A traição como objeto de indenização por danos morais

Resumo: A dissolução de qualquer vínculo nunca é feita com facilidade, em especial quando este é afetivo. O casamento que fale por qualquer motivo já causa dor e frustração às partes envolvidas, mas o casamento que tem por motivo de falência a traição causa uma dor ainda mais profunda e de difícil gestão. No Direito brasileiro aquele que for lesado em sua honra tem direito à ação contra o causador do dano, desta forma, levanta-se a questão: é possível requerer indenização por dano moral decorrente do rompimento do pacto de fidelidade matrimonial? Este artigo pondera o risco ao qual cada pessoa submete-se ao assumir uma relação amorosa e o dano efetivo que a traição um dos cônjuges pode acarretar ao outro. A metodologia utilizada baseia-se no levantamento e estudo bibliográfico doutrinário e jurisprudencial brasileiro sobre o tema e a conclusão a qual se foi possível chegar é que não se pode de pronto deferir esta indenização genericamente, sob pena da banalização do instituto do dano moral, porém cada caso deve ser analisado com cautela, pois em situações específicas o cônjuge traidor extrapola todos os limites aceitáveis de ordem social e moral no tratamento com o cônjuge traído acarretando assim motivos para compensação.


Palavras-chave: Casamento. Adultério. Divórcio. Dano moral.


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1. INTRODUÇÃO   


Já dizia Aristóteles: “O homem é um animal social”. Assim sendo, ainda que tenha a potencialidade para a solidão, a procura por um ambiente onde detenha companhia é inerente ao ser. Todavia, a idéia de sociabilidade por Aristóteles defendida não mencionava qualquer noção de exclusividade nas relações.


Ainda segundo o mesmo pensador, é pertinente ao indivíduo a busca por outro da mesma espécie com o fim de procriação, perpetuação da espécie, geração de um novo ser idêntico a ele. Como conseqüência natural desta busca por companhia e por reproduzir-se, e também devido aos cuidados que necessita a espécie humana em seus primeiros anos de vida, temos a geração da primeira célula da sociedade: a família. Esta nasce como um evento natural, oriundo da sociabilidade humana.


Com o propagar das sociedades, desenvolveram-se vários modelos de família. O modelo mais conhecido, antigo e tradicional é o casamento, com sua raiz inicial na busca por resolução dos conflitos entre diferentes tribos e povos. O matrimônio, desde a Grécia antiga até a época da colonização das Américas, fora constituído para ser a aliança sanguínea que ligava tribos diversas e rivais, unindo-os e transformando-os em aliados. Neste período da história o casamento tinha finalidade de garantir a segurança política e social.


Atualmente, no direito brasileiro, o casamento consiste na união civil e voluntária entre duas pessoas. O Estado brasileiro não resguarda qualquer proteção no artigo 226 da Constituição Federal de 1988 a qualquer modelo de família que abrigue mais de dois cônjuges, ou seja, modelo que se assemelhe à poligamia.


Diante desta moderna sociedade monogâmica temos em contraponto a infidelidade, do latim infidelitate, que significa traição, transgressão da fé matrimonial, adultério, ou seja, relacionamento sexual ou amoroso, esporádico ou contínuo, com pessoa externa à sociedade conjugal. Este ato, atinente ao ser humano quase que por consequência da própria característica de ser social, há muito marginalizado nas relações amorosas, se configura como verdadeira problemática conjugal.


 Mas até que ponto a fidelidade, obrigação e dever recíproco dos cônjuges de não cometer adultério, e a monogamia, modelo predominante nas relações afetivas e sexuais ocidentais, como caracteres dos institutos familiares, podem ser vistos como bens a serem protegidos e quantificados, bem como indenizados, quando de suas violações?


O objetivo deste artigo é discutir a possibilidade de pagamento de indenização por danos morais em caso de violação do pacto de fidelidade entre as partes quando iniciada uma relação afetiva, em especial a oriunda do casamento, hetero ou homossexual. Tal discussão será realizada por meio de levantamento bibliográfico e do estudo da jurisprudência, chegando, assim, a alguns elementos norteadores da questão elencada.


2. A MONOGAMIA


A monogamia no dicionário significa: “Estado conjugal em que um homem desposa uma única mulher ou uma mulher um só marido. União exclusiva de um macho com uma única fêmea.”


Este conceito, de estado conjugal exclusivista, surge como fato social predominante e institucionalizado na cultura ocidental através da Igreja Católica em 1439, quando no Concílio de Florença fora instituído o matrimônio (união entre um homem e uma mulher sob a benção da igreja) como sétimo sacramento, pois simbolizava a união entre Cristo e a Igreja, e esta considerada indissolúvel. Desta forma, a poligamia, o concubinato e, consequentemente, o adultério foram marginalizados (até então estes eram praticados com certa liberalidade) e considerados como pecados.


Posteriormente, no Concílio de Trento (1545-1563) a Igreja Católica empreendeu uma guerra sistemática a todos os atos sexuais realizados fora do casamento, reforçando a ideia de monogamia e fidelidade nesta relação.


Apesar da forte influência que a Igreja Católica exerceu e exerce sobre os costumes da sociedade ocidental (em especial nos últimos 800 anos), marginalizar a figura da terceira pessoa alheia ao relacionamento não extirpou sua existência.


Diante deste quadro, questiona-se: é possível afirmar que o ser humano é um ser, naturalmente, monogâmico?


Segundo David P. Barash, autor do livro “O mito da monogamia”, a resposta é não:


“Não há como questionar se a monogamia é ou não natural. Não é. Ao mesmo tempo, tampouco há razão para concluir que o adultério é algo bom ou inevitável. Animais, muito provavelmente, não podem escolher agir contra ‘o que vem naturalmente’. Já os homens podem.”


Partindo desta premissa, com qual finalidade foi elaborada a teoria monogâmica, uma vez que temos elementos históricos, desde os tempos das cavernas, comprovando que esta concepção foi criada e não originada pela natureza do homem? É plausível exigir fidelidade uma vez que esta pressupõe monogamia que, por sua vez, não é algo natural à nossa espécie?


Engels afirma em sua obra “A origem da família e da propriedade privada e do estado” que os gregos proclamavam abertamente apologia à monogamia com o objetivo específico de restringir a transferência de seus bens através da sucessão, para que apenas os herdeiros sanguíneos de um varão pudessem dele herdar. Para Engels esta era a expressão da propriedade privada e da submissão da mulher ao homem, fazendo-a parte de seus bens, e, ainda hoje, existem resquícios desta concepção. Logo, há de se convir que o embrião da monogamia, ainda na história clássica, em nada se aproxima da idéia de amor afetivo e romântico, mas da concepção materialista de proteção dos bens do varão. 


Atualmente, a monogamia não mantém seus pilares tão superficiais estabelecidos apenas nas questões patrimoniais das relações afetivas. Hoje estas bases são mais profundas, fazendo parte do íntimo, da personalidade, do caráter e do desejo consciente e inconsciente das pessoas, em especial ao escolherem outro indivíduo para compartilhar suas vidas.


Com a evolução das relações familiares, as concepções monogâmicas foram arraigando-se por todas as outras modalidades de relações amorosas. Espera-se monogamia quando se inicia um namoro, quando este evolui para uma união estável ou um noivado e em especial quando se contrai casamento.


3. O DEVER DA FIDELIDADE E A INFIDELIDADE


Qualquer relacionamento, em especial o amoroso, é um ato de liberalidade, no qual as pessoas envolvidas optam por permanecerem conectas. Pelo senso comum, espera-se que as partes já saibam a que estão se vinculando e que expectativas criar ao optar por relacionarem-se, em especial em razão de existir expressa previsão legal dos deveres e direitos dos cônjuges nos artigos 1.565 e 1.566 do Código Civil, in verbis:


“Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.


§ 1o Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.


§ 2o O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas.


Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:


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I – fidelidade recíproca;


II – vida em comum, no domicílio conjugal;


III – mútua assistência;


IV – sustento, guarda e educação dos filhos;


V – respeito e consideração mútuos.”


Estes artigos prevêem que o casamento vai além de um simples contrato celebrado entre as partes onde cada um sabe de seus deveres e de seus direitos. Este instituto, para o Direito Civil, é o acordo comum e voluntário aonde duas pessoas demonstram suas intenções em estabelecer ampla e total solidariedade e comunhão de vida, caracterizando-se por respeito, assistência, consideração, fidelidade e companheirismo mútuos, bem como renúncia à concepção individualista e egoísta em prol do grupo familiar, da célula, do coletivo.


Como modelo predominante de relação amorosa e familiar, do casamento todos os outros modelos existentes derivam e nele se espelham. Assim, na união estável também são esperados alguns elementos que são oriundos do casamento, como, a fidelidade. No namoro e no noivado, etapas anteriores e menos comprometedoras de um relacionamento amoroso, esta característica também é esperada, exatamente pelo caráter monogâmico das relações ocidentais.


Para o Tribunal de Justiça paulista no autor do processo nº 2011/0079349-3 o dever de fidelidade recíproca é importante por que:  

“O casamento que obriga cumprir o dever legal da fidelidade é aquele que se alimenta na aliança protegida pela honestidade e pelo comportamento social pautado na ética e pela boa-fé, valores que quando se discute a culpa unilateral. A fidelidade somente existe quando é mútua e quando o amor é compartilhado com a mesma intensidade.”


Como é possível observar, o dever de fidelidade, na concepção deste Tribunal, vem acompanhado de uma série de características positivas para cultivar uma aliança próspera de vida entre duas pessoas.


Evidencia-se, também, a importância da reciprocidade. Em todos os deveres e direitos que deste tipo de relação advém, como o dever de alimentar e cuidar da prole, bem como o de assistência ao cônjuge, prevalece o princípio da igualdade. Corroborando este entendimento, a ilustre magistrada gaúcha Maria Berenice Dias aduz:


 “Quem casa sabe que está assumindo com o outro um pacto. Não pode ser desleal esperando que somente o outro cumpra as promessas do casamento. A lealdade é inerente ao respeito e deve ser exercida por aqueles que se dispõe a permanecer casados.


Nota-se que o casamento, como todo pacto ou contrato, é uma liberalidade das partes, advindo de seu livre arbítrio, de seu poder de escolha, não possuindo caráter obrigatório. Ressalta-se que este é necessariamente bilateral, onde as expectativas e desejos básicos provêem de ambas as partes.  Assim, uma vez que ambos optem pelo matrimonio, devem honrar seus deveres, pois, como um hibrido contratual, suas cláusulas fazem lei entre as partes, independente da natureza jurídica do pacto matrimonial. Nas palavras da ilustre magistrada Maria Berenice Dias:


“Sabe-se que o descumprimento de qualquer obrigação contratual pode gerar o dever de indenizar. Realmente não haveria porque isentar o cônjuge, descumpridor de seu dever, da responsabilidade de indenizar o cônjuge sofredor da ofensa. Não é o caso de tratar no tema inerente à natureza jurídica do casamento. Mesmo considerando as características peculiares do ato, é certo que o matrimônio, como qualquer contrato, gera deveres, compromissos, mesmo.”


Assim o rompimento da cláusula de fidelidade, nas palavras do emérito professor Rui Stoco (2007, p. 809) significa:


“… que o adultério é a traição da confiança de todos: do marido, mulher e filhos, parentes e amigos. É a ofensa às instituições e até mesmo ao dogma religioso. É o menoscabo, escárnio, vilipendio ao companheiro, com o desfazimento da afettio societatis. Ofende a honra objetiva da pessoa, de sorte a causar mágoa, tristeza, frustração e angústia. Não se exige que esse comportamento se exteriorize e chegue ao conhecimento externo; que ganhe publicidade. O só comportamento já causa mal à pessoa, ofendendo a sua dignidade, ferindo o seu amor próprio. Caracteriza, portanto, ofensa grave e, para alguns, insuportável. Então, se a ofensa moral está ínsita – in re ipsa – mostra-se exagerado e desarrazoado impor que, para que se o reconheça a obrigação de o cônjuge infiel reparar, se exija que essa infidelidade ganhe publicidade e se converta em despudorada exibição pública.”


Diante disto, se faz mister ressaltar que, assim como um contrato puro e simples possui previsão para sua rescisão, a dissolução/rompimento do pacto matrimonial é prevista em lei: o divórcio. Para as relações amorosas não acobertadas por um pacto formal é ainda mais simples a resolução deste compromisso: a vontade de não mais estar na companhia do outro. Ninguém é obrigado a casar-se ou relacionar-se emocionalmente com outrem, bem como não é obrigado a permanecer em uma relação amorosa a qual não atinge mais sua finalidade: a felicidade (comunhão plena e harmônica de vida).


Assim, não desejando mais cumprir os deveres inerentes ao relacionamento afetivo amoroso e, conseqüentemente, não usufruir de seus benefícios, antes da violação de qualquer de suas cláusulas deve a parte insatisfeita rescindir, através do remédio adequado, tal pacto. Corroborando nossa posição está a decisão da ilustríssima juíza da comarca de Ivolândia-GO, Drª Sirlei Martins da Costa nos autos da Ação de Separação Litigiosa nº 2008.042.997-94:


 “É bem verdade que o reconvindo não pode ser penalizado por se interessar por outra mulher. Entretanto, não poderia ele dar início a outro relacionamento estando casado com a reconvinte…”


4. O DANO MORAL E SUA CONFIGURAÇÃO


O artigo 5º, X, de nossa Carta Magna versa que: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Este artigo prevê expressamente a possibilidade de ressarcimento por ocasião de dano moral ou material causado por ato de outrem capaz de violação, inclusive, da honra das pessoas.


A honra, conceito abstrato, segundo o Dicionário Jurídico da Editora Rideel (2009, p. 347) significa: “dignidade, correção de costumes, qualidade íntima de pessoa que cultiva a virtude, os deveres morais.”


A violação da honra que caracteriza o direito à indenização decorre de ato ilícito que causa dano a bens que vão além do patrimônio do lesado, por exemplo, à sua integridade física, saúde, tranqüilidade, bem estar, liberdade, reputação, etc.


Tais bens são incalculáveis, logo, a finalidade da indenização neste caso é, principalmente, inibir a prática de tais atos danosos, bem como, ainda que minimamente, compensar o dano à pessoa lesada, porém sem que haja enriquecimento ilícito de uma parte sobre a outra.  Assim, a indenização deve ser calculada levando em consideração o ato, bem como o patrimônio do autor do ilícito para que o valor da indenização não seja nem exorbitante e nem irrisório.


Para a configuração deste tipo de dano é necessária a demonstração do ato ilícito, porém prescinde-se a demonstração de dano real, pois como o bem é abstrato, parte-se do senso comum, do termo médio, da razoabilidade, do que causaria prejuízo e sofrimento a uma pessoa comum.


Porém, reforça Yussef Said Cahali (2011, p.53): “O atentado ao bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar uma certa magnitude ou expressividade para ser reconhecido como dano moral, não bastando um mal estar trivial, de escassa importância, próprio do risco cotidiano da convivência em sociedade.”


Corrobora tal entendimento o Tribunal de Justiça de Minas Gerais no processo nº 0061434-57.2010.8.13.0145 de relatoria do Des. Cabral da Silva:


EMENTA: INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA – ESPERA ATENDIMENTO BANCÁRIO- MERO ABORRECIMENTO. NÃO CABIMENTO. Não basta apenas a CONFIGURAÇÃO do ato ilícito para a caracterização do DANO MORAL. O DANO de cunho MORAL não resta caracterizado através da vivência de meros dissabores, aborrecimentos, chateações, contratempos, percalços, discussões, contrariedades, frustrações, decepções, incômodos, desentendimentos ou desacordos decorrentes da dinâmica social ou negociação diária. Considero que a espera em fila para atendimento bancário além do limite imposto por lei, apesar de constituir ilícito administrativo que deve ser coibido pelos órgãos competentes através da aplicação das penalidades instituídas pela lei estadual e municipal às instituições financeiras, não passa de mero aborrecimento, não atingindo a esfera MORAL do indivíduo capaz de ensejar condenação à indenização por danos morais, por faltar um dos pressupostos à sua CONFIGURAÇÃO, qual seja, o efetivo DANO sofrido. (grifos nossos)


Dessa forma, o dano moral, ainda que devido, deve ser avaliado no caso concreto, sob pena da banalização de tal instituto perante a ordem jurídica.


4.1 O DANO MORAL EM CASO DE TRAIÇÃO


O dano moral indenizável, como exposto acima, tem sua origem no abalo psíquico que é proporcionado à vítima originado por ato de outrem.


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No caso do dano moral provindo da relação matrimonial há de se distinguir o dano resultante da dissolução do casamento e o resultante da violação do dever conjugal, uma vez que no primeiro caso é natural o abalo psíquico, porém totalmente aceitável ressaltando-se sempre que ninguém é obrigado a manter-se em um casamento que já não deseja, já no caso da infidelidade, é necessária que a conduta do consorte descumpridor do dever conjugal cause ao outro cônjuge situação de sofrimento excessivo, além da simples frustração do amor não correspondido, como, por exemplo, exposições vexatórias e humilhantes, onde o cônjuge traído fique exposto ao papel de bobo, sendo alvo de piadas e insinuações que o ridicularizem perante a sociedade.


O dano resultante da traição, inclusive, da lealdade e do respeito ao outro cônjuge prescinde de demonstração no plano real, pois, é visível facilmente ao homem mediano. Nas palavras do Desembargador Antonio Marcelo Cunzolo Rimola do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em sua decisão da apelação cível n° 453.776-4/4-00 da Comarca de Guarulhos-SP:


Como se trata de dano moral, desnecessária a demonstração efetiva do prejuízo (como se, aliás, precisasse), vez que o sentimento de vergonha, o sofrimento, a insegurança, o desequilíbrio emocional e os reflexos advindos desse estado complexo a que a pessoa é submetida, nem sempre se reflete nos negócios; em se tratando de comerciante, um protesto provoca abalo em seu crédito, que pode ser apurado pela interrupção dos negócios até então realizados a prazo. O mesmo não se aplica à apelada, que foi atingida em sua honra, seu patrimônio ideal, sem maiores reflexos em negócios ou quaisquer outras espécies de atividades.” (grifos nossos).


5. OS TRIBUNAIS E O DANO MORAL EM CASO DE TRAIÇÃO


Os tribunais vêm se dispondo de forma dispare quanto à questão da possibilidade de indenização por dano moral causado pela infidelidade, alguns julgando de forma favorável ao pedido e outros o entendendo improcedente, sob a égide de que toda pessoa que está envolvida em um relacionamento corre o risco de sofrer uma traição ou de trair.


O Tribunal de Justiça de Goiás, por exemplo, é um dos principais tribunais com tendência a decidir favoravelmente ao pedido de compensação do dano moral por este objeto, vejamos a ementa a seguir da apelação cível nº 133775-5/188 (200804299794):


“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. SEPARAÇÃO LITIGIOSA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ADULTÉRIO OU TRAIÇÃO. CONFIGURAÇÃO DO DANO MORAL. POSSIBILIDADE. QUANTUM ARBITRADO. CONDIÇÃO ECONÔMICA DAS PARTES. I- O que se busca com a indenização dos danos morais não é apenas a valoração, em moeda, da angústia ou da dor sentida pelo cônjuge traído, mas proporcionar-lhe uma situação positiva e, em contrapartida, frear os atos ilícitos do infrator, desestimulando-o a reincidir em tal pratica. II- O valor da indenização não deve ser alterado quando o juiz, ao fixá-lo, já levou em conta a condição econômica dos envolvidos e a repercussão na vida sócio-afetiva da vítima, restando, assim, bem aplicados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.”


5.1 O CONJUGE TRAÍDO


Para a configuração do dano moral faz-se necessária a demonstração de alguns pressupostos: ato (ação ou omissão), ocorrência de dano, nexo de causalidade entre o ato e o dano. Para Alessandro Meyer da Fonseca:


“Somente haverá direito a indenização por danos morais, independentemente da responsabilidade ser subjetiva ou objetiva, se houver um dano a se reparar, e o dano moral que pode e deve ser indenizado é a dor, pela angústia e pelo sofrimento relevantes que cause grave humilhação e ofensa ao direito de personalidade.” (grifos nossos)


Porém, no caso específico onde o objeto do dano moral é a traição, os tribunais vêm se posicionando em prol de também analisar o comportamento da vítima perante o relacionamento amoroso, antes mantido com o autor da violação do pacto de fidelidade, como forma de verificar ou projetar se há existência de dano indenizável e dimensionar sua amplitude. Diante disto temos o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo à Apelação nº 465.038-4/0 onde rejeita a pretensão indenizatória do cônjuge traído em razão de ausência de comportamento imediato, efetivo e condizente com a dor e o sofrimento que seria gerado ao “homem médio” no momento da descoberta da traição:


“ACORDÃO – Indenização em caso de adultério do cônjuge – Hipótese em que não cabe aplicar as regras da responsabilidade civil, embora tenha sido confirmada a traição da mulher na constância da vida em comum, por ser esse um fato que se tornou público, ao ser objeto de investigação policial, não tendo, apesar dessa notoriedade, proporcionado pronta e enérgica reação do marido enganado, uma conduta omissiva que compromete a noção de honra digna de ser resgatada pela compensação financeira [artigo 5o, V e X, da CF] – Provimento para julgar improcedente a ação. (grifos nossos)


A tendência do Tribunal de Justiça de São Paulo quanto à avaliação do comportamento do cônjuge traído para a configuração do dano moral vem se tornando recorrente, senão vejamos outra decisão do mesmo tribunal no Recurso Especial nº 17.413:


“… O caso dos autos não produz controvérsia porque não existiu ofensa à honra. A autora da ação casou com um desconhecido e, segundo relato de Elaine e dos e-mails, não agiu como esposa de todos os dias e sequer cumpriu com os rigores da fidelidade, de sorte que não estaria qualificada a sentir-se humilhada com as investidas do varão contra a criadagem. Não há dano moral ou injusto (art. 5ª, V e X, da Constituição Federal).” (grifos nossos)


Entendemos que não é completamente imprescindível a análise do comportamento do cônjuge traído para o reconhecimento do dever de compensar o dano, uma vez que perante a situação vexatória e vil vivenciada em razão do comportamento do cônjuge traidor, ainda que a vítima não tenha comportamento completamente ilibado perante o relacionamento amoroso, este não seria um permissivo a outra parte que o expusesse ao escárnio social.


5.2 QUANTUM INDENIZATÓRIO 


A questão central do quantum indenizatório do dano moral gira em torno de como quantificar algo que é abstrato, sentimental: dor, humilhação, mágoa, tristeza, frustração. Porém há de se ressaltar, novamente, que esse tipo de indenização não tem como foco principal a reparação exata do dano causado, uma vez que não se pode calcular de forma precisa o que foi sentido pela vítima, mas sim a atenuação do sofrimento havido, a punição do autor da violação e desmotivá-lo a incidir novamente no erro.


Assim preleciona Carlos Alberto Bittar:


“… A reparação de danos morais exerce função diversa daquela dos danos materiais. Enquanto estes se voltam para a recomposição do patrimônio ofendido, através da aplicação da fórmula danos emergentes e lucros cessantes (C. Civ., art. 1.059), aqueles procuram oferecer compensação ao lesado, para atenuação do sofrimento havido. de outra parte, quanto ao lesante, objetiva a reparação impingir-lhe sanção, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem.”(grifos nossos)


Neste sentido está a decisão da ilustríssima juíza da comarca de Ivolândia-GO, Drª Sirlei Martins da Costa nos autos da Ação de Separação Litigiosa nº 2008.042.997-94:


“Configurado o dever de indenizar, cumpre, então, a fixação do quantum, o qual não se destina ao enriquecimento sem causa da pessoa ofendida, porém, deve servir de meio a desestimular o ofensor à prática de novas condutas danosas. Para a quantificação de tal montante, faz-se necessário levar em consideração a posição social da ofendida e a capacidade econômica do ofensor, sendo certo que dita indenização não pode ser tão ínfima a ponto de não servir como medida preventiva à reiteração do ato danoso, tampouco elevada ao ponto de possibilitar um ganho injustificado ao ofendido.”


Desta forma é possível perceber que o judiciário não procura quantificar a dor pela qual passou a vítima, mas compensar, já que não é possível reparar e recompor o status quo ante. A única maneira que o Direito possui de possibilitar a tentativa de o cônjuge traidor atenuar este sofrimento causado é através do pagamento de certo valor monetário.


5.3 COMPETÊNCIA PARA O PROCESSAMENTO DA AÇÃO


Comumente as ações que tem por objeto a indenização por dano moral são processadas na justiça comum através das varas cíveis, porém, os tribunais vêm entendendo que no caso do pedido de danos morais intimamente vinculados a relações familiares a competência para o julgamento do feito é da vara de família e sucessões, assim, vejamos: COMPETÊNCIA – Separação judicial litigiosa. Pedido de danos morais, cumulado com alimentos, veiculado por meio de reconvenção. Causa de pedir decorrente de relações familiares. Competência da Vara de Família e Sucessões. Recurso provido. (TJSP – 6ª Câm. de Direito Privado; AI nº 136.366-4/1-SP; Rel. Des. Mohamed Amaro; j. 15/6/2000; v.u.). BAASP, 2178/1557-j, de 25.09.2000.

6 CONCLUSÃO


É da natureza do ser humano a busca por companhia, por formar um núcleo, por não estar só. Porém, nada nos resta comprovado, seja cientificamente ou sociologicamente, que esta natureza resguarde a exclusividade, assim, a traição é um dos riscos inerentes a um relacionamento afetivo e ao qual toda pessoa que opta por um se submete.


Porém, nossa sociedade ocidental, arraigada de valores religiosos inegáveis, assumiu o modelo monogâmico como referência em suas relações amorosas, assim, cada um de nós, quando optamos por iniciar uma relação amorosa, já pressupomos o pacto de fidelidade para com a pessoa escolhida, e criamos, igualmente, a expectativa de que este pacto seja respeitado pela outra parte envolvida.


Assim, a violação do pacto de fidelidade gera por si só uma angústia incalculável ao cônjuge traído. Porém, esta angustia por si só não configura dano moral indenizável, pois não há de se falar em indenização por danos morais em razão da traição de forma ampla e genérica, sem a análise do caso concreto, pois, desta forma, estaríamos desconsiderando o que há de mais humano em nós: a capacidade de errar e o desejo de vingança.


Entretanto, em algumas situações específicas o cônjuge violador do pacto age de formas tão esdrúxulas, expondo seu companheiro a situações tão humilhantes e vexatórias e a uma sorte de sentimentos amargos como a frustração, a tristeza, o fracasso, a vergonha, etc, onde de fato há um dano psicológico a ser compensado. Contudo, sabe-se que o principal desejo do cônjuge traído jamais será alcançado: a restauração da situação anterior, ou seja, evitar a traição, apagá-la.


Desta forma, como tudo que é abstrato, não há como determinar de forma satisfatória o tamanho da lesão causada e a forma certa de repará-la em sua totalidade. Assim, a indenização monetária é uma forma paliativa de equilibrar o dano sofrido e tentar compensar o mesmo, ressaltando que esta indenização tem como foco principal o caráter punitivo e desmotivador da conduta para o autor da violação.


O que se procura com essa indenização não é apenas demonstrar que a infidelidade é um comportamento inadequado e que não deverá se repetir, mas, especialmente, que quando se faz uma escolha, deve-se honrá-la e respeitá-la, inclusive decidindo revogá-la ao julgá-la errônea.


 


Referências bibliográficas

FREITAS, Ana Thereza Ceita de. DELINEAMENTO HISTÓRICO DO CASAMENTO. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=879>. Acesso em: 28 de Janeiro de 2012.

COSTA, Gley P. O AMOR E SEUS LABIRINTOS. Porto Alegre: Artmed, 2007. P. 21-26.

CONDE, Kelly. MITOS DA MONOGAMIA: Instintos x Escolha. Disponível em:<http://criandocondicoesaliberdade.blogspot.com/2010/06/mitos-da-monogamia.html>. Acesso em: 28 de Janeiro de 2012.

DELERUE, Rafael Camargo. Os frágeis alicerces a monogamia. Disponível em: <http://rederelacoeslivres.wordpress.com/2011/01/09/os-frageis-alicerces-da-monogamia/>. Acesso em 28 de Janeiro de 2012.

FONSECA, Alessandro Meyer da. Requisitos para a caracterização do dano moral. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/requisitos-para-caracterizacao-do-dano-moral/3699/>. Acesso em: 28 de janeiro de 2012.

SILVA, Antônio Cassemiro da. A fixação do quantum indenizatório nas ações por danos morais. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/670>. Acesso em: 29 jan. 2012.

VIEIRA, Alessandro. Da fixação do quantum indenizatório no dano moral causado por instituição financeira. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 31, 1 maio 1999. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/669>. Acesso em: 28 jan. 2012.


Informações Sobre o Autor

Christianne Grazielle Rosa de Alcântara Belfort

Acadêmica de Direito do Centro de Ensino Unificado de Teresina


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