Resumo: O Novo Código de Processo Civil inaugura uma nova fase metodológica de estruturação do direito processual. Fundado em valores como lealdade, boa-fé e cooperação, os institutos previstos nesse novo sistema o transforma em verdadeiro instrumento de realização e concretização do direito material e realização de justiça, na medida em que presta obséquio ao direto fundamental do acesso à justiça e à tutela jurídica justa. Entendeu o legislador que para se falar em tutela jurídica justa, o jurisdicionado precisa ter em mãos mecanismos que possibilitem a rápida e efetiva prestação jurisdicional. É nesse sentido que a chamada tutela antecipada ganha nova roupagem com o Novo Código de Processo Civil, passando o legislador a conceber esse instituto, ao lado da tutela cautelar, como espécie do gênero “tutela de urgência”. Além disso, buscou-se prever requisitos específicos para a concessão da tutela antecipada satisfativa de urgência, bem como discriminar as hipóteses que devem ser consideradas como de evidência para fins de sua concessão, independentemente da demonstração da situação de urgência. Ressalte-se, porém, que o instituto em tela não está imune às críticas, razão pela qual o seu sucesso dependerá sobretudo da interpretação a ser dada ao texto legal pelos aplicadores do direito.
Palavras-chave: Tutela antecipada. Satisfativa. Cautelar. Urgência. Evidência.
Abstract: The New Code of Civil Procedure, fruit called neoprocessualismo (or evaluative formalism), inaugurates a new methodological structuring phase of procedural law. Founded on values such as loyalty, good faith and cooperation, the institutes laid out in the new system transforms it into a true instrument of development and implementation of the right equipment and realization of justice, in that it pays homage to the fundamental right of access to justice and fair legal protection. Understood the legislature that to speak of fair legal protection, the claimants need to have on hand mechanisms that enable the rapid and effective adjudication. That is why the call injunctive relief wins new look with the New Code of Civil Procedure, from the legislature to design the institute as gender, which derive the satisfativa protection, based on urgency or evidence and injunctive relief. In addition, we sought to provide specific requirements for granting emergency injunctive relief satisfativa and discriminate the hypotheses that should be considered as evidence for the purpose of grant, regardless of the statement of urgency. But It should be noted that the screen institute is not immune to criticism, which is why its success depends critically on the interpretation to be given to the legal text by the law enforcers.
Keywords: Early Ministry. Satisfativa. Precautionary. Urgency. Evidence.
Sumário: Introdução. 1. O novo pensamento processual: passagem do instrumentalismo ao neoprocessualismo. 2. Tutelas de urgência no sistema processual brasileiro. 3. Tutela antecipada no novo CPC. 3.1. Tutela de urgência. 3.2. Tutela da evidência. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Dentro de uma relação jurídico-processual, pautada em um conflito de direito material, o grande inimigo do autor, sem dúvida, é o tempo. É ele o grande divisor de águas entre a eficácia ou ineficácia, o sucesso e o insucesso do provimento final, pois, a depender do interregno entre a instauração da demanda e o seu julgamento, o direito material deduzido em juízo pode perecer antes mesmo de se obter um provimento meritório final.
A grande crítica por parte da doutrina se pautava justamente na persistência do espírito romanista, enraizado no Código de Processo Civil, em que somente se admitia a satisfação da tutela pretendida após a sentença de mérito definitiva, protegendo sobremaneira o patrimônio do suposto devedor de qualquer ataque por parte do credor enquanto não se discutisse exaustivamente a matéria controvertida. Mostrava-se necessária a criação de mecanismos processuais práticos e específicos para garantir a eficácia da sentença futura, de modo a antecipar os efeitos da tutela pretendia para que a demora não se tornasse um castigo para o titular do direito subjetivo demandado em juízo.
Concebendo o processo civil como instrumento que deve se adequar ao princípio constitucional do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CRFB/88) e à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CRFB/88), MARINONI (2006, p. 223) esclarece que “hoje o procedimento ordinário clássico, ou o processo de conhecimento tal como concebido pela doutrina chiovendiana, expressaria evidente inconstitucionalidade”.
Durante muito tempo – e justamente para tentar evitar o perecimento do bem pretendido por causa da demora que o rito exigia – os aplicadores do direito valeram-se de medidas cautelares inominadas, introduzidas no ordenamento pátrio por meio do art. 798 do CPC/73, para buscar maior celeridade e, de alguma forma, antecipar os efeitos da futura sentença de mérito.
Nada obstante, tais medidas vinham eivadas de insanidades técnicas, haja vista que a tutela cautelar genuinamente visa garantir a eficácia de um processo principal, assegurando a viabilidade da realização do direito, e não adiantar os efeitos do provimento final postulado, qual seja, o bem da vida.
No Direito comparado, podem ser encontradas origens do referido instituto em momentos históricos diversos. No próprio Direito Romano já havia alguns instrumentos eficazes para a pronta proteção do direito, evitando-se a utilização do complexo rito processual. Um exemplo disso eram os interditos (interdicta), em que o Pretor expedia ordens no pressuposto de que se mostravam verdadeiras as alegações do requerente.
Na Itália, o art. 700 do Código de Processo Civil/1940 trouxe os chamados provvedimenti d’urgenza, em que, como no Brasil antes de sua reforma processual, buscou-se a satisfatividade imediata da tutela a partir de medidas cautelares inominadas e dentro do poder geral de cautela do juiz.
Ademais, foi na própria Itália que se desenvolveram importantes estudos acerca da necessidade de se buscar uma justiça mais ágil e melhor acessível, com destaque aos trabalhos desenvolvidos por CAPPELLETTI (1988, p. 9), para quem,
“O conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo e ensino do processo civil. Nos estados liberais “burgueses” dos séculos dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialinente individualista dos direitos, então vigorante. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação.”
O Código de Processo Civil da Alemanha (ZPO) também se preocupou em adotar medidas antecipatórias, como se infere dos seus parágrafos 935 e 940. Segundo FIDELIS DOS SANTOS (1996, p. 23),
“Na Alemanha, introduziram-se no Código de Processo Civil (ZPO) os §§ 935 c 440. O primeiro é de verdadeira medida cautelar atípica, de fim assecurativo, enquanto o segundo tem fim regulador da relação controvertida, ou seja, regula-se temporariamente uma relação ou situação jurídica, em caso típico de antecipação de tutela. Não é garantida de pretensão, mas de relação jurídica litigiosa”.
Na França, as medidas antecipatórias já existiam com a denominação de “Ordonnance de Réferé” em seu “Nouveau Code de Procédure Civile”, art. 484, no qual se permite a um juiz não encarregado da causa principal determinar, em caráter de urgência, medidas necessárias à composição provisória do litígio.
No Brasil, grande contribuição prestou o professor VICENTE RÁO, que em 1927 já defendia a extensão da posse aos direitos pessoais, para que se pudesse utilizar dos interditos possessórios para a defesa dos direitos pessoais.
Destarte, a partir do que vinha se difundindo na Europa, tratou o legislador pátrio, mesmo que tardiamente, de instituir medidas urgentes de natureza satisfativa, para que, a partir de uma cognição sumária, fosse possível a antecipação dos efeitos da sentença de mérito. Tal medida ficou conhecida como antecipação dos efeitos da tutela, incorporada ao CPC/73 com a Lei nº. 8.952/94, mediante nova redação dada ao art. 273.
Há que se mencionar ainda que a necessidade de uma medida dessa estirpe, possuía em seu bojo um caráter constitucional, já defendida na Itália por MAURO CAPPELLETTI. Segundo KAZUO WATANABE, citado por THEODORO JUNIOR (2004, p. 566),
“o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no inc. XXXV do art. 5° da Constituição Federal, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, mas sim ao acesso à Justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa. Cuida-se de um ideal que, certamente, está ainda muito distante de ser concretizado, e, pela falibilidade do ser humano, seguramente jamais o atingiremos em sua inteireza. Mas a permanente manutenção desse ideal na mente e no coração dos operadores do direito é uma necessidade para que o ordenamento jurídico esteja em contínua evolução”.
O princípio constitucional do acesso à Justiça serviu de alicerce para a criação do instrumento antecipatório dos efeitos da tutela. Para o professor ARRUDA ALVIM (2006, p. 362),
“as motivações decorrentes do tema do acesso à Justiça tendo em vista o tempo gasto no processo – maior ou menor interregno verificado entre a consumação da lesão e determinado patrimônio jurídico e sua recomposição – são as que informam basicamente a tutela antecipatória do art. 273.”
Passou então o juiz a deter meios que lhe autorizassem o manejo de expedientes executivos antes mesmo do término do processo, justamente para garantir às partes uma efetiva e tempestiva tutela dos seus direitos, podendo o mesmo, inclusive, executar provisoriamente os efeitos que adviriam de uma sentença que ainda não havia sido prolatada.
Conforme assevera ZAVASCKI (2005, p. 70),
“[…] mais do que uma simples alteração de um dispositivo do Código, a nova lei produziu em verdade uma notável mudança de concepção do próprio sistema processual. As medidas antecipatórias, até então previstas apenas para determinados procedimentos especiais, passaram a constituir providência alcançável, generalizadamente, em qualquer processo. A profundidade da mudança – que, como se disse, é, mais que da lei, do próprio sistema – se faz sentir pelas implicações que as medidas antecipatórias acarretam, não só no processo de conhecimento, mas também no processo de execução, no cautelar e até nos procedimentos especiais”.
O Novo Código de Processo Civil buscou promover uma reformulação do instituo da antecipação da tutela, cujas ideias centrais serão abordadas doravante.
1. O NOVO PENSAMENTO PROCESSUAL: PASSAGEM DO INTRUMENTALISMO AO NEOPROCESSUALISMO:
O estudo do processo, hodiernamente, não pode prescindir da análise da própria Constituição que lhe dá fundamento. Entretanto, ao longo da história isso nem sempre foi assim.
A doutrina em geral aponta como sendo três as principais fases da evolução científica do direito processual: a) praxismo; b) processualismo; c) instrumentalismo.
Enquanto que no praxismo (ou sincretismo), não havia qualquer dissociação entre direito material e direito processual (o direito processual civil seria um anexo, ou subproduto do direito material), na fase do processualismo o processo passou a ser visto como algo dissociável do direito material, e, portanto, autônomo[1].
Porém, foi na fase denominada “instrumentalismo” que o processo ganhou contornos mais sólidos, passando a ser concebido como um instrumento de realização do direito material. Nesse sentido, a preocupação com a autonomia do processo frente ao direito material deu lugar à necessidade de se analisar o processo a partir dos seus objetivos.
Segundo DINAMARCO (2002, p. 181),
"É vaga e pouco acrescenta ao conhecimento do processo a usual afirmação de que ele é um instrumento, enquanto não acompanhada da indicação dos objetivos a serem alcançados mediante o seu emprego. Todo instrumento, como tal, é meio; e todo meio só é tal e se legitima, em função dos fins a que se destina. O raciocínio teleológico há de incluir então, necessariamente, a fixação dos escopos do processo, ou seja, dos propósitos norteadores da sua instituição e das condutas dos agentes estatais que o utilizam. Assim é que se poderá conferir um conteúdo substancial a essa usual assertiva da doutrina, mediante a investigação do escopo, ou escopos em razão dos quais toda ordem jurídica inclui um sistema processual".
Através das lições de Dinamarco, podem ser citados os seguintes escopos do processo:
“a) Escopos sociais: a pacificação social e a educação. O processo deve ser instrumento de efetivação dos direitos e, ao mesmo tempo, serve como meio de conscientização dos membros da sociedade quanto aos seus direitos e obrigações;
b) Escopo político[2]: o processo insere-se no âmbito do poder estatal. Através dele, o Estado reafirma a sua soberania, autoridade e legitimidade;
c) Escopo jurídico: por meio do processo, declara-se a vontade concreta do direito.”
A fase instrumentalista do processo teve início antes mesmo do advento da Constituição Federal de 1988. Diante desse novo contexto, sobretudo tendo em vista o desenvolvimento de teorias atinentes aos direitos fundamentais, doutrina e jurisprudência perceberam que o processo civil, com seus inúmeros institutos, não mais poderia ser visto em seu caráter eminentemente instrumental. O constitucionalismo moderno exige, em primeiro lugar, uma leitura e aplicação do processo que se amolde aos objetivos consagrados na lei maior.
Fala-se, assim, em neoprocessualismo, pós-instrumentalismo ou formalismo-valorativo.
Conforme assevera MITIDIERO (2011, p. 50-51),
“O processo vai hoje informado pelo formalismo-valorativo porque, antes de tudo, encerra um formalismo cuja estruturação responde a valores, notadamente aos valores encartados em nossa Constituição. Com efeito, o processo vai dominado pelos valores justiça, participação leal, segurança e efetividade, base axiológica da qual ressaem princípios, regras, postulados para sua elaboração dogmática, organização, interpretação e aplicação. Vale dizer: do plano axiológico ao plano deontológico".
O termo “formalismo-valorativo” é utilizado, no âmbito acadêmico, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por meio dos estudos de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Para essa escola, o novo processo pressupõe valores que não podem ser afastados pelo aplicador do direito, como justiça, participação leal, segurança e efetividade.
O Novo CPC, em diversos dispositivos, consagra valores já constitucionalmente previstos, como a inafastabilidade do Poder Judiciário, razoável duração do processo, função social, dignidade da pessoa humana, razoabilidade e proporcionalidade.
Além disso, o caráter substancial do princípio do devido processo legal restou evidenciado no Novo CPC, ao estabelecer valores como cooperação, igualdade de tratamento (paridade de armas) e direito de ser ouvido antes de qualquer decisão judicial, salvo as exceções legais.
E é justamente nessa nova ordem de ideias, que as tutelas de urgência ganham especial relevância.
2. TUTELAS DE URGÊNCIA NO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO:
A busca por uma tutela jurisdicional mais justa e efetiva sempre foi uma das grandes preocupações dos sistemas jurídicos da contemporaneidade. E essa justeza e efetividade não significam tão somente a realização do direito material, mas, sobretudo, a sua realização de forma razoavelmente tempestiva.
É certo que processo célere não é sinônimo de processo justo. Basta lembrar que na inquisição, os processos eram realmente céleres, mas quase sempre injustos.
Entretanto, em inúmeras situações práticas, o direito invocado perante o Poder Judiciário mostra-se tão evidente que a antecipação dos seus efeitos ou mesmo a sua própria proteção demanda um provimento jurisdicional imediato, e muitas vezes antes mesmo de se ouvir a parte ex adversa.
Em outras palavras, a demora processual que o procedimento ordinário exige, a fim de se proceder a uma ampla e profunda cognição, não pode permitir que a tutela jurisdicional somente seja concedida ao final, sob pena de perecimento do próprio direito a que se busca tutelar.
Conforme aponta MARINONI (2008, p. 198), a morosidade da prestação jurisdicional, oriunda, como é sabido, das mais diversas causas, também está ligada à ineficiência do velho procedimento ordinário, cuja estrutura encontrava-se superada antes da introdução da tutela antecipatória no Código de Processo Civil.
O CPC/73, fortemente influenciado pela doutrina italiana, instituiu a chamada tutela de urgência por meio do seu art. 798, segundo o qual
“Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação”.
Ocorre que o aludido dispositivo foi propositalmente inserido no Livro III, que versa sobre o Processo Cautelar, de modo que, em um primeiro momento, sua aplicabilidade se restringia à concessão de tutelas assecuratórias.
Entretanto, não raras vezes, a tutela jurisdicional pretendida se mostrava tão evidente e, ao mesmo tempo, ameaçada de perecimento diante da demora processual exigida pelo rito ordinário, que se fazia necessária a antecipação dos efeitos da decisão final.
Diante de tal necessidade, os advogados da época passaram a se valer do art. 798, do CPC/73, para pleitear uma tutela de urgência, de cunho eminentemente satisfativo, o que passou a ser admitido pelos tribunais pátrios, a despeito das inúmeras críticas por parte da doutrina.
Foi assim que, em 1994, fortemente influenciado pelos estudos de Luiz Guilherme Marinoni, o legislador ordinário deu nova redação ao art. 273, do CPC/73 (Lei nº 8.952/1994), passando a prever a chamada antecipação dos efeitos da tutela, distinguindo-a das tutelas cautelares.
A principal diferença entre a tutela cautelar e a tutela antecipatória é justamente o objetivo do provimento jurisdicional de urgência. Enquanto que na tutela cautelar visa-se assegurar a futura satisfação do direito ou mesmo a própria eficácia de uma futura decisão de mérito, seja no mesmo processo em que se discute, seja em outro processo principal, a tutela antecipada tem por objetivo antecipar os efeitos da tutela final de mérito. Aqui, antecipa-se, no todo ou em parte, os efeitos que advirão de uma sentença.
No Código de Processo Civil Italiano, a norma do art. 700 versa sobre a tutela cautelar inominada, não prevendo a tutela antecipatória como no direito brasileiro. Para eles, a tutela que é obtida através de uma cognição sumária, antes mesmo de um contraditório, é cautelar. Não importam os efeitos obtidos pela medida, mas sim o simples fato de ser ela provisória. Assim, se o efeito da medida for assegurar a efetividade da tutela final ou mesmo a sua própria antecipação, trata-se de tutela cautelar.
Mostrando bem a peculiaridade da tutela antecipada de caráter satisfativo, até então conhecida somente como “antecipação dos efeitos da tutela”, MARINONI (2008, p. 201) assevera que
“Classificar as tutelas de cognição sumária, tomando-se como critério a provisoriedade (que é um critério processual), contradiz a idéia de se pensar a tutela jurisdicional na perspectiva do direito material ou da instrumentalidade do processo em relação ao direito material. Se a tutela, ainda que fundada em cognição sumária (fumus boni iuris), dá ao autor o resultado prático que ele procura obter através da própria tutela final, não é possível dizer que essa tutela esteja apenas assegurando o “resultado útil” do processo. Como é óbvio, e o único “resultado útil” que se poderia esperar do processo foi dado desde logo ao autor, torna-se no mínimo equivocado pensar que não foi concedido ao autor o direito material buscado, mas apenas assegurado o resultado que se esperava ver cumprido pelo processo. Ora, o resultado do processo somente pode ser o de dar ao autor o direito material que ele afirma possuir! Quem fala em “tutela provisória” nada diz para quem está preocupado com um processo que responda às necessidades do direito substancial.”
Como se vê, o Código de Processo Civil brasileiro, a despeito da forte influência do sistema processual italiano, buscou distinguir a tutela satisfativa da tutela assecuratória.
3. DA TUTELA PROVISÓRIA NO NOVO CPC:
O Novo Código de Processo Civil – NCPC, como já era de se esperar, deu singular importância às tutelas de urgência.
Inicialmente, impende destacar que o NCPC substituiu a divisão estrutural prevista para as tutelas cautelares típicas (art.813 a 873 do CPC/73) e atípicas (art. 798 do CPC/73) e a tutela antecipada (art. 273 do CPC/73), reunindo-as em um único instituto, denominado “tutela provisória”, a quem foi dedicado um livro próprio (LIVRO V).
Nesse diapasão, a tutela provisória poderá ser requerida em caráter antecedente ou incidental e poderá ter cunho satisfativo ou assecuratório (cautelar), desde que sejam demonstrados a plausibilidade do direito e o risco de lesão grave ou de difícil reparação.
Além disso, o texto do NCPC prevê ainda a possibilidade de concessão de medida antecipatória independentemente da demonstração do risco de lesão grave ou de difícil reparação, quando o direito invocado se mostrar evidente. É a chamada tutela de evidência. Portanto, buscou-se estabelecer uma nítida distinção entre a tutela de urgência (satisfativa ou cautelar) e a tutela de evidência (satisfativa ou cautelar).
De acordo com o novo diploma, a tutela provisória passa a ser gênero, da qual são espécies a tutela antecipatória (satisfativa) e a tutela cautelar (assecuratória), e, em ambos os casos, poderão ser fundamentadas tanto na situação de urgência quanto na evidência do direito invocado, nos termos do art. 294 do NCPC.
Infere-se do novo texto que o legislador não buscou distinguir metodologicamente a tutela antecipada da tutela cautelar. Isso porque, e acertadamente, a tutela sempre será uma só e corresponderá ao provimento jurisdicional pleiteado pela parte. Tal provimento, a seu turno, é que poderá ter cunho eminentemente satisfativo ou cautelar (assecuratório).
Nessa toada, o juiz poderá conceder à parte tutela provisória de caráter assecuratório, (e.g. liminar para obstar o réu de vender determinado bem enquanto a ação reivindicatória estiver em curso) ou tutela provisória de caráter satisfativo (e.g. liminar em ação de obrigação de fazer, para que o poder público proceda à internação de determinada pessoa em UTI).
O requerimento deverá ser dirigido ao juiz da causa e, quando antecedente, ao juiz competente para o pedido principal (art. 299 do NCPC). Isso significa que, na prática, o pedido de tutela provisória, seja de caráter satisfativo ou cautelar, poderá ser requerido na própria petição inicial do processo principal ou ainda poderá ser apresentado de forma antecedente ao pedido principal.
No tocante ao pedido de tutela provisória de caráter satisfativo, houve substancial inovação no NCPC. Nos termos do art. 303, caput, desse diploma,
“nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo”.
Isso significa que a petição inicial do autor pode limitar-se exclusivamente ao pedido de tutela antecipada, tendo em vista que a situação de urgência é contemporânea à propositura da ação, evitando-se, assim, maiores delongas com a elaboração da petição inicial e coleta das provas necessárias à subsidiar os argumentos lançados na exordial. Entretanto, uma vez deferido o pedido antecipatório, deverá o autor aditar a inicial, complementando a documentação e requerendo a confirmação do pedido de tutela final, no prazo de 15 (quinze) dias (inciso I do § 1º do art. 303 do NCPC).
Por sua vez, a tutela provisória de caráter cautelar, caso requerida de forma antecedente ao processo principal, seguirá sistemática parecida com a do CPC/73, com a instauração de processo autônomo, sendo o réu citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, contestar o pedido e indicar as provas que pretende produzir (art. 305 e seguintes do NCPC).
Interessante novidade trazida pelo NCPC em relação à tutela cautelar é que, diferentemente do que previa o CPC/73, no novo sistema, efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais (art. 308).
Independentemente da natureza da tutela de urgência requerida, esta conservará a sua eficácia durante o curso do processo, mas poderá, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada, em decisão fundamentada (art. 296, do NCPC). A redação desse dispositivo parece óbvia, na medida em que toda e qualquer decisão judicial deve mesmo conservar o seu efeito até que seja revogada, reformada ou cassada. Entretanto, o objetivo do legislador foi evitar qualquer instabilidade na medida, ou seja, a interposição de recurso, por si só, independentemente do efeito que lhe for atribuído, não terá o condão de retirar a eficácia da tutela antecipada, seja ela satisfativa ou cautelar, dependendo, pois, de revogação expressa e fundamentada (art. 93, IX da CRFB/88).
As decisões judiciais devem produzir efeitos imediatamente, sobretudo diante da impossibilidade de se prolatar decisões condicionais. Tanto é a assim que, uma vez concedida a tutela de urgência, poderá a parte se valer das regras de cumprimento de sentença para a sua efetivação (art. 297, parágrafo único, do NCPC).
O NCPC passou a prever ainda, de forma expressa, a possibilidade de o juiz adotar medidas que considerar adequadas para a efetivação da tutela antecipada (art. 297, do NCPC). Trata-se de cláusula aberta instituída pelo legislador, a fim de que o juiz seja munido de amplos poderes, possibilitando uma maior eficácia social da decisão.
A adoção de cláusulas gerais e abertas reforça o poder criativo da atividade jurisdicional. O juiz, nesse sentido, através da sua atividade hermenêutica, é também importante fonte de produção de normas jurídicas. Interfere ativamente na construção do Direito e na modificação da realidade social.
Nesse sentido, a atividade jurisdicional de aplicação de uma cláusula geral não é de subsunção, mas sim de concretização. Assim, o citado art. 297 possibilita ao juiz, e.g. impor multa por descumprimento, determinar busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, uso de força policial etc., da forma como já previa o § 5º do art. 461, do CPC/73.
3.1. TUTELA DE URGÊNCIA:
Um dos grandes desafios por parte dos aplicadores do direito é a efetividade das tutelas jurisdicionais. Se o processo é um instrumento social voltado à realização do direito material, deve ele preocupar-se em garantir àquele que demonstrou seu direito o bem da vida pretendido.
O tempo pode ser importante fator para se garantir um processo justo, na medida em que, muitas vezes, o reconhecimento do direito depende de ampla atividade cognitiva e instrutória, até mesmo para possibilitar o amplo direito de defesa. Por outro lado, esse mesmo tempo pode apresentar-se como circunstância violadora de princípios constitucionais, haja vista que a tutela jurisdicional concedida tardiamente pode afigurar-se como injusta.
MARINONI (2011, p. 23), citando NICOLÓ TROCKER, leciona que
“a justiça realizada morosamente é, sobretudo, um grave mal social; provoca danos econômicos (imobilizando bens e capitais), favorece a especulação e a insolvência, acentua a discriminação entre os que têm a possibilidade de esperar e aqueles que esperando, tudo tem a perder. Um processo que perdura por longo tempo transforma-se também em um cômodo instrumento de ameaça e pressão, em uma arma favorável nas mãos dos mais fortes para ditar ao adversário as condições da rendição”
É nessa ordem de ideias que a tutela antecipada configura verdadeiro instrumento de combate a inefetividade das tutelas jurisdicionais por ocasião do decurso do tempo.
Não raras vezes, o tempo necessário para que o juiz possa prolatar uma sentença de mérito será capaz de pôr em xeque o próprio direito material da parte, que poderá perecer no curso do processo em que é objeto de discussão. Em tais casos, diante de uma evidente situação de urgência, é que se permite a concessão da tutela de urgência, de natureza assecuratória ou cautelar.
Segundo o art. 300, do NCPC, “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.
A leitura do supracitado dispositivo permite identificar claramente os seus requisitos, quais sejam: fumus boni iuris e periculum in mora. Curiosamente, o NCPC parece ter abandonado os requisitos contidos no art. 273, I, do CPC/73, relativos à tutela antecipada fundada na urgência. Isso porque, esse dispositivo exigia, para concessão da antecipação dos efeitos da tutela, prova inequívoca que demonstrasse a verossimilhança das alegações do requerente, bem como o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Assim, o NCPC substituiu o requisito prova inequívoca por elementos que evidenciem a probabilidade do direito. Trata-se de mais uma cláusula aberta que confere maiores poderes ao magistrado e ampla liberdade na análise dos elementos trazidos pela parte, que não necessitam mais configurar uma prova inequívoca.
Ora, ainda que não haja prova inequívoca da pretensão da parte, poderá haver probabilidade do seu direito, diante dos elementos colacionados aos autos, o que já se mostra suficiente para admitir a concessão da tutela provisória de urgência.
Entretanto, a despeito da abertura semântica da norma, deve haver cautela e prudência por parte do juiz, haja vista que direito provável não é direito possível. Via de regra, todas as alegações trazidas pelas partes podem afigurar-se, em uma análise abstrata, como possíveis. Porém, para a concessão da tutela antecipada, os elementos colacionados aos autos devem demonstrar, de modo prima facie, a probabilidade (e não possibilidade) do direito invocado.
Nesse sentido, DINAMARCO (1996, p. 139-140), ainda sob a ótica do CPC/73, leciona que
“essa probabilidade é menos que a certeza, porque lá os motivos divergentes não ficam afastados, mas somente suplantados; e é mais que a credibilidade, ou verossimilhança, pela qual a mente do observador analisa se os motivos convergentes e os divergentes comparecem em situação de equivalência e, se o espírito não se anima a afirmar, também não ousa negar.”
Ao lado do requisito probabilidade do direito, o NCPC, como já era de se esperar, exige o perigo de demora na prestação jurisdicional. Manteve-se o mesmo requisito previsto no inciso I do art. 273 do CPC/73, denominado naquele diploma de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Importante frisar, ab initio, que o receio de dano, aqui, não pode se apresentar como um mero temor da parte. Deve decorrer de riscos iminentes, derivados de situações concretas, cuja demora acarretará os prejuízos demonstrados pela parte.
Destarte, quando, a um só tempo, restarem caracterizados a probabilidade do direito invocado pela parte e o risco do seu perecimento em razão do decurso do tempo, a concessão da tutela provisória de urgência será medida de rigor.
A despeito de a tutela antecipada representar um importante instrumento para se assegurar ou mesmo efetivar o direito material, seu manejo encontra certas limitações no NCPC.
A primeira é a impossibilidade de concessão quando a medida mostrar-se irreversível. Ora, se a tutela antecipada tem como pressuposto a probabilidade do direito, sua análise se dá por meio de uma cognição sumária. Logo, não é crível que a tutela concedida antes da sentença de mérito não possa reverter-se caso a pretensão do autor não seja acolhida. Nesse sentido, o NCPC, em seu art. 303, § 3º, manteve a limitação prevista no § 2º do art. 273 do CPC/73.
Entretanto, tal limitação não é absoluta. Há casos em que, mesmo diante de uma tutela antecipada irreversível para o réu, o direito do autor que se busca proteger ou assegurar com a decisão apresenta tamanha relevância – sobretudo diante do iminente risco de seu perecimento – que a não concessão da tutela antecipada significará a própria irreversibilidade para esse mesmo autor.
Em tal caso, o juiz estará diante do seguinte dilema: ao passo que o deferimento da tutela antecipada implicará a irreversibilidade da medida para o réu, o seu indeferimento acarretará na irreversibilidade para o autor, diante do perecimento do direito. Cite-se, como exemplo, a concessão de tutela antecipada para que o Estado promova a internação de paciente em UTI, ou ainda liminar que proíba a realização de festa de réveillon diante da não observância, por parte dos promotores do evento, das normas de segurança quanto ao espaço físico do evento.
Buscando solucionar o problema, assevera acertadamente DIDIER (2009, p. 494) que diante desses direitos fundamentais em choque – efetividade versus segurança –, deve-se invocar o princípio da proporcionalidade, para que sejam compatibilizados.
A segunda limitação mais se configura como uma medida de controle por parte do magistrado. Segundo o § 1º, do art. 300 do NCPC, “Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la”.
Tal controle deve ser feito sempre que a medida puder acarretar prejuízos à outra parte. O manejo da tutela antecipada presta obséquio à efetividade da tutela jurisdicional, não podendo ser deferida a qualquer custo. Deve-se preservar o direito de ambas as partes ao devido processo legal.
A necessidade de caução para fins de concessão da tutela antecipada vai ao encontro do princípio da cooperação (art. 6º do NCPC). Não se pode admitir a concessão da medida a qualquer custo. Daí porque entendemos muito delicada a parte final do § 1º do art. 300 do NCPC, que dispensa a caução da parte reconhecidamente hipossuficiente.
O princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF) obsta qualquer limitação, seja de ordem legislativa, fática ou econômica, para o acesso à justiça. Daí que a situação econômica da parte, a priori, não pode representar um impedimento à busca do seu direito.
Por outro lado, a caução somente será exigida quando a medida puder acarretar danos ao réu e tem por objetivo justamente compensar os prejuízos por este suportados. Logo, dispensar a caução diante da hipossuficiência do autor e admitir, por conseguinte, que o réu suporte todos os prejuízos advindos da medida, é violar, de igual forma, o princípio do devido processo legal em seu caráter substancial.
Assim, entendemos que somente deverá ser dispensada a caução, ainda que se trate de pessoa hipossuficiente, se os danos suportados pelo réu com o deferimento da tutela antecipada forem menores do que os danos suportados pelo autor caso haja o indeferimento da medida. Tem-se aí, mais uma vez, a aplicação do princípio da proporcionalidade (proporcionalidade em sentido estrito).
Outra regra de controle da medida antecipatória diz respeito à responsabilidade do autor frente ao réu em virtude dos prejuízos que a tutela antecipada possa causar a este. Estabelece o art. 302 do NCPC que “Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I- a sentença lhe for desfavorável; II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV – o juiz acolher a alegação de prescrição ou decadência da pretensão do autor”.
Assim, ocorrendo uma das hipóteses elencadas acima, poderá a parte exigir da outra a reparação por perdas e danos. Para tanto, deverá liquidar o valor da indenização (art. 509 e seguintes do NCPC) e requerer o seu cumprimento, valendo-se, para tanto, do procedimento previsto no art. 513 e seguintes do NCPC (cumprimento de sentença).
São esses os principais aspectos que dão os devidos contornos ao instituto da tutela antecipada fundada na urgência.
3.2. TUTELA DA EVIDÊNCIA:
O CPC/73 não se preocupou em estabelecer uma distinção entre a tutela de urgência e a tutela de evidência. O NCPC, ao revés, dedicou um capítulo específico (Capítulo III) para o tema, embora tratado em um único dispositivo (art. 311).
Ainda durante a vigência do CPC/73, a doutrina já apontava para a necessidade de concessão da tutela antecipada quando o direito da parte se mostrasse evidente, independentemente da demonstração do perigo na demora. Isso porque, na linha da doutrina de FUX (1996, p. 321), quando o direito invocado se mostra evidente e indene de dúvida, a denegação da medida antecipatória representa denegação da própria justiça, sacrificando o autor com o tempo do processo.
Direito evidente é o provado de plano pela parte, sem que sobre ele recaiam dúvidas por parte do juiz. Trata-se, aqui, assim como ocorre no mandado de segurança, do chamado direito líquido e certo. A sua carga de evidência e probabilidade é tão grande que fazer o autor esperar que o curso processual chegue ao seu fim para, somente assim, conceder-lhe a tutela definitiva, é violar o próprio direito à tutela jurisdicional efetiva.
Segundo FUX (1996, p. 51), o direito evidente seria aquele
“demonstrável ‘prima facie’ através de prova documental que o consubstancie líquido e certo, como também o é o direito assentado em fatos incontroversos, notórios, o direito a coibir um suposto atuar do ‘adversus’ com base em ‘manifesta ilegalidade’, o direito calcado em questão estritamente jurídica, o direito assentado em fatos confessados em noutro processo ou comprovado através de prova emprestada obtida sob contraditório ou em provas produzidas antecipadamente, bem como o direito dependente de questão prejudicial, direito calcado em fatos sobre os quais incide presunção ‘jure et de jure’ de existência e em direitos decorrentes da consumação de decadência ou da prescrição.”
A efetividade da tutela jurisdicional, corolário do princípio do acesso à justiça, apresenta-se como fundamento inspirador do instituto da tutela antecipada, em especial da tutela de evidência.
O art. 311, do NCPC buscou estabelecer as hipóteses em que o direito se considerará como evidente.
A primeira hipótese ocorrerá quando ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Trata-se da chamada tutela antecipada punitiva (ou sancionatória). A despeito de o dispositivo referir-se ao “réu”, é plenamente possível que os atos abusivos ou protelatórios sejam perpetrados pelo autor, o que possibilita a utilização da tutela antecipada em favor do próprio demandado. O NCPC perdeu a chance de corrigir o equívoco que já constava do inciso II do art. 273 do CPC/73.
Lecionando sobre o tema, DIDIER JR (2009, p. 499) assevera que
“o magistrado deve agir com olhos atentos à finalidade da norma: garantir o prosseguimento do feito de forma célere, sem embaraços ardiloso. Assim, só se deve enquadrar como ato abusivo ou protelatório, aquele que consista em um empecilho ao andamento do processo, ou seja, aquele que implicar comprometimento da lisura e da celeridade do processo”.
Importante destacar que embora o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte configure o fato gerador da tutela antecipada punitiva (ou sancionatória), o fato é que nem todo ato processual abusivo do direito de defesa ou protelatório implicará, necessariamente, na possibilidade de concessão da tutela antecipada.
Somente é possível pensar em concessão da tutela antecipada fundada no inciso I do art. 311 do NCPC quando o ato abusivo ou protelatório acarretar uma indevida e injusta demora processual capaz de criar risco para uma tutela jurisdicional efetiva. Isso porque o próprio NCPC possui diversos mecanismos para coibir e punir os atos abusivos ou meramente protelatórios, v.g. as hipóteses previstas nos artigos 79, 622, II, 918, 1.026, § 2º, do CPC, dentre outros.
Nesse sentido, pensamos que a tutela antecipada fundada no abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu somente deve ser deferida quando as demais sanções previstas no NCPC forem insuficientes para exigir do réu a cooperação que dele se espera e, ao mesmo tempo, configure, ainda que minimamente, perigo para o próprio direito deduzido em juízo.
Ressalte-se que a atitude desleal – abusiva ou protelatória – de uma das partes do processo, por si só, não pode ser combatida com a antecipação da tutela em favor da parte ex adversa. Ora, e se a parte que praticou o ato abusivo ou protelatório for quem realmente faz jus a tutela discutida, dentro de um juízo prelibatorio? Sem dúvida, a ocorrência de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório não evidencia qualquer direito da parte contrária, devendo ser compatibilizado cm o risco ao direito vindicado.
A segunda hipótese, considerada pelo art. 311 do NCPC como de evidência do direito, ocorre quando as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante.
Digno de elogios o dispositivo supracitado. A vinculação aos precedentes judiciais confere maior segurança jurídica ao jurisdicionado e ao próprio Poder Judiciário e em nada fere a independência do juiz.
Inspirada na Common Law, vigente nos Estados Unidos e Grã Bretanha, o sistema de vinculação ao precedente (stare decisis) impõe a observância deste, por parte do julgador, sempre que o caso a ser decidido apresentar as mesmas circunstâncias fáticas e jurídicas daquele julgado pelo tribunal.
Acerca do tema, JANSEN (2005, p. 49) sintetiza o sistema da seguinte forma:
“Igualdade (equity) no sentido de que todos devem receber o mesmo tratamento do Poder Judiciário, de maneira que casos semelhantes recebam respostas jurídicas equivalentes. Previsibilidade (predictability) enquanto se espera que os juízes respeitem as regras e interpretações que já ficaram assentes, proporcionando maior segurança jurídica. Economia (economy) por ser um sistema mais eficiente, já que seguir um precedente seria mais simples do que criar um precedente, facilitando o trabalho dos magistrados. Respeito (respect) na medida em que são valorizadas a experiência e a sabedoria dos magistrados de gerações passadas e dos tribunais superiores.”
Destarte, havendo prova documental do direito e estando a pretensão fundada em súmula vinculante ou precedente dos tribunais superiores em sede de recursos repetitivos, tem-se por evidenciado o direito, sendo que, independentemente de eventual risco na demora processual, a antecipação da tutela será medida de rigor.
O dispositivo legal supracitado fala em tese firmada em julgamento de casos repetitivos. A pergunta que se faz é a seguinte: esses julgamentos de casos repetitivos a que se refere a norma devem ter ocorridos no âmbito do Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça em sede de recursos extraordinário e especial repetitivos, na forma do art. 1036 e seguintes do NCPC (art. 543-C, CPC/73) ou basta que o próprio tribunal de justiça ao qual está vinculado o magistrado já tenha decidido repetidamente a questão em um mesmo sentido?
Parece-nos que a mens legis, nesse particular, foi a de considerar como evidência para fins de concessão da tutela antecipada a questão em que já foi decidida em sede de recursos extraordinário ou especial repetitivos, na linha do novel art. 1.036 do NCPC. E a conclusão a que se chega é simples: a norma também faz alusão à súmula vinculante. Caso quisesse admitir como de evidência a tutela requerida que apresenta as mesmas circunstâncias fáticas e jurídicas de outras já decididas pelo próprio tribunal ao qual está vinculado o magistrado, não teria o art. 311, II do NCPC se referido à súmula vinculante, mas, tão somente, à súmula do tribunal.
Merece uma crítica o dispositivo em análise. O NCPC passou a adotar, ainda que de forma mais flexível, o sistema de vinculação aos precedentes. Há, inclusive, dispositivo específico (art. 927) que estabelece que “os juízes e os tribunais observarão: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”.
Ora, se o NCPC instituiu expressamente um sistema de precedentes judiciais e vinculação à estes, em tese, deveria admitir como de evidência a tutela pretendida e cuja questão encontra respaldo em precedentes do próprio tribunal local ou de tribunal superior. Se determinado Tribunal possui jurisprudência sedimentada em determinado sentido, porque não considerar como de evidência o direito vindicado pela parte que se amolda à jurisprudência do tribunal? Não há sentido algum em não se admitir. Bastaria o dispositivo fazer uma ressalva quanto a eventual súmula de tribunal superior ou julgamento em sede de recurso repetitivo em sentido contrário.
Nesse cenário, a tutela de evidencia deveria ser admitida quando a pretensão deduzida estiver em consonância com a jurisprudência do tribunal ao qual o juízo estiver vinculado, tribunal superior ou mesmo súmula, seja esta do próprio tribunal ou de tribunal superior, desde que, obviamente, as circunstâncias fáticas e jurídicas sejam as mesmas do caso paradigma.
Somente quando a jurisprudência do tribunal local for contrária, por exemplo, à jurisprudência ou súmula dos tribunais superiores é que a tutela não deveria ser considerada como e evidência.
Entretanto, como o dispositivo ora analisado explicitamente se referiu à súmula vinculante, temos que somente em tais casos e naqueles fundados em recursos extraordinário e especial repetitivos é que se poderá falar em tutela de evidência.
A última hipótese de tutela de evidência ocorrerá quando se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa.
Nesse sentido, demonstrando a parte ser proprietária do bem, através de prova documental, poderá requer tutela antecipada, fundada na evidência do seu direito, para que seja determinada a entrega da res, sob pena de multa, independentemente da demonstração do risco da demora.
CONCLUSÃO:
Longe de corresponder a um sistema perfeito – o que se mostra impossível dentro de um Estado Constitucional Democrático de Direito, no qual as diversas forças sociais, através de uma coalisão, buscam equilibrar seus interesses frente aos textos legislativos –, o NCPC apresenta-se como um moderno instrumento democrático de realização e concretização dos direitos.
Cabe, portanto, ao Poder Judiciário, por meio de sua atividade criativa (hermenêutica), extrair do texto a verdadeira norma jurídica, a fim de dar os contornos necessários ao instituto que se aperfeiçoou e, ao mesmo tempo, conter eventuais abusos ou conflitos aparentes constantes no texto do Novo Código de Processo Civil.
No que tange às tutelas de urgência e evidência, acreditamos que houve mais avanços que retrocessos. A expressa previsão da chamada tutela de evidência, por exemplo, que não se fez presente no CPC/73, transformou em texto legal aquilo que já vinha sendo defendido por boa parte da doutrina e reconhecido pela jurisprudência.
Destarte, sem a pretensão de esgotar o tema – e deixando para um outro momento o estudo particularizado das tutelas cautelares, tendo em vista seus diversos desdobramentos – pôde-se perceber que, em linhas gerais, o NCPC, no tocante à tutela antecipada, avançou consideravelmente, configurando, sem dúvida, um dos sistemas mais modernos do mundo, que se mostra consentâneo com o direito fundamental de acesso à justiça.
Juiz de Direito Substituto do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Professor de técnicas de sentença cível
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