A Teoria da Imprevisão e a sua (in)aplicabilidade nos contratos aleatórios por natureza

Resumo: No presente artigo, os autores se propõem a buscar na doutrina brasileira, posicionamentos referentes à aplicabilidade da teoria da imprevisão aos contratos aleatórios por natureza, visando uma maior compreensão do assunto. O principal objetivo do presente trabalho é saber onde se concentra a limitação imposta aos contratos aleatórios, a fim de indagar se é possível, ou não, a aplicação da onerosidade excessiva nesses casos. Nesses contexto, serão definidos ambos os institutos de acordo com o código civil brasileiro. Este trabalho foi orientado pelo Professor Dannilo Ferreira Figueiredo.


Palavras-chave: onerosidade excessiva – contratos aleatórios por natureza – aplicabilidade – doutrina brasileira – código civil brasileiro


Abstract: In this article, the authors proposes to search the brazilian doctrine, attitudes rejarding the applicability of the theory of unpreditability of random contracts by nature, seeking a better understanding of the subject. The main objective of this study is to know which concentrates limitation on random contracts, to inquire whether it is possible or not, the application of excessive burden in such cases. In such context, both institutes will be set according to brazilian civil code.


Keywords: excessive burden – random contracts by nature – application – brazilian doctrine – brazilian civil code


Sumário: 1. Introdução – 2. Da teoria da onerosidade excessiva: 2.1 Histórico; 2.2 Da teoria da imprevisão e seus pressupostos de aplicabilidade no CCB: 2.2.1 Da imprevisibilidade e extraordinariedade; 2.2.2 Do excessivo desequilíbrio contratual entre as partes; 2.2.3 Dos contratos de execução diferida e continuada – 3. Dos contratos aleatórios no direito civil brasileiro – 4.  Da aplicabilidade do instituto aos contratos aleatórios na visão da doutrina: 4.1 Dos posicionamentos conservadores; 4.2 Dos posicionamentos contemporâneos – 5. Considerações finais – 6. Referências bibliográficas.


1. Introdução


Sabe-se que os contratos criam vínculos obrigacionais entre as partes, pacta sunt servanda. Se assim não fosse, o direito contratual seria sucumbido ao regime anárquico e caótico (VENOSA, 2009. p. 366). Entretanto, essa rigidez, que é necessária para manter a força do acordo de vontades, pode criar o império da injustiça e do desequilíbrio contratual (FIUZA,1999, p. 10) se for abordada sem flexibilidade.


Foi pensando dessa forma que o legislador atentou para a acepção mais moderna da função do contrato, que não é a de exclusivamente atender aos interesses das partes contratantes (…), hoje o contrato é visto como parte de uma realidade maior e como um dos fatores de alteração da realidade social (PEREIRA, 2006, p. 13).


Humberto Theodoro Júnior (2001. p. 65) entende que, o contrato (…) obriga com força de lei, mas se curva diante do ideal de justiça que se acha implícito em qualquer ordenamento jurídico do mundo civilizado. E embora haja maneiras excepcionais de resolver as obrigações em alguns contratos, outros se mantém inalteráveis em virtude de uma pseudo-segurança jurídica, como acontece nos contratos aleatórios no que diz respeito à inaplicabilidade da teoria da imprevisão. Para César Fiúza (1999, p. 10), negar a imprevisão nesses contratos pode ser motivo de injustiças jurídicas.


Não se propõe com isso, enfraquecer ou deturpar os princípios milenares como o da força obrigatória dos contratos, mas analisar a dinâmica do ordenamento jurídico, em particular a teoria dos contratos aleatórios, que ora sofre influências de valores adotados pelo novo código civil brasileiro.


O núcleo do estudo concentra-se em buscar na doutrina a limitação imposta para aplicar-se a teoria da imprevisão nos contratos aleatórios, e como complemento para o alcance de tal meta, foram avençados ainda os seguintes objetivos complementares: a) analisar o instituto da teoria da imprevisão, seu histórico e tratamento atual  na legislação brasileira; b) fazer uma definição dos contratos aleatórios no direito civil brasileiro; e c) realizar um estudo sobre as posições doutrinárias existentes a respeito do assunto.


Sabe-se que a doutrina nacional não é pacífica quanto à revisão dos contratos aleatórios. Há muita controvérsia acerca da aplicação da teoria da imprevisão nesses contratos, muito embora haja uma possibilidade de conferir a imprevisão naqueles casos em que o risco extrapole o avençado pelas partes.


Esse estudo justifica-se pela relevância que o assunto vislumbra sob os primas jurídico e acadêmico, principalmente a partir da vigência do Código Civil Brasileiro de 2002, o qual aborda os contratos pela perspectiva dos princípios da função social e da boa-fé objetiva. É de se destacar também que o presente trabalho teve por base uma pesquisa eminentemente teórica e foi embasada pelo método hipotético-dedutivo, por se propor  buscar na milenar Teoria da Imprevisão fundamentos que justificassem a aplicação nos contratos aleatórios por natureza.


2. Da Teoria da onerosidade excessiva


2.1 Histórico


A Teoria da Imprevisão surgiu na Babilônia, há aproximadamente 2700 A.C., através do Código de Hamurabi, na Lei 48, que determinava: se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou por falta d’água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano (RT 845/727). Nessa época, a Teoria da Imprevisão era denominada como cláusula rebus sic stantibus, expressão latina que significa enquanto as coisas estão assim.


No direito Romano a aplicabilidade de tal instituto não foi contemplada, ou seja: uma obrigação assumida devia ser cumprida a qualquer custo, mesmo que o seu cumprimento fosse a ruína de um dos contratantes. Isto significa que os romanos jamais admitiram na prática a quebra do contrato o qual não poderia ser revisado, mesmo que a sua revisão fosse oriunda de um acontecimento superveniente ou imprevisto, ocasionando uma onerosidade excessiva ao devedor e uma vantagem excessiva ao credor (RT 845/728).


Durante a idade média a teoria foi revigorada plenamente, entre os séculos XIV e XVI, com os pensadores daquela época, tais como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Sendo a sua aplicação desordenada e generalizada até meados do século XVIII.


No período que se seguiu até o século XX, os Códigos Francês e Italiano, não fizeram qualquer referência legal ao instituto, pelo contrário, enalteciam o princípio da vontade humana e a força obrigatória dos pactos (RT 845/731), causando novamente um retrocesso.


E assim permaneceu até que surgissem as guerras mundiais, quando ocorreram profundas alterações econômicas e sociais que refletiram no mundo jurídico mitigando a rigidez do brocardo pacta sunt servanda e fazendo renascer a antiga cláusula rebus sic stantibus, com nova roupagem e posição privilegiada entre os doutrinadores jurídicos com ampliadas possibilidades de sua utilização (RT 845/731).


No Brasil tal instituto foi trabalhado primeiramente por Jair Lins e no início a resistência dos tribunais foi unânime (PEREIRA, 2006, p.164), a posteriori na década de 1930 a suprema corte brasileira aderiu às novas tendências, fazendo com que vários doutrinadores dispusessem sobre a matéria.


2.2 Da teoria da imprevisão e seus pressupostos de aplicabilidade no CCB


Antes de iniciar os pressupostos de aplicação da teoria da imprevisão, necessária se faz uma diferenciação do instituto perante outros encontrados no ordenamento jurídico. Segundo Samir José Caetano Martins (2007, p. 235) a onerosidade excessiva não se confunde com a impossibilidade da prestação (que configuraria caso fortuito e força maior), nem dificuldade de adimplemento que constitui condição do devedor e não qualidade da prestação. Parece bastante óbvio, já que nos casos de onerosidade excessiva a prestação de certa maneira ainda é possível e não existe a perda do objeto, embora essa se torne custosa em virtude de outros motivos.


A matéria vem sendo tratada pelo Código Civil brasileiro de 2002, que trouxe em seu artigo 478 os elementos possibilitadores da resolução ou revisão por onerosidade excessiva: I) alteração da realidade em que foi realizado o negócio, que não poderia ter sido prevista pelas partes; II) oneração excessiva para uma das partes, com concomitante vantagem extrema para a outra contratante; e III) a necessidade que os contratos sejam de execução diferida ou continuada.


2.2.1 Da imprevisibilidade e extraordinariedade


É pacifico na doutrina que os eventos extraordinários e imprevisíveis devem estender-se para uma camada significativa da sociedade, não justificando uma apreciação subjetiva do desequilíbrio das prestações (PEREIRA, 2006, p. 165). Outro ponto a ser salientado é o caráter temporal dos eventos, visto que na proporção que o fato se torna comum, a tendência dos tribunais será a de manifestarem-se contrariamente.


Nesse sentido, os autores tem entendido que os acontecimentos imprevisíveis e extraordinários, são aqueles inevitáveis, cuja prevenção é algo impossível e mesmo que possam ser previsíveis, suas consequências tornam-se insuscetíveis de reparação.


Frise-se, a título de exemplo, que nos primeiros anos de inflação no Brasil, inúmeros litigantes recorreram ao Poder Judiciário a fim de revisar ou resolver contratos comprometidos pelo eventos até então extraordinários e imprevisíveis de consequências insuportáveis. Entretanto, com o passar do tempo, essa questão passou a ser entendida de outra maneira. O mesmo ocorrendo com o ingresso da ferrugem asiática no país gerando devastações nas lavouras de soja, durante os anos de 2000/2003.


Hoje tais fatos são encarados de maneira natural, visto que a inflação tornou-se um fenômeno econômico comum, típico dos países em desenvolvimento e a praga estrangeira foi controlada devido aos avanços científicos. Recentemente, a crise econômica mundial 2008/2009, tem sido a causa de um novo ciclo de litígios no Judiciário passível de aceitação.


2.2.2 Do excessivo desequilíbrio contratual entre as partes


Um outro requisito a ser mencionado é o excessivo desequilíbrio contratual entre as partes, em que o negócio contratual (…), é levado pela força incoercível das circunstâncias externas, situações de extrema injustiça, conduzindo o rigoroso cumprimento do obrigado ao enriquecimento de um e ao sacrifício de outro (PEREIRA, 2006, p. 161-162).


Para reforçar o entendimento nesse aspecto, deve-se levar em conta a lição do professor Arnoldo Wald (2009, p. 310): a teoria da imprevisão considera o contrato não como negócio isolado, mas como algo que se insere dentro de uma realidade e está sujeito às incertezas inevitáveis, próprias e imanentes do futuro. Assim, ela é aplicada quando há modificação das circunstâncias de forma a onerar excessivamente uma das partes, isto é, busca retomar o equilíbrio quando os contratantes não vislumbram mais a mesma realidade em que foi celebrado o contrato. Em última análise, ela está relacionada com o contrato no tempo, e seu objetivo é tutelar as partes da alteração da realidade que era desconhecida no momento da realização do contrato.


Com a utilização de uma interpretação sistemática sobre a matéria, verifica-se que os instrumentos previstos no CCB – como exemplos, a possibilidade de resolução ou revisão contratual em caso de onerosidade excessiva, atendimento da função social do contrato – , mantêm-se interligados de forma a buscar um interesse comum, que é a proteção contra o enriquecimento sem causa (art.884 CC).


O legislador ao prever o enriquecimento imotivado, muniu o ordenamento jurídico de aparatos capazes de lidar com as situações que transcendessem a órbita contratual estipulada pelas partes, mas que nela, ele suspeitaria que poderiam influir. É até admirável, o modo com que o assunto foi tratado pelo Código Civil de 2002, em vista dos tímidos casos em que se permitia a um dos contraentes furtar-se da responsabilidade de arcar com a avença (inobservância de requisitos legais, vícios do negócio jurídico). Assim, por mais que uma das partes não tenha praticado um ato ilícito, com a finalidade de reduzir a outra à extrema onerosidade enquanto se enriquece imotivadamente, o direito contratual passou a entender que tal situação configura-se injusta.


2.2.3 Dos contratos de execução diferida e continuada


Além dos pressupostos acima mencionados, exige-se que a execução desses contratos não deve ser instantânea, ou seja, inexiste simultaneidade de prestações. Desse modo, os contratos passíveis de aceitação da teoria da imprevisão, são pautados em execuções diferidas (em que uma das partes arca com a sua prestação em momento posterior) ou continuadas (quando envolve a necessidade de prestações periódicas).


3. Dos contratos aleatórios no Direito Civil brasileiro


O direito civil brasileiro contempla o contrato aleatório, que, segundo Caio Mario da Silva Pereira (2006, p. 68) são contratos em que a prestação de uma das partes não é precisamente conhecida e suscetível de estimativa prévia, inexistindo equivalência de valores. Para o referido autor, o risco de perder ou ganhar pode ser de um ou de ambos; mas a incerteza do evento tem que ser dos contratantes, sob pena de não subsistir a obrigação. A álea pode versar sobre a existência da coisa, ou sobre a sua quantidade (2006, p.69). Tal instituto é dividido em duas espécies, os contratos acidentalmente aleatórios (art. 458 e 459) e os contratos aleatórios por natureza (art. 460), ambas previstas expressamente no Código Civil de 2002, in verbis:


Art. 458. Se o contrato for aleatório, por dizer respeito a coisas ou fatos futuros, cujo risco de não virem a existir um dos contratantes assuma, terá o outro direito de receber integralmente o que lhe foi prometido, desde que de sua parte não tenha havido dolo ou culpa, ainda que nada do avençado venha a existir.


Art. 459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também o direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada. (…)


Art. 460. Se for aleatório o contrato, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato.


Quanto a aplicação da teoria da imprevisão nos contratos aleatórios acidentais, não existe nenhum óbice, para impedir uso do instituto, visto que as prestações envolvendo coisas ou fatos futuros, bem como o risco relativo a sua quantidade podem ser alcançados pelos eventos extraordinários e imprevisíveis.


4. Da aplicabilidade do instituto aos contratos aleatórios na visão da doutrina


4.1 Dos posicionamentos conservadores


A eventualidade faz parte da natureza dos contratos aleatórios. Os riscos e os eventos futuros, incertos e desconhecidos, estão na própria constituição do negócio. A possibilidade de existir frustração de uma das prestações é temor rotineiro para aqueles que se submetem a um contrato incerto. Por isso estipulam cláusulas que antecipam os riscos futuros, a fim de evitar profundos prejuízos econômicos.


Como anota Orlando Gomes (2001, p. 36), o contrato obriga os contratantes, sejam quais forem as circunstâncias em que tenha de ser cumprido. Sabe-se que, por unanimidade, a Doutrina e a Jurisprudencia brasileiras, apoiadas no princípio da obrigatoriedade contratual,  pacta sunt servanda, não aceitam a resolução do contrato aleatório em face de prejuízos econômicos advindos de um mau negócio jurídico.


Caio Mário da Silva Pereira (2006, p. 167), sustenta posição compatível com essa corrente dizendo em sua obra que nunca haverá lugar para a aplicação da teoria da imprevisão naqueles casos em que a onerosidade excessiva provém da álea normal e não do acontecimento imprevisto, como ainda nos contratos aleatórios, em que o ganho e a perda não podem estar sujeitos a um gabarito predeterminado.


4.2 Dos posicionamentos contemporâneos


Uma segunda corrente prevê a possibilidade de aplicação da teoria da imprevisão aos contratos aleatórios por natureza, formada pelas ideias do professor César Fiuza e do doutor Nelson Borges, que constituem corrente minoritária na doutrina brasileira.


Segundo os eminentes doutrinadores a discussão inicia-se a partir da vigência do Código Civil italiano de 1942, berço do instituto da onerosidade excessiva antes de ingressar em nosso ordenamento jurídico nacional. O referido ordenamento estrangeiro traz em seus artigos 1.467 e 1.468 a definição da onerosidade excessiva e a forma de solução dos conflitos; entretanto, seu artigo 1.469 prevê a proibição da aplicação de tal instituto aos contratos aleatórios por natureza ou pela vontade das partes.


O legislador brasileiro buscou no Código italiano a matéria que regulamentava a onerosidade excessiva. Contudo, absteve-se de positivar o artigo que tratava da proibição de sua aplicação aos contratos aleatórios.


Por conseguinte, o Código Civil Brasileiro parece ter sido superado nesse quesito, visto que alguns Códigos, como o argentino, (art. 1.198) e o peruano (art. 1.441) estabeleceram que o instituto é aplicável aos contratos aleatórios quando a excessiva onerosidade obedeça a causas estranhas ao risco do próprio contrato (CAETANO MARTINS, 2007, p. 233).


Outro ponto a ser levado em conta é que enquanto os demais contratos possuem duas áleas, uma natural e uma extraordinária, o doutor Nelson Borges (RT 782/81), defende que os contratos aleatórios por natureza possuem três áleas, independentes e diferenciadas, a saber: uma natural, comum a todos os pactos, em que os riscos são previsíveis, com soluções normatizadas; outra, de natureza extracontratual, específica para a identificação de acontecimentos imprevisíveis, inteiramente alheios e diferenciados; e uma terceira, determinada pela natureza sui generis da contratação, marcada pela dúvida, pela incerteza da contraprestação.


Esse mesmo autor (RT 782/81) discorre sobre as situações imprevisíveis e extraordinárias que podem recair sobre três áleas, e sobre as consequências a serem geradas:


a) se, nessas contratações aleatórias, o acontecimento recair sobre a álea natural, de riscos previsíveis (ex.: desobediência a cláusulas contratuais expressas), a própria lei prevê solução;


b) se o fato incidente sobre a base negocial for imprevisível, não atingindo nem a álea sui generis do pacto aleatório, nem a normal, mas em plano de natureza extracontratual, não cabem dúvidas de que a doutrina da imprevisibilidade encontrará espaço;


c) finalmente, se a prestação de uma das partes estiver caracterizada pela dúvida, incerteza, imprecisão (seguro, jogo, aposta), identificadores do caráter aleatório da contratação, também a normatização já existente no estatuto privado sobre a espécie ditará as regras a serem seguidas.


Com base nos conceitos acima mencionados, alguns doutrinadores brasileiros entenderam ser possível a aplicação desse instituto aos contratos aleatórios por natureza,  desde que o evento alterador da base contratual não se relacione com sua álea específica de dúvidas, de incertezas. Se àquela álea estiver ligado, seu emprego será afastado (RT 782/82). O fato do Código Civil de 2002 não ter contemplado a matéria aliado aos argumentos expostos, deixou uma incógnita no ordenamento jurídico: neste caso aplicar-se-á tal entendimento visto que no direito brasileiro, aquilo que não é proibido por lei é permitido?


5. Considerações finais


De acordo com o estudo realizado chegou-se à conclusão de que a teoria da onerosidade  excessiva deve funcionar de maneira excepcional, como forma de se evitar as injustiças que surgem de mudanças sociais e econômicas. É necessário salientar, que o presente trabalho não pretendeu substituir um instituto pelo outro, o que se expôs, foi que em situações de inequívocas instabilidades aliadas aos pressupostos estabelecidos no ordenamento vigente, fossem resolvidos ou revisados os negócios jurídicos afetados.


No que tange a aplicação da dita teoria aos contratos aleatórios, são conflitantes as posições doutrinárias que dizem respeito do assunto e verificou-se que a corrente majoritária entende ser inaplicável a teoria da imprevisão aos contratos aleatórios por natureza, tendo como argumentos a incerteza, o risco inerentes a esses contratos e alegando uma incompatibilidade entre os institutos.


De outra parte, são poucos os doutrinadores que corroboram as ideias do doutor Nelson Borges, que prevê a possibilidade de aplicação da imprevisibilidade nos contratos aleatórios por natureza, quando o acontecimento tiver relação com a álea extraordinária da avença.


É importante notar, que um contrato não atinge sua função social quando uma das partes se enriquece de maneira imotivada, enquanto a outra sucumbe patrimonialmente em razão de fatores completamente alheios a sua vontade. Não pode o direito, ignorar essas situações, visto que o sofrimento econômico traz como consequência sofrimentos que ultrapassam a órbita da coisa material e atingem a dignidade do ser humano.


 


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Informações Sobre os Autores

Thiago Silva Santos

Estudante de Direito.

Dannilo Ferreira Figueiredo

Advogado. Professor de Direito Empresarial


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