Resumo: O Artigo aborda a aplicação e utilidade do ramo da sociologia constitucional como ferramenta auxiliar na análise dos impactos das decisões judiciais, notadamente aquelas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. O texto aborda questões como o impacto social, econômico e moral das decisões judiciais na sociedade como um todo.
Obras como “O Supremo Tribunal Federal na crise institucional brasileira” tem uma abordagem perfeitamente vinculado ao campo da Sociologia Constitucional, que consiste em um ramo da Sociologia pouco conhecido no Brasil. A despeito disso encontramos alguns estudiosos com trabalhos conceituados nessa área, tais como Cláudio Souto e Solange Souto, Ferdinand Lassalle, Konrad Hesse, Luciano Oliveira, dentre outros.
Causa estranheza o fato de existirem tão poucas obras tecendo críticas ao Supremo Tribunal Federal e ao impacto da jurisdição constitucional, isso porque a fase de circunstâncias críticas vivenciadas pelo Brasil deveria estar causando profunda preocupação humana pelo social. O que se observa é que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal praticamente não sofre críticas sociológicas.
Acredita-se que o motivo para a pequena produção em Sociologia do Direito no país seja causada pela falta de predisposição do pesquisador do Direito, pois a formulação de uma pesquisa sociológica envolve grande complexidade. A despeito disso, o ensino jurídico brasileiro não incentiva a pesquisa, formando bacharéis acomodados. As pesquisas, assim, limitam-se a pesquisa bibliográfica e, quando muito, jurisprudencial, comportando raras exceções.
Abordar o impacto sociológico causado pelas decisões do Supremo implica romper o marasmo constante nas investigações no campo da Sociologia Jurídica, devendo ser feita uma abordagem ampla, contendo não apenas o objeto de estudo a Sociologia, mas também os fatores que o rodeiam.
A decisão do Supremo Tribunal Federal relacionada à taxa de 12% a.a., às vésperas dos anos 90, bem como as decisões deste Tribunal sobre a negação de direito adquirido aos expurgos inflacionários decorrentes de mudanças de planos econômicos, o valor do salário mínimo, etc, acarretaram profundas conseqüências sociais. O que ocorreu perante as diversas interpretações constitucionais dada pelo Supremo Tribunal Federal constitui fato social e o Direito pode, sim, sofrer influência social na elaboração das normas e na sua aplicação.
O ambiente social é fundamental para a consolidação do Direito, pois o Judiciário, apesar de tratar primordialmente de questões jurídicas, está atrelado ao que o circunda, não podendo olvidar a conjuntura social na qual se encontra para compreendê-la. A sociedade, por sua vez, também sente os reflexos da aplicação do Direito.
A Hermenêutica Jurídica, portanto, trata da interpretação da norma, aplicando-se, enquanto a Sociologia Jurídica trata das conseqüências sociais desta aplicação prática.
Não há respaldo doutrinário suficiente para se distinguir Sociologia Jurídica e Sociologia do Direito, mas para Cláudio Souto e Solange Souto, em definição que prioriza o caráter fático da disciplina, Sociologia Jurídica ou Sociologia do Direito é ramo específico que investiga o fenômeno social jurídico em correlação com a realidade social e, para tanto, são utilizada métodos e técnicas de pesquisa científica.
O estudo do Direito, sob uma perspectiva Sociológica existia sem ser de forma sistematizada e, somente na metade do século XIX, ganhou investigação própria, constituindo a Sociologia do Direito.
Os dois grandes campos da Sociologia Jurídica são o geral (teórico) e o aplicado (empírico). Entretanto, a Sociologia Jurídica é uma versão aplicada da Sociologia Geral, dizendo-se que se trata de Sociologia teórica ou prática conforme o referencial (teoria ou prática). Aponta-se como destaque na Sociologia Jurídica aplicada Luhmann, Habermas e Gurvitch. No Brasil é possível citar José Eduardo Faria, Celso Fernandes Campolongo e José Reinaldo de Lima Lopes.
No campo da Sociologia Constitucional aplicada destacam-se Bidart Campos, Ferdinand Lassalle e Paulo Bonavides. Konrad Lesse faz um estudo diferenciado entre Constituição-jurídica e Constituição-real. Convém, ainda, citar Pablo Lucas Verdú, que trata de um sentimento constitucional disperso na sociedade, tomando a idéia de sentimento nacional de Jellinek.
O sentimento constitucional é visto como espécie de sentimento jurídico e tem como características gerais a expansividade, a espontaneidade e a implicação com o ordenamento jurídico e com a idéia de justiça. A idéia de sentimento constitucional parece ser melhor compreendida nos sistemas do common law.
Enquanto papel a Constituição é norma estática, mas enquanto prática a Constituição deixa ser “vocação” para se tornar “real”. O estudo da práxis constitucional alcança, além da dimensão jurídica, as repercussões econômicas, políticas e sociais. É através dessa verificação que se detecta uma atuação democrática ou não. É necessário para tanto que se recorra não apenas ao texto da Constituição documental, mas também ao funcionamento real e efetivo das instituições.
O modelo social de constitucionalismo adotado pela CF/88 significa que o ordenamento deve expressar os valores sociais do povo, devendo sua interpretação corroborar o sentimento popular. Aí que reside a função do interprete e aplicador da Constituição. Verdú prega em sua obra que a interpretação constitucional deve estar voltada para a efetividade da Constituição e do melhor direito possível em uma sociedade avançada, sendo que o conceito de melhor direito possível é, decerto, idéia vaga. Os referenciais adotados, entretanto, só podem ser a dignidade humana, os direitos fundamentais, a coesão social, a união nacional dos cidadãos, os interesses federativos e democráticos, a preservação das instituições, a ordem e o desenvolvimento.
Quanto mais o juiz estiver inserido no meio social, mais compreenderá seu sentimento, devendo haver harmonia entre o espírito da sociedade e a alma do magistrado, atingindo-se, então, a melhor aplicação da legislação.
A Sociologia Constitucional ou Sociologia do Direito Constitucional consiste no estudo aplicado do fenômeno constitucional: o rebuliço e as razões sociais que levam à mudança da constituição.
No âmbito subjetivo, a Sociologia Constitucional tem em vista os atores que lidam com o direito constitucional, numa comunidade aberta de interpretes (cf. Häberle e Paulo Bonavides). É crítica. Estuda o seu objeto numa visão crítico-dialética, propedêutica, realista.
A pesquisa sociológica é escassa no Brasil. Muito mais o é a pesquisa em Sociologia Constitucional. A exemplo do que ocorre com o Direito, os atores interpretam a norma de acordo com a posição que ocupam na estrutura social, conforme sua formação profissional, pessoal, religiosa, suas convicções políticas, ideológicas, etc. Em que grupo social os integrantes da nossa Suprema Corte se situam? Até que ponto o compromisso da imparcialidade vigora, se eles são nomeados por meios que não são imparciais, posto políticos? Eles darão dimensão social, democrática e liberal às suas interpretações?
A Sociologia Constitucional se ocupa, nesta vertente, de desvendar a hipocrisia constitucional e constatar se a constituição está sendo socialmente cumprida, bem aplicada. É nessa perspectiva crítica que se desvela a prática de discursos juridicistas e apresentam-se as conseqüências sociais das soluções arranjadas do Judiciário
Através da ambientação sociológica perpassa-se o umbral do Direito, indo além da sua perspectiva formalista. Há conseqüências que um simples estudo normativo não consegue vislumbrar. Já a experiência social descortina o que se mostra como perfeito pelo Direito.
Sendo assim, concluímos que o papel desta vertente sociologia, entretanto, não é só criticar a opção jurídica da jurisprudência. É também o de fornecer aos operadores do Direito elementos e indicadores sociais que, apresentando as condições da população, orientem o caminho para a decisão socialmente correta. É um instrumento de colaboração social, muito mais do que algoz e julgadora dos atos humanos que afetem a sociedade.
Informações Sobre o Autor
Reno Sampaio Mesquita Martins
Procurador da Fazenda Nacional