Nas últimas décadas, por conta das inúmeras alterações sociais e econômicas, as relações individuais e coletivas de trabalho já não são as mesmas.
Alguns acontecimentos tiveram grande influência nessas alterações, entre os quais se destacam:
a) no âmbito internacional, a 2ª Guerra Mundial (1945). A instituição da Organização do Trabalho (OIT) (1919), com maior importância no período após as guerras mundiais. Início e fim da Guerra Fria. Inúmeras guerras regionalizadas. As crises internacionais do petróleo (década de 70). Novos países ganham destaque político e econômico no cenário mundial (Japão, Alemanha, Tigres Asiáticos, China, Brasil etc.). O desemprego cresce sem fronteiras. Acentuam-se as interferências dos países ricos naqueles em processo de desenvolvimento (FMI, BID, Banco Mundial etc.). Surge, ou como alguns preferem, ressurge a globalização da economia e a implantação da Comunidade Comum Europeia e de outros mercados (NAFTA, Associação dos Países do Sudeste Asiático etc.);
b) no Brasil, com a migração do campo para as cidades, o país deixa de ser predominantemente agrícola (primeira metade do século). Durante o Estado Novo, aprova-se a CLT (1943). O desenvolvimento industrial (décadas de 50 e 60). O país é controlado pelo Regime Militar (1964-1985). Crescimento econômico milagroso (1969-1973). Aumento acentuado da dívida externa, inflação, recessão e desemprego nas décadas de 70 e 80. Renasce o movimento grevista. Democratização do país (eleições diretas). Vários planos econômicos são instituídos pelo Governo Federal. Abertura do mercado interno para o comércio internacional. Alianças comerciais com países da América do Sul (Mercosul), com destaque para a Argentina. Venda e concessão de bens e serviços públicos. “Parcerias” da administração pública com a iniciativa privada.
As inovações tecnológicas (informática, telecomunicações e robótica) são simplesmente fantásticas e promovem o desenvolvimento dos meios de produção e do comércio local e mundial, sendo certo que em diversos setores da atividade da economia, o desenvolvimento tecnológico reduz e elimina o trabalho humano, fenômeno conhecido como Revolução Tecnológica.
Como consequência da integração dos países e da criação de mercados comuns, a concorrência do comércio mundial exige cada vez mais qualidade, produtividade e custos baixos. Sem sombra de dúvida, representam imposições do mercado consumidor nos meios de produção, inclusive nas relações de trabalho.
Tais fatores fizeram com que surgissem modificações radicais na organização da produção, novos métodos de gestão de mão de obra etc. Tais mudanças levaram à discussão quanto à estrutura da relação de trabalho, desencadeando o fenômeno denominado terceirização das relações de trabalho.
Ao termo “terceirização” pode-se dar vários significados: o processo de descentralização das atividades da empresa, no sentido de desconcentrá-las, para que sejam desempenhadas em conjunto por diversos centros de prestação de serviços e não mais de modo unificado numa só instituição; a valorização do setor terciário da economia.
A terceirização possui alguns aspectos positivos: a modernização da administração empresarial, com a redução de custos, aumento da produtividade e com a criação de novos métodos de gerenciamento da atividade produtiva. Mas também possui alguns negativos: a redução dos direitos globais dos trabalhadores, tais como a promoção, salários, fixação na empresa e vantagens decorrentes de convenções e acordos coletivos.
Com o processo de terceirização, a empresa passa a atribuir parte de suas atividades para outras empresas.
O estágio inicial da terceirização representa atividades tais como limpeza, conservação e vigilância. São atividades que denotam apoio à empresa, sem haver qualquer transferência tecnológica ou de parceria comercial, com a liberação da tomadora de algumas responsabilidades gerenciais ou administrativas.
Na terceirização, atividade-meio consiste no apoio a setores dentro da empresa tomadora que se interligam ao processo produtivo, mas não na sua atividade-fim, tais como: assessoria jurídica ou contábil, locação de automóveis, fotografia e revelações, mecânica e pintura.
Como atividade principal ou fim, entenda-se aquela cujo objetivo é essencial à consecução do objetivo social da própria empresa.
O objetivo da terceirização é a diminuição dos custos, além da melhora quanto à qualidade do produto ou do serviço. Na busca de melhores resultados empresariais, os trabalhadores estão perdendo a vinculação jurídica com as empresas tomadoras, principalmente pela intermediação que está ocorrendo com o aumento crescente das empresas prestadoras de serviço.
Inicialmente, com a Súmula n. 256, com exceção das hipóteses de trabalho temporário e de serviço de vigilância (Leis ns. 6.019/1974 e 7.102/83), o TST entendia por ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, passando a reconhecer o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços. A Súmula n. 256 foi revista pela Súmula n. 331 (Resolução n. 23/1993, DJ 21.12.93), sendo, posteriormente, cancelada pela Resolução n. 121/2003, DJ 21.11.2003.
A bem da verdade, não havia proibições legais quanto à prática da prestação de serviços, até a emissão da Súmula n. 256 pelo TST.
O TST não admitia a terceirização pelos seguintes motivos: a) o trabalhador tem direito à sua inserção no desenvolvimento da empresa (art. 165, V, CF/1967); b) o lucro das empresas de mão de obra, que advém do valor recebido das empresas tomadoras, e o que pagava aos seus empregados; c) o fato de que a intermediação, geralmente, ultrapassava os limites de 90 dias, logo, haveria a formação da relação de emprego diretamente entre o trabalhador e a empresa tomadora.
Várias foram às críticas ao conteúdo da Súmula n. 256: a) a CF/1988 assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (art. 170, parágrafo único); b) a competência da União para legislar sobre organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de qualquer trabalho será lícita, salvo se a lei a vedar (art. 22, XVI, CF); c) pelo fato de que fazia letra morta de autênticos contratos do Direito Civil, como os relativos à locação de serviços e os de empreitada. Em tese, não mais seriam possíveis os contratos de conservação de elevadores (empresa especializada), de pintura de edifícios, de execução de serviços de hidráulica, alvenaria etc.; d) a ofensa ao inciso XIII do art. 5º, CF, o qual assegura a liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Apenas com a Súmula n. 331, o entendimento do TST foi reformulado, a qual dispõe: “I — A contratação de trabalhadores por empresa interposta ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 3.1.74). II — A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República). III — Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.6.83), e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV — O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das Autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei n. 8.666/93).”
Com o intuito de equacionar a fiscalização administrativa, emitiu o Ministério do Trabalho a Instrução Normativa n. 3, de 27.12.1989, posteriormente revogada pela de n. 7, de 21.2.1990, a qual foi revogada pela de n. 3, de 29.8.1997.
A terceirização ganha fôlego com o art. 129, Lei n. 11.196/2005, que prevê para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50, CC.
A IN n. 3/1997, dispõe sobre a fiscalização do trabalho nas empresas de prestação de serviços a terceiros e empresas de trabalho temporário, adotando as inovações introduzidas pela Súmula n. 331.
Na terceirização, há a intermediação da mão de obra pelas empresas prestadoras de serviços.
De um lado, tem-se a empresa tomadora e, de outro, a prestadora. Os trabalhadores são subordinados diretamente à empresa prestadora e não à tomadora. A relação jurídica é triangular, existindo entre a empresa tomadora e a prestadora um contrato regido pelas leis do Direito Civil, de evidente prestação de serviços. Já entre a empresa prestadora e o trabalhador há um contrato de trabalho que corresponde à relação jurídica.
Empresa prestadora de serviços é a pessoa jurídica de direito privado, legalmente constituída, de natureza comercial e que se destina a realizar determinado e específico serviço a outra empresa fora do âmbito das atividades-fim e normais para que se constituiu esta última (art. 2º, IN n. 3).
As suas características, de acordo com o item 2º, são as seguintes: a) as relações da empresa de prestação de serviços a terceiros com a empresa contratante são regidas pela Lei Civil (art. 2º, § 1º); b) as relações de trabalho entre a empresa de prestação de serviços a terceiros e seus empregados são disciplinadas pela CLT (art. 2º, § 2º); c) em se tratando de empresa de vigilância e de transporte de valores, as relações de trabalho estão reguladas pela Lei n. 7.102, e, subsidiariamente, pela CLT (art. 2º, § 3º); d) dependendo da natureza dos serviços contratados, a prestação dos mesmos poderá se desenvolver nas instalações físicas da empresa contratante ou em outro local por ela determinado (art. 2º, § 4º); e) a empresa de prestação de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado a seus empregados (art. 2º, § 5º); f) os empregados da empresa de prestação de serviços a terceiros não estão subordinados ao poder diretivo, técnico e disciplinar da empresa contratante (art. 2º, § 6º).
Empresa tomadora ou contratante é a pessoa natural ou jurídica de direito público ou privado que celebra contrato com empresas de prestação de serviços a terceiros com a finalidade de contratar serviços (art. 3º, IN n. 3/1997).
Pela IN n. 3 do Ministério do Trabalho, as características dessa relação jurídica são: a) a contratante e a empresa prestadora de serviços a terceiros devem desenvolver atividades diferentes e ter finalidades distintas (art. 3º, § 1º); b) a contratante não pode manter trabalhador em atividade diversa daquela para a qual o mesmo fora contratado pela empresa de prestação de serviços a terceiros (art. 3º, § 2º); c) nas empresas do mesmo grupo econômico, em que a prestação de serviços se dê junto a uma delas, o vínculo empregatício se estabelece entre a contratante e o trabalhador colocado à sua disposição (art. 3º, § 3º); d) o contrato de prestação de serviços a terceiros pode abranger o fornecimento de serviços, materiais e equipamentos (art. 3º, § 4º).
A empresa prestadora faz o elo de vinculação entre o trabalhador e a empresa tomadora, sendo a responsável como empregadora quanto aos créditos trabalhistas deste empregado.
O contrato entre as duas empresas — a prestadora e a tomadora — possui natureza civil. Se o contratante for pessoa de direito público, em havendo o procedimento licitatório, é de natureza administrativa com efeitos civis (art. 4º, IN n. 3).
A legislação é explícita no sentido de que a execução das atividades da administração federal deve ser amplamente descentralizada (art. 10, caput, Decreto-lei n. 200/1967). A descentralização deveria envolver as atividades de transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas, sendo objeto de contrato (art. 10, § 7º).
Nos casos em que a contratação é feita com intuito fraudulento, objetivando prejudicar direitos trabalhistas, o vínculo se dá diretamente com o tomador dos serviços, exceto aqueles casos de trabalho temporário (Lei n. 6.019), de serviços de vigilância (Lei n. 7.102), de conservação e limpeza, além dos serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta (Súmula n. 331, I e III).
A terceirização não é possível na atividade-fim da empresa tomadora. Logo, se assim ocorrer, também haverá a imposição do vínculo de emprego com o tomador dos serviços (Súmula n. 331, III).
Diferentemente do que ocorre na iniciativa privada, a contratação irregular (terceirização fraudulenta ou terceirização impossível) de trabalhador mediante empresa interposta não gera vínculo de emprego diretamente com a administração pública (art. 4º, parágrafo único, IN n. 3; Súmula n. 331, II), isso porque a contratação de trabalhador sem concurso público pela administração pública direta e indireta é nula (art. 37, II, § 2º, CF; Súmula n. 363, TST; Súmula n. 685, STF).[1]
Apesar da contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não implicar na geração de vínculo de emprego com ente da Administração Pública, pela aplicação do princípio da isonomia, tem-se o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. É um desdobramento da aplicação analógica do art. 12, a, da Lei n. 6.019, de 3.1.1974 (OJ n. 383, SDI-I, TST).
Correta a aplicação do salário eqüitativo ou isonômico, visto que é inadmissível uma discriminação socieconômica, o que fere a própria dignidade do trabalhador. A terceirização não pode ser vista como um mecanismo de aviltamento de salários e do padrão social dos trabalhadores.
O Enunciado n. 16 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho (realizada em nov./07) enuncia:
“I – SALÁRIO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. Os estreitos limites das condições para obtenção da igualdade salarial estipulados pelo art. 461 da CLT e Súmula n. 6 do Colendo TST não esgotam as hipóteses de correção das desigualdades salariais, devendo o intérprete proceder à sua aplicação na conformidade dos artigos 5º, caput, e 7º, inc. XXX, da Constituição da República e das Convenções 100 e 111 da OIT. II – TERCEIRIZAÇÃO. SALÁRIO EQÜITATIVO. PRINCÍPIO DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO. Os empregados da empresa prestadora de serviços, em caso de terceirização lícita ou ilícita, terão direito ao mesmo salário dos empregados vinculados à empresa tomadora que exercerem função similar”.
Não existindo o vínculo com a administração pública, haveria alguma responsabilidade pelo pagamento dos direitos trabalhistas não cumpridos pelas empresas prestadoras de serviços?
A Lei n. 8.666/1993, que disciplina o processo licitatório, em seu art. 71, § 1º, exclui qualquer responsabilidade da administração por encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não quitados pelas empresas prestadoras de serviços.
Por outro lado, o § 2º do art. 71 atribui à administração a responsabilidade solidária pelos encargos previdenciários resultantes do contrato de acordo com o art. 31, Lei n. 8.212/1991.
Ressalvados os casos especificados na legislação própria, a Constituição determina que: as obras, os serviços, as compras e as alienações somente serão contratadas mediante processo de licitação pública, a qual tem como pressuposto basilar a igualdade de condições entre todos os concorrentes (art. 37, XXI).
Desta forma, entendem os publicistas, invocando o princípio da estrita legalidade, que a administração não pode ser tida como responsável por nenhum ato praticado pela empresa vencedora do processo licitatório. Até porque a atribuição de fiscalização do cumprimento das normas trabalhistas é de competência dos órgãos integrantes do Ministério do Trabalho, como as delegacias regionais do trabalho, e do Ministério Público do Trabalho.
Acrescente-se a isso que nem poderia a administração, se quisesse, criar regras no processo licitatório sobre fiscalização das normas trabalhistas, por ser da União apenas à competência para legislar sobre Direito do Trabalho (art. 22, I, CF).
Pensar ainda que eventuais cláusulas contratuais possuem caráter privado, sendo facultado às partes disporem de forma ampla e irrestrita, desde que não atentem contra restrições legais, é um equívoco, porque a administração está adstrita à legalidade em todos os seus atos e os contratos celebrados com a administração são regidos pelos princípios e normas do direito público e não privado, como ocorre na iniciativa privada.
Ademais, poder-se-ia lembrar que a maior parte dos Municípios e mesmo dos órgãos da administração pública não possuem quadro técnico suficiente ou com competência técnica para supervisionar todos os serviços terceirizados. De maneira que obrigaria o administrador a promover outro processo licitatório, agora para contratar uma empresa fiscalizadora/auditora, o que seria um absurdo do ponto de vista administrativo, burocrático e custo-operacional.
O TST, inicialmente, apenas atribuía a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas quando tivesse participado da relação processual e constasse também do título executivo judicial (Súmula n. 331, IV).
Com a Resolução n. 96, de 11.9.2000, o item IV da Súmula n. 331 sofreu alteração, passando a atribuir expressamente responsabilidade subsidiária para a administração pública, apesar do previsto no art. 71, da Lei n. 8.666.
Neste ponto, dois podem ser os posicionamentos: a) inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666, na medida em que estaria violando o princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput) e os preceitos de que o trabalho é um dos fundamentos do Estado Democrático (art. 1º, IV), o valor social do trabalho (art. 6º), a ordem econômica deve estar fundada na valorização do trabalho (art. 170) e a ordem social tem como base o primado do trabalho (art. 193); b) inaplicabilidade do art. 71, § 1º, nas questões de terceirização trabalhista, já que há o sistema positivo a atribuir responsabilidade àquele que age com culpa in vigilando e in eligendo, além de possibilitar a fraude a direitos trabalhistas (princípio protetor, art. 9º, CLT) e violar os preceitos constitucionais mencionados.
Nesse sentido, Alice Monteiro de Barros[2] afirma que, “ao resguardar os interesses do poder público, isentando-o do pagamento dos direitos sociais aos que venham a lhe prestar serviços, subverte a teoria da responsabilidade civil e atenta contra a Constituição vigente. Ora, admitir a isenção contida nessa norma implica conceder à Administração Pública, que se beneficiou da atividade dos empregados, um privilégio injustificável em detrimento da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho preconizados pela própria Constituição, como fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III e IV). …
Ressalte-se, ainda, que a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços funda-se na existência do risco, assumido pela Administração Pública ao contratar com prestadora de serviços inadimplente, e ter-se beneficiado da força de trabalho dos empregados contratados por esta última”.
Importante lembrar que a administração pública, quando contrata pessoal pelo regime da CLT, equipara-se ao empregador privado, sem qualquer prerrogativa de império, apesar de sofrer inúmeras limitações pelas normas de direito público.
Acrescente-se, admitindo a responsabilidade da administração pública, que parte da doutrina entende que a responsabilidade é objetiva, conforme mandamento constitucional (art. 37, § 6º).
Mauricio Godinho Delgado[3] leciona: “No tocante à responsabilização em contextos terceirizantes não excepcionou o Estado e suas entidades (inciso IV da referida súmula). E não poderia, efetivamente, acolher semelhante exceção que seria grosseiro privilégio antissocial pelo simples fato de que tal exceção não se encontra autorizada pela Carta Maior do país (ao contrário da expressa vedação de vínculo empregatício ou administrativo irregular: art. 37, II e § 2º, CF/88). Mais ainda: tal exceção efetuada pela Lei de Licitações desrespeitaria, frontalmente, clássico preceito constitucional responsabilizatório dos entes estatais (a regra da responsabilidade objetiva do Estado pelos atos de seus agentes, insculpida, já há décadas, na história das constituições brasileiras). Semelhante preceito constitucional responsabilizatório não só foi mantido pela Carta de 1988 (art. 37, § 6º, CF/88) como foi inclusive ampliado pela nova Constituição, abrangendo até mesmo as pessoas jurídicas de Direito Privado prestadores de serviços públicos (§ 6º do art. 37, CF/88). Ora, o Enunciado n. 331, IV, não poderia efetivamente, considerar o privilégio de isenção responsabilizatória contido no art. 71, § 1º, da Lei de Licitações, por ser tal privilégio grosseira e afrontosamente inconstitucional. A súmula enfocada, tratando, obviamente, de toda a ordem trabalhista, não poderia incorporar em sua proposta interpretativa da ordem jurídica — construída após largo debate jurisprudencial — regra legal recente afrontadora de antiga tradição constitucional do país e de texto expresso da Carta de 1988. … Não poderia incorporar tal regra jurídica pela simples razão de que norma inconstitucional não deve produzir efeitos.”
Outra parte da doutrina considera que, nos casos de terceirização, não há a responsabilidade objetiva do estado, vez que o ilícito decorre de uma relação contratual, não podendo o empregado da prestadora ser enquadrado como terceiro.
Martha Halfeld F. de Mendonça Schmidt[4], após discorrer sobre o tema, conclui: “Finalmente, é preciso realçar que a responsabilidade da Administração Pública é de natureza contratual subsidiária, derivada do contrato de prestação de serviços. Diversamente, o § 6º do art. 37 da Carta Magna cuida do caso de responsabilidade extracontratual do ente público ou do prestador de serviço público.”
“Responsabilidade subsidiária. Sociedade de Economia Mista. Art. 71 da Lei n. 8.666/93. O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das Autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial (Enunciado n. 331, IV, do TST). Embargos não conhecidos.” (TST — SDI-I — ERR n. 537730 — Rel. Min. Rider Nogueira de Brito — j. 25.9.2000 — DJ 20.10.2000 — p. 408.)
Em caso de danos causados a terceiros pelos trabalhadores contratados de forma ilícita, afirma Maria Sylvia Zanella di Pietro[5], “incide a responsabilidade do Estado, que é objetiva e independe de quem seja o agende causador do dano, conforme art. 37, § 6º, da Constituição. Vale dizer que, embora contratado ilicitamente, esse agente é considerado agente público para fins de responsabilidade civil do Estado”.
De qualquer forma, nos contratos de empreitada[6], a administração pública figura como dona da obra (art. 455, CLT).
Cabem ao empreiteiro os riscos quanto à realização da obra. Ao efetuar a contratação de um subempreiteiro, também está assumindo os riscos das obrigações trabalhistas dos empregados. Trata-se de uma obrigação imposta pela lei (art. 455, CLT). Se as obrigações trabalhistas dos empregados do subempreiteiro não são adimplidas terão estes o direito de ação contra o empreiteiro.
A doutrina e a jurisprudência não são pacíficas quanto ao tipo da responsabilidade do empreiteiro: solidária ou subsidiária.
No que se refere à responsabilidade do dono da obra, há duas posições doutrinárias: a) a primeira, equipara o dono da obra à figura do empreiteiro principal; logo, haveria a responsabilidade solidária ou subsidiária; b) a segunda, afirma ser inaplicável o art. 455 da CLT para justificar a responsabilidade solidária ou subsidiária do dono da obra quando o empreiteiro ou o subempreiteiro não quita os direitos trabalhistas de seus empregados.
Analisando as duas posições, Mauricio Godinho Delgado[7] discorre: “A regra original de não responsabilização parece manter-se preservada quando se tratar de empreitada ou prestação de serviços pactuadas perante terceiros por pessoa física, como essencial valor de uso (reforma de residência, por exemplo). Pode-se englobar também neste grupo a situação pela qual até mesmo uma pessoa jurídica, de modo comprovadamente eventual e esporádico, venha pactuar a específica obra ou prestação aventadas. …
Ou seja, o critério da não responsabilização do texto literal do art. 455 da CLT ficaria preservado apenas com respeito àquelas situações em que o tomador de serviços se tenha valido esporadicamente ou por curto período da prestação de serviços pactuada perante o empreiteiro e subempreiteiro e, preferivelmente, como instrumento de produção de mero valor de uso. …
A segunda situação figurada é claramente distinta da primeira. Trata-se de contratos de empreitada ou prestação de serviços entre duas empresas, em que a dona da obra (ou tomadora de serviços) necessariamente tenha de realizar tais empreendimentos, mesmo que estes assumam caráter infraestrutural e de mero apoio à sua dinâmica normal de funcionamento. Em tais situações parece clara a responsabilização subsidiária da dona da obra (ou tomadora dos serviços) pelas verbas laborais contratadas pela empresa executora da obra ou serviços. …
A responsabilização do dono da obra ou tomador dos serviços, em tais casos, derivaria de três aspectos normativos apreendidos na ordem justrabalhista: em primeiro lugar, a importância (e efeitos) da noção de risco empresarial, no Direito do Trabalho; em segundo lugar, a assimilação justrabalhista do conceito civilista de abuso de direito; finalmente, em terceiro lugar, as repercussões do critério de hierarquia normativa imperante no universo do direito, em especial no Direito do Trabalho.”
A jurisprudência atual do TST é no sentido de que o art. 455 da CLT não deve ser aplicável ao dono da obra ou tomador dos serviços, exceto se a obra é um desdobramento da sua atividade econômica (OJ n. 191, SDI-I).
“MUNICÍPIO. DONO DA OBRA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. INAPLICABILIDADE. OJ 191 DA SDI-I/TST. O Município, no exercício das suas funções administrativas, não pode ser confundido com empresa construtora ou incorporadora. Portanto, deve ser considerado dono da obra e não responde subsidiariamente por dívidas trabalhistas da empresa construtora que contratou para a edificação de escola pública pertencente à municipalidade. Inteligência da Orientação Jurisprudencial 191 da SDI-I/TST” (TRT — 3ª R — 2ª T — Proc. n. 00336-2006-097-03-00-0 — Rel. Sebastião Geraldo de Oliveira — DJMG 18.10.2006 — p. 10).
“RECURSO DE REVISTA – MUNICÍPIO – DONO DA OBRA – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – IMPOSSIBILIDADE – ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 191 DA SBDI-1 – PROVIMENTO – 1- O Município, através de contrato de empreitada, contratou empresa construtora para realização de obras, figurando, assim, como dono da obra. Desta forma, não há suporte legal ou contratual para a responsabilização do ente público, a qualquer título, por débitos trabalhistas das empreiteiras empregadoras, situação que somente seria excepcionada se o dono da obra figurasse também como empresa construtora ou incorporadora. Incidência da Orientação Jurisprudencial nº 191 da SBDI-1. 2- Recurso de revista conhecido e provido” (TST – RR 259/2006-022-15-00.0 – Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos – DJe 11.6.2010 – p. 407).
“RECURSO DE REVISTA – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO MUNICÍPIO – DONO DA OBRA – APLICAÇÃO DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 191 DA SBDI-1 – Na situação específica dos autos, o Município é dono da obra, não havendo que se falar em responsabilidade pelo contrato de trabalho celebrado entre o trabalhador e o empreiteiro principal. A relação jurídica existente entre o empreiteiro e o dono da obra é de natureza civil, enquanto que a relação que se forma entre o empreiteiro e seus empregados é regida pela legislação trabalhista. A Orientação Jurisprudencial nº 191 da SBDI-1 do c. TST consagra o entendimento acima exposto. Recurso de revista conhecido e provido” (TST – RR 10578/2007-211-04-00 – Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga – DJe 18.12.2009 – p. 2053).
“RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – DONO DA OBRA – ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 191 DA SBDI-1 DO TST – PROVIMENTO – 1. Conforme dispõe a Orientação Jurisprudencial 191 da SBDI-1, diante da inexistência de previsão legal, o contrato de empreitada entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária quanto às obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora. 2. Versam os autos sobre a responsabilidade subsidiária do dono da obra em relação aos créditos trabalhistas deferidos, tendo o Regional considerado o Município dono da obra, apesar de não ser empresa incorporadora ou construtora, atribuindo ao ente público a responsabilidade subsidiária. 3. Assim, nos termos da OJ 191 da SBDI-1 desta Corte, merece reforma a decisão regional, pois o caso em tela não atrai a aplicação da Súmula 331 do TST, uma vez que expressamente o Regional admitiu a condição do Município reclamado de dono da obra. Recurso de revista provido” (TST – RR 26/2006-049-15-00 – Relª Minª Maria Doralice Novaes – DJe 23.10.2009 – p. 1158)
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – MUNICÍPIO – DONO DA OBRA – Agravo de instrumento a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, uma vez demonstrada possível divergência com a Orientação Jurisprudencial nº 191 desta Corte. RECURSO DE REVISTA – MUNICÍPIO – DONO DA OBRA – ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 191 DA SBDI-1 DO TST – Decisão regional em que se reconhece a responsabilidade subsidiária do município, mesmo considerando a existência de contrato de empreitada. Registrada pelo Tribunal a condição do município, de dono da obra, não há amparo legal para a condenação à responsabilidade subsidiária, prevista na Súmula nº 331, IV, do TST, que se refere, exclusivamente, ao tomador dos serviços. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento” (TST – 7ª T – RR 774/2003-097-03-40 – Rel. Pedro Paulo Manus – J. 3.9.2008).
A responsabilidade do tomador de serviços e seus limites, seja a administração pública ou não, depende de pronunciamento judicial, sendo necessário que o tomador de serviços faça parte da relação processual, garantindo-lhe o amplo direito de defesa, o contraditório e o devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, CF).
A 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho (realizada em nov./2007 pelo TST) no Enunciado n. 11 deliberou: “A terceirização de serviços típicos da dinâmica permanente da Administração Pública, não se considerando como tal a prestação de serviço público à comunidade por meio de concessão, autorização e permissão, fere a Constituição da República, que estabeleceu a regra de que os serviços públicos são exercidos por servidores públicos aprovados mediante concurso público. Quanto aos efeitos da terceirização ilegal, preservam-se os direitos trabalhistas integralmente, com responsabilidade solidária do ente público”.
Encontra-se no STF a Ação Declaratória de Constitucinalidade n. 16, ajuizada pelo Distrito Federal em março de 2007, visando o reconhecimento da constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei n. 8.666/93, na medida em que o TST estaria negando vigência ao citado dispositivo, pela reiterada aplicação do entendimento jurisprudencial cristalizado no tópico IV da Súmula n. 331.
Em maio de 2007, o relator, ministro Cezar Peluso negou pedido de liminar, por entender que a matéria era por demais complexa para ser decidida de forma monocrática. No mês de setembro de 2008, o relator não conheceu da ação. Nesta data, o ministro Menezes Direito pediu vista dos autos, enquanto que o ministro Marco Aurélio votou pelo conhecimento. Em 24 de novembro de 2010, retornou ao Plenário do STF, o julgamento da ADC 16.
Como relator, o ministro Cezar Peluso indicou as informações prestadas pelo presidente do TST de que a referida Corte faz o reconhecimento da responsabilidade da administração pública com base em fatos (descumprimento dos direitos trabalhistas pela empresa prestadora) e não pela decretação da inconstitucionalidade do art. 71, da Lei n. 8.666/93. O relator insistiu no arquivamento da ADC, não sendo acompanhado pelos demais ministros.
Por maioria de votos, o STF deliberou pela constitucionalidade do art. 71 e o seu parágrafo único, além da indicação ao TST da não generalização da responsabilidade subsidiária da administração pública, devendo, assim, investigar, caso a caso, para que se tenha esta imputação se a inadimplência da empresa prestadora teve por causa principal a falha ou falta de fiscalização pelo órgão público contratante.
O ministro Ayres Britto salientou que a terceirização não tem previsão constitucional, logo, diante da inadimplência de obrigações trabalhistas, o poder público há de ser responsabilizado.
A decretação da constitucionalidade do art. 71 pelo STF não implica na afirmação inexorável de que a Administração Pública está imune à responsabilidade subsidiária diante do não pagamento dos direitos trabalhistas dos empregados da empresa prestadora.
Em outras palavras, a responsabilidade será decretada se, pelo exame minucioso de cada demanda, houver a culpa do ente público contratante quanto ao inadimplemento dos direitos trabalhistas por parte da prestadora em relação aos seus empregados. Não se pode esquecer que a Administração Pública responde pelos danos que seus agentes causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (art. 37, § 6º, CF).
Notas:
Informações Sobre os Autores
Francisco Ferreira Jorge Neto
Desembargador Federal do Trabalho (TRT 2ª Região). Coordenador e Professor da Pós-Graduação Lato Sensu do Pró-Ordem em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho em Santo André (SP). Professor Convidado: Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola Paulista de Direito. Mestre em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela PUC/SP. Autor de livros, com destaques para: Direito do Trabalho (5ª edição) e Direito Processual do Trabalho (4ª edição), publicados pela Lumen Juris, em co-autoria com Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante
Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante
Advogado. Professor da Faculdade de Direito Mackenzie. Ex-coordenador do Curso de Direito da Faculdade Integrada Zona Oeste (FIZO). Ex-procurador chefe do Município de Mauá. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP/PROLAM). Autor de várias obras jurídicas em co-autoria com Francisco Ferreira Jorge Neto, com destaques para: Direito do Trabalho (4ª ed., no prelo) e Direito Processual do Trabalho (3ª ed., 2007), todos pela Lumen Juris.