a escolha deriva da autonomia da vontade dos nubentes, a partir da Escritura Pública de pacto antenupcial, não havendo comunicação de quaisquer bens, sejam advindos antes ou após a constância do casamento. Há uma liberdade negocial maior e os patrimônios dos cônjuges varão e virago são independentes entre si.
Assim, caberá a cada cônjuge a livre administração de seus bens, de forma exclusiva, podendo dar, dispor, alienar, gravar de ônus real sem que haja necessidade de anuência do outro cônjuge, nos termos do art. 1.647 do CC[6].
Em contrapartida, no regime de separação obrigatória ou legal a divisão patrimonial é imposta aos nubentes em virtude de uma das situações elencadas no art. 1.641 CC, que no caso em discussão, será analisada a disposição constante no inciso II: maiores de setenta anos.
Logo, ainda que os cônjuges desejem contrair núpcias com qualquer outro regime aceito pela legislação vigente, essa vontade é neutralizada ante a preponderância da imposição normativa. Trata-se de disposição que suprime um dos princípios do regime de bens, qual seja, a autonomia da vontade.
Objetivando a justificação do dispositivo, o legislador assevera que se trata de norma efetivamente protecionista em razão das peculiaridades de determinado grupo de pessoas e, principalmente (ou tão somente), no que diz respeito ao seu patrimônio, teleologia esta que cai por terra diante da possibilidade de na união estável os maiores de setenta anos escolherem livremente o regime de bens que lhes aprouver, por simples contrato de convivência[7].
4.2 A discussão acerca do artigo 1.641, II, do Código Civil.
A escolha do regime de bens, feita por ocasião do casamento, rege a situação patrimonial do casal durante sua vigência, mas tem maior significado quando de sua dissolução. Podem os noivos adotar qualquer dos regimes de bens previstos na lei ou gerar um regime próprio. Mantendo-se silenciosos, ou seja, não firmando pacto antenupcial, vigorará o regime da comunhão parcial. Hipóteses há, no entanto, em que a vontade dos nubentes não será respeitada. Impõe a lei o regime da separação obrigatória (CC, art. 1.641).
Para fins de imposição do regime de separação obrigatória, até o ano de 2010 vigorava a idade de 60 anos. Contudo, o inciso foi alterado pela lei 12.344/2010, elevando a faixa etária para 70 anos. Sobre tal alteração, é imperiosa a lição de Pérola Melissa Vianna Braga:
“Em dezembro de 2010, a lei 12.344 alterou a redação do inciso II do artigo 1641 da lei 10.406, de 10 de Janeiro de 2.002 (Código Civil), para aumentar para 70 anos a idade a partir das qual se torna obrigatório o regime de separação de bens no casamento. Isto é um absurdo e uma falta de conhecimento do direito do idoso.
Ao invés de revogar este artigo, o legislador federal mais uma vez expropriou o idoso de seu direito de escolha do regime de bens, pressupondo sua incapacidade civil e contrariando o artigo 1º do Código Civil de 2002. Esta pressuposição é que é totalmente ilegal e inconstitucional, uma vez que o idoso, em razão de sua idade de 70 anos, não está incluído em nenhuma das previsões de incapacidade contidas nos artigos 2º e 3º do atual Código Civil” (BRAGA, 2011, p. 56).
A questão aqui elucidada é, sem dúvida, bastante polêmica, tendo em vista a limitação de uma escolha, que reflete na liberdade, e que tem caráter personalíssimo, em razãoda idade do indivíduo. Maria Berenice Dias obtempera:
“A forma encontrada pelo legislador de para evidenciar sua insatisfação frente à teimosia de quem desobedece ao conselho legal e insiste em realizar o sonho de se casar é impor sanções patrimoniais.
Para todas as outras previsões legais que impõe a mesma sanção, ao menos existem justificativas de ordem patrimonial. […]
Mas, com relação aos idosos, há previsão juris et de jure de total incapacidade mental. De forma aleatória e sem buscar sequer algum subsídio probatório, o legislador limita a capacidade de alguém exclusivamente para um único fim: subtrair a liberdade de escolher o regime de bens quando do casamento. A imposição de INCOMUNICABILIDADE é absoluta, não estando prevista nenhuma possibilidade de ser afastada a condenação legal.
Nas demais hipóteses em que a lei impõe esse regime de bens, pode o juiz excluir dita apenação (CC 1523). Tal chance não é dada aos noivos idosos. Mesmo que provem a sinceridade de seu amor, sua higidez mental e que nem tem família para deixar os bens. Não há opção”. (DIAS, p. 256-7)
Pois bem, conforme demonstrado, o envelhecimento por si só não induz a qualquer incapacidade ao indivíduo,em observância aos ditames dos próprios artigos 1º, 3º e 4º do Código Civil, inexistindo qualquer justificativa para que o Estado presuma a senilidade como fator de restrição cognitiva e, com isso, esteja autorizado a delimitar idade para vigorar o regime da separação obrigatória de bens.
Neste sentido, é imperiosa a lição de Silmara JuryChinellato, citada por Flávio Tartuce, em que explica que as pessoas idosas da atualidade:
“[…] aportam a maturidade de conhecimento de vida pessoal, familiar e profissional, devendo, por isso, ser prestigiadas quanto à capacidade de decidir sobre si mesmas. […]
a plena capacidade mental deve ser aferida em cada caso concreto, não podendo a lei presumi-la, por mero capricho do legislador que simplesmente reproduziu razões de políticas legislativas fundadas no Brasil do século passado”(CHINELLATO apudTARTUCE, 2014, p. 139).
Indo mais além, e analisando de forma crítica a justificativa legislativa de que a imposição visa salvaguardar o patrimônio do nubente que conta com mais de 70 anos, partilha-se da mesma ideia o jurista Flávio Tartuce, quando leciona que o referido dispositivo tem o condão protecionista da figura do herdeiro em detrimento da figura do idoso:
“O inciso II visa, supostamente, à tutela do idoso, potencial vítima de um golpe do baú, em geral, praticado por pessoa mais jovem, com más intenções. De qualquer forma, até para sustentar a tese de inconstitucionalidade a seguir demonstrada, a este autor parece que a norma tende a proteger não o idoso, mas os seus interesses patrimoniais de seus herdeiros, que, muitas vezes, à espreita, esperam a morte do familiar e o recebimento do acervo patrimonial. De imediato, insta notar que o casamento para o idoso, NÃO TRARÁ PREJUÍZOS AFETIVOS, MAS VANTAGENS, AINDA MAIS SE CONTRAÍDO COM PESSOA MAIS JOVEM. Vale ainda se lembrar do antigo provérbio a respeito da herança: filho bom não precisa, o filho ruim não merece” (TARTUCE, 2014, p. 138).
Da fusão das lições supracitadas, conclui-se tão somente que além da inconstitucionalidade escancarada do dispositivo, é cabal o entendimento de que o casamento da pessoa idosa, com mais de setenta anos, não lhe restará qualquer prejuízo, tampouco que existem comprovações de limitações racionais para a decisão de seus atos da vida civil.
O que se percebe efetivamente é um cuidado exacerbado com o acervo patrimonial do indivíduo, acuidade esta que não mais comporta ao Direito Civil Contemporâneo, ou melhor, Direito Civil Constitucional. A constatação desta questão se dá quando da análise das lições doutrinárias majoritárias, bem como quanto ao Enunciado 125 da I Jornada de Direito Civil, que propõe a revogação do disposto no art. 1.641 do CC/02:
“A norma que torna obrigatório o regime da separação absoluta de bens em razão da idade dos nubentes (qualquer que seja ela) é manifestamente inconstitucional, malferindo o principio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República, inscrito no pórtico da Carta Magna (art. 1º, III, CF/88). Isso porque introduz um preconceito quanto às pessoas idosas que, somente pelo fato de ultrapassarem determinado patamar etário, passam a gozar da presunção absoluta de incapacidade para alguns atos, como contrair matrimônio pelo regime de bens que melhor consultar seus interesses.”[8]
Sobre tal preceito leciona Flávio Tartuce:
“[…] o enunciado é perfeito. Primeiro porque o dispositivo atacado é totalmente dissonante da realidade pós-moderna ou contemporânea, que tende a proteger a pessoa. Realmente, ao contrário de ser uma norma de tutela, trata-se de uma norma de preconceito”(TARTUCE, 2014, p. 138).
Nada obstante, ainda queo dispositivo se justificasse objetivando resguardar a quota hereditária dos sucessores, continuaria não merecendo qualquer guarida, visto que o patrimônio foi adquirido, onerosamente, por aquele indivíduo e cabe tão somente a ele decidir a maneira como pretende dispor, seja contraindo núpcias ou realizando qualquer outro ato, tais como viagens, ou aquisição de bens que tanto almejou durante toda a sua juventude.
Aquele que deseja possuir uma vida efetivamente abundante deve laborar para tanto, e não aguardar a morte de seus ascendentes para então desfrutarem das conquistas destes.
Vislumbra-se, ainda, flagrante afronta ao que prescreve o Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/2003,cujo fim é exatamente assegurar aos maiores de sessenta anos qualidade de vida, exercício pleno de direitos, proteção, dentre outros.[9] Na sequência, o artigo 2º assegura ao idoso todas as oportunidades e facilidades para a efetivação de suas condições de liberdade e dignidade.[10]
A respeito dos direitos individuais, igualmente extensivos ao idoso, lecionam osinsignesjuristas Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino que:
“os direitos individuais correspondem aos direitos diretamente ligados ao conceito de pessoa humana e de sua própria personalidade, como, por exemplo, o direito à vida, à dignidade, à liberdade” (PAULO; ALEXANDRINO, 2008, p. 89).
Portanto, não só assegurado pela legislação especial como também pela Magna Carta a liberdade do idoso em todos os seus atos da vida civil, sendo, portanto, incontroversa a inconstitucionalidade da delimitação em sua liberdade no que diz respeito ao empeço do regime de bens ser avençado no momento da celebração de seu casamento.
No que tange, ainda, a respeito do direito à liberdade do idoso sobre seus atos da vida civil, assegurado ainda no Estatuto do Idoso, é imperiosa a lição de Pérola Melissa Vianna Braga:
“O direito a liberdade significa que o idoso tem direito de continuar fazendo suas próprias escolhas como poder optar pelo tratamento de saúde que lhe for mais indicado (mesmo que a opção seja pelo não tratamento ou por tratamentos alternativos como religiosos, a decisão do idoso deve ser respeitada), ou decidir sobre a forma de gastar seus recursos, OU AINDA ESCOLHER COM QUEM VAI SE RELACIONAR ou onde vai morar”(BRAGA, 2011, p. 71).
Em complementação ao raciocínio esposado, o art. 4º do Estatuto do Idoso dispõe:
“Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.”[11]
Neste diapasão, impende destacar a lição de Débora Brandão:
“Vislumbramos ai dupla inconstitucionalidade, tanto sob o prisma da violação da igualdade diante da possibilidade de qualquer adulto capaz poder se casar e ele (o idoso) não, quanto do elemento da idade como critério de discriminação”(BRANDÃO apudTARTUCE, 2014, p. 139).
Nada obstante, a discriminação do idoso é crime, previsto ainda no Estatuto do idoso, em seu artigo 96, que prevê, em havendo discriminação que o impeça (o idoso) de exercer sua cidadania, o agente da conduta será punido. Deveria então o legislador ser punido ante o flagrante texto discriminatório do artigo 1641, II CC?
Ora, se o Estatuto do Idoso visa justamente assegurar os seus direitos, garantir igualdade e coibir atos de discriminação, percebemos que a lei caminha na contramão de suas próprias legislações. Nada mais exemplar que o próprio legislador contrarie as regras feitas por ele mesmo, demonstrando a sociedade de forma geral que suas regras, em verdade, não devem ser seguidas tão ao pé da letra.
Resta claro, portanto, o repúdio majoritário a este dispositivo pela grande maioria de doutrinadores como também por uma minoria jurisprudencial que prevê flagrante inconstitucionalidade na previsão do art. 1641, II, CC, por se constituir violação à dignidade da pessoa humana.[12]
Contudo, até o momento vislumbra-se a ideia do legislador que é justamente a proteção patrimonial,justificada a partir do pressuposto de que todos os idosos tenham uma situação econômica abastada.
Todavia, grande parte de nossa população idosa conta com apenas uma singela aposentadoria mensal, que não raras vezes mal atende as necessidades básicas, tais quais remédios, saúde, alimentação, lazer.
Nestas situações, um casal de idosos que contam com mais de 70 anos e decidem contrair núpcias, ainda assim são obrigados a conviverem com o regime de separação obrigatória de bens, deixando de lado os princípios afetivos que norteiam sua união.
Com estes casos resta totalmente afastado o principio de proteção patrimonial assegurado pelo dispositivo legal, visto que a união se dá por mútuo afeto e vontade dos nubentes.
O quê dizer ainda de idosos, que se casam, e sequer possuem descendentes ou ascendentes para deixar o parco patrimônio que constituíram ao longo de sua vida?
Pelas regras que norteiam a sucessão, estes bens serão direcionados a um colateral de grau próximo e ainda, inexistindo qualquer destes, será declarado vacante e pertencerá aos cofres públicos, quando, em verdade, poderia suprir alguma necessidade do cônjuge supérstite, ainda que seja um sepulcro.
Não deveria o legislador se atentar para o fato de que os relacionamentos, não se embasam em perspectivas patrimoniais, mas sim no quesito afetivo? Diga-se de passagem, é esta a vertente de nossa legislação atual, quem tem trazido à tona o afeto como constituição e base familiar.
Estando o legislador de fato preocupado com as questões patrimoniais dos nubentes, retroagindo ao início do século XX, nada mais igualitário e assertivo que revogar as disposições que tratam a respeito dos regimes de bens e vigorar tão somente a separação obrigatória. Neste caso sim veríamos os preceitos constitucionais sendoatendidos nos termos do artigo 5º da Constituição Federal: “todos são IGUAIS” perante a lei.
É contundente a afronta aos preceitos constitucionais a vigência deste dispositivo. Afronta ainda a figura dos idosos, que são postos em uma situação que não lhes cabe, a de uma ingenuidade extrema e, ainda, uma afirmação de que eles não dispõem de quaisquer características capazes de despertar o afeto de conotação imaterial, senão pela vantagem pecuniária em troca.
Aliás, a Constituição Federal de 1988 trouxe uma projeção de família totalmente desvinculada dos valores patrimoniais, embasada no afeto mútuo, assistência. Nada obstante, o art. 1.566, CC, elenca o rol dos deveres dos cônjuges na constância do casamento, e de breve leitura, em momento algum encontramos qualquer disposição ligada a patrimônio, mas sim ao atendimento das questões íntimas de cada indivíduo.
Assim sendo, generalizar que o casamento quando contraído por pessoa com idade superiora 70 anos gira unicamente em torno da questão patrimonial, é sem dúvidas, descartar as legislações vigentes, visto que, estas dispõem efetivamente o contrário.
4.3 Da União Estável e o regime de bens
Aduz o Código Civil, em seu artigo 1.723 que união estável nada mais é que a convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o intuito de constituir família.[13]
Apesar de doutrinariamente existirem duras críticas no que tange inclusive a posição do instituto no Código Civil, deveras apartado do capítulo em que trata do casamento, o Estado tutela a ambos os institutos de igual forma.
“O Código de 1916, com o propósito de proteger a família constituída pelos sagrados laços do matrimônio, omitiu-se em regular as relações extramatrimoniais.Tantas reprovações, contudo, não lograram coibir o surgimento de relações destituídas de amparo legal. Não há lei, nem de Deus nem dos homens, que proíba o ser humano de buscar a felicidade. As uniões, surgidas com o selo do matrimônio, eram identificadas como concubinato.Em face das queixas generalizadas – e mais do que justificáveis, aliás– passou a justiça a reconhecer a existência de sociedade de fato.Com a evolução dos costumes, as uniões extramatrimoniais acabaram merecendo a aceitação da sociedade, levando a Constituição a dar nova dimensão a concepção de família e introduzir um termo generalizante: entidade familiar.As uniões de fato entre um homem e uma mulher foram reconhecidas como entidade familiar, com o nome de união estável” (DIAS, 2009, p. 158-9).
A união estável é espécie de entidade familiar protegida pela legislação e que, portanto, possui reflexos patrimoniais para os companheiros, nos termos do artigo 1.725 do Código Civil, que aduz em não havendo disposição em contrário, vigorará entre os companheiros o regime da comunhão parcial de bens.[14]
É a partir desta disposição que surgem as duras críticas e controvérsias no que diz respeito à união estável da pessoa maior de 70 anos. Deverá vigorar a separação obrigatória ou o regime da comunhão parcial de bens?
Oportuna a lição de Flávio Tartuce quanto à interpretação desta problemática:
“Não há imposição da separação obrigatória à união estável em nenhum dos casos previstos no art. 1641 do mesmo código. Isso porque o art. 1641 do CC é norma restritiva da autonomia privada, que não admite interpretação extensiva ou por analogia. Ainda, se a regra gera restrição para o casamento, não existindo hierarquia entre categorias familiares, não há razão para sua aplicação à união estável, pois são institutos diferentes tratados de maneiras distintas quanto aos direitos e deveres”(TARTUCE, 2014, p. 326).
Da interpretação literal do dispositivo de lei, infere-se, pois, a necessidade de vigorar para o maior de 70 anos que conviva em união estável o regime da comunhão parcial de bens e não o da separação obrigatória, como aduz o discutido art. 1.641 do CC.[15]
Em contrapartida, existe uma corrente que demonstra verdadeiro repúdio a este entendimento, tantono âmbito doutrinário como jurisprudencial. Nada obstante, o próprio Superior Tribunal de Justiça tem aplicado o artigo 1.641 do CC à união estável ante a suposta equiparação da categoria familiar ao casamento, o que afronta diametralmente as técnicas de interpretação, uma vez que sendo o aludido dispositivo legal de natureza restritiva de direitos, não poderá ser dada a ele uma interpretação extensiva a casos análogos.
Érica Verícia de Oliveira Canuto, citada por Flávio Tartuce, transparece o repúdio da não aplicação do regime da separação obrigatória de bens a união estável daqueles que contam com mais de 70 anos, vejamos:
“É de todo inaceitável que exista a sanção da obrigatoriedade do regime da separação de bens em certas situações para o casamento e não tenha a mesma correspondência à união estável. As duas situações (casamento e união estável) devem ser interpretadas de maneira igualitária. Ou se impõe também o regime da separação obrigatória de bens para união estável nas mesmas situações previstas para o casamento (art. 1641, CC/2002), ou não se aplica para o casamento a restrição ao direito de livre estipulação do regime patrimonial de bem, como se dá na união estável” (CANUTO apud TARTUCE, 2014, p. 327).
O que se percebe é a aplicação de analogia em uma situação derivada da autonomia privada, situação esta não admitida pela técnica da hermenêutica jurídica. Neste sentido, assevera Flávio Tartuce:
“Apesar dos argumentos bem expostos, com eles não se concorda, pois se reafirme que as normas restritivas da autonomia privada não admitem aplicação por analogia. A liberdade da pessoa humana, como valor constitucional, deve ser preservada, prevalecendo sobre a proteção patrimonial na discussão exposta” (TARTUCE, 2014, p. 328).
Portanto, contrariando a disposição expressa do artigo 1.725 CC, que determina tão somente à vigência do regime da comunhão de parcial no que concerne a união estável, sem qualquer restrição, a doutrina e jurisprudência têm sidotendenciosa e intransigente, aplicando de forma analógica o disposto no artigo 1.641, inciso II, do Código Civil também a este instituto. É, no mínimo, um erro grosseiro de interpretação.
Todavia, caso o entendimento não versasse sob este prisma, haveria uma saída bastante simplista para burlar as disposições impostas no artigo 1641, II, CC, bastando aos nubentes maiores de 70 anos tão somente se unirem de fato, de modo a atender os requisitos para a configuração da união estável e, após, estaria vigente no que tange a questão patrimonial o regime de comunhão parcial de bens.
O legislador, por sua vez, ao equivocar-se, não impondo as mesmas condições patrimoniais que impôs ao casamento, salvou-se com o entendimento retrógrado e preconceituoso de grande parte dos juristas para que a disposição tão repudiada se equipare. Entretanto, como a sociedade costuma caminhar em direção ao progresso, há uma possibilidade de que em breve, este entendimento eminentemente jurisprudencial, contrário ao texto legal e aos ditames hermenêuticos, não perdure de forma uníssona.[16]
5 Considerações finais
Conclui-se da situação exposta neste trabalho que, o Legislador, encontra-se em flagrante contradição a suas próprias normas, no que diz respeito à imposição do artigo 1641, II, CC, o texto de lei promulgado no Estatuto do Idoso e mais adiante, a disposição acerca do regime de bens na união estável, 1725, CC.
Nada obstante, verifica-se ainda que a sociedade moderna, contando com inúmeros avanços sociais ainda se mostra eminentemente preconceituosa e conservadora em alguns pontos, um deles, a imposição do regime da separação obrigatória de bens aos nubentes maiores de 70 anos.
O que se percebe é que o legislador afronta princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, liberdade, para salvaguardar o patrimônio dos maiores de 70 anos, impondo-lhes uma característica de iminente incapacidade no que concernem as decisões da vida civil quando o assunto é o patrimônio e o casamento.
Percebe-se que, apesar da conotação eminentemente afetiva nas relações familiares modernas, o legislador mostra-se arcaico e patrimonialista quando a situação diz respeito aos maiores de 70 anos e adoção de regime de bens no casamento.
Além da flagrante intromissão desnecessária do Estado na autonomia privada dos particulares, de que a percepção que se tem do idoso é a de uma pessoa incapaz e que pode facilmente ser ludibriada, quando, em verdade, a convivência com os mesmos na sociedade moderna e suas próprias características demonstram o contrário, infere-se mais uma vez que o texto legal inserto no art. 1641, II, CC não merece guarida nos tempos hodiernos. No entanto, o dissenso ainda ressoa na comunidade acadêmica, sendo indiscutível a continuação da celeuma dogmática.
Informações Sobre o Autor
Indyanara Cristina Pini
Bacharel em Direito pela Faculdade Arthur Thomas/PR. Advogada na área Cível e Administrativo no escritório de advocacia “Ferreira e Cantuária Advogados Associados” em Londrina/PR