Resumo Este trabalho trata da situação do empregado e seus direitos trabalhistas em face da alienação da empresa- em casos de falências e recuperação judicial, colocando, pois, em cheque uma colisão aparente entre os princípios da preservação da empresa e o da continuidade das relações de trabalho, o que implica na impossibilidade de sucessão de créditos trabalhistas, tanto em seara de falência como em seara de recuperação judicial.
Palavras chave: sucessão trabalhista; falência; recuperação judicial.
Sumário: 1. Noções Introdutórias; 2. Alguns esclarecimentos necessários; 3. Os doutrinadores afetos ao Direito do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal; 4. A Recuperação Judicial e as suas minúcias trabalhistas ; 5. Conclusão; Referências Bibliográficas.
1. Noções Introdutórias.
A parte mais vulnerável da relação no instante da recuperação judicial de uma empresa, sem dúvida alguma, é o empregado. Em caso de alienação do fundo empresarial, independentemente do novo sucessor se responsabilizar contratualmente ou não, arca com todas as obrigações trabalhistas do sucedido em caso de falência, face ao princípio reitor das relações de trabalho, qual seja, o princípio da continuidade. Tal raciocínio é questionado no que toca a recuperação judicial.
Cumpre aos estudiosos analisar se com a criação da Nova Lei de Falências e Recuperação Judicial (11.101/05) houve, de forma efetiva, a diminuição da proteção ao empregado nos contratos firmados entre ele e o empregador.
O tema em epígrafe é objeto de intermináveis discussões, discussões essas travadas não somente em seara do Poder Judiciário; abarcando os demais Poderes (Poder Legislativo e Poder executivo) com o mesmo grau de profundidade. Assim, se faz necessária uma breve introdução para que o leitor possa vir a contextualizar o problema de forma clara.
Em verdade, toda a problemática aqui apontada centra-se no parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/05 (Lei de falências).
Tal artigo possui uma redação que deve ser examinada em cotejo ao inciso II do art. 141 da mesma lei em comento. Assim, prescreve o inciso II do art. 141 da Lei 11.101/05, em outras palavras, da alienação dos bens do devedor, em caso de falência.
Em contrapartida, aponta o parágrafo único do artigo 60 da Lei de falências a alienação, esse agora feito no reduto da Recuperação Judicial: ambas, pois, alienações feitas em momentos e fases distintas.
O objeto central da alienação em fase de falência está, pois, livre de qualquer ônus e não há que se falar em sucessão do arrematante nas obrigações afetas ao devedor; inclusive, as de natureza tributária, bem como as averbadas à legislação trabalhista e aquelas decorrentes de acidente de trabalho. Assim, no inciso II do artigo 141 da lei em epígrafe o nosso legislador infraconstitucional fez constar expressamente em diploma legal a exclusão de toda e qualquer sucessão (tributária, trabalhista, bem como as decorrentes de acidentes de trabalho). Base Legal: arts. 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Já o objeto central da alienação em fase de Recuperação Judicial está, pois, também isento de qualquer ônus e não se cogita em sucessão do arrematante nas obrigações portadas pelo devedor; inclusive aquelas oriundas de natureza tributária. Aqui, pois, houve um silêncio eloqüente do legislador no tocante as obrigações de natureza trabalhistas, bem como aquelas concernentes aos acidentes de trabalho; diverso do que ocorre em alienação da falência em que a isenção quanto a tais obrigações por parte do sucessor é feita de forma expressa; de moldo a não gerar qualquer dúvida a respeito do tema.
Resta, pois a análise de que se, com o objetivo de proteção à empresa e aplicação do seu principio da continuidade, a mesma teria extrapolado os seus limites de competência legislativa – face aos artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho – que, em outras palavras, assegura que em eventual mudança da estrutura empresarial o empregado ficaria a salvo; ou seja, se quem adquire os ativos da empresa responde ou não pelos débitos trabalhistas pretéritos, sob pena de mácula ao princípio do in dubio pro operario.
No escólio do doutrinador José Augusto Rodrigues Pinto: “O princípio da continuidade diz respeito à empresa, singularmente considerada. Através da continuidade da empresa se visa á permanência da relação individual do trabalho”.[1]
À primeira vista a falta de previsão legal no que tange a exclusão de toda e qualquer sucessão (tributária, trabalhista e aquelas decorrentes de acidente de trabalho) pode soar aos ouvidos dos leitores mais desavisados como um lapso, uma falha ou mesmo um esquecimento por parte do legislador; mas, ao aprofundarmos o estudo do tema em apreço verificamos que tal silêncio fora, pois, intencional.
Tal ato constituiu objeto de uma emenda em que constavam expressamente as seguintes expressões: “derivadas da legislação do trabalho e as do acidente de trabalho”. Isso pelo fato de que o parágrafo único do art. 60 da Lei 11.101/05 tinha redação idêntica ao inciso II do art. 141 da lei ora versada.
Todavia, por iniciativa de um membro do Poder legislativo encampado no Senado Federal, houve a apresentação de uma emenda no Senado Federal suprimindo as sucessões trabalhistas e de acidente do trabalho, ao argumento de que não haver sucessão em caso de alienação na falência se faz por razões lógicas já que se está alienando o objeto para o pagamento do próprio credor e, por conseqüência lógica, o próprio empregado, já que alienação é para saldar a dívida e não haveria sentido naquele que adquire o objeto continuar a devedor se a venda fora justamente para saldá-la. O mesmo raciocínio não se aplica a recuperação judicial. Isso porque na mesma o devedor persistirá com o seu patrimônio para lograr êxito em salvar a sua atividade.
Assim sendo, quem o adquire deve saber o que está adquirindo.
Igualmente, a análise dogmática do contexto histórico vem mudando, pugnando pela irresponsabilidade do sucedido por débitos trabalhistas, anteriores a sucessão; ainda que à custa de calorosas discussões a respeito do tema.
Mas o fato é que a lei, assim emendada, foi publicada e se desprendeu da vontade do legislador, passando a existir tão-somente a vontade da lei; com existência jurídica autônoma, o que permite aos hermeneutas a sua aplicação livre de amarras, o que vem sendo feito paulatinamente.
2 Alguns esclarecimentos necessários.
Assim, para que o leitor possa bem compreender a questão de fundo se faz necessária a compreensão da natureza do crédito de natureza trabalhista. Nos moldes do art. 958 do Código Civil a preferência é um gênero e comporta, pois duas espécies; quais sejam: o privilégio e a garantia (real e quirografária). O privilégio decorre da lei. Já a garantia pode decorrer da lei ou do contrato.
No privilégio, a ordem de pagamento é ditada pela lei. O privilégio nada mais é que a ordem de vocação dos credores na partilha da garantia comum que se subsume no patrimônio do devedor. Assim, quanto mais o credor executa o mesmo objeto haverá um privilégio no que toca aquela ordem de pagamento. Já a garantia traduz-se em fornecer ao credor como adimplemento da obrigação o patrimônio do devedor, como um todo – garantia quirografária; bem como ao credor, assegurando a adimplência da obrigação, um bem destacado do patrimônio não necessariamente do devedor – garantia real. A diferença que reside sob o âmbito do Direito Material entre o crédito fazendário, o crédito trabalhista, bem como o crédito quirografário é quanto à anterioridade (ordem de preferência) no recebimento de tais créditos, o que dá via processo.
Em não havendo processo não que se vislumbrar diferença material quanto aos créditos e sim quanto ao objeto a que eles se vinculam. Em não havendo processo não se cogita na ordem de pagamento. Assim, a alienação é revestida de garantida real e não há que se confundir com o privilégio, já que este não decorre da vontade das partes. Trata-se de uma imposição legal!
Dessas premissas surgiu uma discussão interessante acerca da natureza jurídica da preferência no crédito trabalhista. Originalmente, o crédito de natureza trabalhista apresentava a natureza jurídica de um crédito quirografário. Se o privilégio decorre de lei é dotado de excepcionalidade, logo, é norma de natureza restritiva. Nos primórdios, então, o Supremo Tribunal Federal firmou a sua jurisprudência, em um conflito de competência (Conflito de Competência – CC: 2488 e CC 2627), no sentido de que o crédito trabalhista ostentava o status de crédito quirografário.
Há que se ressaltar que pelo Decreto _ lei 7661/45 (que regulamenta a falência em nosso ordenamento jurídico até o advento da lei 11.101/05) figurava entre nós o instituto da concordata. Pelo instituto da concordata o art. 147 do Decreto-Lei 7661/45 previa que a mesma só atingiria o passivo concordatário.
Logo, surgiu a discussão, a saber, se os empregados se sujeitavam ou não a concordata. Na ótica esposada à época pelo Supremo Tribunal federal os empregados estavam a ela adstritos pelo fato de crédito trabalhista ostentar a natureza de quirografário. Era, pois, intocável.
Somente com a lei 3.726 de 11 de fevereiro de 1960 o crédito trabalhista recebe o status de crédito privilegiado alterando a lei de falências á época (decreto – lei 7661/45); ganhando, pois privilégio.
O crédito trabalhista só ganhou privilégio porque a lei assim definiu os seus contornos. Após a alteração da lei de falência o Supremo Tribunal federal ostentou o entendimento de que o crédito trabalhista passou a ser privilegiado e, portanto, restou excluído do instituto da concordata, já que a mesma estava adstrita ao crédito quirografário, tão-somente; declarando formalmente o seu entendimento jurisprudencial no conflito de competência 2591.
Em consonância com tal entendimento o Supremo Tribunal Federal esculpiu o verbete sumular de número 227, que em outras palavras resumia o seu entendimento no seguinte sentido: “a concordata do empregador não impede a execução do crédito e nem a reclamação do empregado na justiça do trabalho”. Isso porque até a lei 3.726/60 o crédito trabalhista era quirografário.
A concordata foi extinta e atualmente lidamos com o instituto da recuperação judicial e, hoje, o amparo legal para o privilégio do crédito trabalhista continua não constando da Consolidação das Leis do Trabalho e também não constando na Constituição da República Federativa do Brasil, mas tão só no Código Tributário nacional (art. 186, do Código Tribunal Nacional) que prescreve, em outras palavras, que o crédito tributário prefere a qualquer outro, independentemente da data de sua constituição ou de sua natureza, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho e por acidente do trabalho.
Assim, se o crédito tributário prefere a qualquer outro, com a exceção do crédito trabalhista e por acidente do trabalho estes possuem primazia sobre qualquer outro crédito, inclusive o crédito de natureza tributária. Eis aí, pois, a supremacia legal dos mesmos.
3 Os doutrinadores afetos ao Direito do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal.
Destarte, o Supremo até então resolveu a questão. Todavia, o Direito do Trabalho é regido por um princípio basilar; qual seja o princípio da norma mais favorável (também conhecido como princípio do in dúbio pro operário) que explicita que a dúvida que surgir deve ser solucionada de molde a não prejudicar o empregado.
É cediço que o Direito do Trabalho constitui um ramo do Direito que contém em seu bojo uma jurisprudência axiológica; tal ramo do direito só existe com vista à proteção do empregado.
Assim, diante de tais premissas, a pirâmide valorativa do Direito do Trabalho distingue-se da pirâmide kelseniana (que preconiza a Constituição da República em seu ápice). No Direito do Trabalho estará no topo da interpretação aquela norma que se mostrar mais favorável ao empregado; favorável, pois, as suas condições de trabalho virão para o ápice da pirâmide, ainda que seja hierarquicamente uma norma periférica. A base legal para tal assertiva encontra-se no próprio art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho.
Esse princípio da norma mais favorável exige do intérprete, no escólio da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, indagações: se a norma for a mais favorável será a mais favorável para o empregado ou será a mais favorável para os empregados (no plural)? Poderá a norma mais favorável beneficiar apenas um empregado, ainda que em detrimento dos demais? Ou será aquela norma mais favorável que irá beneficiar a classe dos empregados?
É cediço que em um processo concursal o que temos é uma execução coletiva (tanto de falência como de recuperação judicial).
Teremos, pois, a classe dos empregados executando coletivamente o empregador; portanto, em verdade, o princípio da norma mais favorável deve ser compreendido como aquele que for mais favorável a classe dos empregados: empregados como um todo considerado! Do contrário o intérprete subverteria o fundo sob a forma.
Nas preciosas lições do Marcelo Papaléo: “Não se parte do objetivo de liquidar para repartir, mas de conservar para salvar e ter melhores resultados para todos”.[2]
No sentido acima esposado, vem o Supremo Tribunal Federal e aduz que em caso de falência a execução deve ser feita no juízo da falência e não no juízo trabalhista.
Não compete ao juízo do trabalho a execução individual de cada empregado, sob pena de frustrar-se o processo concursal e, por conseqüência, a classe de empregados.
E essa questão bem bater agora as portas do Supremo Tribunal Federal, sob uma nova perspectiva, qual seja: a Recuperação Judicial.
O Egrégio Supremo Tribunal Federal (na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 3.934-2-DF), na lavra do seu Ministro Relator.
Logo, o MIn. Relator Ricardo Lewandowski manifestou-se pela constitucionalidade dos artigos 60, parágrafo único, 141, inciso II, e 83, incisos I e IV, alínea “c”, da Lei nº 11.101/2005, que afasta a sucessão quando da alienação de ativos nos processos de falência e de recuperação judicial e apresenta limitação a 150 salários mínimos por credor para fins de preferência, na falência, dos créditos decorrentes da legislação do trabalho.
Logo, os artigos 60, parágrafo único, e 141, inciso II, da Lei nº 11.101/2005 encontram-se constitucionalmente hígidos, quando afastam a sucessão nos créditos trabalhistas, aduzindo que o legislador ordinário, ao assim proceder, visou à concretização dos valores constitucionais da livre iniciativa e da função social da propriedade (empresa).
4 A Recuperação Judicial e as suas minúcias trabalhistas.
Com o advento da Lei 11.101/05, por força do art. 54, os empregados passaram a ser incluídos como partes na Recuperação Judicial, ostentando, pois o status de sujeitos passivos no tange a mesma. Assim, no cenário jurídico despontaram dois pontos de vista acerca da sucessão trabalhista na recuperação judicial.
Sob uma primeira perspectiva seria, mesmo em face da omissão legislativa, se mostraria perfeitamente possível a sucessão trabalhista na recuperação judicial, ao argumento de que a Consolidação das Leis do Trabalho traça diretrizes mais protecionistas ao empregado e é tida como lei especial que versa sobre assunto, ainda que a lei 11.101/05 verse em sentido contrário.
Aqueles que argumentavam favoravelmente à sucessão trabalhista inserida na Recuperação Judicial apresentavam basicamente os seguintes argumentos: o primeiro argumento valeu-se de uma interpretação histórica, qual seja o estudo do projeto de lei que teve a sua modificação veiculada por uma emenda que propositalmente teria feito a supressão das obrigações trabalhistas e de acidente do trabalho da sucessão para que o julgador ficasse livre para incluí-las ou não em cada caso concreto.
A outra argumentação residia em uma interpretação sistemática em que ao exame detalhado do instituto da Recuperação Judicial nos deparamos com o inciso II do art. 141, da Lei 11.101/05 que apregoa a exclusão da sucessão em caso de falência, mas não o fazendo no que tange ao instituto da Recuperação Judicial.
Ainda sob essa mesma ótica citamos a interpretação lógico-sistemática: É cediço que a Consolidação das Leis do Trabalho, como o próprio nome já denota, constitui-se em uma consolidação; logo, lei geral trabalhista. Assim, os arts. 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho preceituam expressamente a sucessão trabalhista como um direito subjetivo do empregado, não se distinguindo se em caso de alienação ocorrida em recuperação judicial ou fora dela. Trata-se de uma garantia do empregado, no suor de seu lavor, da solvência da prestação trabalhista.
Logo, transferido o patrimônio empresarial restará para o empregado o seu direito de seqüela. Assim, como a regra no Direito do Trabalho é a aplicação do principio in dubio pro operario e como a Lei 11.101/05 não excluiu a sucessão trabalhista na recuperação judicial (fazendo-a apenas no que tange a falência), como não foi proibida, assim, é permitida.
Também a jurisprudência: “Sucessão Trabalhista. Configuração. Hipótese. O fato de o contrato de trabalho do reclamante ter findado antes da efetivação da sucessão não descaracteriza esta, pois, ao adquirir a unidade econômica jurídica, a empresa sucessora passou a ser responsável também pelos contratos laborais extintos. Dessa forma, responde o empreendimento, representado pelo sucessor, pelas dívidas trabalhistas oriundas dos contratos de trabalho findos ou vigentes à época da transferência da unidade produtiva. (TRT/MS – AP – 1111/2001 – 005-24-00-3- REL.: JUIZ NINCANOR DE ARAÚJO LIMA – DOE 31.10.2002. REVISTA SYNTHESIS 36/2003, P.222.).
Em contrapartida, há um segundo ponto de vista (hoje dominante nos Tribunais Superiores: ADI 3934, STF.) acerca da impossibilidade da Sucessão Trabalhista na recuperação judicial. Comungamos de tal entendimento e vamos expor ao leitor os argumentos que corroboram essa segunda visão sobre a discussão ora versada.
Essa questão bateu as portas do Supremo Tribunal federal que opinou favoravelmente pela respectiva impossibilidade: a já citada Ação Direta de Inconstitucionalidade, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski. A título ilustrativo vale citar o Recurso extraordinário (593855), com repercussão geral, também de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski.
E o fundamento discorrido pelo Supremo Tribunal Federal cingiu-se aos seguintes argumentos: Quando o tema versar sobre recuperação judicial o artigo que a coroa é o art. 47 da Lei 11.101/05. Já quando o tema versar sobre falência o embasamento jurídico lastreia-se no art. 75 da lei em comento.
Tais artigos, em outras palavras, prescrevem as formas que existem de sucessões em cada um dos respectivos institutos.
Lei é norma de comportamento e, portanto, quando o legislador fixa as condutas ele tenciona regulamentar os comportamentos dos operadores do direito.
É direcionar a nossa conduta hermenêutica. Isso porque na lei 11.101/05 muito mais que uma interpretação gramatical ou lógico-sistemática o é a consagração viva do método teleológico.
A aplicação da lei cinge-se a sua finalidade prescrita. O intérprete deve aplicar a lei, sem perder de vista a intenção do legislador.
Diante de tais premissas é imperioso constatar-se que, ao vedar-se a sucessão trabalhista em seara falencial, à intenção do legislador foi a de tornar hígido o princípio da preservação da empresa.
O objetivo maior da falência é promover a preservação da empresa. Já o artigo 47 da lei ora versada visa não somente a preservação da empresa, mas somada a ela a preservação do empresário. Atente-se o leitor que os termos empresário e empresa não se confundem. A empresa denota a atividade. O empresário é o sujeito que a desenvolve.
E, aqui, há que se pontual que o intuito do legislador não foi à preservação do empresário na falência e sim a preservação da empresa/ atividade. Já a recuperação judicial em tempo algum afastará o empresário; pode até afastar os administradores da sociedade empresária, mas não a sociedade em si.
A olhos nus, investidor algum compraria uma empresa em recuperação judicial com o risco de, ao adquiri-la, por ela pagar e ainda dispor financeiramente de um passivo, de um débito de natureza trabalhista; pois se tal ocorresse até haveria a preservação da empresa, mas jamais haveria a preservação do empresário, já que atolado em dívidas. Um paradoxo!
Se há uma compra de um devedor em recuperação judicial correndo o risco de herdar as suas dívidas trabalhistas já adquire o bem insolvente para desenvolver a atividade. Logo, sem um bom desenvolvimento da atividade surgirá o desemprego em massa.
E o raciocínio é muito simples: se não houver a aplicação de uma interpretação teleológica na sucessão não haverá investimentos (compra) e, se ninguém comprar haverá a falência e, por obra dela, as relações trabalhistas se diluirão.
Ensina-nos Maximilianus Fuhrer, que: “a falência é um processo de execução coletiva, em que todos os bens do falido são arrecadados para uma venda judicial forçada, com a distribuição proporcional do ativo entre os credores. Do mesmo não se vale à Recuperação Judicial”.[3]
Ainda se vale o Supremo Tribunal Federal para corroborar o seu entendimento de uma interpretação gramatical. Isso por que o parágrafo único do art. 60 da lei 11.101/05 prescreve nitidamente que não haverá sucessão; inclusive a de natureza tributária. E, aqui, o termo inclusive é utilizado exemplificativamente. Não há, pois que se falar em qualquer tipo de sucessão em se tratando de Recuperação Judicial. Assim, não se aplicará a sucessão trabalhista nem para a falência e tão pouco para a Recuperação Judicial.
Todavia a questão não resta pacificada face ao ativismo judicial, em que cada juízo decide de acordo com a sua conveniência e oportunidade. Não há súmula vinculante sobre o tema e ora dão primazia a continuidade da empresa sem a sucessão, ora dá proteção ao empregado isoladamente.
A questão bateu as portas do Superior Tribunal de Justiça via conflito de competência. O mesmo passou a não conhecer dos conflitos de competência (ainda que a falência já tenha sido decretada ou a recuperação judicial concedida), ao argumento de que tendo sido desconsiderada a personalidade jurídica do devedor falido ou em recuperação não haveria o conflito, pois quem estará sendo executado será somente o terceiro que não é tido por sujeito processual a ser objeto de julgamento em vara cível (falência) e sim sujeito processual na vara do trabalho.
Em havendo, pois, conflito de competência entre juiz de trabalho e juiz de direito competente para dirimi-lo será o Superior Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 105 da Constituição da República federativa do Brasil.
Dessa feita, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não guarda, pois, sintonia com a jurisprudência acolhida pelo Supremo Tribunal federal, que, em decisões monocráticas vem conhecendo do agravo interposto aos conflitos de competência no Superior tribunal de Justiça, na lavra do Ministro Celso de Melo e batendo o martelo, ou seja, dando a última palavra no sentido de que não compete ao juiz do trabalho decidir quanto ao cabimento ou não de sucessão trabalhista em seara de recuperação judicial.
Em caráter ilustrativo cite-se o agravo de instrumento de número 796 844/ STF.
Em palavras simples, o Supremo Tribunal Federal vem decidindo que em caso de falência ou de recuperação judicial se o juiz desconsidera a personalidade jurídica após a falência ou após a distribuição do pedido de recuperação judicial falecerá ao juiz do trabalho a competência para julgar o deslinde. Tal competência será exclusiva da vara de falências. Somente o juiz de falências deterá a competência para julgar o caso concreto.
Tal entendimento da corte maior encontra consonância com o preceituado na lei 11.101, que em seu art. 82, prescreve em palavras simples que a responsabilidade dos sócios é limitada e será apurada no próprio juízo da falência, independentemente de habilitação do ativo.
E como fica a decisão do Supremo Tribunal Federal face ao art. 114 da Constituição da República que prevê expressamente a competência da justiça do Trabalho para as causas trabalhistas?
Não há que se cogitar em violação ao artigo 114 da Lei Maior. Isso porque tal artigo delimita tão-só a competência material da justiça do Trabalho (questões atinentes a férias não pagas, a FGTS) e deve ser interpretado em cotejo ao artigo 113 da Carta Magna que apregoa que a Lei disporá acerca de jurisdição e a competência do juízo do trabalho. Assim, para assegurar a execução não há necessidade de justiça especializada e lei material não se coaduna com ela.
O tema do momento descortinou no caso Varig (Empresa de Aviação Aérea sujeita a Recuperação Judicial) – indagou-se a possibilidade de o princípio da continuidade das relações de trabalho constituir um obstáculo efetivo ao princípio da preservação da empresa.
A Corte Superior opinou no sentido de que a preservação da empresa caminha de mãos dadas a continuidade das relações de trabalho. Ora, transferir uma sucessão trabalhista no bojo de uma recuperação judicial ensejaria instabilidade e total falta de segurança no emprego ao próprio empregado minando, por via transversa, o instituto da recuperação Judicial.
5 Conclusão
A empresa dá o sustento ao empregado. O termo empresa aqui utilizado assume caráter funcional, prático, qual seja, o de enfatizar a despersonalização do empregador e insistir na relevância da vinculação do contrato empregatício ao empreendimento empresarial, independentemente do seu efetivo titular.
E, em assim sendo, o princípio da conservação da empresa tem sido observado não mais como um simples meio de preservação dos interesses dos credores, mas sim e principalmente como uma forma de solução da crise econômica da empresa e preservação desta, bem como dos próprios empregos e, conseqüentemente, da dignidade do trabalhador.
Notas:
Informações Sobre o Autor
Paula Naves Brigagão
Bacharel em Direito. Mestranda em Direito das Relações Internacionais Pela Universidad de La Empresa. Montevideo-UY