Resumo: O presente artigo teve por objetivo o estudo e a reflexão sobre a terceirização de serviços públicos e a responsabilidade do Estado como tomador dos serviços pelo pagamento das verbas trabalhistas nos casos de inadimplemento da empresa prestadora de serviços. Para tanto, analisa-se o instituto da terceirização de serviços tanto no âmbito privado quanto no público, fazendo breves considerações acerca de seu surgimento e, ainda, de sua regulamentação promovida pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. Posteriormente, enfatiza-se a terceirização no âmbito da Administração Pública no tocante à responsabilidade pelos encargos trabalhistas na hipótese de inadimplemento da empresa prestadora dos serviços, sob dois pontos de vista: o juslaboral e o publicista, dando maior ênfase a este último, colocando-se em evidência a controvérsia existente entre o disposto na antiga redação do inciso IV da Súmula 331 e o artigo 71, §1°, da Lei de Licitações, ressaltando a solução conferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADC nº. 16 e o reflexo desse julgamento nas decisões dos Tribunais Trabalhistas.
Palavras-chave: Terceirização, Estado, Responsabilidade, Súmula 331, ADC nº. 16.
Abstract: This article aims to study and reflection on the outsourcing of public services and the responsibility of the State as holder of the services for payment of labor funds in cases of default by the service provider. For this purpose, we analyze the institution of outsourcing services both in private and the public, making brief remarks about their appearance and also its regulation sponsored by Precedent 331 of the Superior Labor Court. Later, the emphasis is outsourcing in Public Administration with regard to liability for labor charges in case of default by the company providing the services under two points of view and the juslaboral publicist, placing greater emphasis on the latter, putting themselves in highlighted the controversy between the provisions of the old wording of section IV of Precedent 331 and Article 71, § 1, the Procurement Law, highlighting the solution given by the Supreme Court in paragraph ADC. 16 and the reflection of that judgment in the decisions of labor courts.
Keywords: Outsourcing, State Responsibility, 331 Gist, No ADC. 16.
Sumário: 1. Introdução. 2. Da terceirização dos serviços no setor público e no setor privado. 3. Da responsabilidade do Estado como tomador de serviços. 3.1. Noções Gerais. 3.2. Da decisão do STF na ADC n.º 16 e a nova redação da súmula 331 do TST. 4. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
Com o crescimento desordenado das terceirizações no Brasil, o Tribunal Superior do Trabalho se viu obrigado a regulamentar e impor limites a essa nova forma de contratação de mão-de-obra, o que foi feito, primeiramente, através da Súmula 256, e, posteriormente pelo Enunciado número 331.
Esta última súmula teve como objetivo não só regulamentar as terceirizações privadas como também passou a dispor em seu item IV sobre a responsabilidade do tomador dos serviços, na hipótese de inadimplemento da empresa prestadora, estabelecendo que o tomador, pelo simples inadimplemento desta última, teria responsabilidade subsidiária quanto ao pagamento das verbas trabalhistas, inclusive quando se tratasse de entidades da Administração Pública direta ou indireta, e assim, vinha decidindo os Tribunais Regionais do Trabalho, o que na visão publicista violava o disposto no art. 71, §1º, da Lei 8.666/93. E, será exatamente este o foco deste trabalho, qual a seja a análise da responsabilidade do Estado como tomador dos serviços, sobretudo após a decisão do STF na ADC n. 16.
Para tanto, num primeiro momento, analisa-se o surgimento da terceirização tanto no setor privado quanto no setor público e os seus desdobramentos.
No ponto seguinte, foca-se na responsabilidade do tomador do serviços, dando ênfase à controvérsia existente entre o antigo item IV da Súmula 331 do TST e o artigo 71 da Lei de Licitações demonstrando a modificação da jurisprudência trabalhista após a declaração de constitucionalidade do mencionado artigo no julgamento de mérito d ADC n.16 pelo STF em novembro de 2010.
Ao final, conclui-se que a jurisprudência laboral vem sendo modificada, no sentido de que não cabe falar em responsabilidade do Estado como tomador dos serviços pelo simples inadimplemento da empresa prestadora dos serviços, devendo haver nos autos a prova da culpa in vigilando da Administração durante a execução do contrato.
2. DA TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS NO SETOR PRIVADO E NO PÚBLICO
A terceirização teve início no Brasil na década de 1950, com a chegada das primeiras empresas multinacionais, principalmente as do setor automobilístico. Desde esta época até o final da década de 1980, a terceirização vinha sendo aplicada principalmente para reduzir custos com mão-de-obra. As empresas utilizavam-se desse recurso simplesmente para obter alguma vantagem econômica em atividades consideradas pouco significativas, não havendo preocupações com ganhos de qualidade, eficiência, especialização, eficácia e produtividade (CAMPOS, 2006).
Verifica-se, portanto, que no setor privado, as terceirizações surgiram como forma de fugir às consequências que a durabilidade do vínculo de emprego imprime ao contrato de trabalho, motivo pelo qual passaram os empregadores a contratar seus trabalhadores por prazo determinado.
A prática se difundiu fazendo com que o legislador editasse, no mesmo ano e mês, dois diplomas normativos: o Decreto-lei n. 229 e o Decreto-lei n. 200; ambos de fevereiro de 1967. Enquanto o primeiro alterou substancialmente a CLT, dificultando, dentre outras medidas, a celebração de contrato por prazo determinado, o segundo permitiu à Administração Pública, setorialmente, contratar mão-de-obra por empresa interposta.
Pode-se dizer que a terceirização hoje é inerente ao cotidiano de qualquer grande empresa. É considerada como conceito moderno de produção; um importante fator de organização administrativa e financeira, relevante para a redução de despesas e objetividade de sua cadeia produtiva.
E pela denominação dada ao fenômeno, fica evidente a intenção de transferir a uma terceira pessoa a ser responsabilidade pelo pagamento dos direitos trabalhistas dos empregados, bem como recolhimento dos encargos sociais.
Já no âmbito público, como dito acima, a prática se difundiu a partir da edição do Decreto nº. 200/67 que assim dispôs em seu artigo 10, §7º:
“Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.(…)
§7º. Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução”.
A partir de tal redação, a Administração Pública passou a relegar aos particulares a prestação de tarefas que não condizem, exata e diretamente, com os fins a que ela se destina. São tarefas-meio, tão-somente complementares e necessárias a que as finalidades primordiais do Poder Público venham a ser cumpridas.
Cumpre ressaltar ainda que a noção de “serviço público”, intimamente ligada à prestação de atividades cujo foco primordial é o atendimento de necessidades da população pelos mais diversos meios, sofreu enorme modificação em seu conteúdo e forma, sobretudo após a Emenda Constitucional nº 19/98 que adicionou o vocábulo "eficiência" como mais um dos princípios norteadores da administração pública.
A partir daí, construiu-se uma nova ótica reguladora, pela qual o servidor e o administrador público devem possuir como objetivo inerente a satisfação integral do interesse público.
Assim, a administração pública restou, por um tênue divisor, muito assemelhada à iniciativa privada no que concerne à prestação de seus serviços, porém com uma distinta diferença, possui uma série de regras e fundamentos dos quais resta atrelada.
Para o exercício da atividade pública a Constituição Federal estabelece como regra geral para ingresso, o concurso público, excetuado apenas os casos de livre exoneração, para cargos de direção ou assessoramento. Isto porque assim preceitua o artigo 37, inciso II da Constituição Federal:
“Art. 37 (…)
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;” (Redação dada ao inciso pela Emenda Constitucional nº 19/98)
Portanto, a conclusão primeira que se chegaria é que a contratação de mão-de-obra por meio de empresa interposta somente é admitida para serviços que não se constituam em atividade-fim da Administração.
No dizer de Hely Lopes Meirelles
“Serviços próprios do Estado são aqueles que se relacionam intimamente com as atribuições do Poder Público (segurança, polícia, higiene e saúde pública etc.) e para a execução dos quais a Administração usa da sua supremacia sobre os administrados. Por esta razão, só devem ser prestados por órgãos ou entidades públicas, sem delegação a particulares. Tais serviços, por sua essencialidade, geralmente são gratuitos”. (MEIRELLES, 1993).
E, neste sentido, foi instituída a terceirização no setor público no afã de dar maior eficiência à prestação dos serviços.
Diante do crescimento da terceirização, a jurisprudência trabalhista viu a necessidade de por freios à sua evolução e foi este contexto que o Tribunal Superior do Trabalho editou, em 1986, o enunciado n. 256, que deu origem, posteriormente, ao enunciado n. 331 da súmula de sua jurisprudência.
Essa era a redação da Súmula 256:
“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador de serviços”.
Pela leitura do enunciado ficou claro o limite: fora dos casos previstos em lei, não seria possível admitir terceirização. Porém, nesta época nada se disse a respeito das terceirizações públicas. E nestes termos restou regulamentada a terceirização até que sobreveio uma nova ordem constitucional, com a Constituição Federal de 1988, e, posteriormente, com a Lei de Licitações (Lei 8.666/93).
Esta última, ao disciplinar os procedimentos de licitação e contratos, no âmbito da Administração Pública, assim dispôs, em seu art. 71, caput e §1º, in verbis:
“Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de imóveis.”
Ao que parece, o dispositivo acima transcrito, nada mais fez do que esposar o entendimento de que as consequências do inadimplemento trabalhista deveriam ser suportadas pela empresa contratada. Afinal, seria este o mecanismo da terceirização. Contudo, por entender que é dever da Administração Pública fiscalizar a execução do contrato (arts. 58, III, e 67 da própria Lei 8.666/93), tendo o Poder Público responsabilidade objetiva pelos seus atos, nos termos do art. 37, §6º, da Constituição Federal, o TST reeditou sua Súmula 256, naquele mesmo ano de 1993, transformando-a na Súmula 331, que recebeu a seguinte redação:
“TST Enunciado nº 331 – Revisão da Súmula nº 256 – Res. 23/1993, DJ 21, 28.12.1993 e 04.01.1994 – Alterada (Inciso IV) – Res. 96/2000, DJ 18, 19 e 20.09.2000 – Mantida – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. Contrato de Prestação de Serviços – Legalidade
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). (Revisão do Enunciado nº 256 – TST)
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial” (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000)
Com a nova redação, o fenômeno da terceirização passou a ser mais tolerado no âmbito privado, pois ficou permitida para além dos casos antes definidos, bastando a atividade não estar relacionada com a atividade-fim da empresa.
No tocante ao setor público, pode-se concluir que a terceirização de serviços pela administração, é viável e lícita quando diz respeito às atividades-meio dos entes públicos, não sendo cabível quando destinar-se ao exercício de atribuições próprias dos servidores de cargos efetivos próprios dos quadros do respectivo ente contratante, ou para o exercício de funções relativas ao poder de polícia administrativa ou prática de atos administrativos.
3. DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO COMO TOMADOR DE SERVIÇOS
3.1 – NOÇÕES GERAIS
Como dito, a Súmula 331 do TST passou a regulamentar a terceirização dos serviços no Brasil e, no tocante à responsabilidade do tomador de serviços, assim dispunha em sua redação original, no item IV:
“(…) IV: O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial” (art. 71 da Lei 8666, de 21.06.1993)
Pela leitura do item do enunciado extrai-se o entendimento do TST de que o mero inadimplemento da empresa prestadora de serviços implica a responsabilidade subsidiária do tomador, incluindo ai todos os órgãos da Administração Pública Direta ou Indireta.
E desse modo vinha decidindo os Tribunais Regionais do Trabalho, conforme se vê das ementas abaixo:
TERCEIRIZAÇÃO – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO TOMADOR DOS SERVIÇOS – No âmbito da responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, não basta a regularidade da terceirização, há que se perquirir sobre o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada durante a vigência do contrato de trabalho. O tomador de serviços, ainda que Ente da Administração Pública, é responsável subsidiário pelos créditos trabalhistas do empregado adquiridos diante do trabalho que para ele é executado em cumprimento de contrato estabelecido com terceiro, sendo-lhe atribuída a culpa in eligendo e a culpa in vigilando. Se o real empregador for inadimplente nas suas obrigações trabalhistas, deve o beneficiário dos serviços prestados responder subsidiariamente quanto a estas obrigações, conforme determina o inciso IV, do Enunciado 331, do TST. (TRT 16ª R. – RO 00184-2008-008-16-00-7 – Rel. Des. Luiz Cosmo da Silva Júnior – DJe 22.09.2009 – p. 9)
“(…) RESPONSABILIZAÇÃO SUBSIDIÁRIA – TOMADORA – EMPRESA PARTICULAR – IMPOSIÇÃO CALCADA EM SÚMULA DO TST – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – INOCORRÊNCIA – Embora não haja, efetivamente, qualquer dispositivo legal que trate especificamente da condenação subsidiária da empresa tomadora de serviços, esta se escora na construção jurisprudencial representada pela Súmula nº 331, do C. TST. Esta, por sua vez, encontra suporte nos arts. 186 e 927 do CCB, no art. 8º, da CLT, no art. 4º da LICC e no art. 127 do CPC, eis que se trata "de princípio de responsabilidade trabalhista que todo aquele que se beneficia direta ou indiretamente do trabalho do empregado deve responder com seu patrimônio pelo adimplemento das obrigações correspondentes". A imposição condenatória segundo estes parâmetros, portanto, não implica em violação ao princípio da legalidade. (…)” (TRT 15ª R. – RO 1604-2007-034-15-00-3 – Relª Olga Aida Joaquim Gomieri – DOE 17.07.2009 – p. 178)
Pelo que se depreende dos julgados acima, passou a Administração Pública a responder de forma objetiva pelos débitos trabalhistas oriundos dos contratos de terceirização, posto que não havia a necessidade de comprovar nenhuma modalidade de culpa, bastando a comprovação do inadimplemento da empresa prestadora dos serviços.
Ora, o que aconteceu foi que os órgãos jurisdicionais trabalhistas passaram a atribuir a responsabilidade subsidiária à Administração sem, geralmente, fundamentar adequadamente tal decisão, pautando-a apenas no mero inadimplemento da empresa.
No entanto, a responsabilidade pelo adimplemento das obrigações trabalhistas deve ser da contratada. E, isso não quer dizer que o Estado está isento de responsabilidade, já que a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração, especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição, conforme previsão do art. 67, caput, da Lei 8666/93, in verbis:
“Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.”
Quando o ente público se coloca na condição de tomador de serviços, impõe-se a observância da lei específica que é a Lei nº 8.666/93, que estabeleceu normas gerais sobre licitações e contratos pertinentes a obras, serviços, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e os Municípios.
E quanto à responsabilidade do ente público desses contratos assim dispõe o artigo 71:
“Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de imóveis”.
O que se entende, pela leitura do dispositivo é que a simples inadimplência da empresa contratada não pode transferir de forma automática a responsabilidade para a Administração, o que não significa que esta não possa ser compelida ao pagamento e, em ação regressiva ou em denunciação da lide (CPC: art. 70 e ss.), se ressarcir dos prejuízos, junto ao patrimônio da contratada ou de seus sócios, se for o caso.
Como já dito em outra oportunidade, a palavra "transferir" utilizada na norma aludida, simplesmente previa o óbvio: a responsabilidade pelos encargos trabalhistas dos empregados da contratada é da própria, e sua inadimplência, evidentemente, não "transfere" essa responsabilidade para o ente contratante, no sentido da contratada se ver livre e isenta de responsabilidade. Afinal, a contratada já incluiu no preço da prestação de seu serviço todos os salários e encargos de seus trabalhadores. Sendo, portanto, inadmissível, que viesse, posteriormente, a "transferir" tais encargos ao contratante, que já pagou pelos mesmos, no valor total do contrato.
Acerca da matéria, acentua Marçal Justen Filho:
“Também fica expressamente ressalvada a inexistência de responsabilidade de Administração por encargos e dívidas pessoais ao contratante. A Administração Pública não se transforma em devedora solidária ou subsidiária frente aos credores do contratante” (FILHO, 2008, p. 750).
Há que se ponderar, ainda, que a idoneidade financeira é pré-requisito para a participação na licitação. Assim, presume-se que com a contratação mediante processo licitatório a referida idoneidade já fica cabalmente demonstrada, frente à documentação exigida durante aquele processo.
Ora, se a Administração Pública contrata a empresa prestadora de serviços obedecendo as normas inseridas na Lei das Licitações, certamente não está praticando ato ilegal.
Portanto, sem prova de qualquer vício nulificador, os encargos relativos à mão de obra terceirizada hão de permanecer integralmente sob a responsabilidade da empresa prestadora de serviços, ficando, assim, desonerada a Administração Pública de qualquer responsabilidade, mesmo que subsidiária, porquanto não comprovada a sua culpa sob quaisquer das suas modalidades.
Ainda que o Administrador quisesse quitar os débitos da prestadora de serviços, tal procedimento estaria, desde logo, afrontando o princípio da legalidade (CF/88, art. 37, caput), uma vez que a Administração somente deve cumprir o que a lei determina e jamais fazer o que veda.
Agindo dentro dos princípios que informam a Administração Pública, torna-se impossível imputar-lhe qualquer responsabilidade pelos encargos trabalhistas oriundos da mão de obra terceirizada.
Colha-se como exemplo recente decisão do TRT da 12ª Região/Rondônia proferida nos autos do processo nº.
0005634-56.2010.5.12.0037:
“ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. A administração pública fica desonerada de qualquer responsabilidade pelos encargos afetos à empresa contratante, por força do que dispõe o art. 71 da Lei nº 8.666/93, sempre que demonstrada a realização de regular procedimento licitatório, sem a contraposição de qualquer vício nulificador. Julgamento 16.05.2012”
Sendo assim, se a Administração deixar de realizar adequadamente essa fiscalização, que inclui a verificação quanto ao adimplemento das obrigações trabalhistas da contratada, estará causando um dano direto aos trabalhadores da contratada, devendo o ente contratante responder subsidiariamente, e acionar regressivamente o agente público, na forma do art. 37, §6º, da Constituição.
Somente neste caso, ou seja, de uma inescusável omissão na vigilância da contratada, por parte do agente público designado, haverá a responsabilidade da Administração, pois o representante deveria ter alertado a Administração da inexecução contratual, levando à rescisão motivada do contrato, nos termos do artigo 78, inciso I da Lei n. 8666/93: in verbis:
“Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
I – o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos;”
Logo, a vedação da transferência não pode ser confundida com a proibição de responsabilização do ente contratante pelo pagamento, quando este teve participação no dano causado aos trabalhadores, por meio de sua conduta omissiva no acompanhamento da execução contratual. E, foi neste sentido que os Ministros do STF decidiram quando do julgamento da ADC 16, conforme passará a expor no próximo item.
3.2 – DA DECISÃO DO STF NA ADC N.º 16 E A NOVA REDAÇÃO DA SÚMULA 331 DO TST
Após a edição da Súmula 331, sobretudo no que diz respeito à regulamentação da responsabilidade da tomadora dos serviços, no item IV do enunciado, uma aparente controvérsia haveria surgido entre este item e o disposto no §1º do artigo 71 da Lei de Licitações. Vejamos os pontos de divergência:
“Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de imóveis.
Súmula 331: (…)
IV: O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial” (art. 71 da Lei 8666, de 21.06.1993)
Diante das duas regras, a pergunta que se passou a fazer foi a seguinte: como pode a Administração Pública ser responsabilizada por débitos trabalhistas de empresas terceirizadas se o art. 71, §1º da Lei nº 8.666/93 determina expressamente que a inadimplência de encargos trabalhistas não transfere à Administração a responsabilidade por seu pagamento?
Haveria, portanto, um conflito entre a visão juslaboral estampado no item IV da Súmula 331 e a publicista escorada na Lei de Licitações, sendo que o entendimento dos tribunais trabalhistas decorreu da seguinte interpretação: se a empresa não tem condições de arcar com os débitos decorrentes de direitos trabalhistas dos empregados envolvidos no contrato, durante o prazo de execução deste, a Administração, na condição de tomadora do serviço e tendo se aproveitado da força de trabalho colocada à sua disposição (Princípio da Proteção), poderá ser chamada a responder subsidiariamente, desde que conste do título executivo judicial.
Por outro lado, a visão publicista defendia a ausência de responsabilidade do ente público, ancorada no dispositivo da lei de licitações, sob o fundamento de que a contratação teria sido feita de forma legal, após o procedimento licitatório com todas as suas fases e que, portanto, a Administração não poderia se responsabilizar pelo inadimplemento da empresa, diante da sua ausência de culpa pelos prejuízos causados por esta aos seus empregados.
E mesmo que não houvesse legislação específica que excluísse a responsabilidade da Administração quanto a sua responsabilização subsidiária, desconsiderando-se para tanto o § 1º do art. 71 da Lei 8.666/93 transcrito acima, ainda assim deve ser observado que prevalece em favor do Estado o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, não havendo como vislumbrar-se a sucumbência do Ente Público perante o interesse do particular em detrimento de toda a coletividade em razão da inadimplência da empregadora do mesmo, pois nesse embate há de prevalecer o interesse público, sendo essa supremacia o grande princípio informativo do Direito Público.
Portanto, em virtude dessa aparente discordância, o entendimento publicista foi o de que a Corte Trabalhista havia declarado incidentalmente a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei de Licitações, sem, no entanto, observar a chamada cláusula de reserva do plenário, com sede no art. 97 da Constituição Federal, que assim dispõe:
“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”
Com efeito, entendeu-se que o referido verbete também estaria em afronta à Súmula Vinculante n. 10, cujo teor é o seguinte:
“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”
E, com base nesses argumentos, diversos entes públicos ajuizaram reclamações constitucionais perante o Supremo Tribunal Federal, e o Governo do Distrito Federal ajuizou Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16 para ver declarada a constitucionalidade do art. 71, §1º, da Lei 8.666/93.
Para melhor entendimento, extrai-se a ementa do julgado da ADC nº. 16:
“EMENTA: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995.”
Como se vê, o entendimento que prevaleceu foi o de que a mera inadimplência do contratado não poderia transferir à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento dos encargos, mas que isso não significava que eventual omissão da Administração Pública, na obrigação de fiscalizar as obrigações do contratado, não viesse a gerar essa responsabilidade. Afastou-se a responsabilidade objetiva, prevista no art. 37, §6º, da Constituição, entendendo-se, por conseguinte, que o elemento culpa haveria de estar presente, para atrair a responsabilidade do ente público.
E na esteira da linha de raciocínio adotada pelo Plenário da Excelsa Corte na ADC nº 16, conforme voto da Min. Cármen Lúcia, o art. 37, § 6º da CF trataria de responsabilidade objetiva extracontratual, não se aplicando à Administração Pública, no particular.
Com esse entendimento, o STF firmou posição no sentido da inexistência de qualquer amparo legal que autorize a imputação à Administração Pública de responsabilidade objetiva pelos danos causados por pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público contratada ou seus empregados, pois não são os agentes públicos que, nessa qualidade, vem a causar danos a terceiros como previsto no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, mas empregados da empresa contratada pela Administração Pública em regular processo licitatório.
Ademais, de bom alvitre ressaltar que não há no ordenamento pátrio lei que imponha tal ônus à Administração Pública, e eventual condenação nesse sentido estará por certo em desacordo com o princípio da legalidade insculpido no art. 5º, II, da CF.
E não poderia ser de outra forma, pois já superamos há muito a fase da irresponsabilidade da Administração Pública. Pelo contrário, o Princípio Republicano, inspirador de nossa atual Carta Política, se revela na previsão da responsabilidade do ente público, sempre que der causa ao dano, sendo inclusive objetiva essa responsabilidade, quanto aos atos dolosos ou culposos praticados por seus agentes.
Nesse contexto, verifica-se que a responsabilidade subjetiva da Administração Pública somente poderá ser discutida, em tese, em havendo ausência de vigilância, ou seja, culpa "in vigilando", se configurada a relevante omissão do Órgão Público, que por traduzir-se em ato omissivo, deverá ser cabalmente comprovada perante a Justiça do Trabalho à luz do contraditório.
E, nesse sentido já era a interpretação dada por Gustavo Filipe Barbosa Garcia vejamos:
“Como se nota, prevalece o entendimento de que a disposição da Lei n. 8.666/93, sobre licitação, não afasta a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, quando terceiriza atividades. O máximo que se poderia admitir é a exclusão de transferência da responsabilidade principal, ou seja solidária” (GARCIA, 2009, p. 345).
Maurício Godinho Delgado também entende que ao Estado se aplicaria a teoria da culpa in eligendo ou in vigilando, nos seguintes termos:
“Ora, a entidade estatal que pratique terceirização com empresa inidônea (isto é, empresa que se torne inadimplente com relação a direitos trabalhistas) comete culpa in eligendo (má escolha do contratante), mesmo que tenha firmado seleção por meio de processo licitatório. Ainda que não se admita essa primeira dimensão da culpa, incide, no caso, outra dimensão, no mínimo a culpa in vigilando (má fiscalização das obrigações contratuais e seus efeitos). Passa, desse modo, o ente do Estado a responder pelas verbas trabalhistas devidas pelo empregador terceirizante no período de efetiva terceirização”. (DELGADO, 2010, p. 441)
Assim, conforme o entendimento sedimentado do STF após o julgamento da ADC nº 16, que não se reportou à culpa "in eligendo", mas apenas a "in vigilando", em ocorrendo a contratação lícita da empresa prestadora de serviço pela Administração através de regular licitação como previsto no art. 37, XXI, da Carta Magna, não haverá como condenar-se a Administração pela má eleição da empresa contratada se atendidas todas as condições previstas na Lei nº 8.666/93 e no edital do certame, haja vista que a aludida contratação não se traduz em ato discricionário do administrador público.
A Administração Pública deve analisar a qualificação econômico- financeira da prestadora de serviço até o final do cumprimento do contrato e, verificando as dificuldades financeiras da prestadora, deverá adotar medidas que viabilizem a execução do serviço e a solvabilidade dos créditos trabalhistas.
Trata-se, na verdade, de responsabilidade subjetiva, o que se traduz da Súmula 331, IV, do TST, como bem analisado pelo STF, à luz do julgamento da ADC 16, em 24/11/2010.
A Constituição Federal em seu artigo 37, § 6º, só cobriu o risco administrativo em relação à atuação ou omissão dos seus servidores públicos, não responsabilizando o Estado objetivamente por atos de terceiros. Neste caso a responsabilidade é subjetiva, devendo o intérprete ater-se ao elemento culpa.
Nesta linha de intelecção é o entendimento do saudoso Hely Lopes Meirelles:
“Nestas hipóteses, a indenização pela Fazenda Pública só é devida se se comprovar a culpa da Administração. E na exigência do elemento subjetivo culpa não há afronta ao princípio objetivo da responsabilidade sem culpa, estabelecida no art. 37, § 6º, da CF, porque o dispositivo constitucional só abrange a atuação funcional dos servidores públicos, e não os atos de terceiros e os fatos da Natureza. Para situações diversas, fundamentos diversos” (MEIRELLES, 1993, p. 664).
A responsabilidade objetiva da Administração Pública não serve para imputar ao Ente Estatal responsabilidade subsidiária porque pressupõe a existência de ato ilícito praticado pelo Estado, o que não ocorre nas hipóteses em que se efetiva fiscalização da Administração Pública quanto à idoneidade financeira da prestadora de serviço.
Neste sentido, deve-se dizer que, se o Estado, devendo agir por força de lei, quedou-se omisso, ou realizou fiscalização deficiente, responde pela omissão perpetrada; por outro lado, se agiu rigorosamente nos ditames da lei, fiscalizando, e mesmo assim ocorreu o evento danoso, não há como responsabilizá-lo, visto que o Estado não é o autor do dano.
Não se pode perder de vista o ensinamento da doutrina a respeito do tema, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Em síntese: se o Estado, devendo agir por imposição legal, não agiu ou o fez deficientemente, comportando-se abaixo dos padrões legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responde por essa incúria, negligência ou deficiência, que traduzem um ilícito ensejador do dano não evitando quando, de direito, devia sê-lo. Também não o socorre eventual incúria em ajustar-se aos padrões devidos (MELLO, 1997, p. 615)”
Desta forma, temos que a decisão da ADC 16 declarou a constitucionalidade da norma aludida, e em fundamentação, deixou claro que a responsabilidade do ente contratante não é objetiva, automática, devendo ser fundamentada na prova da culpa in vigilando, caso a caso. Ou seja, em cada caso concreto, deve o órgão julgador trabalhista definir e fundamentar a responsabilidade atribuída ao ente contratante (atribuída e não transferida, uma vez que o mesmo ainda poderá e deverá se ressarcir junto à contratada, no mesmo ou em outro processo).
Nesse contexto, conforme publicado no sítio do Tribunal Superior do Trabalho em 24/05/2011 (“TST modifica texto da Súmula nº 331”), aquela Corte Trabalhista, reportando-se à decisão proferida pelo STF na ADC nº 16 se viu obrigada a modificar a redação da Súmula 331 a fim de adequá-la ao novo entendimento.
E, com esse entendimento, os ministros do Tribunal Pleno alteraram a Súmula nº 331, passando o seu item IV, por unanimidade, a ter a seguinte redação:
“IV- O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.”
E por maioria de votos, vencidos os ministros Aloysio Corrêa da Veiga, Rosa Maria Weber, Vieira de Mello Filho e Dora Maria da Costa, o TST acrescentou o item V à Súmula nº 331:
“V – Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.”
Ainda, por votação unânime, o Pleno do TST inseriu o item VI à referida Súmula nos seguintes termos:
“VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.”
Portanto, em face dessa orientação do STF o TST passou a admitir apenas excepcionalmente a responsabilidade subsidiária da entidade pública, ou seja, no caso de ficar evidenciada a culpa “in vigilando” do tomador dos serviços, por irregularidade na licitação ou descaso na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas. Ou seja, não com base em presunção ou responsabilidade objetiva, conforme consta do inciso IV da referida súmula.
E parece que essa é a tendência dos Tribunais Trabalhistas, conforme se extrai dos julgados abaixo transcritos:
“AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ADC 16. CULPA IN VIGILANDO. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO NA FISCALIZAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. DESPROVIMENTO. Confirma-se a decisão que, por meio de despacho monocrático, negou provimento ao agravo de instrumento, por estar a decisão recorrida em consonância com a Súmula 331, IV, do c. TST. Nos termos do entendimento manifestado pelo E. STF, no julgamento da ADC-16, em 24/11/2010, é constitucional o art. 71 da Lei 8666/93, sendo dever do judiciário trabalhista apreciar, caso a caso, a conduta do ente público que contrata pela terceirização de atividade-meio. Necessário, assim, verificar se ocorreu a fiscalização do contrato realizado com o prestador de serviços. No caso em exame, o ente público não cumpriu o dever legal de vigilância, registrada a omissão culposa do ente público, ante a constatada inadimplência do contratado no pagamento das verbas trabalhistas, em ofensa ao princípio constitucional que protege o trabalho como direito social indisponível, a determinar a sua responsabilidade subsidiária, em face da culpa in vigilando. Agravo de instrumento desprovido”.(TST, Ag-AIRR – 153040- 61.2007.5.15.0083 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 15/12/2010, 6ª Turma, Data de Publicação: 28/01/2011)
“RECURSO DE REVISTA – ENTE PÚBLICO – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – ADC Nº 16 – JULGAMENTO PELO STF – CULPA IN VIGILANDO – OCORRÊNCIA NA HIPÓTESE DOS AUTOS – ARTS. 58, III, E 67, CAPUT E § 1º, DA LEI Nº 8.666/93 – INCIDÊNCIA. O STF, ao julgar a ADC nº 16, considerou o art. 71 da Lei nº 8.666/93 constitucional, de forma a vedar a responsabilização da Administração Pública pelos encargos trabalhistas devidos pela prestadora dos serviços, nos casos de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do vencedor de certame licitatório. Entretanto, ao examinar a referida ação, firmou o STF o entendimento de que, nos casos em que restar demonstrada a culpa in vigilando do ente público, viável se torna a sua responsabilização pelos encargos devidos ao trabalhador, já que, nesta situação, a administração pública responderá pela sua própria incúria. Nessa senda, os arts. 58, III, e 67, caput e § 1º, da Lei nº 8.666/93 impõem à administração pública o ônus de fiscalizar o cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo vencedor da licitação (dentre elas, por óbvio, as decorrentes da legislação laboral), razão pela qual à entidade estatal caberá, em juízo, trazer os elementos necessários à formação do convencimento do magistrado (arts. 333, II, do CPC e 818 da CLT). Na hipótese dos autos, além de fraudulenta a contratação do autor, não houve a fiscalização, por parte do Estado-recorrente, acerca do cumprimento das ditas obrigações, conforme assinalado pelo Tribunal de origem, razão pela qual deve ser mantida a decisão que o responsabilizou subsidiariamente pelos encargos devidos ao autor. Recurso de revista não conhecido”(TST, RR – 67400-67.2006.5.15.0102 , Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 07/12/2010, 1ª Turma, Data de Publicação: 17/12/2010).
“RECURSO DE REVISTA. ESTADO DE MINAS GERAIS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. O item V da Súmula-TST-331 assenta o entendimento de que a responsabilidade supletiva, em casos de terceirização de serviços, só pode ser atribuída à Administração Pública quando evidenciada a culpa in vigilando. No caso, não é possível verificar a conduta culposa do 2º Reclamado-ESTADO DE MINAS GERAIS, uma vez que o e. Tribunal Regional enfrentou a questão de maneira genérica e imprecisa, não apontando elementos que identificariam a omissão fiscalizadora do contratante. Nesse contexto, impõe-se a exclusão do ESTADO DE MINAS GERAIS da lide. Recurso de revista conhecido e provido. CONCLUSÃO: Recurso de revista conhecido e provido. Recurso de Revista nº TST-RR-1314-97.2010.5.03.0138; Julgamento em 07 de março de 2012”
“ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. A administração pública fica desonerada de qualquer responsabilidade pelos encargos afetos à empresa contratante, por força do que dispõe o art. 71 da Lei nº 8.666/93, sempre que demonstrada a realização de regular procedimento licitatório, sem a contraposição de qualquer vício nulificador.” (RO-0005634-56.2010.5.12.0037. Órgão julgador: SECRETARIA DA 2 TURMA DO TRIBUNAL Juiz Relator: MARIA APARECIDA CAITANO. Publicação em 30/05/2012).
Desta feita, pode-se perceber que a tendência da jurisprudência atual do TST é a de reconhecer a responsabilidade subsidiária em matéria de terceirização da seguinte forma: no setor privado: responsabilidade objetiva, ou seja, pelo simples fato de a empresa terceirizada ser inadimplente quanto aos direitos trabalhistas dos seus empregados – item IV da atual Súmula 331; no setor público: responsabilidade subjetiva, ou seja, quando demonstrada a culpa do ente público tomador dos serviços, seja por irregularidades na contratação, seja por inobservância do dever de fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da empresa terceirizada – item V da atual Súmula 331.
Sendo assim, caso não demonstrada a satisfação do dever imposto pelos artigos 58, III e 67 da Lei nº 8.666/93, a administração pública incorrerá na culpa in vigilando, podendo ser condenada subsidiariamente na satisfação dos créditos trabalhistas resultantes da terceirização.
Resta analisar finalmente que na averiguação da pretensa responsabilidade subjetiva da Administração Pública perante o juízo de primeiro grau, deverá ser observado que o ônus da prova incumbe àquele que fizer alegações em juízo, a respeito da existência ou inexistência de determinado fato (MARTINS, 2009), nos exatos termos do art. 818 da CLT, sendo que essa orientação deve ser complementada pelo art. 333 do CPC (MARTINS, 2009).
Embora a tendência dos tribunais trabalhistas seja o contrário, não haverá que se falar em inversão do "onus probandi" em favor do reclamante, que somente ocorre em situações específicas, pois no Processo do Trabalho, mesmo com a influência do princípio protetor, não se admite, como regra geral, como fez o Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova, para beneficiar o hipossuficiente, o que se justifica porque a CLT não foi omissa no particular, estabelecendo, como regra que a prova das alegações incumbe a quem as fizer.
Ademais, somente em situações excepcionais a lei autoriza a inversão do ônus da prova graças ao princípio da proteção ao empregado, como nas situações de prova de pagamento de parcelas salariais (art. 464 da CLT) e de comprovação da jornada de trabalho para as empresas com mais de 10 empregados (art. 74, §2º da CLT). Portanto, entende-se que a simples inadimplência das obrigações pela empresa não pode representar, por si só, a falha grave do agente público na sua vigilância.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, restou claro que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADC nº 16 e declarar a constitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93, pôs fim à divergência existente entre este dispositivo e o inciso IV da Súmula 331 do TST em sua antiga redação, cabendo daqui por diante aos juízes trabalhistas aplicar escorreitamente o direito à espécie segundo o entendimento do STF, desconsiderando a malsinada culpa objetiva da Administração Pública, com a realização da devida e necessária instrução probatória para aferição da culpa subjetiva do Órgão Público, cujo ônus probatório pertence ao reclamante, sob pena de assim não ocorrendo, macular-se o processo em prejuízo do próprio empregado-reclamante, o qual a Justiça Laboral tanto visa proteger.
Sendo assim, considerando as recentes alterações jurisprudenciais aprovadas pelo TST, defende-se a importância da fiscalização desses contratos pelo Estado e seus agentes. A Administração deve ter muita cautela na licitação ao selecionar a empresa, especialmente na análise de exequibilidade da proposta.
E esta fiscalização dos contratos deve envolver a demonstração mensal pela empresa da quitação dos débitos trabalhistas. É o efetivo acompanhamento da execução do contrato que vai minimizar a responsabilidade da Administração Pública e futuras condenações na Justiça do Trabalho, para afastar a culpa in vigilando e, consequentemente, a condenação subsidiária ao pagamento dos créditos trabalhistas decorrentes da terceirização.
Para isso, a administração pública deverá exigir do prestador de serviços todos os documentos necessários à comprovação da quitação das obrigações trabalhistas, tais como recolhimentos previdenciários, do FGTS, pagamento dos salários no prazo legal, concessão dos benefícios previstos em acordos ou convenções coletivas de trabalho das categorias dos prestadores, concessão e pagamento de férias, exames médicos, fornecimento de equipamentos de proteção individual, registro da mão de obra colocada à disposição etc.
De fato, a grande contribuição da decisão do STF está em exigir o nexo causal entre a omissão da Administração na fiscalização e a inadimplência dos direitos trabalhistas. Ou seja, não é possível que a Justiça do Trabalho condene a Administração de forma generalizada. O STF já entendeu que a responsabilidade da Administração se funda em culpa in vigilando. Ora, se a Administração escolheu bem e fiscalizou a execução, falta subsídio para a sua condenação, motivo pelo qual o mero inadimplemento da empresa não pode conduzir à responsabilidade do Estado.
Informações Sobre o Autor
Krishlene Braz Avila
Procuradora do Estado de Roraima. Coordenadora Administrativa.