Resumo: O presente artigo tem por objetivo comentar o tratamento dado pelo Superior Tribunal de Justiça ao instituto da prescrição, em especial no tocante à teoria da actio nata e o início da contagem do lapso prescricional. Para tanto, será feita uma análise da evolução da prescrição no direito interno, bem como das duas correntes adotadas pelo Superior Tribunal de Justiça em relação ao fundamento desse instituto, vale dizer: se a prescrição está relacionada com (i) a paz social e a segurança da ordem jurídica ou (ii) com o castigo à negligência; e, ainda, as duas correntes referentes ao termo a quo da contagem do prazo prescricional: (i) da violação do direito, independentemente do conhecimento do titular ou (ii) a partir da ciência inequívoca da violação ou da lesão ao seu direito subjetivo. Feitas essas considerações, será possível concluir que a melhor solução encontrada para aplicação da teoria da actio nata foi aquela adotada pelo direito alemão que confere em conjunto e adicionalmente ao caráter subjetivo (ciência inequívoca), uma regra objetiva, limitando o prazo prescricional a partir da violação do direito, independentemente do seu conhecimento pelo seu titular.
Palavras-chaves: Actio nata. Prescrição. Ciência Inequívoca. Violação do Direito. Caráter subjetivo.
Abstract: This article aims to comment the treatment given by the Superior Court of Justice to the prescription institute, in particular regarding the theory of actio nata and the starting point of the prescriptive period count. In order to do so, an analysis of the evolution of such prescription will be made in domestic law as well as the two currents adopted by the Superior Court of Justice regarding the foundation of this institute; it is relevant to say: if the prescription is related to (i) the social peace and security of legal order or (ii) the punishment for negligence; and also the two currents for the term a quo of the prescription period in question: (i) the violation of law, regardless of the knowledge of the owner or (ii) from the unequivocal science of violation or injury to their subjective right. Given these considerations, it will be possible to conclude that the best solution found for application of the theory of actio nata was that adopted by German law which confers together and in addition to the subjective character (unequivocal science), an objective rule, limiting the prescription period from the violation of law, regardless of knowledge by its holder.
Keyword: Actio nata. Prescription. Unequivocal Science. Violation of law. Subjective character.
Sumário: Introdução. 1 O fundamento da prescrição para o STJ. 1.1 O termo a quo para a contagem do lapso prescricional. 2 A ciência inequívoca como viés subjetivo da prescrição. 2.1 O entendimento do STJ com relação ao caráter subjetivo da actio nata. Conclusão. Referências.
Introdução
Embora a prescrição, durante longa data, tenha sido um instituto completamente estranho ao direito romano, ao surgir no direito pretoriano e até que se convertesse em regra geral, era tratada como exceção à antiga norma da duração perpétua das ações[1].
Seu principal fundamento, portanto, sempre foi a necessidade de por fim às incertezas de determinadas relações jurídicas, suscetíveis de dúvidas e controvérsias, por meio de um lapso temporal determinado.
Para PONTES DE MIRANDA[2], o fundamento da prescrição está na paz social e na segurança da ordem jurídica. Não tem por escopo destruir o direito no qual se fundam as pretensões, tampouco de cancelá-las e/ou apagá-las, mas apenas fazer com que determinada exigibilidade ou acionabilidade não se perpetue no tempo.
Em igual sentido, PEREIRA[3] alerta que a prescrição é instituída com fundamento em um motivo de ordem pública – o de afastar as incertezas em torno da existência e eficácia do direito -, mas no interesse privado do favorecido. Permitir a uma parte, que durante longo período se manteve inerte, conivente com a constituição de uma situação contrária ao seu direito, mais tarde reviva o passado é perpetuar a incerteza na vida social.
1 O fundamento da prescrição para o STJ
No tocante ao fundamento da prescrição, existem perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) duas correntes: (i) a primeira, que reconhece que o fundamento da prescrição está na paz social e na segurança da ordem jurídica e (ii) a segunda, que defende que o fundamento da prescrição está no castigo à negligência, amparada pela máxima segundo a qual o direito não socorre aqueles que dormem (dormientibus non sucurrit ius).
No tocante à primeira corrente, segundo a qual o prazo prescricional é estabelecido como medida de pacificação e segurança jurídica, pode-se citar os trechos das ementas abaixo colacionados:
“O Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento firme de que a citação da sociedade executada interrompe a prescrição em relação aos seus sócios-gerentes para fins de redirecionamento da execução fiscal, que deverá ser promovida no prazo de cinco anos, prazo esse estipulado como medida de pacificação social e segurança jurídica, com a finalidade de evitar a imprescritibilidade das dívidas fiscais”. (AgRg no AREsp 220.293/PA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 16/11/2015, sem destaques no original).
“Afastar os efeitos da decadência em razão da ausência de debate de questões de fato e/ou de direito no processo administrativo de concessão do benefício é viabilizar, de forma transversa, que o segurado possa, sob o pálio de tal argumentação, promover, a qualquer tempo, discussão sobre o ato de concessão, tornando letra morta o preceito legal instituído no art. 103 da Lei 8.213/91 pela redação dada pela MP 1.523-9/1997 (convertida na Lei 9.528/97), que visa salvaguardar instituto tão relevante quanto à decadência, que, ao fim e ao cabo, assim como a prescrição, intentam evitar a eternização de litígios e promover segurança jurídica e estabilidade nas relações sociais”. (AgInt no REsp 1589295/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/08/2016, DJe 25/08/2016, sem destaques no original).
“O Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento firme de que a citação da sociedade executada interrompe a prescrição em relação aos seus sócios-gerentes para fins de redirecionamento da execução fiscal, que deverá ser promovida no prazo de cinco anos, prazo esse estipulado como medida de pacificação social e segurança jurídica, com a finalidade de evitar a imprescritibilidade das dívidas fiscais. Precedentes: AgRg no Ag 1.211.213/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 24.2.2011; AgRg no REsp. 1.202.195/PR, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe 22.2.2011”. (AgRg no AREsp 220.293/PA, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/11/2015, DJe 16/11/2015, sem destaques no original).
Como se pode verificar, essa corrente entende que o lapso prescricional visa evitar a eternização dos litígios e tem por escopo a proteção da segurança jurídica e a estabilidade das relações sociais.
Já no tocante a segunda corrente, segundo a qual o fundamento da prescrição está no castigo à negligência, amparada pela máxima segundo a qual o direito não socorre aqueles que dormem (dormientibus non sucurrit ius), pode-se citar os trechos das ementas abaixo transcritos:[4]
“O reconhecimento da prescrição tributária é uma espécie de punição à desídia do credor, que deixa de buscar a satisfação do crédito fiscal no tempo legal, de modo que reste atendido também o princípio da segurança jurídica. Registrado pela Corte de origem que não houve negligência da Fazenda estadual, a qual, ao contrário, "(…) tentou o tempo todo a citação dos mesmos." (devedores), bem como que restou caraterizada nos autos a dissolução irregular da sociedade – o que, no entendimento consolidado deste STJ, configura ato de infração à lei -, o que de tudo fica é o reconhecimento pelo Tribunal de origem, soberano na análise do conjunto fático-probatório dos autos, de que não houve desídia do Fisco Paulista e que, portanto, não se pode falar em aplicação da "pena" prescritiva. (AgRg no REsp 1548737/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 19/11/2015, sem destaques no original).
“A prescrição intercorrente pressupõe desídia do credor que, intimado a diligenciar, se mantém inerte, hipótese, segundo as instâncias ordinárias, não verificada no caso dos autos. (AgRg no AREsp 144.978/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 19/06/2013, sem destaques no origional).
Contudo, mesmo para os adeptos da corrente da prescrição como um castigo à negligência do titular do direito violado, não seria razoável admitir que a contagem do prazo prescricional se iniciasse sem a sua ciência inequívoca. A negligência é pressuposto para a prescrição, de modo que não há comportamento negligente se a inércia do titular decorre da ignorância da violação.
Nesse sentido, inclusive, também já reconheceu o STJ:
“Todo prazo prescricional tem como termo inicial o conhecimento da parte interessada acerca do direito controvertido. In casu, não há elementos nos autos que comprovem que a SUCESSÃO, ou os próprios herdeiros da falecida servidora, foram intimados do arquivamento da ação de execução originária, motivo pelo qual esse marco temporal não pode ser tomado como termo inicial para o reinício da contagem da prescrição”. (AgRg no Ag 1321967/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 19/12/2011).
1.1 O termo a quo para a contagem do lapso prescricional
Os diversos autores que se dedicaram à análise do termo inicial da prescrição fixaram-no, sem divergência, no nascimento da ação (actio nata) – esta entendida com a pretensão – quando então ocorria a violação de um direito.
SAVIGNY, por exemplo, apontava que a actio nata caracterizava-se por dois elementos: a) existência de um direito atual, suscetível de ser reclamado em juízo e a b) a violação desse direito[5].
LEAL[6], ainda na vigência do Código Civil de 1916, já apontava as condições elementares para se verificar a ocorrência da prescrição: (i) a existência de uma ação exercitável (actio nata); (ii) a inércia do seu titular e (iii) a continuidade dessa inércia durante determinado período; e (iv) a ausência de algum ato ou fato impeditivo, interruptivo ou suspensivo do lapso prescricional.
O Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch ou BGB) dispõe que “o direito de exigir que alguém faça ou deixe de fazer alguma coisa (Prescrição[7]) está sujeito à prescrição” (§194, 1[8]); e a prescrição somente se inicia com o nascimento da pretensão. O direito de exigir contido no §194 pressupõe a cobrança extrajudicial (tendo em vista a possibilidade de realização espontânea do direito por parte do sujeito passivo), visto que a via judicial constitui a ação propriamente dita (ou ação judicial), e corresponde ao outro sentido que os romanos davam à actio.
Orientado pela doutrina dominante da época, o Código Civil de 2002, em seu artigo 189, consignou que, violado um direto, nasce para o seu titular uma pretensão, que pode ser extinta pela prescrição, nos termos dos artigos 205 e 206, senão veja-se:
“Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.
2 A ciência inequívoca como viés subjetivo da prescrição
É vetusta a polêmica em torno de ser ou não permitido um elemento subjetivo entre as condições da prescrição (a ciência inequívoca por parte do titular da pretensão) ou se esta deveria ser interpretada de modo estritamente objetivo (a violação da norma). Essa discussão ganha relevo especialmente em casos de ilícitos complexos, onde a relação entre a violação de algum direito e o resultado nocivo não são, a priori, tão evidentes.
No final da década de 80, mais de vinte anos antes da vigência do Código Civil de 2002, LEAL[9], entendendo ser a prescrição um castigo à negligência, já afirmava não ser racional admitir que a contagem do lapso prescricional se iniciasse sem a ciência (inequívoca) do titular do direito violado. Em outras palavras, não haveria prescrição sem negligência, nem negligência sem conhecimento da violação, pois, para que se pudesse considerar o comportamento desidioso, a inércia do titular teria que ser consciente.
Em 1991, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) reconheceu o caráter subjetivo da prescrição, como se pode inferir de seu artigo 27[10], segundo o qual, havendo acidente de consumo, o prazo prescricional de cinco anos tem início com o conhecimento do dano e de sua autoria, senão confira-se:
“Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria”.
Surge, assim, um novo dimensionamento da prescrição, valorizando a questão da informação e a boa-fé objetiva.
CANARIS[11], comentando a reforma do BGB, aprovada em 1o de janeiro de 2002, há exatos 09 (nove) dias da publicação do Código Civil Brasileiro vigente (em 10.01.2002), aponta que uma das soluções encontradas pelo legislador alemão foi introduzir o chamado sistema subjetivo aos prazos prescricionais. Até então, o BGB era orientado pelo modelo objetivo, segundo o qual a prescrição começava a contar a partir do momento em que nascia o direito de pleitear (violação do direito), independentemente de o credor ter ou não (ou poder ou não ter) conhecimento do fato. Em oposição, no sistema subjetivo, o decurso do prazo depende desse conhecimento ou, respectivamente, da possibilidade de obtê-lo.
Como decorrência da alteração introduzida no BGB, a prescrição só começa a contar com a constituição em mora ou quando o credor toma (ou poderia tomar) conhecimento das circunstâncias violadoras de seu direito e da identidade do infrator, exceto os casos de negligência grosseira (artigo 199, 1, do BGB)[12].
Nesse sentido, confira-se trecho da palestra de CANARIS, abaixo colacionado:
“Na realidade, a prescrição constituía uma das piores partes do nosso Código Civil. O prazo regulamentar da prescrição era de 30 anos (de acordo com o artigo 195 da antiga versão do CCA) sendo, portanto, um período muito longo. O aspecto mais crítico, entretanto era que esse prazo de prescrição estava sujeito a diversas exceções cujas justificativas, na maioria das vezes, eram obscuras e fundamentadas em tradições históricas, sem fundamentos racionais. Portanto, não seria possível apenas reduzir o prazo para um período inferior a 30 anos. Ao invés disso, a solução a ser encontrada deveria basear-se em um modelo muito mais simples que conseguisse reduzir, significativamente, o número dos diferentes prazos em vigor. O legislador encontrou essa solução introduzindo o chamado sistema subjetivo de prazos prescricionais. O antigo direito das obrigações alemão orientava-se pelo sistema objetivo. Segundo este, a prescrição começa a contar a partir do momento em que nasce o direito de pleitear, independentemente do credor ter ou não conhecimento do fato ou poder ou não ter esse conhecimento. Em oposição, no sistema subjetivo, o início do decurso de prazo depende desse conhecimento ou, respectivamente, da possibilidade de obtê-lo.
De acordo com a nova lei, a prescrição só começa a contar quando o credor toma conhecimento ou deveria tomar conhecimento, com exceção dos casos de negligência grosseira, das circunstâncias que constituem a reclamação e a identidade do devedor (artigo 199, I do CCA). Isso permite uma redução drástica da duração do prazo – especificamente, para um período de três anos (artigo 195 do CCA).
No entanto, esse modelo apresenta uma deficiência, qual seja, que o início da prescrição não é certo, podendo ser postergado indefinidamente. Como consequência, o sistema subjetivo deve ser complementado pelo sistema objetivo. Isso significa que o prazo de prescrição, que começa com o conhecimento do credor, tem de estar relacionado a outro prazo que começa assim que nasce o direito de pleitear. Esse prazo objetivo adicional na nova legislação alemã é de dez anos (artigo 199, III do CCA). Logo, de modo geral, o pleito prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que credor toma conhecimento da sua existência, ou não o faz devido a uma negligência grosseira, havendo porém um prazo máximo de dez anos a contar da data em que passa a existir o direito de pleitear. Essa solução é uma combinação dos sistemas objetivo e subjetivo, não representando nenhuma novidade na legislação alemã, pois, na realidade, já vigorava de forma praticamente idêntica na área de responsabilidade civil (em consonância com o artigo 852 da antiga versão do CCA). Portanto, o que constituía uma exceção tornou-se a regra”.
2.1 O entendimento do STJ com relação ao caráter subjetivo da actio nata
Também em relação à feição subjetiva da actio nata o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) se divide igualmente em duas correntes: (i) a primeira que reconhece que o termo a quo da prescrição é o nascimento da pretensão, mas afirma que a sua contagem se dá a partir da lesão, independentemente de seu conhecimento pelo titular e (ii) a segunda, que reconhece que a contagem do prazo prescricional deve se dar a partir do momento em que o titular da pretensão toma ciência inequívoca da violação ou da lesão ao seu direito subjetivo.
No tocante à primeira corrente, confira-se o trecho extraído dos Recursos Repetitivos (REsp 1003955/RS e REsp 1028592/RS):
“TERMO A QUO DA PRESCRIÇÃO: o termo inicial da prescrição surge com o nascimento da pretensão (actio nata), assim considerada a possibilidade do seu exercício em juízo. Conta-se, pois, o prazo prescricional a partir da ocorrência da lesão, sendo irrelevante seu conhecimento pelo titular do direito”. (REsp 1003955/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 27/11/2009 e REsp 1028592/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 27/11/2009).
Já no tocante à segunda corrente, pode-se citar, à guisa de exemplo, as seguintes ementas:
“AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO CIVIL. CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. ART. 27 DO CDC. PRESCRIÇÃO. TERMO A QUO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO ATO DANOSO. LAUDO TÉCNICO ATESTANDO O ATO ILÍCITO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. "O curso do prazo prescricional do direito de reclamar inicia-se somente quando o titular do direito subjetivo violado passa a conhecer o fato e a extensão de suas consequências, conforme o princípio da actio nata" (REsp 1257387/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2013, DJe 17/09/2013) 2. A prescrição do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor é de 5 (cinco) anos, começando a fluir com a data da ciência inequívoca do ato danoso, que no caso ocorreu com a elaboração de laudo técnico atestando a ocorrência de cobrança de encargos abusivos. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido”. (AgRg no REsp 1324764/PB, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 20/10/2015).
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. CONTAMINAÇÃO DO SOLO E DO LENÇOL FREÁTICO POR PRODUTOS QUÍMICOS UTILIZADOS EM TRATAMENTO DE MADEIRA DESTINADA À FABRICAÇÃO DE POSTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO CABIMENTO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA. PRECEDENTES. 1. A demonstração do dissídio jurisprudencial pressupõe a ocorrência de similitude fática entre o acórdão atacado e o paradigma, o que não ocorreu no caso. 2. Inviável a incidência da Súmula nº 7/STJ a obstaculizar o conhecimento do recurso, visto que se trata, na espécie, tão somente de firmar posição sobre tese jurídica, isto é, qual o termo inicial para a contagem do prazo prescricional. Precedentes. 3. Não há como se presumir que, pelo simples fato de haver uma notificação pública da existência de um dano ecológico, a população tenha manifesto conhecimento de quais são os efeitos nocivos à saúde em decorrência da contaminação. 4. Na linha dos precedentes desta Corte Superior, o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de indenização, por dano moral e material, conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e nesta parte não provido, para dar prosseguimento ao processo”. (REsp 1346489/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/06/2013, DJe 26/08/2013).
Embora a opinião do STJ ainda esteja dividida em se tratando do caráter subjetivo da prescrição, não se pode negar que a Súmula 278/ST reconhece que o lapso prescricional só se dá a partir da ciência inequívoca, senão confira a redação dada à Súmula 278: “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral” (e não da data do acidente).
É, portanto, a partir ciência inequívoca da violação de um direito que esse se considera violado; não basta a sua violação, sendo necessário a ciência inequívoca do fato, a partir da qual se inicia a fluência do prazo prescricional. Ainda que seja juridicamente possível o exercício da pretensão desde a violação do direito, não há como se exigir de seu titular que ajuíze a ação antes da ciência da ilicitude e seus efeitos.
Contudo, não se pode olvidar que o caráter puramente subjetivo da prescrição é falível, podendo esta incerteza do início da contagem do prazo prescricional transformar-se em uma postergação indefinida.
Nesse sentido, CANARIS[13] lembra que a solução encontrada pelo legislador civilista alemão, onde a teoria da actio nata foi concebida, foi estabelecer, em conjunto e adicionalmente ao caráter subjetivo (ciência inequívoca), uma regra objetiva. Assim, além de a contagem do prazo prescricional iniciar-se com o conhecimento do possível prejudicado, deve igualmente estar relacionada ao direito de pleitear. Portanto, o BGB limita o prazo prescricional a 10 (dez) anos da data da violação do direito (artigo 199, 4)[14], independentemente do seu conhecimento.
Conclusão
Como se pode inferir, a teoria da actio nata prevista no artigo 189 do Código Civil brasileiro – segundo o qual: “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206” -, vem sendo aplicada cum grano salis, sob a influência da doutrina alemã. A uma, por reconhecer a prescrição da pretensão, e não da ação; e, a duas, por haver perante o STJ corrente que lhe confere um caráter subjetivo, ao vincular a violação do direito à ciência inequívoca do prejudicado.
As correntes que reconhecem que o fundamento da prescrição está na paz social e na segurança da ordem jurídica e, ainda, que a contagem do prazo prescricional deve se dar a partir do momento em que o titular da pretensão toma ciência inequívoca da violação ou da lesão ao seu direito subjetivo, parecem ser as mais acertadas, pois, como já lembrava PONTES DE MIRANDA, a prescrição não tem por finalidade destruir o direito no qual se fundam as pretensões, tampouco de cancelá-las e/ou apagá-las, mas apenas fazer com que determinada exigibilidade ou acionabilidade não se perpetue no tempo.
No entanto, ainda que se entendesse ser a prescrição um castigo à negligência, não seria racional admitir que a contagem do lapso prescricional se iniciasse sem a ciência inequívoca do titular do direito violado. Em outras palavras, não haveria prescrição sem negligência, nem negligência sem conhecimento da violação, pois, para que se pudesse considerar o comportamento desidioso, a inércia do titular teria que ser consciente.
Pode-se concluir, portanto, que a melhor solução encontrada para aplicação da teoria da actio nata foi aquela adotada pelo direito alemão que confere em conjunto e adicionalmente ao caráter subjetivo (ciência inequívoca), uma regra objetiva. É dizer, além de a contagem do prazo prescricional iniciar-se com a ciência inequívoca do possível prejudicado, deve-se igualmente relacioná-la ao direito de pleitear. Como já mencionado, o BGB limita o prazo prescricional a 10 (dez) anos da data da violação do direito (artigo 199, 4)[15], independentemente do seu conhecimento.
Informações Sobre o Autor
Cláudia Gama Gondim
Bacharel em Direito pela Faculdade Milton Campos 2002. Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais 2005. Doutoranda