A teoria do direito penal do inimigo sob a perspectiva do contrato social

Resumo: A Teoria do Direito Penal do Inimigo, idealizada por Gunter Jakobs, defende a criação de um Direito Penal diferenciado, voltado para punir criminosos que se afastam do ordenamento jurídico e não oferecem garantias de que portaram-se novamente de acordo com a norma. Justifica-se assim que o Estado afaste do indivíduo as garantias inerentes aos sujeitos de direito. Jakobs encontra fundamento filosófico para edificar o DPI na Teoria do Contrato Social, pois quem se afasta do contrato dos cidadãos, volta ao seu estado de natureza, devendo ser punido de forma mais rigorosa. Assim, o objeto deste artigo científico é a Teoria do Direito Penal do Inimigo. Seu objetivo é verificar, sob a ótica dos teóricos do Contrato Social, a legitimidade do DPI. Quanto à metodologia empregada, utilizou-se o método indutivo, operacionalizado pelas técnicas da pesquisa bibliográfica e do referente.


Palavras-chave: Direito Penal do Inimigo; Contrato Social; Inimigo.


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Sumário: 1. Introdução; 2. A Teoria do Direito Penal do Inimigo; 3. A Teoria do Direito Penal do Inimigo Sob a Perspectiva do Contrato Social; Consideração Finais; Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO


O presente artigo discorre sobre o suporte filosófico da Teoria do Direito Penal do Inimigo sob a ótica do Contrato Social.


Para a elaboração da pesquisa, partiu-se da análise da da Teoria do Direito Penal do Inimigo, segundo os ensinamentos de seu idealizador, Gunter Jakobs, e de demais juristas.


Seguidamente, discorreu-se sobre a fundamentação de Jakobs no Contrato Social, para a legitimação do DPI, esmiunçando-se os nas obras de Rousseau, Hobbes, Fichte e Kant.


Foi utilizado o método indutivo, operacionalizado, principalmente, pelas técnicas da pesquisa bibliográfica e do referente.


2. A TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO


Gunter Jakobs é sem dúvida um dos penalistas mais polêmicos da atualidade. Discípulo de Welzel, idealizou o funcionalismo sistêmico pautado na Teoria dos Sistemas de Luhmann, sustentando a função primordial do Direito Penal em reafirmar a vigência da norma, para Jakobs seria essa a sua descrição do Direito Penal da Normalidade, ou nas suas palavras, o Direito Penal do Cidadão.1 Em contrapartida, defende a aplicação de um Direito Penal não garantista, denominado Direito Penal para o Inimigo (Direito Penal do Inimigo, Feindstrafrecht em alemão), tendo com base as políticas públicas de combate a criminalidade na esfera nacional e internacional.2


 A Teoria do Direito Penal do Inimigo, estabelece como inimigo do Estado, o indivíduo que, por seu comportamento ser tão lesivo a sociedade, assume uma posição diferente da ocupada pelo cidadão no ordenamento jurídico, na repressão pela transgressão da norma.


 Seria portanto incompatível que o jurista aplique o mesmo sistema penal para ambos os sujeitos, pois suas naturezas são distintas. Jakobs demonstra a diferença entre o inimigo e o cidadão na seguinte premissa: Feinde sind aktuell Unpersonen ou os inimigos não são efetivamente pessoas.3


E quem são os “inimigos do Estado”? Pois bem, resumidamente, os criminosos econômicos, terroristas, delinquentes organizados, autores de delitos sexuais e outras infrações penais, que, por causarem grande repugnância para sociedade, lesando bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal de forma extremamente grave, devem ser considerados “perigosos”..4 O inimigo é aquele que “se afasta de modo permanente do Direito e não oferece garantias cognitivas de que vai continuar fiel a norma”.5 Esse indivíduo, por não apresentar segurança cognitiva suficiente de comportamento social dentro da normalidade, tem sua concepção de pessoa afastada, assim, o Estado não deve tratá-lo como pessoa (cidadão), já que de forma contrária, vulneraria o direito á segurança dos demais.6 Segundo Jakobs:


“[…] quem por princípio se conduz de modo desviado, não oferece garantia de um comportamento pessoal. Por isso, não pode ser tratado como cidadão, mas deve ser combatido como inimigo. Esta guerra tem lugar com um legítimo direito dos cidadãos, em seu direito á segurança; mas diferentemente da pena, não é Direito também a respeito daquele que é apenado; ao contrário, o inimigo é excluído.”7


Desse modo, só é considerada pessoa (Direito Penal do Cidadão) aquele que oferece “uma garantia cognitiva suficiente e um comportamento pessoal, tendo como consequência a idéia de que toda normatividade necessita de uma cimentação cognitiva para poder ser real”,8 pois, “sem um mínimo de cognição, a sociedade constituída juridicamente não funciona”.9 Destarte, a necessidade de um “cimento cognitivo” é tanto da norma, quanto da própria pessoa, de modo que, quando a garantia não se apresenta, o Direito Penal passa de uma postura de punição de seus membros, para uma de combate ao seu inimigo.10 Nesse sentido, leciona Jakons que:


“[…] além da certeza de que ninguém tem o direito de matar, deve existir também a de que com um alto grau de probabilidade ninguém vá matar. Agora, não somente a norma precisa de um fundamento cognitivo, mas também a pessoa. Aquele que pretende ser tratado como pessoa deve oferecer em troca uma certa garantia cognitiva de que vai se comportar como pessoa. Sem essa garantia, ou quando ela for negada expressamente, o Direito Penal deixa de ser uma reação da sociedade diante da conduta de um de seus membros e passa a ser uma reação contra um adversário.”11


Sobre a definição do Inimigo na teoria do DPI, Sánchez disserta que:


“[…] O Inimigo é um indivíduo que, mediante seu comportamento, sua ocupação profissional ou, principalmente mediante sua vinculação a uma organização abandonou o Direito de modo supostamente duradouro e não somente de maneira incidental. Em todo caso, é alguém que não garante mínima segurança cognitiva de seu comportamento pessoal e manifesta esse déficit por meio de sua conduta.”12


Ao dividir os criminosos em cidadão e inimigo, surgem duas formas de aplicar o Direito Penal, possuindo cada qual características próprias. Para Jakobs “não se trata de contrapor duas esferas isoladas do Direito penal, mas de descrever dois pólos de um só contexto jurídico-penal”.13


O Direito Penal aplicado ao cidadão (criminoso normal) será aquele que, apesar do indivíduo ter cometido um ato ilícito, manterá o seu status de pessoa e o seu papel de sujeito de direito dentro do Estado,14 sendo respeitado todas as suas garantias penais e processuais;15 “para este vale na integralidade o devido processo penal”.16


O DPI17 vem a combater o indivíduo considerado como um perigo à sociedade, de forma que o Direito se adianta-se no cometimento do crime, levando em conta tão só a periculosidade do agente.18 Ao Inimigo não há garantias. Esse direito é aplicado a “aqueles que atentam permanentemente contra o Estado: é coação física, até chegar à guerra”. Cidadão é quem, mesmo depois do crime, oferece garantias de que se conduzirá como pessoa que atua com fidelidade ao Direito, já o inimigo não oferece essa certeza.19 Um vem a optimizar a proteção de bens jurídicos (Direito Penal do Inimigo) o outro faz o mesmo com as esferas de liberdade (Direito Penal do Cidadão).20


O Direito Penal do Inimigo necessita eleger a figura de inimigos do Estado, para diferenciá-lo da conduta do cidadão comum, vigorando para esse todos os princípios limitadores do poder punitivo estatal.21 A Teoria em tela não abarca apenas o direito material, mas também o processual, Luiz Flávio Gomes levanta algumas das “bandeiras” do DPI:


“(a) flexibilização do princípio da legalidade (descrição vaga dos crimes e das penas); (b) inobservância de princípios básicos como o da ofensividade, da exteriorização do fato, da imputação objetiva etc.; (c) aumento desproporcional de penas; (d) criação artificial de novos delitos (delitos sem bens jurídicos definidos); (e) endurecimento sem causa da execução penal; (f) exagerada antecipação da tutela penal; (g) corte de direitos e garantias processuais fundamentais; (h) concessão de prêmios ao inimigo que se mostra fiel ao Direito (delação premiada, colaboração premiada etc.); (i) flexibilização da prisão em flagrante (ação controlada); (j) infiltração de agentes policiais; (l) uso e abuso de medidas preventivas ou cautelares (interceptação telefônica sem justa causa, quebra de sigilos não fundamentados ou contra a lei); (m) medidas penais dirigidas contra quem exerce atividade lícita (bancos, advogados, joalheiros, leiloeiros etc.).”22


Em consonância, Riquer e Palácios salientam que o “ Derecho Penal del Enemigo surge como uma postura teórica en la dogmática penal que justifica la existencia de un derecho penal y procesal penal sin las mencionadas garantias.23


 Para Jakobs, separar a aplicação do Direito Penal, tendo em vista a natureza dos sujeitos apenados, preserva(ria) também o Direito Penal do Cidadão de ser contaminado pelo do Direito Penal do Inimigo. O Jurista diferencia as divisão do Direito Penal da seguinte maneira:


“O Direito penal do cidadão é o Direito de todos, o Direito penal do inimigo é daqueles que o constituem contra o inimigo: frente ao inimigo, é só coação física, até chegar á guerra. Esta coação pode ser limitada em um duplo sentido. Em primeiro lugar, o Estado, não necessariamente, excluirá o inimigo de todos os direitos. Neste sentido, o sujeito submetido á custódia de segurança fica incólume em seu papel de proprietário de coisas. E, em segundo lugar, o Estado não tem por que fazer tudo o que é permitido fazer, mas pode conter-se, em especial, para não fechar um posterior acordo de paz.”24


Jakobs sintetiza as principais características do direito voltado ao inimigo, quais são: ampla antecipação da punibilidade, ou seja, mudança de perspectiva do fato típico praticado para o fato que será produzido, como no caso de terrorismo e organizações criminosas; falta de uma redução de pena proporcional ao referido adiantamento; mudança da legislação de Direito Penal para legislação de luta para combate de delinquência econômica.25 Nesse sentido, há três pontos essenciais típicos do DPI, sendo eles o ordenamento jurídico-penal prospectivo; penas desproporcionalmente altas o que, equivale á constatação de que a antecipação da barreira da punição não é considerada para reduzir, de forma correspondente, a pena cominada e; relativação ou supressão de determinadas garantias processuais.26


Alexandre Rocha Almeida de Moraes em estudo a Teoria, apresenta um rol de características típicas do DPI, quais são: antecipação da punibilidade com a tipificação de atos preparatórios, criação de tipos de mera conduta e perigo abstrato; desproporcionalidade das penas; legislação, como nos explícitos casos europeus, que se autodenominam de “leis de luta ou de combate”; restrição de garantias penais e processuais e; determinadas regulações penitenciárias ou de execução penal, como o regime disciplinar diferenciado adotado no Brasil.27


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Criticando a teoria do DPI, Luiz Flávio Gomes considera que aqueles que sustentam o Direito Penal do Inimigo são na verdade grandes inimigos do Direito Penal Garantista, já que a teoria defendida representa um tipo de Direito Penal excepcional, que rege-se por princípios contrários ao Estado Constitucional e Democrático de Direito.28


Gomes, ao criticar a posição de Jakobs de considerar o inimigo uma não pessoa, desse modo a aplicação de tal Direito esta fadado a produzir e intensificar uma quantidade enorme de violência. O Jurista aponta que apesar de um criminoso habitual pertencer a uma organização que atua contra o Direito, mesmo que refute a legitimidade do ordenamento jurídico, deve ser tratado como um agente perigoso, mas nunca como um criminoso anormal, que coloca em risco a estrutura do Estado.29


 Gregório Peces-Barba, citado por Gomes, descreve que o Direito Penal do Inimigo é alimentado pela ideologia do inimigo, sendo esta a fonte mais devastadora da concepção humanista da história e da cultura, ou seja, das democracias liberais e sociais. Todas as ideias de progresso, de dignidade da pessoa humana, de autonomiado ser humano, de liberdade, igualdade e fraternidade, que giram em torno de uma ideia superior antropocêntrica, encontram na ideologia do inimigo o seu desafeto mais destrutivo e dissolvente.30


Nesse sentido, Luís Greco leciona que:


“O conceito de direito penal do inimigo não pode pretender lugar na ciência do direito penal. Ele não serve nem para justificar um determinado dispositivo, nem para descrevê-lo, nem para criticá-lo. Como conceito legitimador-afirmativo, ele é nocivo; como conceito descritivo, inimaginável; como conceito crítico, na melhor das hipóteses desnecessário. A discussão sobre o direito penal do inimigo está se mostrando demasiado emocional […] o conceito de direito penal do inimigo não convida de modo algum à racionalidade. Mas lá onde se trata de punir – isto é, de impor coativamente sofrimento ou juízos de reproche pelo estado – mostra-se necessária mais do que nunca uma atitude de objetividade, de sobriedade, de racionalidade. Uma tal atitude não é de modo algum favorecida pelo direito penal do inimigo, em quaisquer de seus três significados. Se quisermos que a razão mantenha o seu lugar no direito penal, não resta nele lugar algum para o direito penal do inimigo.”31


Colhe-se crítica ao DPI do seguintes Juristas: Luigi Ferrajoli aponta a ausência de definição de quem seria o inimigo, pois por força do princípio da igualdade somos todos cidadãos, não podemos, deste modo, sermos tratados como inimigos. Raúl Cervini enfatiza os riscos dos direitos penais emergenciais, que surgem para durar pouco e depois vão se expandindo para todas as áreas do sistema penal. Jan Simon alertou o enorme risco que o DPI representa nos países periféricos, ao enfatizar a questão da “marginalidade”, porque neles o poder punitivo bruto sempre encontra mais adeptos que nos países centrais. Marta Machado considera a teoria da prevenção geral positiva contrária aos fundamentos do Estado de Direito, que deve tratar todos como pessoa. Para Janaína Pascoal o verdadeiro Direito Penal deve existir para tutelar bens jurídicos de forma igualitária e não como instrumento de guerra.32


O Direito aplicado ao inimigo é um Direito do autor e não do fato, de modo que a punibilidade avança para o âmbito interno do agente e de sua preparação para o crime, a pena visa à segurança frente aos atos futuros e não a lesividade do próprio fato.33 Conclui-se que a transformação do cidadão em inimigo pode-se dar pela sua integração em organizações criminosas estruturadas, como também pela gravidade do ato ilícito cometido, da habitualidade e da profissionalização criminosa, manifestando concretamente a periculosidade do agente e seu afastamento da conduta é esperada do cidadão comum.34


Por fim, Jakobs sustenta que a necessidade da aplicação de um Direito Penal diferenciado para aqueles considerados como inimigos da sociedade, serve para proteger a legitimidade do Estado de Direito, voltado para o cidadão, sendo direito subjetivo do cidadão exigi-la, pois do contrário teria seu direito violado.35


3. A TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO SOB A PERSPECTIVA DO CONTRATO SOCIAL


A Teoria do Direito Penal do Inimigo de Jakobs encontra fundamento filosófico em Rousseau, pois o inimigo ao infringir o Contrato Social, deixa de ser membro do Estado e acaba entrando em guerra com ele, devendo morrer como inimigo; em Fichte, de modo que, quem abandona o contrato do cidadão, perde todos os direitos concedido por esse; em Hobbes, nos casos de alta traição contra o Estado, devendo o indivíduo não ser julgado com súdito, e sim, como inimigo; e em Kant, pois aquele que ameaça constantemente a sociedade e o Estado, que não aceita o “estado comunitário-legal”, deve ser tratado como inimigo.36


Para Jakobs, no Direito Natural de argumentação contratual estrita, todo o delinquente acaba sendo um inimigo (Rosseau, Fichte), mas para manter um destinatário das expectativas, é preferível manter o status de cidadão para aqueles indivíduos que não se desviam de modo completo do ordenamento (Hobbes, Kant).37


Para os contratualistas, o delito é entendido como uma infração ao Contrato Social, desse modo o criminoso já não tem o direito de usufruir desse benefícios, ou seja, deixa de participar de uma relação jurídica com os demais. Observa-se porém que para Jakobs, a violação ao Contrato Social deverá ser contumaz, e não apenas isolada.38


Na concepção de Rosseau (1712-1778), o malfeitor que ataca o Direito Social, deixa de ser membro integrante do Estado, entrando em guerra contra ele, devendo ser aplicado a seguinte resposta: “ao culpado se lhe faz morrer mais como inimigo que como cidadão”.39


Assevera Fichte (1762-1814) que:


“[…] quem abandona o contrato cidadão em um ponto em que no contrato se contava com sua prudência, seja de modo voluntário ou por imprevisão, perde todos os seus direitos como cidadão e como ser humano, e passa a estar em um estado de ausência completa de direitos.”40


Apesar de Jakobs introduzir os pensamentos de Rosseau e Fichte, em sua teoria, não os aprova em sua totalidade, entendendo que a separação radical entre o cidadão e seu Direito, por um lado, e o injusto do inimigo, por outro, é demasiadamente abstrata.41


Assim, preceitua Jakobs que:


“Um ordenamento jurídico deve manter dentro do Direito também o criminoso, e isso por uma dupla razão: por um lado, o delinquente tem direito a voltar a ajustar-se com a sociedade, e para isso deve manter seu status de pessoa, de cidadão, em todo o caso: sua situação dentro do Direito. Por outro, o delinquente tem o dever de proceder à reparação e também os deveres tem como pressuposto a existência de personalidade, dito de outro modo, o delinquente não pode despedir-se arbitrariamente da sociedade através de seu ato.”42


Nesse sentindo, pode-se encontrar nos ensinamentos de Hobbes (1588-1679), a mesma ressalva , mantendo o delinquente, em um primeiro momento, a posição de cidadão (“o cidadão não pode eliminar, por si mesmo, seus status”).43 Não se aplicando a premissa, em caso de crimes de alta traição (rebelião), pois::


“[…] a natureza deste crime está na rescisão da submissão, o que significa uma recaída no estado de natureza […] E aqueles que incorrem em tal delito não são castigados como súditos, mas como inimigos.”44


No modelo contratual Kantiano, que aplica a ideia reguladora na fundamentação e na limitação do poder estatal, toda pessoa tem legitimidade para obrigar os demais a entrar em uma constituição cidadã. A liberdade de agir deve se guiar e ser limitada pelas leis,45 nesse sentido:


“[…] as leis descrevem relações de causa e efeito. Portanto os homens são livres quando causados a agir […] Liberdade é ausência de determinações externas do comportamento […] Se as ações são causadas, obedecem ás leis. […] A liberdade tem leis; e se essas leis não são externamente impostas, só podem ser autoimpostas.”46


Para Kant, quando os indivíduos se unem para legislar, os membros da sociedade civil serão denominados cidadãos.47


Jakobs, fundamentando-se nos ensinamentos de Kant e Hobbes, reconhece a existência de um Direito Penal do Cidadão, contra a pessoa que não comete delitos de modo persistente, e outro para o inimigo, contra quem se desvia do modelo imposto no contrato da sociedade, perdendo assim seu status de pessoa.48 Conclui-se portanto que “O Direito penal do cidadão é Direito também no que se refere ao criminoso. Este segue sendo pessoa. Mas o Direito Penal do Inimigo é Direito em outro sentido”.49


Sobre o tema, disserta Fraga que:


“[…] la posición de ver en el delincuente a un enemigo, bien puede fundamentarse en argumentos de Derecho Natural de índole contractualista. En este sentido, en la concepción de Rousseau todo delincuente sería enemigo ya que cualquier individuo que ataque el sistema social deja ya de ser miembro del Estado, porque se halla en guerra con este como pone de manifesto la pena pronunciada contra él. Por otra parte hay posiciones que mantienen la condición de ciudadano para el delincuente, debido a que se trata de un status que no puede ser eliminado por él mismo; aquí el indivíduo es reconducido a un estado de naturaleza, es decidir de nopersona, cuando el hecho cometido es de alta traición, puesto que cuando se trata de una rebelión, existe una rescisión del contrato de sumisión. Quien representa una amenaza permanente para mi persona, también puede ser tratado como enemigo y en consecuencia obligado a alejarse; aunque tambièn sería legítimo obligarlo a colocarse junto a mí, en un estado legal.”49


Desse modo, Jakobs busca suporte filosófico nos contatualistas para edificar a sua teoria, sendo o inimigo aquele que infringi o Contrato Social, perdendo seu status de pessoa e entrando em guerra contra o Estado. Na teoria do Direito Penal do Inimigo, o indivíduo que se afasta permanente da ordem jurídica sem oferecer a garantia que irá se conduzir novamente como pessoa, deverá ser tratado e punido como inimigo da sociedade, e não como cidadão. Logo, o inimigo deve morrer como tal (Rousseau); perder todos os seus direitos (Fichte) e ser castigado como inimigo do Estado (Hobbes e Kant).50


CONSIDERAÇÃO FINAIS


Os indivíduos que se enquadram na posição de inimigos da sociedade, perdem sua natureza de pessoas, não se aplicando a eles as garantias inerentes aos sujeitos do direitos. Acaba por surgir assim duas vertentes do Direito Penal, uma voltada para o cidadão, que por sua conduta não se afastar de modo definitivo da norma, acaba sendo punido como sujeito de direito, e outra voltada ao inimigo, a esse, nada é garantido.


Gunter Jakobs, idealizador da aplicação da Teoria do Direito Penal do Inimigo, a edificou com base nas diversas correntes filosóficas do Contrato Social, de modo que buscou legitimar a exclusão da posição de pessoa daquele indivíduo, que  quando rompe com o Contrato Social , ou seja, perderá seu caráter garantindo de cidadão quando deixar de obedecê-lo.


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O contraponto à doutrina do Direito Penal do Inimigo, está estabelecida pelos os teóricos da corrente do Direito Penal Garantista, criticando a proposta que o DPI faz em anular as pessoas como sujeitos de direitos, transformando-as em inimigos sem nenhum direito. Estabelecendo que apesar do indivíduo ter cometido um crime, jamais deve perder seu caráter de sujeito de direito, devendo ter as garantias inerentes a pessoa humana respeitada, sob pena de as ações do Estado assumirem natureza de atos criminosos ilegitimados.


 


Referências bibliográficas

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WEFFORT, Francisco Correa (org). Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 1991.

 

Notas:

1 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal do inimigo: (ou inimigos do direito penal). Disponível em: <www.lfg.com.br>. Acesso em: 12 mar. 2010.

2 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. A terceira velocidade do direito penal: o “direito penal do inimigo”. 2006. 327 f. Dissertação (Mestrado).

3 BECHARA, Ana Elisa Liberatore S. O prisioneiro da grade de ferro: política criminal e direitos humanos no  brasil . Disponível em: <http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.php?rcon_id=20>. Acesso em: 25 mar. 2010.

4 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal do inimigo: (ou inimigos do direito penal).

5 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal do inimigo: (ou inimigos do direito penal).

6 JAKOBS, Gunther; MÉLIA, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, Organização e Tradução: André Luís Callegari e Mereu José Giacomolli, 2005; versão em espanhol: Derecho penal Del enemigo, Madri: Civitas, 2003.

7 JAKOBS, Gunther; MÉLIA, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas, p. 45.

8 JAKOBS, Gunther; MÉLIA, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas.

9 JAKOBS, Gunther; MÉLIA, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas.

1 0  MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. A terceira velocidade do direito penal: o “direito penal do inimigo”.

1 1 JAKOBS, Gunther; MÉLIA, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas, p. 45.

1 2  SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: Revista dos Tribunais, Série Ciências Criminais no Século XXI – v. 11, Tradução: Luiz Otavio de Oliveira Rocha, 2002, p. 149.

1 3 JAKOBS, Gunther; MÉLIA, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas, p .21.

1 4 BONHO, Luciana Tramontin. Noções introdutórias sobre o direito penal do inimigo. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8439>. Acesso em: 12 mar. 2010.

1 5  GOMES, Luiz Flávio. Direito penal do inimigo: (ou inimigos do direito penal).

1 6 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal do inimigo: (ou inimigos do direito penal).

1 7 Direito Penal do Inimigo.

1 8 BONHO, Luciana Tramontin. Noções introdutórias sobre o direito penal do inimigo.

1 9 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal do inimigo: (ou inimigos do direito penal).

2 0 GRECO, Luís. Sobre o chamado direito penal do inimigo. Ciências Criminais, nº 56. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 81-87.

2 1 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal do inimigo: (ou inimigos do direito penal).

2 2 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal do inimigo: (ou inimigos do direito penal).

2 3 RIQUER, Fabián Luis; PALÁCIOS, Leonardo P. El derecho penal del enemigo o las excepciones permanentes em la ley. Madri. Revista Universitária , Ano V, nº 3 jun. 2003, p.1-8, Disponível em <http://www.unifr.ch/derechopenal/articulos/pdf /Riquert.pdf> acesso em 25 de mar. 2010.

2 4 JAKOBS, Gunther; MÉLIA, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas.

2 5 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. A terceira velocidade do direito penal: o “direito penal do inimigo”.

2 6 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. A terceira velocidade do direito penal: o “direito penal do inimigo”.

2 7 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. A terceira velocidade do direito penal: o “direito penal do inimigo”.

2 8 GOMES, Luiz Flávio. Muñoz conde e o direito penal do inimigo. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7399>. Acesso em: 23 mar. 2010.

2 9 GOMES, Luiz Flávio. Muñoz conde e o direito penal do inimigo.

3 0 GOMES, Luiz Flávio. Berlusconi, o inimigo e o direito penal do “muy amigo”. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11637>. Acesso em: 23 mar. 2010. 

3 1 GRECO, Luís. Sobre o chamado direito penal do inimigo, p. 112.

3 2 GOMES, Luiz Flávio. Histórica mesa redonda sobre o “direito penal” do inimigo. Durante o 1º Congresso Internacional da Rede LFG (Rede Luiz Flávio Gomes de Ensino Telepresencial) e IPAN foi promovida uma histórica mesa redonda (dia 02.09.07) sobre o Direito penal do inimigo. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20071008154046130>. Acesso em: 23 mar. 2010.

3 3 BONHO, Luciana Tramontin. Noções introdutórias sobre o direito penal do inimigo.

3 4 BONHO, Luciana Tramontin. Noções introdutórias sobre o direito penal do inimigo.

3 5 BONHO, Luciana Tramontin. Noções introdutórias sobre o direito penal do inimigo.

3 6 GOMES, Luiz Flávio. Direito penal do inimigo: (ou inimigos do direito penal).

3 7 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. A terceira velocidade do direito penal: o “direito penal do inimigo”.

3 8 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. A terceira velocidade do direito penal: o “direito penal do inimigo”.

3 9 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social. VirtualBooks. Formato: e-book/rb, Código: RCM, ed. eletrônica: Ridendo Castigat Mores, 2002, Trad. Rolando Roque da Silva.

4 0 JAKOBS, Gunther; MÉLIA, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas, p. 25-26.

4 1 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. A terceira velocidade do direito penal: o “direito penal do inimigo”.

4 2 JAKOBS, Gunther; MÉLIA, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas, p. 26-27.

4 3 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. A terceira velocidade do direito penal: o “direito penal do inimigo”.

4 4 JAKOBS, Gunther; MÉLIA, Manuel Cancio. Direito penal do inimigo: noções e críticas, p. 27.

4 5 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. . A terceira velocidade do direito penal: o “direito penal do inimigo”.

4 6 WEFFORT, Francisco Correa (org). Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 1991, p. 53-54.

4 7 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de.. A terceira velocidade do direito penal: o “direito penal do inimigo”.

4 8 WEFFORT, Francisco Correa (org). Os clássicos da política, p. 53-54.

4 9 JAKOBS; MÉLIA. Direito penal do inimigo: noções e cíticas, p. 29.

4 9 FRAGA, Facundo J. Martin. Derecho penal del enemigo. Disponível em <http: www.eldial.com/edicion/cordoba/penal/indice/doctrina/cp0502103-a.asp#_ftn57> Acesso em 22 jul. 2010.

5 0 MORAES, Alexandre Rocha Almeida de. A terceira velocidade do direito penal: o “direito penal do inimigo”.


Informações Sobre o Autor

Raphael Fernando Pinheiro

Bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Pós-graduando em Direito Constitucional


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