Resumo: O lixo é altamente impactante e sua eliminação é um problema que deve ser resolvido, mas tem alto custo, apresenta um gravimétrico que dificulta soluções padrões. Além disso enfrenta o desinteresse da população e do governo. Como componente da difícil gestão territorial do lixo, ocorre entre as populações afetadas a chamada síndrome de nimby, que são as diversas formas como a sociedade repulsa o recebimento de lixo de terceiros em seu território. Surge como solução, a aplicação do princípio da proximidade para os resíduos sólidos urbanos.
Palavras-chave. Lixo. Nimby. Proximidade. Ambiente.
Abstract: The waste is highly impactant and it’s elimination is a problem that must be solved but there are high costs to do and it’s gravimetric requires no standard solutions. Besides it faces people’s and government’s desinterest. As a component of the hard territorial management of the waste there is within the afect populations the NIMBY syndrome, that are the diverse manners society refuses the receivement of other’s waste in your own territory. As a solution arises the application of proximity principle about urban solid waste.
Key words. Waste. Nimby. Proximity. Environment
Sumário. Introdução. 1. Obstáculos à solução dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU). 2. Gestão territorial do lixo: a síndrome de Nimby e o princípio da territorialidade. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O Brasil, a despeito dos números que se projetam, em saneamento, ou mais precisamente quando se fala em lixo, ainda é um típico representante do subdesenvolvimento. Isto se deve pela já sabida tibieza governamental sobre a questão, aliado à deseducação e desinteresse da população.
Os dados mais recentes apresentados sobre o assunto, foram postos pela ABRELPE (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), revelam que os Resíduos Sólidos Urbanos no Brasil estão assim dispostos: 54,9% aterro sanitário, 19,6% aterro controlado e 25,5% em lixão. O posto cabe apenas aos resíduos sólidos urbanos e muito pior ficam os dados e mais duvidosos, quando se tratam de outros resíduos, como os da saúde (RSS), os da construção e demolição (RCD), eletrônicos, radioativos, industriais, etc. Os RSU ou lixo doméstico, é de competência do poder público, em especial do governo municipal. É visualizando este tipo de resíduo que abordaremos a questão proposta.
Apenas para esclarecimento e de forma rasa, o conceito de aterro não é conceito de tratamento de resíduos, mas de armazenamento de resíduos.
Aterro é depósito, que pode ser com o devido envelopamento dos resíduos com ou sem aproveitamento de gases, com ou sem tratamento de lixiviados, etc. Se envelopado dá-se o nome de aterro sanitário. Este envelope é de geomembrama de PEAD ou não, com ou sem geogrelha e com ou sem bentonita, com ou sem geotêxteis, etc. Tudo depende do projeto, do solo, etc. Se ausente o envelopamento, chama-se aterro controlado, que nada mais é que um lixão devidamente taludado ou dotado de valas.
O conceito de aterro controlado não deixa de ser uma maquiagem e eufemismo para lixão. Típico do poder público incapaz de solucionar o problema, utiliza-se de termos para minimizar a realidade. No aterro controlado e no lixão, os resíduos são postos diretamente em contato com o solo, o que significa que haverá necessariamente a contaminação dos mesmos com o lixiviado.
Existe para aterros controlados a captação deste lixiviado em lagoas, mas isto não impede a contaminação do solo. Também pode haver em aterros controlados a queima de gases, infinitamente inferior ao aterro sanitário, já que a captação dos gases não tem a eficiência do aterro sanitário, porque os gases não estão hermeticamente confinados.
No aterro controlado, o recobrimento dos resíduos é constante. Este recobrimento deve ser feito com terra. É muito comum o uso de RCD (resíduos da construção e demolição), o que revela uma ilegalidade, confrontando explicitamente a Resolução Conama 307/02.
No lixão, o lixo é jogado em um lugar chamado vazadouro. Não há controle de pessoas e nem dos resíduos ali depositados. No lixão vai tudo e cabe tudo: RSS (resíduos da saúde), RCD (resíduos da construção e demolição), resíduos perigosos, como lama de postos de combustíveis, vão pilhas e baterias, resíduos eletrônicos, vão cadmio, chumbo, auto-fossas, enfim, tudo que se imaginar de lixo sem restrição…
Como se sabe o que o município faz com seu lixo? O governo federal tem um sistema chamado SNIS (Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento) e os dados são preenchidos pela própria municipalidade. Se o município entender que o que tem é aterro controlado e não lixão, é aterro controlado… Não seria novidade encontrar no poder público pessoas despreparadas ou mesmo com ânimo duvidoso preenchendo este cadastro.
1. OBSTÁCULOS À SOLUÇÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS (RSU)
Feitas estas considerações preliminares, passemos ao problema dos resíduos sólidos urbanos (RSU), que tem para sua solução diversos obstáculos a serem transpostos. Dentre tantos, vamos abordar o desinteresse, os custos, a composição dos resíduos, os impactos ambientais e a gestão territorial.
O lixo nada mais é do que o rejeito. É o que não serve mais. Na escala de valores, é o equivalente a nada, ou ao negativo. Assim, se o lixo, se o resíduo é o que não tem valor, também não há preocupação por sua destinação.
É da valorização que vem o interesse pela coisa. Se não há valor, não há interesse. Muita atenção: se tem valor, não é lixo, é matéria prima para outros produtos como os recicláveis. Existe uma lenda de que se dermos todo o lixo para uma entidade ou pessoa jurídica, ela consegue a auto suficiência de modo que não precisaríamos pagar pelo lixo produzido. Isto seria objeto de outra discussão, mas apenas para deixar claro, é uma quimera, ao menos no atual estado tecnológico que nos encontramos.
Como disse, se tudo for reaproveitável ou reciclável, deixa de ser lixo. Em especial quando falamos em resíduos sólidos urbanos produzidos pelo pequeno gerador doméstico, este tende a não se preocupar com a destinação do resíduo. Na verdade, a grande e única preocupação estaria literalmente na retirada deste resíduo de sua porta.
Buscar solução para o resíduos passa pelo problema de desinteresse em solucionar a questão, visto em especial pelo pequeno gerador, que tende a não se preocupar com o assunto. Aliado ao desinteresse vem o custo elevado para solucionar a problema do lixo, dando-lhe destinação correta.
A correta eliminação pode chegar a custos proibitivos para a realidade nacional, como é o caso do plasma. Mesmo a manutenção de um aterro sanitário não é coisa barata. Desta maneira, pende o gerador ou responsável, como o poder público municipal, a caminhar para a ilegalidade, buscando alternativas perniciosas à natureza, como o chamado lixão ou o aterro controlado. Embora no plano imediato estas alternativas possam parecer mais econômicas, num plano futuro significam um custo elevadíssimo de recuperação da natureza. Sem contar que haverão casos em que o estado anterior das coisas possa nunca mais ser reconstituído.
O lixo é um elemento vivo que carrega o DNA de seu produtor. Pelo perfil gravimétrico do lixo pode-se identificar qual o estrato social predominante na comunidade. O estilo de vida, de alimentação, etc. Esta composição gravimétrica implica em dizer que as soluções para os resíduos são quase que individuais e localizadas. O quase porque gravimetrias próximas, tendem a soluções similares.
Para se ter uma idéia da complicação do que pode ser o gravimétrico dos resíduos, imagine-se que um lixo rico em orgânico pode inviabilizar a sua queima para produção de energia. Queimar orgânico, de forma muito simples, podemos dizer que significa queimar água. Não podemos nos esquecer que o Brasil tem uma matriz energética considerada limpa. O nosso custo para energia elétrica é baixo. O custo da queima de resíduos para a produção de energia pode não justificar um investimento. Assim, no mesmo caso, teria que o tratamento do resíduo tender a transformação do orgânico em fertilizante e eventualmente seus rejeitos, se considerados CDR (combustível derivado de resíduos), para uma queima. A contrário sensu, um perfil gravimétrico com baixa quantidade de orgânico e grande quantidade de recicláveis, justifica a triagem dos resíduos e depois eventual queima.
Após este pequeno exercício de elucubrações, esperamos demonstrar o quão complexo é achar uma solução para os resíduos, conforme seu perfil. Outro detalhe importante: o quantitativo justifica ou desautoriza o uso de determinada tecnologia. Até mesmo o aterro sanitário para determinadas quantidades pode chegar a custos proibitivos em comunidade pobres. Lixo significa problema.
Imaginem uma casa, onde a família tem um móvel, que usado por muitos anos, agora foi substituído por um moderno. O que fazer? Ele não cabe na casa. Tem um impacto estético negativo em qualquer cômodo. Usa um espaço que deve ser aproveitado por outro móvel. Não tem valor, ninguém compra e ninguém o quer nem doado.
Assim é o lixo. Onde está, causa um impacto negativo. Causa poluição em suas diversas facies, já que in natura o lixo produz odores fétidos, produz lixiviado (o famigerado chorume), produz gases, dentre os quais se destaca o grande vilão da camada de ozônio, que é o metano e conhecido por causar explosões em aterros… O lixo atrai insetos, roedores, urubus, garças, etc… Ar, água, solo, absolutamente tudo recebe o impacto negativo do lixo. E quando se tem um lixão, com pessoas trabalhando, vivendo, comendo lixo?
2. GESTÃO TERRITORIAL DO LIXO: A SINDROME DE NIMBY E O PRINCÍPIO DA PROXIMIDADE.
Após estas considerações chegamos ao difícil obstáculo chamado gestão territorial do lixo. Pior do que não saber como reduzir a produção de lixo é não saber o que fazer com ele e para onde levá-lo.
Voltando a alegoria do móvel que não se quer mais em casa. Não cabe na casa, fica feio no quintal, o vizinho não o quer nem na frente de sua casa, quanto mais na dele. Imaginem quando falamos de muitas toneladas de lixo doméstico. Para se fazer uma imagem, o Instituto Ambiental do Paraná, IAP, trabalha com uma projeção de 600 grama/dia de resíduos por habitante. Uma comunidade com 100mil habitantes, significa 60mil quilos de lixo/dia.
Aterro, central de tratamento, ou mero depósito de resíduos, qualquer coisa que mexa com lixo, ainda que uma central de reciclagem já serve para desvalorizar a região onde está. Já mexe com toda a vizinhança… Não é só pelo lixo que ali está, mas o que se movimenta ao seu redor. Caminhões prensas (que eventualmente vazam chorume), carrinheiros ou catadores, caminhões com carga de recicláveis, etc.
É neste cenário que se identifica a chamada síndrome de Nimby cujo termo é composto pelas iniciais da expressão “not in my back yard”, que numa tradução livre significa “não no meu quintal”. Síndrome porque são diversos os sintomas e reações pelos quais se revela.
Ela pode se revelar numa audiência pública onde se discute o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental, quando a população repudia a implementação de uma aterro sanitário no território de seu município. Se exterioriza na ameaça e mesmo no ato de queimar caminhões de outro município que desejam descarregar resíduos em seu município. Na pressão social para criação de lei municipal impeditiva de recebimento de resíduos de outras localidades ou impeditiva de criação de aterros em seu território, ainda que para recebimento de seu próprio resíduo. Em todo espasmo social causado pelo recebimento do lixo.
Pode a síndrome se identificar não apenas em relação às cidades, mas dentro da própria cidade, com objeção da população de bairros que serão impactados por empreendimentos que visem o lixo. Não raro, se vai ao judiciário buscar solução para este tipo de conflito decorrente da síndrome.
Mas a síndrome é um mal, é uma “enfermidade”? De modo algum. A síndrome de nimby também tem seu lado positivo. A reação negativa ao empreendimento exige como remédio um grande esclarecimento para a população. Faz com que se apresentem soluções admissíveis.
A reação decorrente da síndrome força uma conduta mais leal com o meio ambiente. Ademais, quanto mais perto está o problema de quem o gera, mais o gerador busca solucioná-lo. É interessante que o problema não saia do alcance visual, para que não haja um esquecimento. É bom que o lixo exale seu odor próximo dos narizes daqueles que o produzem.
Para solucionar o problema da síndrome de Nimby, o direito dos resíduos traz em seu bojo um princípio chamado princípio da proximidade, acolhido também pelo direito ambiental. Na verdade, este princípio traz o norte para solucionar e transpor todos os obstáculos dos quais falamos acima: desinteresse, custos, composição e impactos ambientais.
O princípio da proximidade consiste em buscar uma solução próxima do local onde se gera o resíduo. Este princípio transpõe fronteiras para identificar proximidades físicas. Não se leva em conta divisões administrativas nacionais ou internacionais. Leva-se em conta a eliminação do conhecido turismo do lixo. Turismo que pode ser internacional, como recentemente nos demonstraram os ingleses, como pode ser intermunicipal.
A razão do princípio está que o tratamento do resíduo deve estar o mais próximo possível da fonte geradora. A proximidade elimina o desinteresse, já que a comunidade não tem como se escusar de buscar uma solução para o problema, pois o mesmo não pode ser despachado para outros lugares.
O custo é sempre menor, em especial quando falamos de transporte, sem contar o risco menor de acidentes com o menor deslocamento dos resíduos. A composição é delimitada pela área, sem grandes riscos de misturas com outros perfis, como de cidades distintas. Os impactos ambientais próximos da localidade produtora tendem a minorar, visto que o produtor passa a sentir seu reflexo diretamente e tende a reduzir a produção dos resíduos. Por fim, se neutraliza a síndrome de nimby, já que ninguém pode alegar a desobrigação sobre o resíduo que produz.
CONCLUSÃO
A síndrome de nimby, embora inicialmente pareça algo ruim, pode ser usada em prol do meio ambiente, como forma de pressão para a solução mais adequada ao resíduo produzido. O princípio da proximidade serve como neutralizador ou minorador dos obstáculos apresentados do desinteresse, do custo, do impactos ambientais.
Informações Sobre o Autor
Rogel Martins Barbosa
Advogado militante na área ambiental. Especialista em Política e Estratégia