A súmula vinculante no Direito brasileiro

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Resumo: O presente estudo visa analisar um instituto, de certa forma, ainda muito novo, entretanto extremamente real e presente no Ordenamento Jurídico Brasileiro e nas práticas judiciárias, que é o da Súmula Vinculante, introduzidas na legislação pátria pela EC nº.45/2004, e regulamentada pela Lei nº. 11.417/2006.


Palavras-chaves: súmula vinculante; direito; segurança jurídica; morosidade; celeridade.


Sumário: 1. Introdução; 2. Jurisprudência e Súmula: Distinção; 3. Súmula Vinculante. Previsão Legal; 4. Principais Aspectos: Edição, Revisão, Cancelamento; 5. Súmulas anteriores à EC nº45/2004; 6. Súmula Vinculante: Instituto Polêmico; 7. Principais Súmulas Vinculantes; 8. Conclusões.


1. INTRODUÇÃO


No Brasil, as Súmulas surgiram em meados do terceiros quartel do século passado, principalmente graças ao importante papel então desempenhado pelo Ministro Vitor Nunes Leal, do STF, como fez questão de registrar o Ministro Sepúlveda Pertence, na Sessão do Pleno daquela Corte, em 2003, ao ter início a discussão que levou à aprovação de mais de 100 novas súmulas, após vários anos sem nada sumular.


O instituto da Súmula Vinculante restou introduzido em nossa Magna Lex, pela Emenda Constitucional nº. 45/2004, popularmente conhecida como “Reforma do Judiciário”.


Tratava-se, como bem lembra Celso Neto (2008), “de antigo reclamo de muitos jurisconsultos que, havia décadas, defendiam a existência de alguma ferramenta processual que se prestasse a tentar solucionar, ou minorar, pelo menos, certos problemas que prejudicam nosso Judiciário”, especialmente, “pela notória morosidade, tantas vezes criticada”. Fundamentalmente, “entendiam esses defensores que, com a possibilidade de limitar ou impedir quantos recursos nossa legislação adjetiva criou ao longo do tempo viveríamos novos tempos, quiçá mais felizes”.


Depois de muita discussão, parecia preponderante o entendimento segundo o qual as já existentes Súmulas, Orientações Jurisprudenciais e demais jurisprudência das Cortes brasileiras não bastavam. Debalde tudo, questões de mesma natureza continuavam a ser analisada e decidida para, dali a pouco, serem novamente trazidas a juízo e serem mais uma vez analisadas, a exigirem novos julgamentos, ainda que com final previsível (umas poucas vezes, ocorria a “surpresa” de advir uma decisão diferente, ou contrária, em caso análogo, constituindo, assim, mudança, evolução e superação superveniente do antigo entendimento consolidado).


Diante de tais fatos, há quem entenda que as Súmulas Vinculantes não são “a” solução, partindo-se do fundamento em que o Direito e a Justiça precisam ser dinâmicos, evoluírem, avançarem com os tempos e acompanharem as mudanças sociais, e diante de tais argumentos, há doutrinadores que argúem a constitucionalidade de tal instituto. Ao passo que, aqueles favoráveis a existência de tais súmulas, argumentam serem essas um instrumento eficaz para acabar com a grave insegurança jurídica, que interpretações diferentes sobre uma mesma norma podem causar, bem como de relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.


2. JURISPRUDÊNCIA E SÚMULA: DISTINÇÃO


Inicialmente, é relevante distinguir duas figuras presentes no direito, quais sejam a jurisprudência e a súmula, a fim de melhor desenvolver o estudo que se pretende fazer.


É bem verdade que, como lembra o doutrinador Fernando Capez (2005):


“os efeitos do julgamento de uma lide se circunscrevem exclusivamente ao caso concreto, não podendo se irradiar para outras hipóteses, ainda que assemelhadas. Embora não vincule decisões em casos futuros semelhantes, a decisão anterior normalmente influencia as novas sentenças, ainda que proferidas por juízes diferentes, principalmente quando vai se reiterando de modo pacífico e uniforme”.


Capez (2005) diz ainda que se aplica, nessas condições, o conhecido brocardo ubi idem ratio, ibi idem jus (onde houver a mesma razão, aplica-se o mesmo direito). Ou seja, “a reiteração uniforme e constante de uma decisão, sempre no mesmo sentido, caracteriza o que se convencionou chamar jurisprudência”.


A partir dessas reiterações, em alguns casos, chega a surgir “um consenso quase absoluto sobre o modo de se decidir uma questão”, e, reconhecida tal circunstância, pode o Tribunal correspondente sintetizar “tal entendimento por meio de um enunciado objetivo, sintético e conciso, denominado ‘súmula’, palavra originária do latim Summula, que significa sumário, restrito”. Daí se dizer que a Súmula “nada mais é do que um resumo de todos os casos parecidos decididos daquela mesma maneira, colocado por meio de uma proposição clara e direta” (CAPEZ, 2005).


Luiz Flávio Gomes (2007) diz que “Súmula é a síntese ou enunciado de um entendimento jurisprudencial extraída (ou extraído) de reiteradas decisões no mesmo sentido. Normalmente são numeradas”.


Diante do exposto, pode-se concluir, então que:


“A súmula, do mesmo modo que a jurisprudência ainda não sintetizada como tal, não possui caráter cogente, servindo apenas de orientação para as futuras decisões. Os juízes estão livres para decidir de acordo com sua convicção pessoal, mesmo que para tanto, tenha de caminhar em sentido contrário a toda a corrente dominante” (CAPEZ, 2005).


3. SÚMULA VINCULANTE. PREVISÃO LEGAL


Desde a EC 45/2004 (Reforma do Judiciário), as súmulas podem ser classificadas em vinculantes e não vinculantes, entretanto, via de regra, não são vinculantes. Todas as súmulas editadas pelo STF até o advento da Lei 11.417/2006, que veio regulamentar o art. 103-A, CF/88, não possuem esse efeito, sendo que, para serem vinculantes, devem seguir rigorosamente o procedimento descrito nessa Lei (GOMES, 2007).


A EC n. 45/04, prevê, em seu art. 103-A, caput, a possibilidade de uma súmula ter eficácia vinculante sobre decisões futuras, dispondo que:


“O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.


Esse dispositivo traz grandes modificações no sistema jurídico brasileiro, já que, em essência, adota-se o sistema intitulado como Civil Law. Com essas mudanças, uma súmula, antes meramente consultiva, “pode passar a ter verdadeiro efeito vinculante, e não mais facultativo, não podendo ser contrariada”. Para Capez (2005):


“Busca-se assegurar o princípio da igualdade, evitando que uma mesma norma seja interpretada de formas distintas para situações fáticas idênticas, criando distorções inaceitáveis, bem como desafogar o STF do atoleiro de processos em que se encontra, gerado pela repetição exaustiva de casos cujo desfecho decisório já se conhece. Contra o tema, argumenta-se com a violação ao princípio da livre convicção e independência do juiz”.


A Lei 11.417/06 vem regulamentar o art. 103-A da Constituição Federal e altera a Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal. Essa Lei é motivo de grandes discussões, e questiona-se até sua inconstitucionalidade, o que será objeto de análise em momento mais oportuno.


De qualquer modo, ressalte-se que, “como forma de não engessar a atividade do julgador, este poderá, constatando a ausência de similitude entre a matéria apreciada e aquela objeto de súmula, concluir pela presença de algum elemento diferenciador”, dessa forma, não haverá a obrigação de “aplicar a súmula vinculante, desde que fundamentadamente” (CAPEZ, 2005).


4. PRINCIPAIS ASPECTOS: EDIÇÃO, REVISÃO, CANCELAMENTO


Inicialmente, ressalte-se que as súmulas, pois, possuem duas características: imperatividade (imposição de um determinado sentido normativo, que deve ser acolhido de forma obrigatória) e coercibilidade (se não observada essa interpretação cabe reclamação ao STF).


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A EC n. 45/2004 passou a prever, basicamente, os seguintes requisitos para aprovação, revisão ou cancelamento de súmula vinculante:


a. reiteradas decisões;


b. que versem sobre matéria constitucional;


c. aprovação por dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal;


d. ter por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.


Compete, como se depreende do que já foi exposto, ao Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, aprovar a Súmula Vinculante, e a partir de sua publicação na imprensa oficial terá eficácia imediata, entretanto, pode o STF restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público, sendo tal efeito vinculativo em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas Federal, Estadual e Municipal.


Os legitimados para propor a edição, a revisão ou o cancelamento de enunciado de súmula vinculante são, em geral, aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade, quais sejam: o Presidente da República; a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal (de acordo com a EC n. 45/2004); o Governado do Estado ou do Distrito Federal (de acordo com a EC n. 45/2004); o Procurador-Geral da República; o Defensor Público-Geral da União; o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional; os Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.


O Procedimento de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula com efeito vinculante será o previsto na Lei 11.417/2006, que veio regulamentar o disposto no art. 103-A, obedecendo, subsidiariamente, o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, conforme se infere da leitura do art.10 da referida Lei.


Cabe, ainda, a possibilidade de Reclamação acerca de ato administrativo ou decisão judicial que contrarie ou aplique indevidamente a Súmula Vinculante, segundo reza o art.103-A, §3º da Constituição Federal:


“Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”.


A esse respeito, Capez faz as seguintes considerações (2005):


“Dado o efeito vinculativo da súmula editada pelo Supremo Tribunal Federal, a autoridade judicial ou administrativa não poderá se escusar de aplicá-la ao caso concreto. Caso o faça, caberá reclamação, por um dos legitimados, dirigida ao STF, para a tomada de providências legais. Convém notar, no entanto, que a súmula vinculante não pode retirar do magistrado o seu poder de livre convicção e independência, de forma que, constatando não ter o fato semelhança com o objeto da súmula, poderá afastá-la motivadamente”.


Por outro lado, insta ressaltar, ainda, que o juiz, quando acolhe a súmula vinculante, deve fundamentar a sua decisão, demonstrando que os fundamentos do caso concreto, que está sob seu exame, coincidem com os fundamentos das decisões que autorizaram a criação da própria súmula vinculante aplicada.


5. SÚMULAS ANTERIORES À EC N. 45/2004


De acordo com o art. 8º da EC n. 45/2004, “as atuais súmulas do STF somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços de seus integrantes publicação na imprensa oficial”. O art. 2º da Lei 11.417/2006 reza ainda a esse respeito, que o STF poderá, de ofício ou por provocação, após decisões reiteradas que versem sobre matéria constitucional, “(…) editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (…)”.


Enquanto não houver essa confirmação pelo STF, “as súmulas não terão caráter vinculante para os órgãos administrativos e judiciários, e, portanto, não constituirão preceito obrigatório, continuado a servir apenas como mais um instrumento de convencimento do juiz” (CAPEZ, 2005).


Convém notar que há dúvida se as súmulas editadas anteriormente à EC n. 45/2004, para obterem o efeito vinculante, deverão preencher todos os requisitos constantes do art. 103-A, ou se basta apenas a sua confirmação pelo quórum de dois terços dos integrantes do STF. É mais coerente o entendimento em que todos os requisitos da EC n. 45/2004 deverão estar preenchidos, pois como bem lembra Capez (2005), “não se podem criar duas categorias de súmula vinculante, uma com e outra sem”.


6. SÚMULA VINCULANTE: INSTITUTO POLÊMICO


Primeiramente, faz mister destacar que, como sabidamente comentado por Dantas (2006:205), no direito brasileiro, filiando-se à cepa romano-germânica, a fonte primacial do direito positivo encontra-se na legislação, ao passo que, como fontes secundárias, encontram-se a jurisprudência, entendida, na acepção técnica, como o conjunto convergente de decisões reiteradas acerca de determinada matéria, assim como a doutrina, consistente no conjunto das lições dos doutos, e os costumes (Vieira, 2007:67).


Com o advento da Emenda Constitucional n. 45/04, como acima mencionado, foi introduzido no direito pátrio a denominada Súmula Vinculante, ou, como traz Montoro (2000), a “Súmula da Jurisprudência Predominante”, o que trouxe, ao menos aparentemente, uma nova complexidade e, talvez, uma função anômala ao Poder Judiciário, de caráter normativo, sendo discutível sua compatibilidade estrutural e funcional para com o sistema jurídico aqui vigente.


Convém salientar, a respeito da jurisprudência dos países que adotam a Common Law, constituída dos casos julgados, por não prevalecer neles o Direito Positivo e, apesar de termos como fundamento de nosso ordenamento jurídico esse Direito, a adoção de súmulas tem, visivelmente, uma conotação similar à do Direito Comum, ou sofre sua influência (CELSO NETO, 2008).


Franco Montoro (2000) doutrinava que:


“A jurisprudência firma-se e se impõe de forma semelhante ao costume: pela sua repetição longa, diuturna, uniforme e constante, e pela opinio juris et necessitatis. […] No tocante à jurisprudência propriamente dita, isto é, aos julgados uniformes dos tribunais, é incontestável que, de fato, eles atuam como norma aplicável aos demais casos, enquanto não houver nova lei ou modificação da jurisprudência […]. O reconhecimento da validade e importância normativa da jurisprudência pode ser demonstrada pela criação da “Súmula da Jurisprudência Predominante”, do Supremo Tribunal Federal[…]. A “Súmula” tem relevantes efeitos processuais no acolhimento de determinados recursos, especificados no Regimento Interno no Supremo Tribunal Federal. Sua finalidade é, não só, proporcionar maior estabilidade à jurisprudência, mas também facilitar o trabalho do advogado e do tribunal, simplificando o julgamento das questões mais freqüentes”.


Tércio Sampaio Ferraz Jr. (1993), também faz referência à correlação entre costume e jurisprudência, citando, ainda, as súmulas e, a despeito das considerações serem de 1993, isto é, muito anterior à adoção em nosso texto constitucional das súmulas vinculantes, as considerações por ele feitas são pertinentes:


“O sistema romanístico, assim, em oposição ao anglo-saxônico, se caracteriza, em primeiro lugar, pela não vinculação dos juízes inferiores aos tribunais superiores em termos de decisões; segundo, cada juiz não se vincula às decisões dos demais juízes de mesma hierarquia, podendo decidir casos semelhantes de modo diferente; terceiro, o juiz e o tribunal não se vinculam sequer às próprias decisões, podendo mudar de orientação mesmo diante de casos semelhantes; em suma, vige o princípio (regra estrutural do sistema) da independência da magistratura judicial: o juiz deve julgar segundo a lei e conforme sua consciência.[…] Apesar disso, é inegável o papel da jurisprudência romanística na constituição do direito. Se é verdade que o respeito à lei e a proibição da decisão contra legem constituem regras estruturais fortes do sistema, não se pode desconhecer, de um lado, a formação de interpretações uniforme se constantes que, se não inovam a lei, dão-lhe um sentido geral de orientação; é a chamada jurisprudência pacífica dos tribunais que não obriga, mas de fato acaba por prevalecer. […] Este costume […] resulta de um uso jurisprudencial, isto é, decisões judiciais que se repetem e se mantêm para casos semelhantes; em segundo lugar, sua convicção da necessidade não se relaciona diretamente aos endereçados das normas, mas aos juízes que emanam as decisões. Mais recentemente, porém, tem-se assistido ao aparecimento de fenômenos novos, como é o caso da uniformização da jurisprudência por força da própria lei processual e das súmulas dos tribunais superiores. […] possibilidade de uma uniformização da jurisprudência com base em procedimentos legais, o que, dentro do sistema romanístico, pode conferir-lhe uma força especial de orientação interpretativa. As Súmulas do Supremo Tribunal Federal que também não vinculam os tribunais inferiores e representam assentos de jurisprudência que têm também uma força de fato na interpretação do direito, foram uma criação regimental com o objetivo prático de dispensar, nos arrazoados, a referência a outros julgados no mesmo sentido, permitindo ao ministro-relator do processo arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso quando contrariarem a orientação predominante no tribunal. Em ambos os casos, porém, não chegamos a ter precedentes no sentido do sistema anglo-saxônico”.


Feita tais considerações introdutórias à análise do tema discutido neste tópico, tem-se que a súmula vinculante é uma realidade e, aprovada por dois terços dos membros do STF tem o mesmo efeito de uma decisão proferida na ADIN ou ADC (art. 103-A da CF), conforme art. 4º da Lei nº 11.417/06:


“Art. 4o A súmula com efeito vinculante tem eficácia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por decisão de 2/3 (dois terços) dos seus membros, poderá restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público”.


Dispõe o art. 64-B da Lei nº 9.784/99, alterado pelo art. 9º. da Lei 11.417/06, que:


“acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal”.


Idealmente, como relembra João Celso Neto (2008), para seus defensores, partindo do pressuposto de ser a súmula o conjunto das teses jurídicas reveladoras da jurisprudência predominante de determinado Tribunal, aquelas adotadas como vinculantes, como apontado anteriormente, seriam as que devem ser seguidas rigorosamente, conforme estabelecido no texto constitucional e na lei que regulamentou sua aprovação.


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Entretanto, não falta quem as considere mero instrumento a serviço do arbítrio do Poder Executivo, que se destinam ou tem como inevitável conseqüência um grande prejuízo, com o envelhecimento e congelamento do Judiciário e a limitação do poder de juízes e tribunais decidirem conforme suas convicções.


Outros doutrinadores e magistrados, como destaca Celso (2008):


“entendem que é uma ‘ceifa’ à liberdade de o juiz julgar conforme sua consciência, seu saber jurídico; que esclerosa a Justiça e manieta os juízes das instâncias inferiores; limita a ação da base da magistratura e vai contra a independência do magistrado, além de promover o engessamento da jurisprudência; viola a independência jurídica do juiz; robotiza as decisões dos nossos magistrados de 1º Grau; (….)”.


E continua dizendo que:


“Sustentam, os opositores mais ferrenhos às Súmulas Vinculantes que, uma vez sumulada, a matéria dispensa a presença do magistrado para decidir a causa, restabelecendo, quem sabe, a Lei das XII Tábuas (Leges duodecim tabularium ou Lex decemviralis) do antiquíssimo Direito Romano, que Jayme de Altavila (“Origem dos direitos e dos povos“, Ícone editora, São Paulo) afirma ter sido o código ‘mais sucinto, mais autoritário e mais sincero’ que já existiu”.


Caso esteja de acordo com o disposto em Súmula Vinculante, o juízo a que a causa foi distribuída não tem alternativa à simples aplicação do conteúdo sumulado, sob pena de ver sua decisão impugnada por via de reclamação constitucional, feita diretamente ao Supremo Tribunal Federal.


Contudo, ainda é crível que a adoção de Súmulas Vinculantes tem relevante papel para evitar que matérias, já reiteradamente decididas, voltem a dar origem a recursos a todas as instâncias judiciais. Entretanto, é relevante observar que o Supremo Tribunal Federal, utilizando imoderadamente esse ímpeto vinculante, criou, em pouco tempo, várias súmulas com tais efeitos.


É sabido que em nosso Sistema Judiciário já haviam questões, de certa forma, pacificadas, que, merecidamente, deviam ser objeto sumulado, no entanto, como lembra Celso Neto (2008), “tal situação pode desmerecer, involuntariamente, aquele instituto, ou torná-lo menos respeitado, enfraquecendo e desvalorizando as boas intenções e os anseios dos que propugnaram por seu advento”. Lembre-se que, “o Poder Executivo, ao abusar das Medidas Provisórias, claramente, banalizou uma medida que fora imaginada para ser usada ‘em caso de relevância e urgência’ (CF/88, art. 62)”.


Diante de tais considerações, é importante avaliar e repensar os atos de sumular e vincular as decisões posteriores a esses, não devendo, tais circunstâncias acima referidas, acometerem a tão sonhada e idealizada súmula vinculante, que, em termos práticos, se criadas com responsabilidade e reflexão, como resultado de um entendimento amadurecido, é perfeitamente cabível e de extrema relevância, entretanto, se apenas for um indicativo de “desatolamento” do Judiciário, pode ser perigoso, e o que viria para acabar também com a insegurança jurídica, se apresentar como um instrumento de injustiças, deixando de lado a tão importante avaliação do magistrado na fase de subsunção da norma ao caso concreto.


7. AS PRIMEIRAS SÚMULAS VINCULANTES


Não se poderia olvidar em trazer, a título meramente expositivo e consultivo, os enunciados das atuais Súmulas Vinculantes, como segue abaixo:


Súmula Vinculante 1


Enunciado: “Ofende a garantia constitucional do ato jurídico perfeito a decisão que, sem ponderar as circunstâncias do caso concreto, desconsiderar a validez e a eficácia de acordo constante de termo de adesão instituído pela Lei Complementar nº 110/01.”


Referência Legislativa: Constituição Federal de 1988, art. 5º, XXXVI; Lei Complementar 110/2001.


Súmula Vinculante 2


Enunciado: “É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias”.


Referência Legislativa: Constituição Federal de 1988, art. 22, XX.


Súmula Vinculante 3


Enunciado: “Nos processos perante o tribunal de contas da união asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”.


Referência Legislativa: Constituição Federal de 1988, art. 5º, LIV e LV; art. 71, III; Lei 9784/1999, art. 2º.


Súmula Vinculante 4


Enunciado: “Salvo nos casos previstos na constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”.


Referência Legislativa: Constituição Federal de 1988, art. 7º, IV e XXIII, art. 39, § 1º e § 3º, art. 42, § 1º, art. 142, § 3º, X.


Súmula Vinculante 5


Enunciado: A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a constituição”.


Referência Legislativa: Constituição Federal de 1988, art. 5º, LV.


Súmula Vinculante 6


Enunciado: “Não viola a constituição o estabelecimento de remuneração inferior ao salário mínimo para as praças prestadoras de serviço militar inicial”.


Referência Legislativa: Constituição Federal de 1988, art. 1º, III, art. 5º, “caput”, art. 7º, IV, art. 142, § 3º, VIII, (redação dada pela Emenda Constitucional nº 18/1998), art. 143, “caput”, § 1º e § 2º; Medida Provisória 2215/2001, art. 18, § 2º.


Súmula Vinculante 7


Enunciado: A norma do §3º do artigo 192 da constituição, revogada pela emenda constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar”.


Referência Legislativa: Constituição Federal de 1988, art. 192, §3º (redação anterior à Emenda Constitucional nº 40/2003).


Súmula Vinculante 8


Enunciado: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do decreto-lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”.


Referência Legislativa: Constituição Federal de 1988, art. 146, III; Decreto-Lei nº 1569/1977, art. 5º, parágrafo único; Lei nº 8212/1991, art. 45 e art. 46.


Súmula Vinculante 9


Enunciado: O disposto no artigo 127 da lei nº 7.210/1984 (lei de execução penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58”.


Referência Legislativa: Constituição Federal de 1988, art. 5º, XXXVI e XLVI; Lei nº 7210/1984, art. 58, “caput”, e art. 127.


Súmula Vinculante 10


Enunciado: “Viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.


Referência Legislativa: Constituição Federal de 1988, art. 97.


Súmula Vinculante 11


Enunciado: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado”.


Referência Legislativa: Constituição Federal de 1988, art. 1º, III, art. 5º, III, X e XLIX; Código Penal, art. 350; Código de Processo Penal, art. 284; Código de Processo Penal Militar, art. 234, § 1º; Lei nº 4898/1965, art. 4º, a.


Súmula Vinculante 12


Enunciado: A cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, iv, da constituição federal”.


Referência Legislativa: Constituição Federal de 1988, art. 206, IV.


Súmula Vinculante nº 13


Enunciado: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.


Referência Legislativa: Constituição Federal de 1988, art. 37, caput.


Súmula vinculante nº 14


Enunciado: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por Órgão com competência de Polícia Judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.


Referência Legislativa: Constituição Federal de 1988, art. 1º, III, art. 5º, XXXIII, LIV e LV; Código de Processo Penal, art. 9º e art. 10; Lei nº 8.906/1994, art. 6º, parágrafo único, e art. 7º, XIII e XIV.


8. CONCLUSÕES


O sistema brasileiro é tributário da direito romano-germânico. Assim, a lei emanada do Poder Legislativo é a fonte primordial do direito e serve – ao menos em tese – de base à adoção das decisões judiciais. O magistrado encontra-se, idealmente, restrito à Constituição e às leis, cabendo-lhe, em sua atividade jurisdicional, buscar tanto quando possível aplicar fielmente o direito oriundo da atividade legislativa lato sensu.


A Emenda Constitucional n. 45/04 vem trazer um instituto que, para alguns, confere ao Judiciário poderes normativos, ferindo claramente o princípio da Separação dos Poderes, além de tirar a autonomia dos magistrados, quando da análise dos casos concretos, ficando adstrito em seu julgamento ao que versa a Súmula Vinculante, se esta tiver como objeto o direito abstrato pleiteado.


Entretanto, é necessário se avaliar os benefícios que tais Súmulas podem trazer, como maior celeridade, assegurando, mais efetivamente, o acesso à justiça, constitucionalmente garantido; maior segurança jurídica, não ficando as partes de um processo a mercê de julgamentos diversos, garantindo-se maior respeito à igualdade de tratamento, sem discriminação de qualquer natureza, numa análise mais imparcial do caso concreto objeto de contenda judicial.


Ressalte-se ainda que, acerca da questão do Judiciário está criando “normas”, o art. 103-A, § 1º, da CF esclarece que a súmula vinculante “terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas”, sendo defeso, portanto, ao STF, editar súmula sem suporte legal em sentido amplo (súmula “autônoma”, em analogia aos “decretos-autônomos”, igualmente rechaçados pelo nosso Ordenamento Jurídico). Além disso, a lei n. 11.417/06, em seu artigo 5º, estabelece que, “revogada ou modificada a lei em que se fundou a edição de enunciado de súmula vinculante, o Supremo Tribunal Federal, de ofício ou por provocação, procederá à sua revisão ou cancelamento, conforme o caso.”


Logo, não há que se falar em poder normativo ao Judiciário, já que ele continua apenas aplicando as normas jurídicas existentes ao caso concreto.


E, por fim, o importante para que tal instituto seja realizado e aplicado de forma coerente e eficaz, a fim de realmente cumprir os fins a que se destinam, é necessário avaliar e repensar os atos de sumular e vincular as decisões posteriores a esses, devendo serem criadas com responsabilidade e reflexão, como resultado de um entendimento amadurecido, entretanto, se apenas for um indicativo de “desatolamento” do Judiciário, pode ser perigoso, e o que viria para acabar também com a insegurança jurídica, se apresentar como um instrumento de injustiças, já que cada caso concreto possui suas peculiaridades, deixando de lado a tão importante avaliação do magistrado na fase de subsunção da norma.


 


Referências

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Informações Sobre o Autor

Daniela Rocha Teixeira

Pesquisadora em Meio Ambiente do Trabalho, Conflitos Coletivos de Terra e Tributação Municipal. Bacharela em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Mestranda em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social. Bolsista de Mestrado por produtividade do CNPq. Advogada


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