André Pinheiro Costa[1]
Orientadora: Olga Suely Soares de Souza[2]
Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar as influências históricas da Revolução Industrial sobre o surgimento da Sociologia, buscando relacionar as mudanças sociais provocadas pelas revoluções do século XVIII com o início do estudo específico da sociedade por meio das Ciências Sociais, demonstrando que esta se tornou uma necessidade, posto que a dinâmica social não era um campo da ciência até esse período. Tomando como base a influência da dinâmica do processo histórico na elaboração do pensamento sociológico, a conclusão parcial a que chegamos é que os conflitos sociais geram um ambiente propício para a formulação de pensamentos transformadores assim como foi a Sociologia no seu início (século XVIII e XIX) e é atualmente (século XXI), na reflexão acerca da implementação, pelo Estado, de políticas públicas consagradoras dos direitos sociais.
Palavras-chave: Revolução Industrial; Sociologia; Ciências Sociais; sociedade; direitos sociais.
Abstract: This article aims to present the historical influences of the Industrial Revolution on the rise of Sociology, relating the social changes brought about by the 18th century revolutions with the beginning of the specific study of society through Social Sciences, demonstrating that sociology has become a necessity, since social dynamics was not a field of social science until that period. Based on the influence of the dynamics of the historical process in the elaboration of sociological thought, the partial conclusion we reach is that social conflicts generate an environment conducive to the formulation of transformative thoughts, just as Sociology was at its beginning (18th and 19th century) and is currently (21st century), in the reflection about the implementation , by the State, of public policies that consecrate social rights.
Keywords: Industrial Revolution; Sociology; Social Sciences; society; social rights.
Sumário: Introdução; 1. O surgimento da sociologia; 1.1. As revoluções do século XVIII e os impactos na formação da sociedade moderna; 1.2. O nascimento das reflexões teóricas acerca da sociedade moderna; 2. A formação da sociologia; 2.1. Pensadores precursores ao surgimento da sociologia como ciência; 2.2. Auguste Comte, o “pai da sociologia”; 2.3. Émile Durkheim e o fato social; 2.4. Karl Marx e o materialismo histórico-dialético; 2.5. Max Weber e a ação social; 2.6. A importância do pensamento sociológico clássico 3. A responsabilidade social do Estado; 3.1. O dilema da pobreza; 3.2. Os direitos sociais no Brasil e a cláusula de reserva do possível; 3.3. A responsabilidade social do Estado contemporâneo: políticas públicas para garantia dos direitos sociais; Considerações finais; Referências.
Introdução
O presente estudo tem por objetivo compreender as influências históricas da Revolução Industrial sobre o surgimento da Sociologia por meio dessa pesquisa bibliográfica, analisando as mudanças provocadas por esse acontecimento na sociedade. A quebra de paradigmas, até então imperantes na sociedade feudal, instaurou uma nova dinâmica social na nova sociedade.
A Sociologia, segundo Carlos Benedito Martins, (1994, p. 3), “é o resultado de uma tentativa de compreensão de situações radicalmente novas, criadas pela então nascente sociedade capitalista. A trajetória desta ciência tem sido uma constante tentativa de dialogar com a civilização capitalista, em suas diferentes fases”. As mudanças abrangeram não somente o campo ideológico, mas também o comportamento dos indivíduos em cidades superlotadas e desestruturadas repletas de ex-moradores rurais.
Afirma ainda o referido autor que a Revolução Industrial significou algo a mais que a introdução da máquina a vapor e dos sucessivos aperfeiçoamentos dos métodos produtivos. Ela representou o triunfo da indústria capitalista que, pouco a pouco, concentrou as máquinas, as terras e as ferramentas nas mãos dos burgueses, transformando grandes massas humanas em simples trabalhadores despossuídos.
Os conflitos gerados pelo estilo de vida da classe trabalhadora foi um propulsor para o surgimento da Sociologia, que, até o momento de sua consolidação, trilhou diversos caminhos teóricos, dos conservadores até os socialistas. Porém, o desejo de transformar a sociedade por meio de um estudo detalhado fertilizou as ideias dos pensadores da sociedade e, por conseguinte, a Sociologia se consolidou como ciência no século XVIII com Auguste Comte.
Esta análise histórica tem como sustentação teórica as ideias de Carlos Benedito Martins (1994), Cristina Costa (1997), Karl Marx e Friedrich Engels (2015), Eva Maria Lakatos e Marina de Andrade Marconi (1999), entre outros. E foi organizada considerando a origem e as consequências da Revolução Industrial sobre o estudo das transformações sociais, com o foco na análise da responsabilidade social do Estado contemporâneo na consagração de direitos sociais.
Essa pesquisa pretende apresentar o papel da sociologia, enquanto Ciência Social, aliada à ciência jurídica, no estudo dos conflitos e transformações sociais desde o seu surgimento tendo como base a influência da dinâmica do processo histórico na formulação do pensamento sociológico, analisando a capacidade da Sociologia para elaborar um conhecimento a partir das contradições na sociedade, principalmente, a capitalista.
Segundo Carlos Benedito Martins (1994, p. 5), “a sociologia pode ser entendida como uma manifestação do pensamento moderno”. A evolução do pensamento científico fez da Sociologia uma necessidade, uma vez que o mundo social não havia sido incorporado ao mundo das ciências.
Analisar as contradições sociais e procurar resolvê-las, acreditar que o bem-estar do homem depende das condições sociais é o germe do pensamento sociológico, que surge em um momento histórico conturbado e repleto de mudanças intelectuais, as quais implicaram a desagregação da sociedade feudal e a consolidação da civilização capitalista. Esse cenário inspirou uma série de pensadores que se empenharam para compreender as novas situações sociais.
1.1 As revoluções do século XVIII e os impactos na formação da sociedade moderna
As grandes revoluções do século XVIII – industrial e francesa – contribuíram para a instalação de um novo tipo de sociedade. As transformações ocorridas nesse período colocaram problemas inéditos para os homens que as experimentaram.
Dessa forma, instalava-se uma sociedade baseada na distinção pela posse de riqueza, que exigia uma nova ordem social, dirigida por pessoas dispostas a buscar um espaço no mundo, a competir por mercados e a responder de forma produtiva à ampliação do consumo.
A revolução industrial representou o estabelecimento da indústria capitalista que, financiada pelo empresário, possibilitou a concentração dos meios de produção nas mãos do burguês. A nova concepção de lucro praticada por este é a marca decisiva da ruptura com os valores do mundo medieval.
O avanço da sociedade capitalista desintegrava costumes, instituições e formas de organizar a sociedade até então imperantes na sociedade feudal. O pequeno proprietário de terra foi esmagado e sujeitado pelo novo modo de produção capitalista e as pessoas que vendiam sua força de trabalho passaram a ser, simplesmente, massas humanas despossuídas.
Karl Marx e Friedrich Engels (2018, p. 48) narram esse processo da seguinte forma:
“Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas. Dilacerou sem piedade todos os complexos e variados laços que uniam o homem feudal a seus superiores naturais para não deixar subsistir, entre homem e homem, outro vínculo senão o frio interesse, as duras exigências do “pagamento em dinheiro”. Afogou os sagrados frêmitos do êxtase religiosos, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimento pequeno-burguês nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor da troca e, no lugar das inúmeras liberdades tão duramente conquistadas, implantou a única e implacável liberdade de comércio. Numa palavra, em lugar da exploração que as ilusões políticas e religiosas mascaravam, implantou uma exploração aberta, despudorada, direta e brutal” (MARX; ENGELS, 2018, p. 48).
A revolução industrial, portanto, provocou grandes mudanças estruturais em países como a Inglaterra. As pequenas cidades passaram a ser o destino de muitos moradores do campo. Tais cidades se transformaram em abrigos de indústrias gigantescas.
A mudança estrutural que aconteceu por todo o país implicou a reordenação da sociedade rural, a destruição da servidão, o desmantelamento da família patriarcal etc. Mulheres e crianças, por serem uma mão de obra mais barata, foram inseridas em jornadas de trabalho desumanas, sem férias e com remuneração baixa.
A alteração radical sobre a forma habitual de vida dos novos cidadãos urbanos teve um efeito traumático em suas vidas. Muitas cidades industriais cresceram rapidamente sem possuir estrutura de moradias, de saneamento e de saúde. Isso resultou em um aumento da prostituição, do suicídio, do alcoolismo, do infanticídio, da criminalidade, da violência e de surtos epidêmicos.
1.2 O nascimento das reflexões teóricas acerca da sociedade moderna
Os pensadores do período de mudanças não queriam apenas conhecer as novas condições de vida, mas procuravam também extrair orientações para as ações com o objetivo de manter ou reformular radicalmente a sociedade. Foi nessa época que a sociedade passou a ser tratada a partir do estudo de seus grupos e não dos indivíduos isolados. Muitos pensadores do século XVIII queriam transformar não apenas as formas de conhecimento ultrapassadas, mas a própria sociedade.
Nesse aspecto, Martins (1994, p. 10) leciona: “é entre os pensadores franceses do século XVIII que encontramos um grupo de filósofos que procurava transformar não apenas as velhas formas de conhecimento, baseadas na tradição e na autoridade, mas a própria sociedade”.
O método científico da observação e da experimentação passou a ser utilizado com êxito. Nesse período, a ciência passou por um notável progresso. O emprego sistemático do método estava possibilitando uma grande acumulação de fatos. O estabelecimento de relações entre estes possibilitava um conhecimento da natureza que abria o controle e o domínio sobre ela.
Para os filósofos do século XVI e XVII como Francis Bacon, o novo método do conhecimento deveria ser estendido e aplicado ao estudo da sociedade. Partindo dessas ideias, ele realizou experimentos a fim de descobrir e formular leis gerais sobre a sociedade.
O pensamento racionalista, que empregava a razão sistematicamente e examinava a realidade livremente, fez com que o conhecimento fosse liberto do controle teológico, da tradição e da “revelação”. Consequentemente, existiu a formulação de uma nova atitude diante dos fenômenos da natureza e da cultura, além de possibilitar a investigação racional da sociedade.
Os conflitos de interesses na sociedade levaram muitos intelectuais ao ataque contra a estrutura de conhecimento vigente com o objetivo de demonstrar que as instituições da época eram irracionais e injustas, que atentavam contra a natureza dos indivíduos e, nesse sentido, impediam a liberdade do homem (perfeição inata do ser humano). Sendo assim, tudo aquilo que tirava a liberdade humana deveria ser eliminado.
A insatisfação dos críticos burgueses sobre a sociedade feudal residia no seu plano político. A monarquia absolutista assegurava privilégios a uma minoria da população. Este estrato social privilegiado não pagava impostos e recebia tributos feudais.
Esse governo impedia, ao mesmo tempo, a constituição da livre-empresa, a exploração eficiente da terra e mostrava-se incapaz de criar uma administração padronizada por meio de uma política tributária racional e imparcial.
É o que reforça Martins (1994, p. 10):
“Os iluministas, enquanto ideólogos da burguesia, que nesta época posicionava-se de forma revolucionária, atacavam com veemência os fundamentos da sociedade feudal, os privilégios de sua classe dominante e as restrições que esta impunha aos interesses econômicos e políticos da burguesia” (MARTINS, 1994, p. 10).
Com a revolução de 1789, a burguesia toma o poder mobilizando as massas, especialmente os trabalhadores pobres das cidades. A investida burguesa rumo ao poder liquidou sistematicamente o velho regime, extinguindo a velha estrutura feudal e o Estado monárquico.
Sobre o tema, lecionam Marx e Engels (2018, p. 48):
“A burguesia revelou como a brutal manifestação da força, que a reação tanto admira na Idade Média, encontrou seu complemento natural na mais crassa indolência. Foi ela que por primeiro demonstrou de que é capaz a atividade humana. Criou maravilhas que nada têm a vez com as pirâmides do Egito, com os aquedutos romanos e com as catedrais gótica; realizou expedições bem diversas das invasões e das cruzadas” (MARX; ENGELS, 2018, p. 48).
Essa camada que baseou os ideais da revolução se aproveitou da manifestação das massas para se introduzir no poder com um novo regime de administração (impulsionado pela revolução industrial que se desenvolvia), explorando o proletariado impiedosamente. A traição dos próprios princípios por parte da burguesia instaurou uma realidade desordenada de acordo com os pensadores da época.
O ideal iluminista, que alimentou o projeto revolucionário da burguesia, se mostrava incapaz de estabelecer ordem e paz. Tornou-se necessário, portanto, o desenvolvimento de uma ciência social, ensinado os homens a “deixar de lado a negação” e aceitar a ordem existente aquilo que Auguste Comte denominou de “positivismo”.
Alguns pensadores, com o objetivo de introduzir uma higiene na sociedade, revalorizaram determinadas instituições, as quais – segundo eles – são fundamentais na coesão da vida social. A Sociologia assumia – de acordo com Martins (1994, p. 15) – o papel de “repensar o problema da ordem social, enfatizando a importância de instituições como a autoridade, a família, a hierarquia social, destacando a sua importância teórica para o estudo da sociedade”.
O grande propulsor para o surgimento da Sociologia foram as disputas e os antagonismos ocorridos no interior da sociedade. Essa ciência sempre buscou ir além das reflexões e apresentar explicações com intenções práticas no rumo das civilizações, tendo como objetivo manter ou alterar os fundamentos sociais.
A escolha de alternativas para o estabelecimento da ordem social entre a conservação ou a transformação radical é um dilema que afetou os pioneiros da sociologia e ainda afeta os sociólogos contemporâneos, posto que a sociedade se transforma constantemente.
No século XVIII, muitos pensadores viam a sociedade com bastante otimismo, chegando a classificar os interesses das classes dominantes como uma representação universal. Outros encontraram no pensamento conservador a inspiração para formular ideias sobre a realidade.
Para eles, ao contrário dos iluministas, o grande exemplo inspirador era a sociedade feudal com sua estabilidade e hierarquia social. Esses conservadores consideravam a Revolução Francesa um castigo divino uma vez que ela, praticamente, aniquilou a propriedade, a autoridade e a religião; por isso, eles defendiam as instituições religiosas e monárquicas com o objetivo de preservá-las.
A corrente conservadora acreditava que a ausência de progresso na sociedade cada vez mais baseada na indústria, na tecnologia, na ciência e no igualitarismo era a causa para o domínio do caos social.
Os primeiros sociólogos tomaram o pensamento conservador por base e adaptaram suas ideias. O desejo desses pensadores era o de preservar a nova ordem econômica e política que estava sendo implantada na Europa.
Todavia, precisavam encarar a nova realidade de ruptura de paradigmas que era instaurada pela burguesia. Para Marx e Engels (2018, p. 49), nessa nova roupagem da sociedade, “tudo o que possuía solidez e estabilidade se volatiliza, tudo o que era sagrado é profana, e os homens são finalmente obrigados a encarar com olhar mais lúcido suas condições de existência e suas relações recíprocas”.
2.1 Pensadores precursores ao surgimento da sociologia como ciência
Saint-Simon (1760-1825) entendia que a nova era do industrialismo trazia consigo a possibilidade de satisfazer todas as necessidades humanas e constituía a única fonte de riqueza e propriedade. Acreditava que o progresso econômico acabaria com os conflitos sociais e traria segurança para os homens.
O pensamento social deveria, portanto, orientar a indústria e a produção. Novos papéis seriam estabelecidos na nova sociedade, o cientista substituiria o clero; os burgueses, os senhores feudais. Essa elite estabeleceria os objetivos da sociedade, prevalecendo sobre os trabalhadores.
2.2 Auguste Comte, o “pai da sociologia”
Auguste Comte (1798-1857) retoma as ideias de Saint-Simon, afirmando que a sociedade se encontrava em um estado de caos e desordem. As ideias religiosas, segundo ele, já haviam perdido a sua força e não seria possível organizar a sociedade por meio delas.
Este pensador francês lutava para que, em todos os ramos de estudos, se obedecesse à preocupação da máxima objetividade. Defendia o ponto de vista de somente serem válidas as análises das sociedades quando feitas com verdadeiro espírito científico, com objetividade e com ausência de metas preconcebidas, próprios das ciências em geral.
Os estudos das relações humanas deveriam constituir uma nova ciência, a que se deu o nome de “Sociologia”. Esta não deveria limitar-se apenas à análise, mas também deveria propor normas de comportamento.
Segundo Comte, o pensamento conservador visava à ordem e desprezava o progresso. Já os revolucionários preocupavam-se somente com o progresso e ignoravam a necessidade de ordem na sociedade.
Comte concluiu ser natural que a sociedade, em toda parte, evolua da mesma maneira e no mesmo sentido, resultando daí que a humanidade caminha para um mesmo tipo de sociedade mais avançada. De tais ideias surgiu a classificação das sociedades denominada “A Lei dos Três Estados” (teológico, metafísico e positivo).
2.3 Émile Durkheim e o fato social
Embora Comte seja considerado o pai da sociologia e tenha lhe dado esse nome, Émile Durkheim (1858-1917), sociólogo francês, é apontado como um dos primeiros grandes teóricos da Sociologia.
Ele se esforçou para a constituir como disciplina rigorosamente científica. Ao preconizar o estudo dos fatos sociais como “coisas”, por meio de regras de rigor científico, determinou o objeto de estudo da Sociologia. Ele distingue três características dos fatos sociais.
A primeira delas é a coerção social, ou seja, a força que os fatos exercem sobre os indivíduos, levando-os a se conformar com as regras da sociedade em que vivem. A segunda característica é que eles são exteriores aos indivíduos, existem e atuam sobre o homem independentemente de sua vontade ou de sua adesão consciente. A terceira característica é a generalidade, é social todo fato que é geral, que se repete em todos os indivíduos ou, pelo menos, na maioria deles.
Posteriormente a caracterização do objeto da sociologia, Durkheim procurou definir o seu método. Cristina Costa (1997, p. 60) afirma:
“Para Durkheim, a explicação científica exige que o pesquisador mantenha certa distância e neutralidade em relação aos fatos, resguardando a objetividade de sua análise. Além disso, é preciso que o sociólogo deixe de lado suas prenoções, pois nada têm de científico e podem distorcer a realidade dos fatos” (COSTA, 1997, p. 60).
Diante da crescente sociedade capitalista, Durkheim entendia que a divisão do trabalho na sociedade gera um novo tipo de solidariedade, baseada na complementação de partes diversificadas. O encontro de interesses complementares cria um laço social novo, com moral própria, que dá origem a uma nova organização social.
Durkheim se distingue dos positivistas, pois suas ideias ultrapassaram a reflexão filosófica e chegaram a constituir um todo organizado e sistemático de pressupostos teóricos e metodológicos sobre a sociedade.
2.4 Karl Marx e o materialismo histórico-dialético
Karl Marx (1818-1883) é o pensador que desenvolveu a teoria socialista de forma mais expressiva. Ele contribuiu, de forma decisiva, para o desenvolvimento da Sociologia, ao salientar que as relações sociais decorrem dos modos de produção, numa tentativa de elaborar uma teoria sistemática da estrutura e das transformações sociais.
O postulado básico do marxismo é o determinismo econômico, segundo o qual o fator econômico é determinante da estrutura do desenvolvimento da sociedade. O homem para satisfazer suas necessidades, atua sobre a natureza, criando relações técnicas de produção. Todavia, essa atuação não é isolada: na produção e distribuição necessárias ao consumo, o homem relaciona-se com outros seres humanos, dando origem às relações de produção.
Os homens desenvolvem as relações técnicas de produção por meio do processo de trabalho (força humana e ferramentas) dando origem a forças produtivas que, por sua vez, geram um determinado sistema de produção (distribuição, circulação e consumo de mercadorias); o sistema de produção provoca uma divisão de trabalho (proprietários e não-proprietários dos meios de produção) e o choque entre as forças produtivas e os proprietários dos meios de produção determina a mudança social.
Para Marx, a sociedade divide-se em infraestrutura e superestrutura. A infraestrutura é a estrutura econômica, formada das relações de produção e forças produtivas.
A superestrutura divide-se em dois níveis: o jurídico-político, formado pelas normas e leis que correspondem à sistematização das relações já existentes; e o ideológico, formado por um conjunto de ideias de determinada classe social. Sendo a infraestrutura determinante, toda mudança social se origina das modificações nas forças produtivas e nas relações de produção.
De acordo com esta teoria, Marx, juntamente com Engels, chegaram a uma classificação de sociedades segundo o tipo predominante de relações de produção. Tendo como base a dialética hegeliana e o materialismo filosófico, os pensadores alemães concluíram que o que movia a história era a oposição entre as classes, teoria conhecida como o materialismo histórico-dialético.
Nesse sentido, lecionam Marx e Engels (2018, p. 23):
“Em toda época histórica, o modo predominante da produção e da troca econômicas e a estrutura social que ele condiciona, formam a base sobre a qual repousa a histórica política de mencionada época e a história de seu desenvolvimento intelectual, base a partir da qual somente pode ser explicada; que desse fato toda história da humanidade (desde a dissolução da sociedade tribal primitiva com sua posse comum do solo) tem sido uma história de luta de classes, de luta entre classes exploradoras e exploradas, entre classe dominantes e classes oprimidas; que a história dessa luta de classes atinge, no momento presente, em seu desenvolvimento, uma etapa em que a classe explorada e oprimida – o proletariado – não pode mais se livrar do jugo da classe que explora e que oprime – a burguesia – sem libertar, ao mesmo tempo e de uma vez por todas, a sociedade inteira de qualquer exploração, opressão, divisão em classe e luta de classes” (MARX; ENGELS, 2018, p. 23).
O grande papel da Sociologia, para Marx, seria o de desmascarar a ideologia, mostrando os reais mecanismos de dominação da sociedade para além das aparências. Nesse sentido, Marx (1981, p. 939 apud OLIVEIRA, 2000, p. 2) afirma que “toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre a aparência e a essência das coisas”.
A ciência social deveria, portanto, contribuir para a realização de mudanças radicais na sociedade, sem se preocupar, apenas, com a solução dos “problemas sociais” e o reestabelecimento do “bom funcionamento da sociedade”.
A Sociologia encontrou nessa vertente de pensamento inspiração para se tornar um empreendimento crítico e militante e também compromissado com a construção de uma ordem social na qual fossem eliminadas as relações de exploração entre as classes.
2.5 Max Weber e a ação social
Max Weber (1864-1920) teve uma contribuição importantíssima para o desenvolvimento da Sociologia. Em meio a uma tradição filosófica peculiar, a alemã, e vivendo os problemas de seu país, pôde trazer uma nova visão, não influenciada pelos ideais políticos nem pelo positivismo.
Na Alemanha, o pensamento burguês se organizou tardiamente no século XIX (em razão da tardia organização da Alemanha como um Estado nacional), sob influência da história e da antropologia. Enquanto o pensamento de outras nações (como França e Inglaterra) se voltou para a universalidade, o alemão se volta para a diversidade, que se preocupa com o estudo das peculiaridades dos indivíduos.
Weber, ao contrário do que pensavam os positivistas, ressaltou a importância da pesquisa histórica para a compreensão das sociedades, respeitando o caráter particular e específico de cada formação social e histórica. “Weber consegue combinar duas perspectivas: a histórica, que respeita as particularidades de cada sociedade, e a sociológica, que ressalta os elementos mais gerais de cada fase do processo histórico” (COSTA, 1997, p. 71).
Para Weber, o ponto de partida da sociologia não estava nas entidades coletivas, grupos ou instituições. Seu objeto de investigação é a ação social, a conduta humana dotada de uma justificativa subjetivamente elaborada. Na sociologia positivista, a ordem social submete os indivíduos como força exterior a eles. Weber afirma que as normas sociais só se tornam concretas quando se manifestam em cada indivíduo sob a forma de motivação.
O cientista social não consegue assumir uma posição exterior em relação ao objeto de estudo. Ele, como todo indivíduo em ação, age guiado por seus motivos, sua cultura e tradição, sendo impossível descartar-se de suas prenoções (como propunha Durkheim). Os fatos sociais não são “coisas”, mas acontecimentos que o cientista percebe e cujas causas procura desvendar.
Max Weber recebeu forte influência do pensamento marxista e, por isso, concebeu obras relacionadas à economia e ao surgimento do capitalismo entre elas A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, publicada em 1905, onde relaciona a acumulação de capital e os princípios puritanos com as causas do capitalismo.
Weber via as instituições produzidas pelo capitalismo como a clara demonstração de uma organização racional que desenvolvia suas atividades dentro de um padrão de precisão e eficiência. Ressaltou diversas vezes a figura do empresário como um verdadeiro revolucionário.
Porém, a grande racionalização da vida no ocidente implicava um alto custo para o homem moderno. O mundo cada vez mais intelectualizado e artificial abandonava o pensamento sobre a individualidade do ser humano.
2.6 A importância do pensamento sociológico clássico
As obras de Auguste Comte, Émile Durkheim, Max Weber, Karl Marx, entre outros; contribuíram de forma decisiva para a formulação da Sociologia e das bases do seu pensamento. Os clássicos da Sociologia procuraram explicar as grandes transformações pela qual passava a Europa em decorrência do desenvolvimento do capitalismo.
Seus trabalhos forneceram informações sobre as condições da vida humana, sobre o problema do equilíbrio e das mudanças sociais, sobre os mecanismos de dominação e sobre a alienação da época moderna.
As transformações e os conflitos sociais influenciaram fortemente no surgimento do pensamento sociológico, o qual manteve seu campo de estudo e, ainda hoje, na pós-modernidade, a sociologia se preocupa com questões sociais complexas que despertam a atenção de diversos pensadores.
3.1 O dilema da pobreza
Entre elas a questão da pobreza e a responsabilidade social do Estado, um dos aspectos que mais chamam a atenção, em relação à sociedade contemporânea, de caráter paradoxal.
A ideia de que todos fazem parte de uma totalidade, a qual consiste na humanidade, é o que torna a pobreza tão pouco aceitável na sociedade contemporânea. “Ao contrário dos povos antigos, que tinha muito clara a noção de que a sociedade se diferenciava por grupos inconciliáveis, o mundo ocidental desenvolveu a consciência de constituir uma humanidade” (COSTA, 1997, p. 255).
A partir da consciência de igualdade humanitária, as desigualdades sociais se tornaram cada vez mais perceptíveis e incômodas. O paradoxo social não é aceito facilmente por grande parte da população muito menos pelos sociólogos, visto que é cada vez mais difícil justificar as diferenças em sociedades em que todos têm os mesmos direitos e são iguais perante a lei. “Se todos possuímos os mesmos direitos, como pode haver grupos que não têm acesso ao mínimo de bens produzidos pela sociedade?” (COSTA, 1997, p. 255).
O aspecto econômico e material também torna mais difícil aceitar a pobreza. Na sociedade contemporânea, a indústria de massa se desenvolve plenamente e, por conseguinte, coloca em circulação uma grande quantidade de produtos que, embora sejam capazes de manter e reproduzir toda a população do planeta, a oposição entre os grupos sociais criam mecanismos de apropriação dos bens econômicos e sociais, gerando concentração de renda.
Marx e Engels (2018, p. 51) narram esse fenômeno da seguinte forma:
“Em seu lugar foi implantada a livre concorrência com uma constituição social e política adequada, com a supremacia econômica e política da classe burguesa.
Assistimos hoje a um processo análogo. As condições de produção e de troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que fez surgir tão poderosos meios de produção e de troca, se assemelham ao feiticeiro que não consegue mais dominar as potências infernais que evocou” (MARX; ENGELS, 2018, p. 51).
Nesse cenário contraditório, em que não existe uma solução viável para a questão da pobreza, o Estado assume uma grande responsabilidade no bem-estar social, posto que “é ele que regula os mecanismos de distribuição de renda, por meio de controle do salário mínimo, preço de produtos, impostos e financiamentos (…) é ele também responsável pelo crescimento da pobreza” (COSTA, 1997, p. 259). Por mais que se queira reduzir a intervenção do Estado na economia, ele ainda é responsável pela saúde, educação e pela igualdade social.
O mundo, cada vez mais industrializado, gera concorrência entre os países. Esta muitas vezes é desleal, uma vez que as tecnologias de produção variam de acordo com o desenvolvimento das nações.
“As relações internacionais de mercado têm sido responsáveis pelo que passou a se chamar ‘dumping social’ – existência de salários ínfimos nos países em desenvolvimento para que seus produtos possam competir com os países desenvolvidos e industrializados (…). Os interesses econômicos que essa política defende têm nefastas consequências para a vida social – como a perda de conquistas duramente conseguidas pelos trabalhadores. Espera-se assim que o Estado, representando a sociedade como um todo (…), possa amenizar essa desigualdade social”. (COSTA, 1997, p. 259).
Esse fenômeno de duping social já havia sido inicialmente previsto pelos pioneiros da sociologia, como ocorrência inevitável aos rumos que o modo de produção capitalista tomava, tal como lecionam Marx e Engels (2018, p. 50):
“Com o rápido aperfeiçoamento dos instrumentos de produção e o infinito melhoramento dos meios de comunicação, a burguesia arras para a corrente da civilização até mesmo as nações mais bárbaras. Os preços mais baixos de seus produtos são a artilharia pesada com que derruba todas as muralhas da Chia e força à capitulação os bárbaros mais obstinadamente hostis aos estrangeiros. Obriga todas as nações a adotar, sob pena de extinção, o modo de produção da burguesia; obriga-as a introduzir a pretensa civilização, isto é, a se tornarem burguesas. Numa palavra, ela cria para si um mudo à sua própria imagem” (MARX; ENGELS, 2018, p. 50).
Infelizmente os esforços que os Estados afirmam desenvolver são insuficientes e, por isso, a pobreza permanece. “A esperança de vida cresce em quase todas as partes do mundo, mas o atendimento à população carente continua precário. As favelas se multiplicam (…); o desemprego aumenta, juntamente com a criminalidade e a mendicância” (COSTA, 1997, p. 261).
3.2 Os direitos sociais no Brasil e a cláusula de reserva do possível
Enumerados no art. 6º da CFRB/88[3], os direitos sociais são considerados liberdades positivas, de observância obrigatória em nosso Estado Social de Direito. Tem por objetivo a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes e visa à concretização da igualdade social.
Como direitos fundamentais de segunda geração, os direitos sociais se identificam com as liberdades positivas e acentuam o princípio da igualdade entre os homens. A sua origem está relacionada aos movimentos sociais do século XIX, os quais resultaram na passagem do Estado liberal (individualista) para o Estado social, que tem por meta a proteção dos hipossuficientes na busca da igualdade material entre os sujeitos.
Na lição de Sylvio Motta (2018, p. 411), os direitos sociais, “vinculam-se […] ao princípio da igualdade, significando que o Estado deve garantir aos mais fracos e carentes as mínimas condições de uma existência digna, como exigência inarredável de um verdadeiro Estado Democrático de Direito”, reforçando a necessidade de atuação positiva dos poderes públicos para garantia a sua efetivação.
Dessa forma, para sua efetivação, os direitos sociais demandam uma implementação de políticas e serviços públicos, exigindo do Estado prestações sociais, enumeradas no art. 6º da nossa Constituição. Afirma-se, portanto, que os direitos sociais são aqueles que têm por objeto a necessidade da promoção da igualdade substantiva, por meio da atuação do Estado na defesa do mais fraco.
Outrossim, como direitos fundamentais, os direitos sociais têm aplicabilidade imediata (CF, art. 5º, § 1º[4]) e, portanto, podem ser implementados, no caso de omissão legislativa, pelo ajuizamento do mandado de injunção sempre que o seu exercício for inviabilizado.
No entanto, abordagem teórico-constitucional sobre a efetivação dos direitos sociais se divorcia amplamente da realidade, visto que, para isso, exige-se disponibilidade financeira do Estado.
Estão, pois, sujeitos à cláusula de reserva do financeiramente possível. Não se trata de negativa por parte do Poder Público, mas, como afirma Gustavo Amaral (2001, p.126), “não se nega o direito de todos, apenas não se tem como atender”. Os direitos sociais só poderão ser efetivados na medida da disponibilidade do Poder Público.
“A escassez de recursos, a escassez de meios para satisfazer direitos, mesmo fundamentais, não pode ser descartada” e que, surgindo esta, “o Direito precisa estar aparelhado para dar respostas” (AMARAL, 2001, p. 185). O Estado não pode se valer da falta de recurso para se eximir de suas responsabilidades.
Dessa forma, ainda que os direitos sociais possuam, de certa forma, um caráter programático; não cabe ao Estado valer-se de sua indisponibilidade financeira para se negar a adotar providências que efetivem esses direitos e garantam à população um mínimo existencial, decorrente da dignidade da pessoa humana.
O aplicador do direito deve estar pronto para realizar escolhas que possam efetivar os direitos sociais. Sobre esse tema, acrescenta-se o peso atribuído pelo STF à aplicação dos direitos sociais fundamentais como corolário de um Estado Social de Direito (RE 580.167/RS, rel. Min. Eros Graus, 11/03/2008, STF).
“Ante à escassez, torna-se imperiosa a adoção de mecanismos alocativos” (AMARAL, 2001, p. 181). É importante que a complexidade da questão seja coloca em evidência, pois há a tentação de “decidir não decidir”, de não tornar clara a adoção de qualquer forma de alocação, de “escolher por não escolher, disfarçar a existência de escolhas trágicas por meio de critérios que parecem neutros, onde a negativa à vida pode ser creditada à Providência” (AMARAL, 2001, p. 171-172).
Conclui Amaral (2001, p. 185) que “o Direito precisa estar aparelhado para dar respostas”, estando pronto para enfrentar o desafio de zelar pelos direitos fundamentais.
3.3 A responsabilidade social do Estado contemporâneo: políticas públicas para garantia dos direitos sociais
A responsabilidade social do Estado reside, portanto, na realização de medidas corretivas para a crescente pobreza de parte da população (objetivando a minimização das desigualdades sociais), com a adoção, pelo Poder Público, de políticas públicas para garantia dos direitos sociais à população carente, que encontram óbice justamente na limitação de cunho econômico enfrentada pelo Estado.
É interessante trazer à tona importante ensinamento de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2017, p. 247) a respeito do tema:
“A doutrina constitucionalista e o próprio Poder Judiciário reconhecem perfeitamente que decisões como essas envolvem amiúde um dilema de muito difícil solução, sobretudo quando se trata de determinar ao Estado que custeie tratamento médicos extremamente dispendiosos e de reduzidas chances de sucesso. Nessas situações, afirma-se que o Judiciário enfrente as chamadas “escolhas trágicas” (tragic choices), expressão empregada com o escopo de traduzir a tensão dialética existente entre o desejo de atender um pedido de concretização de direito social (muitas vezes, de alto custo), de um lado, e as dificuldades governamentais de viabilizar a alocação racional dos seus escassos recursos financeiros, de outro” (PAULO; ALEXANDRINO, 2017, p. 247).
A consagração de grande parcela dos direitos sociais, em países como o Brasil, parte da garantia do pleno emprego, que não será possível enquanto a estrutura agrária estiver dominada pelo latifúndio, grande responsável pela incapacidade de crescimento da produção agrícola nacional ao nível da expansão populacional.
Sobre essa problemática, assevera Darcy Ribeiro (2015, p. 152):
“Em nossos dias, o principal problema brasileiro é atender essa imensa massa urbana que, não podendo ser exportada, como fez a Europa, deve ser reassentada aqui. Está se alcançando, afinal, a consciência de que não é mais possível deixar a população morrendo de fome e se trucidando na violência, nem a infância entregue ao vício e à delinquência e à prostituição. O sentimento generalizado é de que precisamos tornar nossa sociedade responsável pelas crianças e anciãos. Isso só se alcançará através da garantia do pleno emprego, que supõe uma restruturação agrária, porque ali é onde mais se pode multiplicar as oportunidades de trabalho produtivo.
Não há nenhum indício, porém, de que isso se alcance. A ordem social brasileira, fundada no latifúndio e no direito implícito de ter e manter a terra improdutiva, é tão fervorosamente defendida pela classe política e pelas instituições do governo que isso se torna impraticável” (RIBEIRO, 2015, p. 152).
Ademais, não se pode olvidar que a estrutura latifundiária foi e é responsável pelo êxodo rural agressivo pelo qual passou o Brasil, haja vista que a mecanização da produção agrícola, a monocultura e o monopólio de terras ceifou as oportunidades no campo, trazendo para as cidades grandes massas populacionais, condenadas à marginalidade, em razão do desemprego.
Nesse sentido, Márcia Teshima e Everton Willian Pona (2013, p. 202) lecionam que
“entre os anos 1940 e 1990, as cidades não apresentavam ofertas de emprego compatíveis às procuras, tampouco a economia urbana crescia na mesma velocidade em que ocorriam as migrações. Como consequência, crescia o desemprego e sub-emprego no setor de serviços, com aumento do número de trabalhadores informais, vendedores ambulantes e trabalhadores que vivem de fazer “bicos”. Associado à falta de investimentos e ao reduzido planejamento do Estado na ampliação da infraestrutura urbana, isto contribuiu para a formação de um cinturão marginal nas cidades, ou seja, o surgimento de novas favelas, palafitas e invasões urbanas” (TESHIMA; PONA, 2013, p. 202).
A formação social brasileira, à semelhança da sociedade europeia pós-revolução industrial, está intimamente ligada ao problema da pobreza, de forma que é de responsabilidade do Estado promover políticas públicas que garantam à população marginalizada o gozo de direitos dos sociais constitucionalmente previstos, tais como educação, moradia, trabalho, segurança, alimentação etc.
Dentre as possíveis políticas públicas a serem adotadas, destaca-se a promoção da reforma agrária, com a diminuição da concentração de terras, assegurando a permanência da população rural no campo, além de “desenvolver uma política de crédito agrícola capaz de auxiliar os pequenos proprietários rurais” (COSTA, 1997, p. 259); já que 35% (trinta e cinco por cento) da população pobre dos centros urbanos é composta de migrantes, provindos de um setor agrário empobrecido[5].
Não se trata, todavia, de uma mera Reforma Agrária Mercantil, na qual a distribuição de terras ocorre pelos instrumentos de mercado, mediante a oferta para compra de terras, entretanto não dá ao produtor a autonomia para obter alta produtividade, gerar empregos e encerrar o ciclo vicioso da concentração de terras, em razão do o acesso à terra via endividamento financeiro.
Sobre o tema, Marildo Menegat (in BOGO, 2015, p. 15-16) traça as seguintes considerações:
“Toma-se uma massa humana refugada pela própria lógica em crise da acumulação do capital e a reintroduz no circuito econômico como ‘sujeitos monetário endividados’. […] Que diferença substancial há, porém, neste mecanismo com outro que se impõe aos assentados da Reforma Agrária que conquistaram suas terras na luta com ocupações, em que as políticas públicas os obrigam a tomar financiamentos para produção, se querem ser minimamente viáveis economicamente num tempo de competição brutal, em pacotes que, desde a cultura a ser plantada à máquina a ser comprada, passando pelo defensivo agrícola e a assistência técnica, tudo está tão rigidamente determinado numa sinergia de acréscimo de valor da ‘cadeia produtiva’ que o produtor, antes dominado pela cruas necessidades básicas de sua existência como sujeito monetário sem dinheiro, transformou-se agora num escravo ‘escavo’ dominado por um sistema que o endivida e exige dele jornadas de trabalho de 12 a 14 horas para ainda mantes, se tiver sorte, sua propriedade? (MENAGAT in BOGO, 2015, p. 15-16)”.
Essa proposta de reforma, atrelada aos interesses do capital, nenhum efeito prático surtirá na tentativa de consagrar direitos sociais. Para redução da pobreza e da marginalização e, via de consequência, garantir o pleno emprego, é necessária que a resposta advinda do campo tenha respaldo nas políticas públicas do Estado, para fins de aumento da produtividade da propriedade rural e geração de renda no campo.
No Brasil, entretanto, a atuação da máquina estatal, na consagração de direitos sociais, na forma proposta, é travada pelo interesse parlamentar. Para Ribeiro (2015, p. 152), “é provável que a União Democrática Ruralista (UDR), que representa os latifundiários no Congresso, seja o mais poderoso órgão do Parlamento. É impensável fazê-la admitir o princípio de que ninguém pode manter a terra improdutiva por força do direito de propriedade”.
De qualquer modo, como se vê, uma parcela da população está por fora do progresso da sociedade sem usufruir dos benefícios alcançados por ela. “A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Ela aglomerou a população, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos” (MARX; ENGELS, 2018, p. 50). Tudo isso demostra a ineficiência do Estado de quem se esperam medidas efetivas.
Considerações finais
Ao trilhar o percurso histórico da Sociologia, foi possível perceber que esta foi um resultado da nova dinâmica social inaugurada pelas revoluções do século XVIII, principalmente a industrial.
O pensamento sociológico percorreu diversos caminhos entre as escolas da Sociologia, variando desde a manutenção da ordem com os conservadores e positivistas até a transformação total da ordem vigente com os socialistas e mais expressivamente com Karl Marx.
Entretanto todas elas mantinham um objetivo comum e um padrão na análise do objeto de estudo que era a sociedade, isso permitiu a consolidação da Sociologia como ciência de fato, além de inseri-la nas discussões e matérias acadêmicas. A sociologia incorporou em sua composição diversos conceitos, objetivando acompanhar as tendências de cada momento histórico e, com isso, estudar a sociedade de forma efetiva.
Isso se torna evidente na grande quantidade de orientações sociológicas surgidas no período pós-revolução industrial, cada uma delas se adaptavam à realidade vivida por seus idealizadores. Max Weber, por exemplo, por viver em um país (Alemanha) onde a industrialização foi tardia, não teve o seu pensamento endossado pela universalidade burguesa mas sim pela diversidade e peculiaridade dos seres humanos presentes na história e na antropologia.
Modernamente, a Sociologia foca suas atenções nos paradoxos da sociedade contemporânea, entre eles a divergência que existe entre a consciência humanista igualitária do estado de Direito, a sociedade das indústrias de massa desenvolvidas e a questão da pobreza.
Ao buscar respostas e soluções para essa oposição, a Sociologia encontra no Estado a responsabilidade para se tomar decisões coerentes e efetivas, tendo como objetivo erradicar a pobreza e diminuir as desigualdades sociais.
Este dilema se torna ainda mais acentuado na era do Estado Social de Direito, em que os direitos fundamentais previstos no texto constitucional, tal qual ocorre no Brasil, são ameaçados, a todo tempo, de serem remetidos ao limbo legislativo, visto que a consagração dos direitos sociais depende diretamente de ações positivas de um Estado com todas as suas limitações econômicas.
Todavia, essa não é a única preocupação do pensamento sociológico, o qual ainda tem grandes dilemas para resolver e, assim como no período pós-revolucionário, propor soluções efetivas; que tornam a ciência social tão complexa, especialmente quando aliada a outras áreas do conhecimento como a ciência jurídica.
Referências
AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha. – Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
A POBREZA e a responsabilidade do Estado. Pedagogia ao pé da letra. 09 abr. 2013. Educação. Disponível em: <http://pedagogiaaopedaletra.com/a-pobreza-e-responsabilidade-do-estado/>. Acesso em: 12 out. 2015.
BALSAN, Francys Layne. Pobreza e desigualdade social no estado democrático de direito: o caso brasileiro. Revista internacional Direito e cidadania. João Pessoa, n. 8, p. 125-137. 02 ago. 2010. Disponível em: <http://www.reid.org.br/?CONT=00000211>. Acesso em: 12 out. 2015.
BOGO, Ademar. A linguagem das mercadorias em Marx. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Consequência, 2015.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em 24 abr. de 2020.
COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 2. ed. – São Paulo: Moderna, 1997.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Sociologia geral. 7. ed. rev. e ampl. – São Paulo: Atlas, 1999.
MARTINS, Carlos Benedito. O que é Sociologia. 38ª ed. – São Paulo: Brasiliense (Coleção primeiros passos), 1994.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. Tradução Antonio Carlos Braga. 1. ed. – São Paulo: Lafonte, 2018.
MOTTA, Sylvio. Direito constitucional: teoria, jurisprudência e questões. 27. ed., rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.
OLIVEIRA, Ciro Mesquita de. A universidade em debate: uma análise da educação superior no Brasil sob a crise estrutural do capital. 6° colóquio internacional Marx e Engels. Disponível em: <http://www.ifch.unicamp.br/formulario_cemarx/selecao/2009/trabalhos/a-universidade-em-debate-uma-analise-da-educacao-superior-no.pdf>. Acesso em: 15 out. 2015.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. 3. ed. – São Paulo: Global, 2015.
TESHIMA, Márcia; PONA, Everton Willian. Do direito de laje: uma visão mitigada do direito de propriedade ao direito à moradia. Hiléia: revista do direito ambiental da amazônia. p. 215-250. Ed. nº 19. Jan. – Jun. 2013. Disponível em: <https://www.academia.edu/20856412/DO_DIREITO_DE_LAJE_UMA_VIS%C3%83O_MITIGADA_DO_DIREITO_DE_PROPRIEDADE_AO_DIREITO_%C3%80_MORADIA?auto=download>. Acesso em 08 jul. de 2018.
[1] André Pinheiro Costa é acadêmico do 10° período do curso de Direito da Faculdade do Sul da Bahia-FASB – apc.andrepcosta@gmail.com.
[2] Olga Suely Soares de Souza é professora do curso de Direito da Faculdade do Sul da Bahia (FASB) e da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestre e Doutora em Educação pela Universidade São Francisco (USF) e pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), respectivamente.
[3] Art. 6º da CF (BRASIL, 1988): “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
[4] Art. 5º, § 1º, da CF (BRASIL, 1988): “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
[5] A POBREZA e a responsabilidade do Estado. Pedagogia ao pé da letra. 09 abr. 2013. Educação. Disponível em: <http://pedagogiaaopedaletra.com/a-pobreza-e-responsabilidade-do-estado/>. Acesso em: 12 out. 2015
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