Resumo: Segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça CNJ ainda no ano de 2014 existiam no Brasil cerca de 72 milhões de processos em trâmite nos Juizados Especiais. Recentemente a lei 9.099/95 que instituiu os Juizados no âmbito dos Estados completou vinte anos da sua entrada em vigor. Tratada no ramo jurídico como uma verdadeira panaceia a proposta da referida lei era irrefutável: promover um acesso mais ágil e fácil isto é dispensando os rigores formais excessivos. Dado o seu papel fundamental na realidade do sistema pátrio o presente artigo se debruça sobre situação corriqueira na prática do foro de quem milita nos Juizados: O cabimento do recurso de Agravo de Instrumento no rito especial da lei 9.099/95. Atenta à premente necessidade de uma intensa reformulação na modelo vigente a lei 13.105/15 incorporou vários comandos constitucionais e conferiu especial valor à celeridade e efetividade na prestação jurisdicional sem perder de vista a escorreita observância dos direitos e garantias individuais consagrados na Lei Maior. Dessa forma será curial examinar a jurisprudência já consagrada sob a égide do diploma instrumental anterior bem como apurar de que forma a novel legislação processual civil influenciará no debate.
Palavras-Chave: Juizados Especiais Cíveis Estaduais. Agravo de Instrumento. Cabimento. Novo Código de Processo Civil.
Abstract: According to data released by Nacional Council of Justice in 2014 there were around 72 millions of cases being discussed in Brazilian Specials Courts. Recently federal law n. 9.099/95 which established the States Specials Courts completed twenty years. Considered in the legal segment as a redemption the laws proposal was clear: promote a fast and easy access removing legal formalities. Given the importance of the theme in nacional legal system this article deals with routine situation who advocate in Specials Courts: The appropriateness of Instrument appeal in the procedure of law n. 9009/95. Aware of need for model intense reformulation federal law n. 13.105/15 incorporated several constitucional dispositions and gave great value to process effectiveness and without prejudice to the individual rights and guarantees prescribed under the Constitution. Therefore it will be important examine the recent case-law while was in force the previous civil procedure code as well verify how the new procedural provision will affect the discussion.
Keywords: States Specials Civil Courts. Instrument appeal. Appropriateness. New civil Procedure Code.
Sumário: Introdução. 1. Breve apresentação da controvérsia. 2. Jurisprudência comentada. 3. O Novo Código de Processo Civil e os impactos sobre o tema. Considerações Finais.
Introdução
O presente trabalho visa examinar, à luz da jurisprudência nacional e da legislação vigente e aplicável, importante tema que atine ao sistema dos Juizados Especiais Cíveis estaduais: a admissão do recurso de Agravo de Instrumento no rito sumaríssimo.
Será curial relembrar, ainda que de forma apartada, a verdadeira intenção do Legislador ao prever a criação dos Juizados, pontuando a verdadeira razão de ser do – até então – novo procedimento. Antes de tratar especificamente do agravo, as modalidades recursais cabíveis no procedimento especial dos Juizados serão rapidamente indicadas. Após tais digressões, passa-se a discutir o comportamento da jurisprudência acerca do cabimento do referido recurso. Para tanto, alguns julgados serão colacionados.
A utilização em larguíssima escala dos Juizados Especiais na atualidade deixa o debate ora proposto ainda mais palpitante, vez que o nível de litigiosidade elevado reverbera como característica ínsita à cultura jurídica brasileira.
Forçoso reconhecer que a entrada em vigor da lei 13.105/15 (novo Código de Processo Civil), em 18 de março de 2016, ao modificar substancialmente parte da sistemática recursal – se comparada às reformas promovidas pela lei 9.139/95 ao vetusto modelo preconizado em 1973 – também assume papel relevante na discussão, inclusive com a pretensão – na visão deste autor – de promover uma guinada na jurisprudência dissonante e existente sob a égide do diploma processual anterior. Como se tentará demonstrar, a questão não resta pacificada no âmbito dos tribunais pátrios. Em suma, é o itinerário que se pretenderá percorrer.
1 Breve apresentação da controvérsia
Os Juizados Especiais Cíveis – criados inicialmente no âmbito dos Estados pela lei 9.099/95 – surgiram como um evidente aperfeiçoamento dos antigos Juizados Especiais de Pequenas Causas Cíveis – instituídos pela lei 7.244/84 – e possuem como competência precípua a conciliação, julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade. Tal é o que se extrai da dicção do artigo 98, inciso I da Constituição Federal de 1988.
O desiderato idealizado pela atual Carta Magna parece bem claro: fortalecer sobremaneira o direito de acessar a justiça, por meio de um modelo de Judiciário mais próximo do cidadão, apto a receber um perfil de demandas diferente, a custo zero. Assim, é certo que no primeiro grau inexiste o dever de pagar custas iniciais, sendo dispensada, inclusive, a atuação do advogado nas causas que veiculem valor de até vinte salários mínimos, conforme dispõem os artigos 54 e 9º, ambos da lei 9.099/95. O inciso XXXV do Artigo 5º, sem dúvida, é o grande mote e fonte inspiradora da criação e funcionamento dos juizados.[1]
O dito procedimento sumaríssimo, marcado pela máxima concentração dos atos processuais, rege-se pelos conhecidos princípios informadores trazidos logo no Artigo 2° da Lei 9.099/95. Dentre eles, destacam-se a celeridade, informalidade e simplicidade processual, vetores de toda a ritualística aplicável. Diz-se, com isso, que os Juizados Especiais constituem verdadeiro novo microssistema jurídico, diferente daquele estabelecido pelo Código de Processo Civil, lei de caráter geral e que merece aplicação apenas subsidiária (critério da especialidade).
Fixadas as premissas introdutórias, porém basilares para o desenvolvimento do raciocínio doravante apresentado, passa-se a examinar a sistemática recursal dos Juizados Especiais Cíveis.
A Lei 9.099/95, a partir dos artigos 38 e seguintes – disciplinam a sentença – elenca as modalidades recursais cabíveis no procedimento sumaríssimo: Recurso Inominado – como alcunhado pela doutrina e jurisprudência – a ser julgado por Turma ou Colégio Recursal[2] e Embargos de Declaração a serem opostos para os fins tradicionalmente já sabidos e perante o próprio juiz prolator da decisão.[3]
Ademais, fundamental anotar que o Supremo Tribunal Federal, há muito, já admite o cabimento de Recurso Extraordinário para combater decisão proferida por Colégio Recursal, desde que haja debate direto de matéria constitucionalmente relevante (vindica o preenchimento do requisito da repercussão geral), vide ARE 814304/MG. Aliás, a matéria já ensejou a edição de súmula pelo STF, nos termos do enunciado nº 640: É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal (grifo meu). Em idêntica trilha, o Fórum Nacional de Juizados Especiais (FONAJE) aprovou o verbete n° 63 com o seguinte teor: Contra decisões das turmas recursais, são cabíveis somente os embargos declaratórios e o Recurso Extraordinário.
Diz-se, com isso, que a abrangência recursal nos Juizados Especiais é restrita, vez que somente as modalidades acima indicadas seriam admitidas. Quanto ao cabimento de Recurso Especial, não há grande debate, sendo certo que a própria Constituição, em seu artigo 105, III, ao tratar do seu cabimento, prevê a existência de causa decidida por Tribunal, sendo pacífico o entendimento segundo o qual Turma ou Colégio Recursal não ostenta referida qualidade, conforme consigna a Súmula 203 do STJ, in verbis: Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.
A temática ganha contornos mais sensíveis no tocante ao cabimento do Agravo de Instrumento. Isso porque a doutrina processualista, diante da inexistência de previsão do referido recurso na lei nº 9.099/95, sempre sustentou o princípio da imprescritibilidade dos atos decisórios, isto é, no rito sumaríssimo, todo e qualquer ato decisório pode (deve) ser combatido apenas ao final, por ocasião de eventual interposição do recurso inominado. Não haveria, in casu, preclusão da matéria decidida. Trata-se do entendimento que tem maior beneplácito da doutrina e a seguir exposto em alguns dos julgados colacionados
Calha ressaltar que a instauração de processo perante os Juizados Estaduais configura uma opção do autor. Isso porque as causas elencadas no artigo 3° da lei 9.099/95 – que prevê a competência dos Juizados – podem tramitar tanto pelo procedimento comum (preconizado pelo CPC/15, a partir dos artigos 318 e seguintes) – quanto sob a batuta da lei especial[4]. Nessa trilha, é o que prescreve o enunciado nº 01, editado pelo FONAJE, in verbis: O exercício do direito de ação no Juizado Especial Cível é facultativo para o autor. É certo que o disposto no inciso I do artigo 3° (causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo) representa hipótese de (in)competência relativa e, como tal, se não alegada pelo réu na oportunidade adequada, ter-se-á operado o fenômeno da prorrogação de competência. [5]
Impende sublinhar que a referida orientação revela-se absolutamente afinada com o princípio constitucional da ampla defesa (artigo 5°, LV, CF/88), vez que caso o autor decida litigar perante os Juizados Especiais Cíveis, já saberá de antemão que, embora mais célere, o exercício do direito de recorrer contra eventuais decisões proferidas ao longo do processo será postergado (e não eliminado, frise-se). Caberá a ele-autor fazer o devido sopesamento e, eventualmente, prestigiar a maior rapidez na solução do litígio em prol de um procedimento mais burocrático ou o inverso. Não se vislumbra, com isso, qualquer mácula.
Feitas essas considerações, torna-se mais evidente a higidez do entendimento segundo o qual as decisões interlocutórias eventualmente proferidas só serão passíveis de combate ao final.
Tal ideia, é óbvio, harmoniza-se com a celeridade e efetividade tanto almejadas pelo legislador, haja vista que o aviamento do recurso de Agravo, durante o processamento do feito, iria prolongá-lo sobremaneira (mormente se for concedida suspensividade aos efeitos da decisão vergastada). Desse modo, cumpre destacar o enunciado n° 15 aprovado pelo FONAJE, cujo conteúdo se transcreve: Nos Juizados Especiais não é cabível o recurso de agravo, exceto nas hipóteses dos artigos 544 e 557 do CPC/73. Tais hipóteses, admitidas ainda sob a égide do CPC anterior, referiam-se aos casos de inadmissão do Recurso Excepcional pelo juízo a quo e pelo juízo ad quem, respectivamente.
Porém, não existe consenso. Em sentido oposto, há jurisprudência – minoritária, mas bastante significativa – sinalizando pelo cabimento do Agravo de Instrumento nos Juizados Especiais estaduais, e assim o faz com base na normatização da própria lei processual geral (CPC). O aludido entendimento é defendido principalmente no âmbito dos Colégios Recursais do Estado de São Paulo, sendo certo que a matéria sub examine já foi objeto da edição de dois verbetes no I encontro dos Colégios Recursais da referida unidade federativa:
“Enunciado 02: É admissível, no caso de lesão grave e difícil reparação, o recurso de agravo de instrumento no juizado especial cível (grifo meu);
Enunciado 07: Somente se reforma a decisão concessiva ou não da antecipação de tutela se teratológica, contrária à lei ou à evidente prova dos autos.”
Fácil constatar que a segunda linha de raciocínio – acima indicada – busca no diploma processual civil a fundamentação necessária para se admitir o recurso de Agravo de Instrumento.
À época em que foram editados os referidos enunciados, vigorava o Código de Processo Civil de 1973 que trazia, por sua vez, as hipóteses genéricas de cabimento do Agravo.[6]
Da dicção dos enunciados, percebe-se que mesmo a decisão proferida no âmbito de juizado especial cível, desde que suscetível de causar dano (hipótese de cabimento idêntica àquela prevista pelo CPC/73 ao agravo), poderá ter o seu questionamento imediatamente promovido via Agravo de Instrumento a ser interposto perante o Colégio Recursal, órgão competente para o conhecimento da impugnação. Nesse ponto, a jurisprudência é farta no sentido de negar a possibilidade de interposição do recurso diretamente no Tribunal de Justiça local. Esse entendimento também será perfilhado no próximo item.
Inobstante a lei 9.099/95 não prever a possibilidade de interposição de agravo, a lei 10.259/01, que institui os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal (possui outro âmbito de aplicação, portanto), permite em seus artigos 4º e 5° o manejo de recurso contra decisões proferidas ao longo do processo, na hipótese de existir grave lesão, in verbis:
“Art. 4o O Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação.
Art. 5o Exceto nos casos do art. 4o, somente será admitido recurso de sentença definitiva.”
Trata-se, inegavelmente, de permissivo legal do Agravo no procedimento sumaríssimo.
Todavia, é oportuno advertir que a lei 10.259/01 não possui, ao ver deste autor, aplicabilidade no procedimento da lei 9.099/95, isto é, no âmbito dos Juizados Especiais estaduais. A questão, porém, é debatida e não se encontra pacificada no ambiente doutrinário.[7]
Estabelecidas tais linhas, cumpre agora analisar o comportamento – dividido, diga-se de passagem – da jurisprudência pátria acerca da temática ora suscitada, evidenciando os principais argumentos levantados. Ao final, será pontuado como a entrada em vigor da lei 13.105/15 (novo código de processo civil) pode influenciar a questão.
2 Jurisprudência comentada
Para facilitar o entendimento, passo, neste item, a transcrever apenas a ementa principal do julgado:
Acórdão 01 – Câmaras Reunidas Cíveis do Tribunal de Justiça do Piauí:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. AÇAO DE USUCAPIAO URBANA ESPECIAL. AGRAVO EM SEDE DE JUIZADOS ESPECIAIS. DESCABIMENTO. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREVISAO LEGAL. RECURSO NAO CONHECIDO. I– Não é cabível no procedimento dos Juizados Especiais a interposição do Agravo de Instrumento ou qualquer outro instrumento processual que venha impugnar uma decisão interlocutória” (TJPI – AI: 40005364 PI, Relator: Des. Raimundo Eufrásio Alves Filho, Data
de Julgamento: 27/01/2010, Câmaras Reunidas Cíveis, grifo meu).
Acórdão02 – Segunda Turma Recursal do Poder Judiciário do Estado do Paraná:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUIZADOS ESPECIAIS. IMPOSSIBILIDADE. PRINCIPIOS DA TAXATIVIDADE, CELERIDADE E SIMPLICIDADE. INAPLICABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO. I- Embora seja corrente arguir-se que o Código de Processo Civil é aplicável subsidiariamente nos Juizados Especiais, mister elucidar que referida subsidiariedade somente ocorre quando a matéria tratada for omissa na Lei n.º 9.099/95, o que não é o caso. A lei 9.099/95 prevê em seu art. 41 que, na sistemática dos Juizados Especiais, é cabível recurso somente contra sentenças. As decisões interlocutórias proferidas pelo Juiz Supervisor do Juizado Especial Cível são irrecorríveis.” (TJPR – 2ª Turma Recursal – 0000066-03.2015.8.16.9000/0 – Curitiba – Rel.: Daniel Tempski Ferreira da Costa – – J. 22.01.2015, grifo meu).
Acórdão03 – Terceira Turma Recursal Cível do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DE RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS. RECURSO NÃO CONHECIDO. I- O recurso não merece ser conhecido, em razão de não ser previsto no sistema da Lei nº 9.099/95. O fato de não haver previsão legal corresponde à vontade do legislador de que não fosse utilizado este tipo de recurso no célere procedimento do Juizado Especial, não sendo caso de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil neste ponto”. (Agravo de Instrumento nº 71005668280, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Cleber Augusto Tonial, Julgado em 18/08/2015, grifo meu).
O pano de fundo comum identificado nas três decisões trazidas – e que guardam sintonia com o entendimento prevalente sobre a matéria – refere-se ao não cabimento do recurso de Agravo de Instrumento em face de decisões interlocutórias proferidas por Juízes de Juizados Especiais Estaduais. Ao examinar cada julgado, percebe-se que ambos chegam a tal consequência utilizando a mesma ratio decidendi. As pretensões recursais, como já antecipado, foram inexitosas.
Nos aludidos julgados, as E. Turmas Recursais inclinaram-se pela irrecorribilidade das interlocutórias proferidas em sede de Juizados Estaduais, restringindo as autorizações legais aplicáveis apenas aos Juizados Especiais Federais e da Fazenda Pública (regulamentados por legislação diversa). A vontade manifestada pelo legislador na lei 9.099/95 é clara, prosseguem os julgadores, visto que há uma sistemática recursal própria, mais moderada se comparada à do Código de Processo Civil, e como tal, a sua observância é de rigor. Não há que se falar em omissão da lei 9.099/95 e, por conseguinte, sustentar a aplicação subsidiária da lei geral nessa controvérsia.
No microssistema que orienta o funcionamento dos Juizados, vige o princípio da imprescritibilidade, sendo admitida a discussão de todas as decisões proferidas no curso do processo em um único momento: ao final, quando do aviamento do recurso inominado. O entendimento referido é que a lei 9.099/95 autoriza a interposição de recurso apenas em face de sentença (esse é o espírito da lei quando, em seu artigo 2º, elenca a simplicidade e agilidade como princípios informadores). Não há, na visão dos magistrados, qualquer violação ao princípio constitucional da ampla defesa, vez que o direito de defesa (duplo grau de jurisdição no caso) não é eliminado, mas tão somente reduzido-postergado em prol da celeridade e efetividade jurisdicionais. Os julgados acima traduzem com exatidão o posicionamento manifestado pela maioria dos tribunais brasileiros.
Resta, agora, colacionar entendimento em sentido diverso, capitaneado – como já destacado alhures – pelas Turmas Recursais do Estado de São Paulo.
Acórdão 04 – Colégio Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado de São Paulo:
“Juizado Especial Cível: Agravo de instrumento – Admissibilidade excepcional: Enunciado Cível 02, CRSP. Antecipação de tutela – Reexame: requisitos (Enunciado Cível 07, CRSP). Inscrição em cadastro de inadimplentes: débito desconhecido do devedor – Agravo do credor que nada acrescenta quanto à origem do compromisso: manutenção da liminar. Empréstimo: encargos abusivos – Contracautela: caução, real ou fidejussória (art. 826, CPC), do valor da obrigação principal, acrescida de correção monetária e juros de 12% ao ano, encargos que o devedor admite incidir na espécie. Recurso parcialmente provido. A Turma Julgadora, de acordo e nos termos do voto do Sr. Relator, conheceu e deu provimento parcial ao recurso. Votação unânime”. . (TJ-SP – AG: 8407 SP, Relator: Claudio Lima Bueno de Camargo. Data de Julgamento: 20/01/2009, 1ª Turma, Data de Publicação: 25/02/2009).
Da análise do referido julgado, torna-se forçoso o exame mais detido da temática submetida ao crivo do Colégio Recursal Paulista. Em uma ação que se discutia a origem-cobrança de determinado débito já vencido, o magistrado, com base em cognição superficial-incompleta, deferiu pedido do autor no sentido de determinar a retirada do seu nome no cadastro de inadimplentes.
Contra essa medida, a parte ré interpôs Agravo de Instrumento – endereçado para a Turma Recursal[8] – alegando que a simples retirada do nome do devedor do referido banco configuraria medida suscetível de lhe causar grave dano, máxime à alegação do autor-agravado reconhecendo a existência de parcela do débito discutido. Dessa forma, o órgão paulista, reconhecendo a presença dos requisitos gerais do Agravo – estabelecidos no artigo 522 do CPC/73, não é demais enfatizar – deu parcial provimento ao recurso por entender que a concessão da tutela de urgência pelo juízo de piso deve estar condicionada ao oferecimento, pelo autor-agravado, de uma garantia, real ou fidejussória.
A ausência de previsão do Agravo na lei 9.099/95, nesse caso, foi superada, visto que se entendeu pela incidência subsidiária dos normativos constantes na lei processual geral (preenchidos os requisitos autorizadores do Agravo, legítima a sua interposição no sistema dos juizados especiais estaduais). Observe-se que o decisum não fez referência aos dispositivos da lei 10.259/01 e sim ao CPC vigente à época, ou seja, mesmo a jurisprudência dissonante – que entende pelo cabimento do recurso – não recepciona o entendimento doutrinário segundo o qual há, no que se refere aos juizados especiais, um microssistema interligado, isto é, um só sistema processual, de modo que a lei 10.259/01 teria aplicação na sistemática não apenas dos juizados federais, como também no âmbito dos estados.
Como já evidenciado, a matéria em apreço foi, ainda em 2007, objeto de enunciado pelos juízes que compunham as turmas recursais à época e representa orientação claríssima dos Colégios Paulistas.
3 O Novo Código de Processo Civil e os impactos sobre o tema
A lei 13.105/15, atenta à realidade e anseios que lhe cerca, visou conferir uma maior efetividade-rendimento ao processo, seja pela simplificação do procedimento, seja pela busca de um sistema jurídico mais íntegro, coerente e estável, ou mesmo pelo fortalecimento dos direitos e garantias fundamentais. O objetivo, muito bem explicitado na exposição dos motivos do anteprojeto, era criar um código que possuísse melhor operabilidade no foro.[9]
De tal arte, é inegável que a relevância da discussão se agrava quando se percebe que algumas alterações promovidas pelo novo CPC terão o condão de alterar a segunda orientação desenvolvida neste trabalho.
Explica-se: Aos que entendem que a lei 9.099/95, por possuir normatização recursal autônoma, não recebe os influxos da lei processual civil geral, a situação mantém-se incólume, isto é, o quadro da lei específica não se alterará diante de nova sistemática incrementada à lei geral.
Contudo, o panorama é diverso no que atine à posição prevalente no âmbito dos Colégios Recursais do Estado de São Paulo. Isso porque, consoante posicionamento já destacado, os referidos órgãos vinham entendendo pelo cabimento do Agravo de Instrumento com supedâneo na normatização prevista no CPC/73 – existência de decisão que cause grave dano ou de difícil reparação. Não custa repisar que no tema atinente aos recursos vige o princípio da taxatividade (legalidade), segundo o qual a existência-cabimento de qualquer espécie recursal depende de expressa previsão em lei federal. É evidente que os enunciados editados pelo Colégio Paulista apenas sintetizam o seu entendimento sobre a controvérsia, não servindo como justificativa suficiente e apta a tornar cabível o recurso nos Juizados Especiais Cíveis. Sem dúvida que os julgadores paulistas buscavam no Código de Processo Civil anterior a fundamentação necessária para a admissão do Agravo.
Ocorre que a sistemática do Agravo, no novo diploma processual, foi profundamente modificada. A doutrina processualista refere a um novo Agravo de Instrumento. No modelo anterior, falava-se em ampla recorribilidade do Agravo, é dizer, qualquer decisão proferida no curso do processo era suscetível de combate via Agravo, bastando tão somente que o recorrente demonstrasse – suficientemente, por óbvio – a potencialidade lesiva que a decisão poderia causar na esfera jurídica da parte. O seu cabimento, portanto, era a regra.
O novo Código, visando reduzir o grande número de Agravos nos tribunais, restaurou regulamentação concebida sob à égide do CPC/39: As hipóteses de cabimento do Agravo devem estar limitadas àquelas decisões taxativamente enumeradas na lei. O Artigo 1.015 do CPC/15, em seus treze incisos e parágrafo único, indica em rol cerrado – consoante vem aplicando a jurisprudência[10] – quais situações a decisão comportará agravo na modalidade Instrumento. A suscetibilidade de causar à parte lesão grave ou de difícil reparação sai de órbita, eis que irrelevante para se aferir o cabimento do novo Agravo, e as hipóteses descritas no aludido dispositivo passam a representar as únicas situações ensejadores do recurso.
. O princípio da imprescritibilidade das interlocutórias – já defendido no âmbito dos juizados – passa a compor também o sistema normativo do diploma processual geral. Isso porque o novo Codex eliminou o agravo na forma retida e alterou o regime das preclusões: autorizando a imediata recorribilidade de algumas decisões previamente estabelecidas e postergando a impugnação de tantas outras apenas na apelação ou contrarrazões à apelação oferecida.
Desse modo, é imperiosa a reformulação da análise do cabimento do Agravo no procedimento dos Juizados Especiais Cíveis, visto que a própria normatização geral – aplicável subsidiariamente, segundo entendem alguns – sofreu alterações. É insustentável posicionamento em sentido diverso, tendo em vista que a lei geral que prevê um procedimento mais formalista e moroso dispensa o cabimento irrestrito do Agravo.
Como admitir que o rito legalmente instituído aos Juizados Especiais e que possui como principal traço a celeridade na prestação jurisdicional comportaria tal cabimento? O aviamento do agravo, como é sabido, admite concessão de efeito suspensivo ope judicis o que acabaria por gerar um congestionamento também em sede de juizados.
Não é outra a intenção do Constituinte, quando acresceu ao texto Constitucional, em cláusula pétrea, verdadeiro vetor hermenêutico que deve orientar todo o sistema: o princípio fundamental processual da razoável duração do processo (artigo 5°, LXXVIII). A tutela jurisdicional deve ser prestada com vistas a alcançar, na medida do possível, a sua otimização, é dizer, busca da efetividade a partir da prática do menor número possível de atos processuais.
A mera demonstração de lesividade da decisão, portanto, não mais servirá como fundamento suficiente e idôneo para admitir, nesse campo, o agravo de instrumento. Os enunciados aprovados pelo Colégio Recursal – números 02 e 07 já referidos- devem ser cancelados, visto que trilham caminho diverso daquele preconizado pela lei processual.
Considerações Finais
Traçadas as linhas gerais sobre alguns dos aspectos fundamentais atinentes aos Juizados Especiais – em especial os submetidos ao rigor da lei 9.099/95 -, vislumbrou-se, no presente trabalho, situar os Juizados Especiais no contexto Pós Constituição Federal de 1988.
A sistemática recursal nesse procedimento foi analisada de acordo com as previsões aplicáveis ao tema. Buscou-se evidenciar a existência de duas orientações bem dissonantes em relação à admissão do Agravo no rito sumaríssimo ainda sob a lente do Código de Processo Civil de 1973.
No desenvolvimento do tema proposto, foram apresentados alguns julgados oriundos dos tribunais brasileiros que encapavam os referidos entendimentos. Enquanto a maioria dos tribunais vem entendendo pela falta de previsão legal, celeridade e contraditório postergado, de modo a não admitir o Agravo, outra parcela – divergência iniciada pelas Turmas Recursais Paulistas – vem decidindo pela aplicação subsidiária da legislação processual, tornando a referida espécie recursal cabível.
Por fim, foram ressaltadas as alterações promovidas pela Lei 13.105/15 ao tema do Agravo de Instrumento, sendo certo que tais disposições terão o condão de reabrir o debate. As perspectivas vindouras também foram vaticinadas.
Advogado Graduado em Direito pelo Instituto Camillo Filho-PI Especializando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica – SP e Especializando em Advocacia Imobiliária Notarial e Registral pela Universidade Santa Cruz do Sul – RS
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