A Súmula n.º 198 do TFR em face do atual regramento da aposentadoria especial

Resumo: O presente artigo tem por objeto o benefício previdenciário de aposentadoria especial e propõe uma releitura da súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, tomando por base as alterações legislativas que se sucederam após a sua elaboração. É que, a despeito da extinção do enquadramento por categoria profissional, o enunciado tem sido invocado com freqüência como fundamento suficiente para relativização dos meios de prova atualmente exigidos para comprovação da atividade especial e para admissão de agentes nocivos não mais previstos pela legislação previdenciária. Num primeiro momento, parte-se de pesquisa dos precedentes que deram origem à súmula, situando-os no contexto legislativo da época para delimitar seu alcance. Na segunda parte, deitando foco nas alterações legais específicas, identificam-se três equívocos no emprego do entendimento sumulado aos casos concretos atuais. A hipótese que se pretende demonstrar é a de que, com o advento da Lei n.º 9.032/95, o entendimento consagrado na súmula 198 do TFR tornou-se obsoleto, sem prejuízo de sua aplicação ao tempo de serviço prestado até então.

Palavras-chave: Atividade especial. Enquadramento. Agentes nocivos. Súmula 198.

Abstract: This article focuses on special retirement social security benefit and proposes a rereading of the statement 198 of the extinct Federal Court of Appeals, based on legislative changes that took place after its production. Although it is no longer possible to consider an activity special in due to its professional category, the precedent has been frequently invoked as sufficient reason to relativize the evidence currently required to prove special activity and also to consider noxious agents no longer listed in law. At first, it starts with a previous research of the precedents that led to the statement, placing them in the legislative context of the time to define its scope. In the second part, focusing on specific legal changes, three mistakes in the application of the precedent to current concrete cases are identified. The hypothesis to be demonstrated is that, with the advent of Law n. 9.032/95, the statement 198 became overruled, without prejudice to its application for services provided so far.

Keywords: Special activity. Framing. Noxious Agents. Statement 198.

Sumário: 1. Introdução. 2. Aposentadoria especial: do advento à Súmula n.º 198 do TFR. 2.1 Conceito e finalidade do benefício. 2.2 Origem e primeiros regramentos. 2.3 Contexto da súmula n.º 198 do TRF. 3. Súmula n.º 198 do TFR: das alterações legislativas à superação. 3.1 Regramento do benefício após a Constituição de 1988. 3.2 Equívocos na interpretação e aplicação da súmula. 3.3 Superação da súmula n.º 198 do TFR. 4. Conclusão. 5. Referências.

1. INTRODUÇÃO

A legislação previdenciária sempre estabeleceu quais categorias profissionais e agentes nocivos configuravam uma atividade como especial. No entanto, a forma e as possibilidades de comprovação das condições especiais de trabalho sofreram significativa alteração ao longo do tempo, sendo, por conta disso, objeto de inúmeras controvérsias, tanto no âmbito administrativo como judicial.

Do surgimento da aposentadoria especial com a Lei n.º 3.807, de 28 de agosto de 1960 (LOPS) até o advento da Lei n.º 9.032/95, havia relativa flexibilidade quanto aos meios de prova aceitáveis e as atividades profissionais passíveis de enquadramento. Nesse quadro, o extinto Tribunal Federal de Recursos editou a súmula n.º 198, dispondo que seria devida a aposentadoria especial se perícia judicial constatasse que a atividade exercida pelo segurado era perigosa, insalubre ou penosa, mesmo que não estivesse inscrita em regulamento.

A partir da vigência da Lei n.º 9.032/95 e com a extinção do enquadramento por categoria profissional, a legislação previdenciária tornou-se mais restritiva quanto ao reconhecimento do tempo de serviço especial; porém, embora a prova da exposição do segurado aos agentes nocivos à saúde ou integridade física deva atentar para as normas vigentes na época da prestação do serviço (tempus regit actum), permaneceu o apego da jurisprudência ao antigo verbete.

Com efeito, a súmula tem sido invocada com freqüência como fundamento suficiente para admissão de agentes nocivos atualmente não previstos pela legislação previdenciária, bem como, por vezes, para relativização dos meios de prova legalmente exigidos para comprovação da atividade especial. Não obstante, a pesquisa dos precedentes que fundamentaram a edição do enunciado e a atenta análise das alterações legislativas que lhe sucederam demonstram que a matéria está a merecer maior reflexão.

O presente artigo pretende demonstrar que, especialmente após o advento da Lei n.º 9.032/95, o campo de aplicação do enunciado restou sensivelmente restringido. Para tanto, ele foi dividido em duas partes. Na primeira, partindo-se do conceito de aposentadoria especial, situa-se a súmula no contexto de sua elaboração. São analisados, de um lado, a legislação em vigor à época e, de outro, os precedentes que lhe deram origem. Na segunda parte, a partir da constatação de que o benefício de aposentadoria especial sofreu profundas alterações a contar da Constituição Federal de 1988, analisa-se a subsistência ou não da súmula diante da atual legislação, apontando-se três recorrentes equívocos na interpretação do seu teor. Com isso, propõe-se, com base na teoria do precedente, a limitação de seu emprego de acordo com a época em que prestado o serviço.

Supõe-se, em síntese, que o teor da súmula n.º 198 do TFR restou superado com a Lei n.º 9.032/95, sem prejuízo de sua aplicação ao tempo de labor havido até então.

2. APOSENTADORIA ESPECIAL: DO ADVENTO À SÚMULA N.º 198 DO TFR

A aposentadoria especial é benefício de prestação continuada que desde seu advento, com a Lei n.º 3.807, de 28 de agosto de 1960 (LOPS), tem suscitado controvérsias. A denominação “especial” sempre deixou evidente seu caráter excepcional, e o status constitucional conferido à matéria a partir de 1988 atestou sua relevância. No entanto, a vagueza da adjetivação e a profusão de diplomas legais que trataram da matéria ainda ensejam dúvidas não apenas quanto à sua finalidade, mas também quanto ao seu alcance.

As primeiras conceituações legais da aposentadoria especial traziam em seu bojo os conceitos trabalhistas de insalubridade, periculosidade e penosidade. O artigo 31 da LOPS previa que ela seria concedida “ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinqüenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços, que, para esse efeito, forem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo”. O propósito, à época, era o de sanar diferenciações descabidas nos diversos regramentos dos Institutos de Aposentadorias e Pensões então existentes, mediante estabelecimento de critérios uniformes para todas as profissões. Ainda assim, muitos a confundiam com as aposentadorias de categorias profissionais “especiais” ou de legislação específica, como as do aeronauta e do jornalista profissional.[1]

As inúmeras alterações legislativas e regulamentações que se sucederam, embora tenham trazido mudanças no tocante à inexigibilidade da idade mínima e à exigência de carência para gozo do benefício, mantiveram-no atrelado às atividades ou serviços penosos, insalubres ou perigosos, assim definidos por ato do Poder Executivo. Além disso, permitia-se o enquadramento tanto pela mera comprovação do exercício de profissão relacionada nos decretos como pelo exercício de atividade com exposição a agentes nocivos, sem rigor quanto aos meios de prova e sem necessidade de avaliação quantitativa (SALIBA, 2011, p. 10).

Nesse panorama, a jurisprudência pacificou a interpretação de que o rol das atividades profissionais listadas nos decretos não era exaustivo. Consagrando tal entendimento, a súmula n.º 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, editada em 1985, pretendeu compatibilizar as relações de agentes nocivos e categorias profissionais então existentes. Com redação vinculada à legislação vigente quando da sua edição, ela fazia menção, a um só tempo, à desnecessidade de a atividade exercida pelo segurado estar inscrita no regulamento, à possibilidade de, ainda assim, ser ela considerada perigosa, insalubre ou penosa – o que, à época, equivalia enquadrá-la como especial -, e, também, à forma de comprovação de tal circunstância por meio de perícia judicial.

Cumpre, pois, analisar o contexto legislativo que ensejou a edição da súmula e os fundamentos do entendimento jurisprudencial nela consagrado.

2.1 Conceito e finalidade da aposentadoria especial

Qualquer estudo sobre a aposentadoria especial e os diversos tratamentos legais que já lhe foram conferidos não prescinde da tentativa de conceituá-la. É que sua excepcionalidade está atrelada à sua razão de ser. No entanto, se pelo critério morfológico não se observam controvérsias quanto à sua classificação, há, de outra parte, substanciais divergências doutrinárias quanto ao risco social protegido e, por conseguinte, à finalidade e ao alcance do benefício.

Na atualidade, há razoável consenso da doutrina na classificação da aposentadoria especial como espécie do gênero aposentadoria por tempo de contribuição (DUARTE, 2007, p. 211; TAVARES, 2010, p. 153), porque, como tal, sua premissa está assentada no tempo mínimo de contribuição, ainda que, como lembra Fortes (2005, p. 200), seu fato gerador seja complexo, exigindo, além do tempo de serviço, também a exposição do segurado a agentes nocivos. Na origem, porém, a benesse se aproximava a uma aposentadoria por idade antecipada, já que, como rememora Louzada (2012, p. 527), a criação do instituto se deveu a proposta feita pela Subcomissão de Seguro Social no Anteprojeto da Lei Orgânica da Previdência Social que teve como justificativa o fato de que profissões por sua natureza penosas ou insalubres demandariam idade limite inferior à que, à época, era adotada nos planos de seguro-velhice, por sujeitarem o segurado a um desgaste bem mais acentuado que no comum das profissões.

Parcela considerável da doutrina especializada entende que a aposentadoria especial teria finalidade compensatória. Para Vieira Marcelo (2011, p. 32), ela serviria de indenização social ao segurado pelos danos sofridos em razão do tempo de serviço prestado em ambientes insalubres, penosos ou perigosos. Na mesma linha, Ribeiro, embora associe a compensação ao desgaste resultante do labor havido sob condições adversas (2011, p. 237); Martins, para quem o benefício tem por objetivo compensar o exercício de trabalho em condições adversas à saúde ou com riscos superiores aos normais (2004, p. 373); Castro e Lazzari (2010, p. 637), que conceituam o benefício como reparação financeira ao trabalhador sujeito a condições de trabalho inadequadas; e Leiria (2001, p. 164), para quem a finalidade do benefício de aposentadoria especial é amparar o trabalhador que laborou em condições nocivas e perigosas à sua saúde.  

Por igual, mas com viés crítico, Kertzman (2007, p. 303) entende que o benefício não atende à lógica da Previdência Social, ao argumento de que “ocorre aqui uma verdadeira troca de saúde por dinheiro, em que o trabalhador desgasta a sua saúde e, como forma de recompensa, o Estado e toda a sociedade o ‘premia’ com um benefício até o final da vida”. Idêntico é o pensamento de Donadon (2003, p. 46), segundo quem mais eficaz seria a imposição e incentivo à prevenção e melhoria dos ambientes de trabalho.

Há, ainda, quem encontre o fundamento da aposentadoria especial na possibilidade de incapacitação. Segundo Vianna (2011, p. 516), o risco social coberto pelo benefício seria a incapacidade laboral decorrente de atividades que prejudicam a saúde ou a integridade física do segurado. Martinez (2010, p. 47), a seu turno, aproxima-o da aposentadoria por invalidez, não por exigir incapacitação permanente, mas porque a benesse pressuporia certo perigo de dano ao organismo, seja à saúde, seja à integridade física.

Por outro prisma, alguns autores sustentam que a aposentadoria especial não constitui compensação ou recompensa pelo desgaste, mas medida antecipatória para que o risco a que se submeteu o segurado ao longo da vida laboral não se transforme em efetivo sinistro. O fundamento da aposentadoria especial, portanto, residiria na necessidade de se retirar o trabalhador do ambiente de trabalho nocivo antes de ter a saúde comprometida. Nesse sentido, Tsutiya (2007, p. 229) defende que a aposentadoria especial foi instituída para afastar o segurado das condições de trabalho que podem lhe trazer prejuízo à saúde ou à integridade física. O tempo de contribuição seria diminuído para 15, 20 ou 25 anos, a depender da atividade exercida, porque seria o tempo máximo a que o segurado pode ficar exposto sem vivenciar doenças ou, ainda, porque o ser humano submetido a certos esforços físicos ou riscos não tem condições de suportar o mesmo tempo de serviço exigido do trabalhador comum. Nesse caso, tornar-se-ia sem efeito a crítica de Kertzman (2007, p. 303), que, discordando da aposentação precoce como compensação ao desgaste físico do trabalhador, sustenta que ele deveria ser protegido mediante redução da sua exposição a período que comprovadamente não danificasse sua saúde.

Por sua vez, Rocha e Baltazar Jr. (2007, p. 217) entendem que a aposentadoria especial implica redução no tempo de serviço por presumir a lei que o desempenho de algumas atividades profissionais não poderia ser efetivado pelo mesmo período das demais. No mesmo sentido, Bervel (2005, p. 203) sustenta que, suposta a perda substancial da capacidade laborativa a partir de certa idade e de determinado tempo de serviço, independentemente da invalidez, é possível, igualmente, prever que tal condição se implemente diante do trabalho em condições desgastantes em menor tempo de serviço. O argumento parece complementar a afirmação de Vianna (2011, p. 515), para quem o tratamento diferenciado residiria no princípio da igualdade, na medida em que o segurado submetido a condições especiais de trabalho não poderia receber da Previdência Social o mesmo tratamento de quem trabalha sob condições normais.

De todo modo, certo é que, hoje, a aposentadoria especial pode ser tida como técnica legislativa diferenciada de proteção à saúde e à integridade física do segurado. O benefício, no entanto, não exige efetiva afetação da capacidade laborativa e, por isso, não pode ser tomado como reparação financeira por conta das condições especiais do ambiente de trabalho. Tampouco se prontifica a evitar que a exposição aos agentes nocivos ao longo da vida laboral cause qualquer prejuízo ao segurado, na medida em que o risco é ínsito ao exercício de qualquer trabalho. Quer parecer, pois, que a aposentadoria especial objetiva tão-só estabelecer a proporção entre a perda da capacidade laborativa decorrente do exercício de labor em condições normais com aquele havido sob condições ditas “especiais” – assim predefinidas em razão de critérios médico-estatísticos -, o que exigirá, por consequência, tempo de labor inferior.

Isso não significa, evidentemente, que se tenha como aceitável a exposição do trabalhador a condições agressivas à saúde nos limites de tempo de serviço previstos na legislação previdenciária. Nos termos da Constituição de 1988, é direito do trabalhador tanto o exercício de sua função em ambiente saudável e seguro como a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. No entanto, trata-se de objetivos a serem alcançados mediante adoção de políticas públicas regulamentadas e fiscalizadas pelo Estado, que se agrupam em torno das normas de higiene laboral, complementadas pelos adicionais de remuneração. Na seara previdenciária, o desgaste progressivo pelo decurso do tempo é tomado como inerente ao exercício do trabalho, de modo que a aposentadoria especial não pode ser vista como compensação pela prestação de serviço em condições potencialmente adversas, e sim como prestação vinculada à perda da capacidade laborativa em ritmo mais acelerado que o normal. Esse, pois, o conceito do benefício aqui utilizado.

1.2 Origem e primeiros regramentos do benefício

Da previsão legal da aposentadoria especial no art. 31 da Lei n.º 3.807/60 até a alteração na redação do art. 57 da Lei n.º 8.213/91 pela Lei n.º 9.032/95, coexistiram duas hipóteses de enquadramento para fins de reconhecimento da atividade especial: pela categoria profissional e pela submissão a agentes nocivos. É que a legislação de regência, até então, previa que o benefício seria concedido conforme a atividade profissional, em serviços, que, para esse efeito, fossem considerados penosos, insalubres ou perigosos. Assim, ou o enquadramento se dava conforme a atividade desempenhada pelo segurado, quando presumia a lei a sujeição a condições insalubres, penosas ou perigosas, ou o caráter especial do trabalho decorria da exposição a agentes nocivos arrolados na legislação, independentemente da atividade ou profissão exercida pelo segurado (LAZZARI, 2007, p. 638). Com base nas duas possibilidades, uma profusão de diplomas legais disciplinou a matéria.

A primeira regulamentação do art. 31 da LOPS adveio com o Decreto n.º 48.959-A, de 19.09.1960, que trazia, em seu quadro II, “uma relação de serviços desde logo considerados penosos, insalubres ou perigosos”. Singelo, esse primeiro normativo se limitou a lançar as fórmulas iniciais a serem posteriormente utilizadas para fins de enquadramento, não tendo se valido de qualquer estudo estatístico para sua composição (LOUZADA, 2011, p. 519). Pouco depois, o Decreto n.º 53.831, de 25.03.1964, disciplinando especificamente a aposentadoria especial, trouxe um quadro anexo que estabelecia a relação dos agentes químicos, físicos e biológicos e os serviços e atividades profissionais classificadas como insalubres, perigosas ou penosas. O quadro arrolava tanto os agentes nocivos e os serviços e atividades profissionais a eles relacionados como as ocupações que, por si só, eram passíveis de enquadramento.

Na seqüência, o Decreto n.º 63.230/68, em nova regulamentação da aposentadoria especial, trouxe dois novos quadros, o primeiro com classificação das atividades profissionais de acordo com os agentes nocivos e o segundo, das atividades conforme grupos profissionais. Mais restritivo, esse Decreto retirava do rol, por exemplo, engenheiros de construção civil e eletricistas, categorias que a ele retornaram por força da Lei n.º 5.527/68. Depois disso, sobreveio o Decreto n.º 72.771/73, novo regulamento da LOPS, também dispondo que a aposentadoria especial seria concedida ao segurado que tivesse laborado em atividades profissionais penosas, insalubres ou perigosas, desde que a atividade constasse dos seus quadros anexos.

Em 1976, o Decreto n.º 77.077, primeira Consolidação das Leis da Previdência Social, compreendendo o texto da LOPS e a legislação complementar até então expedida, dispôs sobre a aposentadoria especial em seu artigo 38. O art. 127 desse Decreto, ademais, é que permitiu que as categorias excluídas do Decreto n.º 63.230/68, mas contempladas no Decreto n.º 53.831/64, conservassem o direito ao beneficio. Três anos depois, novo regulamento da Previdência Social adveio com o Decreto n.º 83.080, de 24.01.1979, o qual, em seu art. 60, cuja redação pouco diferiu do Decreto anterior, referia que a aposentadoria especial seria devida ao segurado que tivesse laborado em atividades profissionais perigosas, insalubres e penosas, desde que a atividade constasse dos seus quadros anexos I e II. Por fim, o Decreto n.º 89.312/84 expediu nova edição da Consolidação das Leis da Previdência Social, mas, como não relacionou os agentes nocivos ou atividades que permitiam a concessão da aposentadoria especial, aqueles constantes dos anexos do Decreto n.º 83.080/79 seguiram em vigência.

1.3 Contexto da súmula n.º 198 do TFR

Foi sob a égide do Decreto n.º 89.312/84 que construção pretoriana restou consagrada, em 20.11.1985, na súmula n.º 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, segundo a qual “atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em regulamento”.[2]

Frutos da consolidação do entendimento de um tribunal sobre dada matéria, os enunciados de súmula servem de vetor orientador da atividade de interpretação normativa, levando-se em conta, para tanto, o contexto de seu advento, ou seja, a legislação vigente à época e as situações fáticas a que se referiram. Nesse sentido, a súmula n.º 198 solidificava o entendimento do TFR de que o segurado da Previdência Social poderia se aposentar pelo regime especial mesmo que sua atividade não estivesse expressamente arrolada nos decretos, desde que fizesse prova pericial de que sua profissão era penosa, insalubre ou perigosa, independentemente de idade. Com efeito, julgados daquele tribunal anteriores à edição da súmula dão conta de que havia controvérsia quanto à possibilidade de enquadramento, como atividade especial, de outras categorias profissionais não expressamente constantes dos quadros regulamentadores.

Inúmeros precedentes do TFR entendiam que “se a atividade [do segurado] não está contemplada no Decreto do Poder Executivo, é dever do juiz, valendo-se da analogia, ampará-lo, se, pela prova pericial, exerce ele atividade profissional considerada penosa ou insalubre” (TFR, AC 0087506-SP, 1ª Turma, j. 07.08.1984). Havia, porém, decisões daquele mesmo Tribunal em sentido diverso, exigindo, para enquadramento, previsão expressa da atividade no Decreto regulamentador: “para se reconhecer o direito do autor, a atividade deve estar legalmente arrolada” (TFR, AC 0099208-SP, 2ª Turma, j. em 13.08.1985). Na mesma linha: “se a atividade não está legalmente arrolada, não se pode reconhecer o direito. Trata-se de direito excepcional, refratário à analogia” (TFR, AC 0090820-SP, 2ª Turma, j. em 04.09.1984). E ainda: “a inclusão de atividades nos anexos I e II se faz por Decreto (art. 62), não sendo permitida a analogia” (TFR, AC 0086535-SP, 2ª Turma, j. 07.08.1984).A súmula n.º 198, portanto, consagrou a interpretação mais flexível do TFR, no sentido da possibilidade de que o segurado cuja ocupação não estivesse contemplada expressamente como especial pudesse fazer prova de que se submetia, de forma habitual e permanente[3], a agentes insalubres, penosos ou perigosos. Dito de outro modo, permitiu-se ao segurado não amparado pelo direito de categoria a possibilidade de comprovar a especialidade do seu labor pelo viés da submissão aos agentes nocivos arrolados no Decreto, mediante prova pericial. Assim: “não é exaustiva a relação das atividades insalubres, nocivas ou perigosas constante das tabelas que acompanham os decretos regulamentadores da legislação pertinente, podendo o judiciário identificar outras como passíveis de concessão do benefício especial” (TFR, AC 0104491-SP, 1ª Turma, j. 08.10.1985). Ainda: “nem todas as atividades penosas, insalubres ou perigosas estão relacionadas nos regulamentos do poder executivo, pois há outras que podem ser constatadas através de perícia. Havendo confirmação de que a atividade exercida pelo segurado é considerada insalubre, deve-lhe ser concedida a aposentadoria especial, preenchidos que foram os demais requisitos” (TFR, AC 0118779-SP, 3ª Turma, j. em 15.03.1988); “a profissão exercida pelo autor não se encontra relacionada como perigosa ou insalubre, motivo pelo qual somente prova técnica poderia afastar a dúvida” (TFR, AC 0115453-SP, 2ª Turma, j. 11.11.1986).O alcance da súmula restringia-se à consideração de não-taxatividade ou não-exaustividade das categorias profissionais elencadas pelos diversos decretos regulamentadores. É o que se depreende das decisões que, aplicando-a, fizeram alusão a ocupações específicas, tais como a de operador de transferência e estocagem e operador de processamento da Petrobras, engenheiro civil e pedreiro em caldeiraria[4]. Os julgados jamais afastaram, porém, a necessidade de previsão legal dos agentes nocivos tidos como caracterizadores da especialidade. Veja-se: “preenchendo o segurado os requisitos para obtenção da aposentadoria especial (art. 31, da Lei n. 3807/60), a falta de indicação de seu emprego nas categorias contempladas nos quadros regulamentares não constitui obstáculo ao deferimento da vantagem, desde que comprovado que sempre exerceu atividade laboral sujeita ao rigor das condições preestabelecidas, que ensejam a aplicação do regime excepcional” (TFR, AC 0117169-MG, 2ª Turma, j. em 21.10.1986).

É bem verdade que, já na LOPS, o que se pretendia era abandonar a categoria profissional como fator de diferenciação, direcionando a contagem privilegiada de tempo de serviço para a efetiva exposição a agentes nocivos, ou seja, voltar-se para as reais condições do ambiente de trabalho do segurado. Apesar disso, durante quase trinta e cinco anos ainda subsistiu o chamado direito de categoria, ou seja, a presunção legal de especialidade concedida a certos profissionais relacionados nos anexos dos decretos. Tratava-se, pois, de direito excepcional, o qual beneficiava os segurados cujas atividades, ocupações, funções e profissões estavam arrolados nos mencionados anexos com a presunção jure et de jure de exposição aos agentes nocivos, restando eles, assim, dispensados de qualquer outra demonstração (MARTINEZ, 2010, p. 117).

Desobrigados, por força da presunção, de comprovar que se expuseram aos agentes nocivos, aqueles trabalhadores cujas funções estivessem previstas nos quadros dos decretos precisavam apenas demonstrar que pertenciam a uma das categorias ali elencadas e que a exerciam habitual e permanentemente, sem desvios de função. No entanto, diversas atividades não se encontravam ali arroladas, subsistindo, assim, dúvida quanto à possibilidade de seu enquadramento como tempo especial. É que, se era certo que um trabalhador poderia pertencer a uma categoria que ensejasse a aposentadoria especial em razão de constar no anexo do Decreto vigente à época e, nem por isso, ter sido submetido a qualquer agente nocivo (RIBEIRO, 2011, p. 82), igualmente correto era afirmar que uma atividade não arrolada poderia ter sido exercida com submissão a algum dos agentes nocivos mencionados. Por isso, como lembra Louzada (2011, p. 512), a regra de enquadramento jamais foi numerus clausus, na medida em que as consultas ao Departamento Nacional de Higiene e Segurança do Trabalho e à Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho sempre serviram à ampliação do rol.[5]

Ao compatibilizar as relações de agentes nocivos e categorias profissionais então existentes, a redação do enunciado guardou consonância com a legislação vigente quando da sua edição. Por isso, ela fazia menção, a um só tempo, à desnecessidade de a atividade exercida pelo segurado estar inscrita no regulamento, à possibilidade de, ainda assim, ser ela considerada perigosa, insalubre ou penosa, e, também, à comprovação de tal circunstância por meio de perícia judicial.

De fato, a menção a insalubridade, penosidade e periculosidade no enunciado da súmula derivavam da própria legislação de regência, na medida em que, como já afirmado, até o advento da Constituição Federal de 1988 tais termos constavam do conceito legal de aposentadoria especial. De outra parte, a perícia judicial a que o verbete fazia alusão como meio de prova das condições anormais de trabalho era aquela prevista no artigo 195 da Consolidação das Leis do Trabalho, como se depreende dos seguintes precedentes: “na falta da inclusão da atividade profissional na relação legal de insalubridade e periculosidade, é indispensável a realização da prova técnico-pericial tratada no art. 195, parágrafo 2º, da CLT,  para efeito de aposentadoria especial” (TFR, AC 0102999-MG, 3ª Turma, j. 05.08.1986); “é imprescindível a prova pericial técnica, nas causas de aposentadoria especial, quando há necessidade de averiguar-se a existência ou não de atividades insalubres e perigosas. A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do MT, podem ser apuradas através de perícia a cargo de médico do trabalho ou engenheiro do trabalho, registrados no Ministério do Trabalho (CLT, art. 195)” (TFR, AC 0095839-SP, 2ª Turma, j. 26.04.1985).

Com a Constituição de 1988, os termos trabalhistas restaram extirpados do conceito da aposentadoria especial, quando foram substituídos pela noção de desempenho de atividades laborais em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, como se vê da redação original tanto do parágrafo 2º do art. 201 da Constituição como do artigo 57 da Lei n.º 8.213/91, que o regulamentou. Desenhou-se, a partir daí, nova filosofia previdenciária relativamente ao benefício, marcada pelo abandono das premissas em que se baseou a súmula n.º 198 do TFR, que, na atualidade, está a reclamar nova leitura.

3 SÚMULA N.º 198 DO TFR: DAS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS À SUPERAÇÃO

Depois da Constituição de 1988 e com mais clareza a partir da Lei n.º 9.032/95, a legislação previdenciária alterou de forma substancial o tratamento conferido à aposentadoria especial. Passou-se a permitir o enquadramento de uma atividade como especial somente em razão da efetiva submissão aos agentes arrolados como nocivos, abandonaram-se os conceitos trabalhistas de insalubridade, periculosidade e penosidade e, pela primeira vez, a própria lei de regência trouxe os meios de prova exigíveis para sua concessão.

Diante de tais alterações, era de se esperar releitura da súmula n.º 198 do TFR, na medida em que, por sua imprecisa redação, a interpretação literal tende a gerar conclusões distanciadas tanto do ordenamento jurídico ora vigente como do alcance pretendido com sua edição. Em sentido diverso, porém, o que se viu foi o surgimento de correntes interpretativas pouco críticas, desatentas à falta de contexto do enunciado diante do novo cenário legislativo e que, em verdade, passaram a dar a ele tratamento de norma autônoma, por si só suficiente para a não-observância do novel regramento.

Há necessidade, portanto, de progredir no enfrentamento da matéria, especificamente no que tange à viabilidade de aplicação, na atualidade, do enunciado sumular em questão. É que, por conta de mudanças legislativas, é possível que um precedente seja superado, por tornar-se obsoleto ou inadequado à nova ordem. Supõe-se, assim, que, com o advento da Lei n.º 9.032/95, que passou a exigir a efetiva comprovação da submissão habitual e permanente do trabalhador a agentes nocivos, o entendimento sumulado deixou de se coadunar com o regramento previdenciário atinente à comprovação da atividade especial.

3.1 Regramento do benefício após a Constituição de 1988

Com o advento da Constituição de 1988, a aposentadoria especial sofreu significativa alteração. O status constitucional conferido ao benefício veio acompanhado de mudança em seu conceito, e as noções de insalubridade, penosidade e periculosidade restaram substituídas pela menção a “atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”, a teor do art. 201, §1º, da CF, em sua redação original.

A matéria foi regulamentada pela Lei n.º 8.213/91, que dispôs, na redação original de seu art. 57, que “a aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta lei, ao segurado que tiver trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”. Por sua vez, o art. 58 previa que “a relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica”. Essa lei específica, no entanto, jamais foi editada, e a matéria continuou sendo regulamentada por meio de Decretos do Poder Executivo.

De início, seguiram aplicáveis os róis dos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79, já que, por força do art. 152 da Lei de Benefícios, a lista constante da legislação então em vigor prevaleceria até que elaborada nova relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física. Também os Decretos n.º 357/91 e 611/92 previram, com idêntica redação, que para efeito de concessão das aposentadorias especiais seriam considerados os Anexos I e II do Decreto n.º 83.080/79 e o Anexo do Decreto n.º 53.831/ 64, até que promulgada lei específica.

Em 28.04.1995, porém, a Lei n.º 9.032 deu nova redação ao art. 57 da Lei n.º 8.213/91, que passou a dispor que “a aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.” Da legislação de regência, portanto, extirpou-se a referência ao enquadramento por atividade profissional, na medida em que tal locução foi substituída pela expressão “conforme dispuser a lei”. A partir daí, não mais se permitia o enquadramento de tempo de serviço como especial simplesmente por pertencer o segurado a determinada categoria profissional, à exceção daquele que implementou os requisitos necessários ao deferimento de aposentadoria especial em conformidade com a legislação anterior, ou seja, com base na atividade profissional, os quais, como bem advertem Rocha e Jr. (2007, p. 268), não foram nem poderiam ser prejudicados pela nova disciplina do benefício.

A intenção do legislador consistiu na restrição do benefício de aposentadoria especial a direito individual, e não mais de determinados grupos ou profissões. Abandonando a técnica de presunção absoluta, a lei passou a exigir que cada segurado comprovasse sua efetiva exposição a condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (DUARTE, 2007, p. 213). Por isso, a mesma Lei n.º 9.032/95, alterando os §§3º e 4º do art. 57 da Lei de Benefícios, atribuiu ao segurado, para a concessão do benefício, o ônus de demonstrar a real exposição aos agentes nocivos, químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes, perante o Instituto Nacional do Seguro Social.

Na seqüência, a Medida Provisória n.º 1.523, de 11.10.1996, trouxe duas outras inovações, ambas complementares à nova redação do caput do art. 57 da Lei de Benefícios. A primeira delas, explicitada nos quatro parágrafos inseridos no artigo 58, disse com a especificação da forma de comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos. No ponto, a Medida Provisória previu que tal prova se faria mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social, o qual, a seu turno, deveria ser emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais de trabalho expedido por profissional habilitado. Como salientam Rocha e Baltazar Jr. (2007, p. 268), “o legislador não quis deixar qualquer dúvida quanto à necessidade de demonstração das condições especiais, impedindo que o simples exercício de uma determinada profissão – onde se presumia que determinada categoria estaria submetida a agentes insalutíferos – pudesse permitir o direito à prestação”. O diploma fixou, ainda, a obrigatoriedade de as empresas manterem laudo técnico atualizado, sob pena de multa, e de elaborarem e manterem perfil profissiográfico[6] abrangendo as atividades desenvolvidas por seus trabalhadores (CASTRO e LAZZARI, 2007, p. 641).

A segunda inovação consistiu na remissão da definição dos agentes nocivos ou prejudiciais à saúde ou integridade física ao Poder Executivo. Por meio de nova redação do caput do art. 58 da Lei de Benefícios, suprimiu-se a exigência de lei, delegando ao Poder Executivo a atribuição de fixar os agentes agressivos.

A transferência da competência à esfera do Poder Executivo via medida provisória teve sua constitucionalidade questionada por meio da ADI n.º 1885-DF, uma vez que o art. 202, II, da CF, em sua redação original, previa a aposentadoria em tempo inferior “se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei”. O julgamento da medida cautelar, entretanto, não chegou a ser concluído, já que, com o advento da EC n.º 20/98, a matéria foi tratada de forma diversa no art. 201, §2º, da CF, que passou a exigir a edição de lei complementar, o que levou o Supremo Tribunal a acolher questão de ordem para o efeito de julgar prejudicada a ação direta.[7]

A MP n.º 1523/96 foi sucessivamente reeditada até ser convertida na Lei n.º 9.528/97, que revogou também o art. 152 da Lei n.º 8.213/91. Abria-se, assim, caminho para que as antigas listas que disciplinavam as atividades consideradas especiais, integrantes dos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79, fossem modificadas.

Se a Lei n.º 9.032/95 redefiniu o art. 57 da Lei n.º 8.213/91 e a Lei n.º 9.528/97, desde a MP n.º 1.523/96, redesenhou o art. 58, as transformações havidas na disciplina legal da aposentadoria especial somente tiveram termo com a Lei n.º 9.732/98, que conferiu nova redação ao §6º do art. 57, acresceu-lhe os §§7º e 8º e alterou os §§1º e 2º do art. 58, sendo que, no tocante ao escopo deste trabalho, detalhou o laudo técnico de condições ambientais, determinando que sua feitura observasse os termos da legislação trabalhista. Ambos os dispositivos seguem em vigor a despeito de a EC 20/98 ter previsto, em seu artigo 15, a edição de lei complementar – da qual ainda não se tem notícia – para disciplinar a matéria.

O rol com a classificação dos agentes nocivos – físicos, químicos e biológicos-, além da associação de agentes, constou do Decreto n.º 2.172, de 05.03.1997 e, depois disso, do Decreto n.º 3.048, de 06.05.1999. O Anexo IV desse último, ainda em vigor, mas com as alterações trazidas pelos Decretos n.º 3.265/99 e 4.882/03, condiciona o direito ao benefício, relativamente aos agentes químicos, à presença do agente nocivo no processo produtivo e no meio ambiente de trabalho em nível de concentração superior aos limites de tolerância estabelecidos, com a ressalva de que o rol de agentes nocivos é exaustivo, enquanto as atividades listadas, nas quais pode haver a exposição, é exemplificativa. Para os agentes físicos, a previsão de enquadramento se dá em razão da exposição acima dos limites de tolerância especificados ou pelas atividades descritas. Para os biológicos, o enquadramento é restrito às hipóteses de exposição aos agentes citados unicamente nas tarefas relacionadas. Por sua vez, na associação de agentes se considera o enquadramento relativo ao agente que exigir menor tempo de exposição. Passou-se, pois, a um único determinante para a classificação da atividade como especial: a submissão a agentes nocivos, assim considerados aqueles com potencial de ocasionar danos à saúde ou à integridade física do trabalhador nos ambientes de trabalho, em razão da sua natureza, concentração ou intensidade (MARTINS, 2004, p. 374).

Desde então, a legislação de regência prevê que o enquadramento de atividade como especial somente se dá em razão de efetiva submissão aos agentes arrolados como nocivos para este fim por meio de Decreto do Poder Executivo e, mais que isso, que tal comprovação, a cargo do segurado, se faz mediante formulário (hoje perfil profissiográfico previdenciário) embasado em laudo técnico elaborado em consonância com a legislação trabalhista. Em síntese, as sucessivas alterações legislativas adotaram nova filosofia previdenciária relativamente à aposentadoria especial, na medida em que delinearam os contornos do maior rigor a ser empregado, doravante[8], na verificação e enquadramento de uma atividade como especial.

3.2 Equívocos na interpretação e aplicação da súmula

Como alerta Santos (2009, p. 1), as súmulas dos tribunais têm sido vítimas de dois graves vícios de interpretação. O primeiro deles consiste em sua alçada ao patamar de instrumentos normativos primários, de forma que as manifestações pretorianas passam a ser confundidas com entes normativos originariamente vinculantes, muito embora não se revistam de tal natureza. Daí decorre o segundo equívoco no seu tratamento: a interpretação em desarmonia com o restante do ordenamento jurídico.

Incorrendo nesses equívocos, parcela da doutrina especializada e da jurisprudência atual tem olvidado que, tendo sido editada ainda em 1985 e sob a égide do Decreto n.º 89.312/84, o entendimento consagrado na súmula n.º 198 do extinto TFR foi profundamente afetado pelo advento da Constituição de 1988 e pela legislação infraconstitucional que deu tratamento diverso à matéria. Mediante simples alusão à literalidade do seu enunciado, tem-lhe sido conferida interpretação absolutamente desconexa com seu real alcance.

3.2.1 Primeiro equívoco

Em primeiro lugar, e a despeito do item 01 do anexo IV do Decreto 3.048/99 mencionar, modo expresso, que “o rol de agentes nocivos é exaustivo, enquanto que as atividades listadas, nas quais pode haver a exposição, é exemplificativo”, passou-se a afirmar, com embasamento no enunciado da súmula, que a jurisprudência já havia sedimentado posição quanto à não-taxatividade também dos agentes nocivos elencados nos decretos.

Fortes (2005, p. 201), por exemplo, afirma, com fundamento no enunciado, que o atual rol de agentes não é taxativo, na medida em que a jurisprudência já há muito tempo vinha considerando que o rol de agentes nocivos previsto pela legislação previdenciária não é taxativo, de sorte que, restando comprovada a exposição a algum agente efetivamente nocivo não previsto nos instrumentos normativos pertinentes, ainda assim o segurado teria direito a vê-lo considerado como tempo especial”. Duarte (2007, p. 213), conquanto não o diga expressamente, refere que o enquadramento deve ser feito de acordo com a legislação vigente à época do exercício da atividade, observados os decretos e agentes neles definidos, salientando, porém, que, além desses, haveria ainda a prescrição da súmula.

Castro e Lazzari (2010, p. 639), também fazendo referência ao teor da súmula n.º 198, sustentam que a relação de agentes nocivos constante do Anexo IV do Decreto n.º 3.048/99 não é exaustiva, e sim enumerativa. Ribeiro (2011, p. 177), conquanto faça alusão a ambos os entendimentos, parece posicionar-se no mesmo sentido. Também Vianna (2011, p. 526) afirma que a lista dos agentes nocivos é meramente exemplificativa, ao argumento de que, não obstante o atual decreto diga o contrário, o entendimento jurisprudencial consolidou-se naquele sentido.

No entanto, o resgate do histórico jurisprudencial que deu ensejo à súmula n.º 198 do TFR permite a conclusão de que, até a extinção do direito de categoria pela Lei n.º 9.032/95, entendia-se que somente as atividades previstas nos decretos anteriores eram exemplificativas. Não se verifica dos julgados do extinto TFR, tampouco da jurisprudência dominante do STJ, qualquer precedente no sentido da não-exaustividade dos agentes nocivos elencados nos decretos.

No mais das vezes, a doutrina especializada, ao se posicionar num ou noutro sentido, faz referência a decisões do Superior Tribunal de Justiça. No julgado citado por Vianna[9], por exemplo, questionava-se a possibilidade de enquadramento de operador de cédula de cunhagem II, atividade não inscrita no Decreto 83.080/79, em razão da comprovação da submissão ao agente físico ruído, acima dos limites de tolerância. Do corpo do acórdão, a par da menção a outros julgados no mesmo sentido, colhe-se: “nesse contexto, é também assente na jurisprudência desta Corte ser devida a concessão de aposentadoria especial quando a perícia médica constata a insalubridade da atividade desenvolvida pela parte segurada, ainda que não inscrita no Regulamento da Previdência Social (verbete sumular nº 198 do extinto TFR), vez que as atividades ali relacionadas são meramente exemplificativas e não taxativas.” Em outra decisão, o STJ consignou, da mesma forma, que, conquanto o Decreto n.º 83.080/79 nada dispusesse acerca das profissões de encarregado geral e servente de carpinteiro, estando-se, portanto, diante de atividades profissionais que não se enquadravam no rol de atividades especiais, tal circunstância não seria óbice ao reconhecimento da especialidade porque, no caso concreto, laudo técnico atestava a submissão a agentes nocivos.[10]

Entretanto, a mera transferência do caráter exemplificativo das atividades profissionais consagrado na súmula para o atual rol de agentes nocivos parece despida de qualquer fundamento. Ainda que, na origem, a aposentadoria especial não tenha sido precedida de estudos técnicos que apontassem para a necessidade de redução do número de anos de trabalho sujeito a exposição aos agentes nocivos, o atual rol de agentes decorreu de análises propriamente médicas sobre seus efeitos deletérios, ao passo que os limites de tolerância foram fixados com base em pesquisas atinentes à degeneração do organismo humano a partir da efetiva submissão a níveis variáveis de determinados agentes nocivos (LOUZADA, 2011, p. 526).

Assim, correta a interpretação do teor da súmula aventada por Tavares e Rocha e Baltazar Jr. (2010, p. 154; 2007, p. 252), que limitam sua incidência às hipóteses em que a atividade, embora comprovadamente nociva, não se encontra prevista nos decretos vigentes até Lei n.º 9.032/95, e a incisiva manifestação de Martinez (2010, p. 133), para quem, “para todos os fins de direito previdenciário, se uma substância não consta do anexo IV do RPS, é como se ela não existisse”.

Não se está a defender, porém, a impossibilidade de fugir à lista alguma situação justificadora de proteção, e sim a afirmar que sua elaboração tem perspectiva técnica, não podendo ser ampliada de forma aleatória, à vista de um ou outro caso judicial específico. Veja-se que, embora oficial, o rol dos decretos não é definitivo, nada obstando seja encaminhado pedido fundamentado de inclusão de algum agente nocivo (MARTINEZ, 2010, p. 42), providência, aliás, que, além de ter sido sempre permitida, atualmente vem prevista no §1º do art. 68 do Decreto n.º 3.048/99.[11]

3.2.2 Segundo equívoco

Uma segunda interpretação, também distanciada do alcance da súmula n.º 198, consiste na afirmação de que, ao fazer menção a atividades insalubres, penosas e perigosas, ela autorizaria, por si só, a extensão dos agentes nocivos para outras situações, que, embora não mencionadas no Decreto, também submetessem o segurado a estas condições de risco. A controvérsia ganha relevo porque desde o Decreto n.º 2.172/97 não houve menção a condições ambientais que, até então, eram contempladas nos Decretos anteriores, tais como umidade, frio, eletricidade e radiação não-ionizante, ou, como lembra Ribeiro (2011, p. 91), agentes “cuja exposição anteriormente incluía a atividade como penosa ou perigosa, e que continua a ser apontada como fator de risco para o trabalhador”.

Favorável a essa possibilidade está Savaris (2008, p. 458), que, em estudo de caso, conclui pela persistência da orientação consolidada na súmula n.º 198, de forma que, mesmo após a revogação dos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79, seria devido o reconhecimento da natureza especial da atividade se identificado por prova técnica que ela tem potencialidade de prejudicar a saúde ou a integridade física do trabalhador. Na mesma linha, Martins (2004, p. 375), que, depois de mencionar o correto teor da súmula, afirma que “provando o segurado que trabalha em condições perigosas, insalubres ou penosas, terá direito ao benefício”. Por sua vez, Saliba (2011, p. 19), também invocando o enunciado sumular, refere que, conquanto receber adicional de insalubridade ou periculosidade não garanta ao trabalhador, administrativamente, o direito à aposentadoria especial, pela via judicial haveria possibilidade de enquadramento como especial da atividade insalubre ou perigosa mesmo que não mencionada pelo regulamento da Previdência.

Na jurisprudência, encontram-se decisões reconhecendo a especialidade de atividades perigosas mesmo após o Decreto nº 2.172/97. No âmbito da Quarta Região, tanto o Tribunal Regional Federal como a Turma Regional de Uniformização têm julgados favoráveis à tese. Por vezes, o argumento é singelo, limitando-se à invocação do teor da súmula n.º 198 do TFR como permissivo para que atividades insalubres, perigosas ou penosas que não constem do regulamento sejam tidas como especiais por meio de perícia judicial. Noutros julgados, acrescenta-se o fundamento da proteção constitucional à integridade física do trabalhador, de forma que, como a Constituição e a lei previdenciária referem proteção do segurado contra agentes nocivos à integridade física, não estaria vedada a aposentadoria especial por periculosidade.[12] Além disso, há decisões monocráticas do STJ que incorrem em equívoco quanto à própria ratio decidendi da jurisprudência daquele Tribunal, aplicando à hipótese específica do enquadramento por periculosidade após 05.03.1997 o entendimento de que o rol das atividades profissionais é meramente exemplificativo, como se idênticas fossem as questões postas. Com isso, tais julgados incidem no primeiro equívoco interpretativo já mencionado neste trabalho.[13]

Ora, em que pese os conceitos de insalubridade, periculosidade e penosidade não sejam encontrados na legislação previdenciária e tenham servido de base para regulamentar no passado o tempo de serviço de algumas profissões ou atividades, a aposentadoria especial jamais se confundiu com a percepção dos adicionais de remuneração (VIANNA, 2011, p. 528; TSUTIYA, 2007, p. 341; MARTINS, 2004, p. 376). A diferenciação, em verdade, parece vir da própria autonomia do direito previdenciário em relação ao direito trabalhista. Por isso, como lembra Fortes (2005, p. 201), muitas vezes a insalubridade prevista no art. 189 da CLT coincide com o conceito de especialidade, mas, por vezes, tal não ocorre, como no caso do deficiente iluminamento, que nunca foi contemplado como agente nocivo gerador de aposentadoria especial. Note-se que já no Decreto n.º 53.831/64 se enquadrou ampla variedade de atividades previstas na Portaria Ministerial n.º 262/62, que regulava o adicional de insalubridade à época, mas esse mesmo decreto previu também o enquadramento de atividades que não eram contempladas com o adicional de periculosidade, como os bombeiros de socorro a incêndios. Caso não houvesse tal diferença, jamais poderiam ter constado do rol de enquadramento previdenciário atividades perigosas como vigias e trabalhadores em construções de edifícios e pontes, ou ocupações tidas por penosas, como a dos motoristas de ônibus de linha (LOUZADA, 2012, p. 520). Dessa maneira, entende-se que, embora bastante próximos, os conceitos de insalubridade, periculosidade e penosidade do Direito do Trabalho não são utilizados no âmbito previdenciário (FORTES, 2005, p. 201).[14]

Partindo de tais premissas, assiste razão à parcela considerável da doutrina e à jurisprudência que defende, na atual legislação, não haver mais espaço para que sejam consideradas como especiais atividades penosas ou perigosas, mas apenas atividades insalutíferas, e, mesmo nesse caso, apenas se o agente nocivo estiver elencado especificamente como tal para fins previdenciários. Assim, dentre outros, Tsutiya (2007, p. 343), para quem, desde a Lei n.º 9.032, de 28.04.1995, apenas atividades insalubres se enquadram como especiais; Tavares (2010, p. 152), entendendo que, resguardadas as situações de direito adquirido, não são mais consideradas especiais as atividades perigosas, mas somente as insalubres; Fortes (2005, p. 201), segundo a qual, como a legislação previdenciária exige submissão efetiva a agentes nocivos à saúde ou à integridade física do segurado, dificilmente uma atividade profissional que somente exponha o seu exercente a risco, sem contato direto com agente nocivo, poderia ter enquadramento como especial; e Martinez (2010, p. 114), que fixa o marco da desproteção da penosidade e da periculosidade em 05.03.1997. Com efeito, a aplicação da súmula como fundamento bastante para enquadramento de atividades perigosas ou penosas depois do advento do Decreto n.º 2.172/97, ao argumento de que sua redação assim autorizaria, implica interpretá-la de forma dissociada da lei vigente à época – que expressamente fazia menção a tais conceitos – e, mais do que isso, conferir-lhe peso maior que o atribuído à atual legislação de regência.

Ocorre que, a contar de 1988, a concessão da aposentadoria especial se ateve às hipóteses em que o segurado tenha laborado em condições que comprovadamente impliquem desgaste superior ao do trabalho comum. Daí a exclusão de atividades penosas ou perigosas do rol de agentes nocivos atualmente vigente, porque, diversamente dos agentes insalutíferos, que efetivamente ensejam erosão cumulativa da saúde ou integridade física por envolverem circunstâncias ambientais geradoras de distúrbios na higidez do trabalhador caso superados os níveis de tolerância, aquelas se fundam na noção de risco potencial, e não na de efeitos danosos ao organismo (MARTINEZ, 2010, p. 53).

Saliente-se, entretanto, que não se está a defender total dissociação entre a legislação previdenciária e a trabalhista. Na verdade, a partir da Lei n.º 9.032/95 o Ministério da Previdência Social interessou-se pela disciplina laboral, inserindo nas normas previdenciárias conceitos como laudo técnico das condições ambientais de trabalho e seus substitutivos. Sintomaticamente, a Lei n.º 9.732/98 reportou-se in fine ao LTCAT “nos termos da legislação trabalhista”, no que foi acompanhada pelo Decreto n.º 4.882/03. Além disso, o Decreto n.º 3.048/99 uniformizou o tratamento de agentes como ruído, calor e vibração, fazendo-o de acordo com a Norma Regulamentadora n.º 15 da Portaria n.º 3214/78 do MTE (SALIBA, 2011, p. 14).

A aproximação de ambos os ramos do direito é salutar e parece o caminho a ser trilhado. Todavia, a menção aos conceitos trabalhistas na súmula n.º 198 – justificada, como já afirmado, pela redação do conceito legal de aposentadoria especial à época – não pode ser tomada como fundamento para ignorar que a legislação previdenciária tem autonomia para definir os agentes tidos como nocivos para seus fins. Do contrário, estar-se-á contrariando a lógica do próprio direito trabalhista, cuja sistemática normativa vigente, como adverte Cairo Jr. (2006, p. 480), só considera insalubres as atividades expressamente discriminadas em rol produzido pelo órgão competente do Ministério do Trabalho, ainda que laudo pericial constate a presença de insalubridade no ambiente de trabalho, na esteira das Orientações Jurisprudenciais n.º 4 e 173 da SDI-1 do TST e também da súmula n.º 460 do STF[15].

3.2.3 Terceiro equívoco

Um terceiro equívoco consiste na utilização do enunciado como fundamento para o deferimento da realização de prova pericial em qualquer demanda judicial que verse sobre atividade especial. A despeito de a prova da exposição do segurado aos agentes nocivos à saúde ou integridade física ter de atentar para as normas vigentes na época da prestação do serviço (tempus regit actum), permanece o apego da jurisprudência ao entendimento sumular. Segue-se, então, certo descompasso entre a aplicação administrativa da legislação ora vigente e o tratamento jurídico conferido pelos Tribunais.

É verdade que, de modo geral, a doutrina especializada entende que “o direito previdenciário ainda se ressente enormemente de uma normatização em matéria probatória voltada especificamente para a dinâmica de constituição dessa relação jurídica”. Sem embargo, há reconhecimento praticamente unânime de que o processo previdenciário possui especificidades que lhe distinguem do processo civil tradicional, o que tem reflexo na temática específica dos meios de prova das diversas situações previdenciárias. No entanto, no âmbito da atividade especial, há uma tendência da mesma doutrina em afirmar que “nada obstante as exigências legais para o enquadramento de atividade especial, a comprovação da natureza especial da atividade pode se dar por qualquer meio de prova” (SAVARIS, 2010, p. 79). Essa, pois, a afirmação que deve ser contextualizada, porque, como já dito, a prova da atividade especial deve ser feita consoante as exigências da época do exercício da atividade profissional.

A despeito de não ter sido alterado o ônus do segurado de fazer prova de que pertencia a alguma das categorias profissionais ou de que se submetia, de forma habitual e permanente, a algum dos agentes nocivos para esse fim, fato é que, até o advento da Lei n.º 9.032/95, havia relativa flexibilidade quanto aos meios de prova aceitáveis. Ao tempo do advento da súmula n.º 198 do TFR, a par de constar dos quadros anexos, não se exigia qualquer formalidade para a comprovação do tempo de serviço especial. Em geral, o enquadramento por agente nocivo demandava preenchimento, pela empresa, dos formulários SB40, DISES SB 5235 ou DSS8030 (e hoje, ainda, DIRBEN 8030 ou PPP retroativos), indicando qual o agente nocivo a que estava submetido o segurado (MARTINEZ, 2010, p. 86). Nesse caso ou em se tratando de enquadramento por atividade profissional, era desnecessária a produção de prova pericial, exceto para ruído e calor ou na hipótese específica da súmula, ou seja, quando não militava em favor da categoria profissional a presunção de especialidade, por não estar arrolada no decreto. A perícia, portanto, não era regra, e sim exceção.

Depois da linha de corte da Lei n.º 9.032/95, a legislação previdenciária foi-se tornando cada vez mais restritiva quanto à comprovação da atividade especial, passando a exigir do segurado efetiva comprovação de que esteve exposto a agentes nocivos e, modo geral, priorizando a prova documental, com previsão taxativa dos documentos e informações necessários.

Conquanto aquele diploma tenha feito alusão à prova da exposição aos agentes nocivos, foi somente a Medida Provisória n.º 1.523/96, convertida na Lei n.º 9.528/97, que explicitou a exigibilidade de elaboração do formulário com informações advindas de laudo técnico de condições ambientais de trabalho expedido por profissional habilitado. Por isso, o Enunciado n.º 20 do Conselho de Recursos da Previdência Social firmou entendimento de que a apresentação de laudo técnico pericial para períodos de atividades anteriores a 11.10.1996 não é obrigatória, salvo em relação ao ruído.[16] Ainda assim, como a exigência somente veio a ser regulamentada pelo Decreto n.º 2.172/97, esse foi o marco temporal adotado pelo STJ.[17]

O laudo que passou a ser exigível para comprovação da especialidade de labor posterior a 11.10.1996 é aquele elaborado nos termos da legislação trabalhista, ou seja, o Laudo Técnico das Condições Ambientais do Trabalho (LTCAT) ou seus substitutos, feito com observância do disposto no art. 195 da CLT. Trata-se, em síntese, da análise técnica das efetivas condições de trabalho da empresa empregadora, cuja elaboração e atualização é obrigação prevista na lei.

Ora, se ao tempo do advento da súmula n.º 198 do TFR a produção de prova pericial em juízo já era subsidiária – já que prioritária era a demonstração, por qualquer meio, do enquadramento pela atividade profissional – com mais razão após a Medida Provisória n.º 1.523/96, quando, em regra, já haverá prova pré-constituída das condições ambientais de trabalho da empresa por exigência legal. Dito de outro modo, a perícia judicial somente terá cabimento para suprir a ausência do LTCAT, ou seja, quando o segurado justificadamente e por responsabilidade alheia não tiver meios de obter a documentação exigida para comprovação da especialidade do labor.

Não se quer defender, portanto, que o segurado deva ter restringido seu direito à produção de prova; o que se afirma é que, na dinâmica do processo judicial previdenciário atual, a prova pericial, por vezes, mostrar-se-á inadequada ou mesmo desnecessária para o deslinde do feito. É que a perícia, como prevista no art. 420 do Código de Processo Civil, destina-se a levar ao juiz elementos que dependam de conhecimentos técnicos, devendo, porém, ser indeferida quando a prova do fato deles não depender, quando for desnecessária em vista de outras provas produzidas, ou, ainda, quando a verificação for impraticável. Logo, em processos cuja prova documental permita a análise das condições de labor do segurado, incabível se fará a delegação da análise técnica ao perito, especialmente em se considerando o rito sumaríssimo dos juizados especiais federais.

Assim, forçoso é concluir que, de regra, a contar de 1996 não se fará necessária a feitura de qualquer perícia, porque bastará a análise do laudo da empresa. Na sua ausência, poderá ser determinada sua realização por profissional legalmente habilitado, dependendo, porém, de conhecimento prévio, somente obtido mediante prova documental, acerca das atividades, funções desempenhadas e setor de trabalho do segurado. De todo modo, a súmula não mais deve ser invocada, por si só, para substituir a documentação legalmente exigida pela simples realização de prova pericial determinada pelo juízo.

3.3 Superação da súmula

A despeito de sua tradição romano-germânica, é inegável o poder persuasivo de um enunciado sumular no direito brasileiro. Por meio dele, identifica-se a jurisprudência consolidada de um tribunal. Por isso, embora não obrigatório, tende, por vezes, a valer mais que a norma legislada.

A inexorável evolução do direito decorrente da dinâmica social, porém, traz constante necessidade de revisão da pertinência de um entendimento sumulado às novas circunstâncias culturais, sociais e jurídicas, seja para diferenciar as situações de fato que permitem sua aplicação, seja para, em casos extremos, abandonar sua aplicação. A depender de mudanças legislativas posteriores, é possível que o precedente seja superado, por tornar-se obsoleto ou inadequado à nova ordem. É que, em regra, um enunciado não deve sobreviver se alterado o texto legal da norma legislada a que está vinculado, de modo que se tornem incompatíveis um e outro. Como alerta Alvim (1990, p. 15):

“[…] a súmula, pois, em essência e em rigor, tem a estabilidade do princípio subjacente à lei, para a qual foi feita; assim é que, se tem a estabilidade do princípio embutido na lei, e, mesmo que alterada a lei (o que tem ocorrido), desde que mantido rigorosamente o mesmo princípio, tal não implica a alteração da súmula, que continua a existir e haverá de ser aplicada.”

Nesse passo, um enunciado somente sobrevive se a modificação da legislação que o embasou em nada afetar o princípio subjacente em relação ao qual está em consonância, pois, como visto, sua validade está sempre condicionada ao amparo da norma legislada (SOUZA, 2008, p. 526).

De outra parte, a existência de um entendimento sumulado jamais supre a necessidade de o julgador atentar para a exata correspondência entre o caso concreto e a hipótese que justifica a ratio decidendi do enunciado. Se os fatos fundamentais de um precedente, analisados no apropriado nível de generalidade, não coincidirem com os fatos fundamentais do caso posterior em julgamento, o precedente não será seguido, o que, na teoria do stare decisis, é chamado de distinguishing, ou distinção entre os casos. Para tanto, deve o julgador valorar as circunstâncias tanto do caso anterior como daquele em julgamento a fim de concluir pela aplicação ou não do precedente.

No caso da aposentadoria especial, a Lei n.º 9.032/95 pode ser tida como marco temporal dos novos contornos do benefício previdenciário e, por conseguinte, da forma de analisar e enquadrar uma atividade como especial, na medida em que, a partir dela, passou-se a exigir efetiva comprovação da submissão habitual e permanente do trabalhador a agentes nocivos. Daí decorre, portanto, a necessidade de distinguir a aplicabilidade da súmula n.º 198 do TFR conforme o trabalho tenha sido exercido antes ou depois daquela linha de corte.

A distinção torna-se necessária porque o tempo de serviço é regido pela lei da época em que foi prestado, em observância ao princípio tempus regit actum. No caso específico do labor especial, além disso, é assente o entendimento de que também sua comprovação se regula pela legislação em vigor ao tempo em que exercido.[18] Por isso, a contagem do tempo de serviço especial pode submeter-se ao regramento de dada legislação, mesmo já revogada, mas vigente no momento da prestação do trabalho, ainda que o benefício postulado esteja em novo regramento.

Assim, forçoso é concluir que a súmula n.º 198 do extinto TFR somente tem aplicabilidade para períodos de labor havidos até a Lei n.º 9.032/95 e, ainda assim, apenas quando houver subsunção dos fatos à sua inteligência. Os motivos que ensejaram a ratio decidendi do enunciado, já detalhados na primeira parte deste trabalho, circunscrevem-se à possibilidade de ampliação do rol de categorias profissionais para as quais, à época, havia previsão de enquadramento expressa nos decretos regulamentadores. Além disso, a possibilidade se operacionalizava por meio de prova pericial que atestasse a submissão efetiva a agentes insalubres, penosos ou perigosos, porque esses eram os agentes tidos, até a Lei n.º 8.213/91, como ensejadores da especialidade do labor.

Por outro lado, a aplicação do enunciado depois da Lei n.º 9.032/95 perdeu o sentido, já que não mais vigentes os preceitos nos quais estava fundamentalmente embasado. Dito de outro modo, a alteração das circunstâncias que justificavam o enunciado implicou sua superação. Nessa seara, o fato de ter sido largamente utilizado – inclusive como única fundamentação – na construção de decisões judiciais, sem observância do referido marco legislativo, tem sido causa dos equívocos interpretativos já relatados. O âmago das distorções, em última análise, reside na interpretação da própria finalidade do benefício e, por conseguinte, na desconsideração de que a legislação exige, hoje, efetiva submissão do segurado a condições nocivas à saúde ou integridade física, ou seja, condições que comprovadamente importem em desgaste superior ao comum e que, por isso, justificam a diminuição do tempo de serviço exigido para a jubilação.

4 CONCLUSÃO

O incremento no número de demandas judiciais versando sobre o benefício de aposentadoria especial não tem sido condizente com sua natureza excepcional. A despeito do regramento específico constante da legislação previdenciária, a ele tem-se reservado finalidade e alcance cada vez mais alargados. Não se olvida que a aposentadoria especial pode ser tida como técnica legislativa de proteção à saúde e à integridade física do segurado; no entanto, não deve ser vista como corolário de todo e qualquer labor havido sob condições adversas.

Considerando que o desgaste progressivo pelo decurso do tempo é inerente ao exercício do trabalho, a aposentadoria especial, menos do que compensação pela prestação de serviço em condições potencialmente adversas, consiste em prestação previdenciária vinculada à perda da capacidade laborativa em ritmo mais acelerado que o normal, o que torna relevante reavaliar o tratamento que tem sido conferido, na doutrina e na jurisprudência, aos critérios e formas de comprovação da atividade especial. Daí a necessidade de releitura da súmula n.º 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, na medida em que o entendimento nela consagrado é tido, ainda hoje, como fundamentação bastante nas decisões judiciais sobre a matéria.

Analisando-se os precedentes que a embasaram e a legislação vigente ao tempo de sua edição, forçoso é concluir que o alcance da súmula restringia-se à consideração de não-taxatividade ou não-exaustividade das categorias profissionais elencadas pelos diversos decretos regulamentadores, desde que, por perícia judicial, se comprovasse que a atividade era insalubre, perigosa ou penosa. Sua redação, ademais, era consentânea com a legislação então em vigor.

Com a Constituição de 1988, porém, os termos trabalhistas restaram extirpados do conceito da aposentadoria especial, quando foram substituídos pela noção de desempenho de atividades laborais em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Desenhou-se, a partir daí, nova filosofia previdenciária relativamente ao benefício, marcada pelo abandono das premissas em que se baseou a súmula. Com mais clareza a partir da Lei n.º 9.032/95, passou-se a permitir o enquadramento de uma atividade como especial somente em razão da efetiva submissão aos agentes arrolados como nocivos e, pela primeira vez, a própria lei de regência trouxe os meios de prova exigíveis para sua concessão.

Nesse contexto, a subsistência de aplicação da súmula a casos regidos pela legislação atual tem dado ensejo a equivocadas interpretações e, mais do que isso, servido como fundamento suficiente para sua não-observância. Não atentando para a necessidade de distinção entre os casos, ela tem sido utilizada para ampliar o rol de agentes nocivos, para permitir enquadramento de situações nas quais não há efetiva submissão do segurado a condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física e, ainda, para substituir a documentação legalmente exigida, mesmo nas hipóteses em que se poderia exigir sua apresentação.

Diante de tais equívocos, há necessidade de distinguir a aplicabilidade da súmula n.º 198 do TFR conforme o trabalho tenha sido exercido antes ou depois da Lei n.º 9.032/95, porque, como já afirmado, tal diploma deve ser tido como marco temporal dos novos contornos da aposentadoria especial. É que, se a existência de um entendimento sumulado jamais supre a necessidade de o julgador atentar para a exata correspondência entre o caso concreto e a hipótese que justifica a ratio decidendi do enunciado, também é certo que, a depender de mudanças legislativas posteriores, é possível que o precedente seja superado, por tornar-se obsoleto ou inadequado à nova ordem.

Não se quer, com isso, defender total dissociação entre a legislação previdenciária e a trabalhista, tampouco afirmar que o segurado deve ter restringido seu direito à produção de prova. O que se sustenta é que, partindo da premissa de que a aposentadoria especial não é meio de se compensar um ambiente laboral imperfeito, não há qualquer incorreção no fato de a legislação previdenciária ter se afastado da noção de mero risco e, por exigir a efetiva submissão a agentes nocivos para comprovação da especialidade do labor, não mais albergar como especiais situações consideradas, no âmbito trabalhista, como penosas ou perigosas. Da mesma forma, as exigências legais quanto à pré-constituição das provas hoje exigíveis para comprovação da especialidade nem sempre tornarão necessária a feitura de perícia judicial.

Em síntese, defende-se a interpretação de que a legislação previdenciária tem autonomia para definir os agentes tidos como nocivos para seus fins e, mais do que isso, a superação – ou limitação de aplicação no tempo – de um verbete sumular cujas bases já não mais subsistem e cuja aplicação tem sido feita ao arrepio da lei.

 

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Notas:
 
[1] A posição topográfica de tais benefícios na LOPS, logo no §1º do mesmo artigo 31, contribuía para a confusão, verificável ainda hoje. Sérgio Pinto Martins, por exemplo, já afirmou que “tinha direito também a aposentadoria especial o jornalista” (MARTINS, 2004, p. 375). As aposentadorias de categorias especiais foram extintas pela Lei n.º 9.528/97.

[2] Publicada no DJ em 02.12.1985, a súmula derivou dos seguintes precedentes daquele Tribunal: AC 0084406-SP, 1ª Turma, j. 31-08-84; AC 0093497-SP, 2ª Turma, j. 25-09-84; AC 0099201-SP, 2ª Turma, j. 21-05-85; AC 0096682-SP, 2ª Turma, j. 04-06-85; AC 0086523-SP, 3ª Turma, j. 29-11-83; AC 0085172-SP, 3ª Turma, j. 07-02-84; AC 0082479-SP, 3ª Turma, j. 07-08-84.
[3] Registre-se que, a despeito de hoje haver alguma controvérsia quanto ao período anterior à Lei n.º 9.032/95, a exigência de habitualidade e permanência nunca foi afastada por aquele tribunal. Assim: “Previdência social. Aposentadoria especial. Exposição eventual a agentes agressivos. 1. Provado que no exercício da atividade laborativa esteve o autor exposto, eventualmente, a agentes químicos e físicos, nocivos à saúde, descabe deferir-se a aposentadoria especial, a qual é concedida quando verificada a exposição habitual e permanente as condições agressivas. 2. Recurso desprovido” (TFR, AC n.º 0119904-SP, 2ª Turma, j. em 05.05.1987);  “para a concessão de aposentadoria especial, a legislação de regência exige que a atividade seja exercida em caráter permanente em condições hostis, mediante contato direto com agentes agressivos à saúde” (TFR, AC 010257-SP, 1ª Turma, j. 29.04.1986).
[4] “I. A relação das atividades insalubres ou penosas inseridas nos quadros anexos do Decreto n. 83.080/79 não alcançou todas elas, pois muitas dependem de aferição através de perícia. II. Realizada esta e afirmado que a atividade de operador de transferência e estocagem (Petrobras), exercida pelo segurado, é considerada insalubre, deve-lhe ser concedida a aposentadoria especial. III. Sentença que se confirma” (TFR, AC 0098898-SP, 3ª Turma, j. em 30.04.1985); “É devida a aposentadoria especial se a perícia judicial constata que a atividade exercida pelo operador de processamento da Petrobras é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo que não inscrita em regulamento (Súmula n. 198 do TFR)” (TFR. AC 0120456-SP, 3ª Turma, j. em 16.12.1986); “Não constando dos quadros da regulamentação sobre aposentadoria especial a atividade de engenheiro civil, e não provada em perícia judicial que a desenvolvida pelo autor seja insalubre, penosa ou perigosa, resta sem base de fato a pretensão a obter aposentadoria com tempo reduzido, tanto mais quando, na vigência da legislação anterior a 1968, o mesmo não implementou as condições para obtê-la (art. 1º Lei 5.527/68)” (TFR, AC n.º 0137576-MG, j. em 11.12.1987); e “Não constando dos quadros da regulamentação sobre aposentadoria especial a atividade de pedreiro em caldeiraria e não provada, em perícia judicial, que a desempenhada pelo autor seja insalubre, penosa ou perigosa, resta sem base de fato a pretensão a obter aposentadoria com tempo reduzido” (TFR, AC n.º 0137495-SP, j. em 15.12.1987).

[5] Salienta o autor que houve inúmeras consultas desse tipo, as quais, baseando-se em estudos técnicos ostensivos, levaram à inclusão de algumas atividades não previstas expressamente, como, por exemplo, feitor de turma ou de estrada de ferro em via permanente (Parecer do DNHST no processo n.º 133.290/71), pedreiro refratário (Parecer do DNHST no processo n.º 320.643/72), e forneiro queimador de olaria (Parecer da SSMT no processo n.º 105.914/79).

[6] Para Martinez (2010, p. 82), a Medida Provisória introduziu exigência trabalhista-previdenciária que, à época, não restou bem explicitada, dada a redação difícil do dispositivo. Para o autor, se o objetivo era habilitar o segurado a no futuro requerer a aposentadoria especial, a lei deveria ter previsto a obrigação da empresa de fornecer o DIRBEN 8030 e/ou o laudo técnico. Mais tarde, com o Decreto 4.032/01, referidos documentos foram substituídos pelo PPP.

[7] Os Ministros Ilmar Galvão, Nelson Jobim, Octavio Gallotti e Carlos Velloso, considerando que a definição do rol de agentes nocivos poderia ser delegada pela lei ao Poder Executivo, indeferiram a medida cautelar. Já os Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Maurício Corrêa e Néri da Silveira, entendendo que a exigência constitucional demandava definição integral por meio de lei, deferiram a suspensão da norma.

[8] O Decreto n.º 4.827, de 03.09.2003, incluiu parágrafo único no art. 70 do Decreto n.º 3.048/99, reconhecendo que a caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais devem obedecer ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço. 

[9] PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE INSALUBRE COMPROVADA POR PERÍCIA TÉCNICA. TRABALHO EXPOSTO A RUÍDOS. ENUNCIADO SUMULAR Nº 198/TFR. 1. Antes da lei restritiva, era inexigível a comprovação da efetiva exposição a agentes nocivos, porque o reconhecimento do tempo de serviço especial era possível apenas em face do enquadramento na categoria profissional do trabalhador, à exceção do trabalho exposto a ruído e calor, que sempre se exigiu medição técnica. 2. É assente na jurisprudência deste Superior Tribunal ser devida a concessão de aposentadoria especial quando a perícia médica constata a insalubridade da atividade desenvolvida pela parte segurada, mesmo que não inscrita no Regulamento da Previdência Social (verbete sumular nº 198 do extinto TFR), porque as atividades ali relacionadas são meramente exemplificativas. 3. In casu, o laudo técnico para aposentadoria especial foi devidamente subscrito por engenheiro de segurança do trabalho e por técnico de segurança do trabalho, o que dispensa a exigibilidade de perícia judicial. 4. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ, REsp 689195/RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 07/06/2005, DJ 22/08/2005, p. 344.)

[10]AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE INSALUBRE NÃO PREVISTA EM REGULAMENTO. MATÉRIA PACIFICADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 182/STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 198 DO EXTINTO TFR. 1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme no sentido de que ao trabalhador que exerce atividade insalubre, ainda que não inscrita em regulamento, mas comprovada por perícia judicial, é devido o benefício de aposentadoria especial. 2. Fundamentada a decisão agravada no sentido de que a questão já está pacificada no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, deveria o recorrente, em sede de agravo regimental, demonstrar que outra é a positivação do direito na jurisprudência desta Corte. 3. "É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada." (Súmula do STJ, Enunciado nº 182). 4. "Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento." (Súmula do extinto TFR, Enunciado nº 198). 5. Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp 228.832/SC, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 13/05/2003, DJ 30/06/2003, p. 320,)

[11] Art.68, §1º: As  dúvidas sobre o enquadramento dos agentes de que trata o caput, para efeito do disposto nesta Subseção, serão resolvidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pelo Ministério da Previdência e Assistência Social.

[12]Há precedentes da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região admitindo o reconhecimento de especialidade por periculosidade mesmo após 05.03.1997, todos não-unânimes: IUJEF 0006690-11.2008.404.7051, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator p/ Acórdão José Antonio Savaris, D.E. 30/03/2011, para o frentista; IUJEF 0023137-64.2007.404.7195, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator p/ Acórdão José Antonio Savaris, D.E. 30/03/2011, para o vigilante; e IUJEF Nº 0003372-14.2008.404.7053/PR, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relatora  Luísa Hickel Gambá, D.E 30/08/2011, para a eletricidade.

[13]É o que se verifica nas decisões monocráticas do STJ a que, com freqüência, se referem os julgados do TRF4 favoráveis à tese: REsp n. 1109871, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, DJe de 29-09-2010; REsp n. 1105560, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, DJe de 29-09-2010; REsp n. 758866, Rel. Ministro (convocado) Celso Limongi, Sexta Turma, DJe de 21- 05-2009; REsp n. 1126722, Rel. Ministro (convocado) Haroldo Rodrigues, Sexta Turma, DJe de 30-09-2009; REsp n. 1108335, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe de 12-05-2009; AgRg no REsp n. 1055462, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe de 16-09-2008. Algumas delas, no entanto, não analisaram a matéria específica: REsp n. 504569, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, DJ de 26-06-2003; REsp n. 116.2088, Rel. Ministro Félix Fischer, Quinta Turma, DJe de 14-04-2010; REsp n. 1104385, Rel. Ministro Félix Fischer, Quinta Turma, DJe de 30-03-2010.

[14]Segundo Duarte (2007, p. 212), a legislação previdenciária tem requisitos próprios, assim como o direito trabalhista. O reconhecimento do adicional trabalhista é indiciário, mas não assecuratório do direito à aposentadoria especial, e vice-versa. Martins (2004, p. 326) também afirma que não necessariamente a aposentadoria especial coincidirá com as pessoas que recebem adicionais de remuneração, a exemplo do adicional de periculosidade.

[15]A súmula n.º 460 do STF é explícita no sentido de que “para efeito do adicional de insalubridade, a perícia judicial, em reclamação trabalhista, não dispensa o enquadramento da atividade entre as insalubres, que é ato da competência do Ministério do Trabalho e Previdência Social”. A súmula n.º 194 do STF reza que “é competente o Ministro do Trabalho para especificação das atividades insalubres’. 

[16] 20/JR/CRPS – SEGURIDADE SOCIAL. CRPS. BENEFÍCIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. SALVO EM RELAÇÃO AO AGENTE AGRESSIVO RUÍDO, NÃO SERÁ OBRIGATÓRIA A APRESENTAÇÃO DE LAUDO TÉCNICO PERICIAL PARA PERÍODOS DE ATIVIDADES ANTERIORES À EDIÇÃO DA MED. PROV. 1.523 -10, DE 11/10/96. Salvo em relação ao agente agressivo ruído, não será obrigatória a apresentação de laudo técnico pericial para períodos de atividades anteriores à edição da Medida Provisória 1.523 -10, de 11/10/96, facultando-se ao segurado a comprovação de efetiva exposição a agentes agressivos à sua saúde ou integridade física mencionados nos formulários SB-40 ou DSS-8030, mediante o emprego de qualquer meio de prova em direito admitido.

[17]Entendeu o STJ que, se a legislação anterior exigia a comprovação da exposição aos agentes nocivos, mas não limitava os meios de prova, a lei posterior que passou a exigir laudo técnico teria inegável caráter restritivo ao exercício do direito, não podendo ser aplicada às situações pretéritas. (STJ, RE 357.268/RS, Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, j. em 06.06.2002, entre outros.) 

[18] A doutrina faz alusão ao Recurso Especial n.º 414.083/RS, julgado pela 5ª Turma do STJ, relator Min. Gilson Dipp, j. em 02.09.2002, para embasar o entendimento de que lei nova que venha a estabelecer restrição ao cômputo do tempo de serviço não pode ser aplicada retroativamente, em razão da intangibilidade do direito adquirido.


Informações Sobre o Autor

Aline Machado Weber

Especialista em Direito Ambiental pela UFRGS. Especialista em Direito Previdenciário pela PUC-Minas. Procuradora Federal


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