A tutela jurídica dos refugiados no direito brasileiro e internacional

Sumário: Introdução. 1. Refúgio: conceito, origem e evolução histórica. 1.1 Considerações preliminares sobre o refúgio. 1.2 A origem do refúgio. 1.3 A evolução histórica do refúgio. 2. O refugio no direito internacional como parte dos direitos humanos. 2.1 O Direito Internacional dos refugiados como parte dos Direitos Humanos. 3. Análise da tutela jurídica dos refugiados no direito brasileiro e internacional. 3.1 A Convenção da ONU de 1951. 3.2 O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). 3.3 A situação de refugiados atuais no mundo: casos concretos. Conclusão. Referências.

Resumo: O presente artigo tem como objetivo tratar da tutela jurídica dos refugiados no direito internacional, ou seja, o tratamento que é conferido pelo direito internacional às pessoas que se encontram em situação de refúgio, sobretudo em virtude da atualidade e extrema relevância do tema como decorrente da proteção dos direito humanos no plano internacional.

Palavras-chave: Refugiados – Direito Internacional – Direito brasileiro – Normas jurídicas – Tutela jurídica

Abstract:This article will aim to work the legal protection of refugees in international law, the treatment is conferred by international law to people who are in refugee situation, mainly because of the timeliness and relevance of the topic as extreme due to protection of human rights internationally.

Keywords: Refugees – International Law – Brazilian Law – Legal Standards – Judicial Protection

INTRODUÇÃO

O problema dos refugiados que se apresentou como de natureza temporária quando da elaboração da Convenção da ONU de 1951 acabou por se tornar de caráter permanente e tem requerido constantes ações por parte da comunidade internacional, tendo em vista a importância dos direitos envolvidos.

O trabalho desenvolvido conta com pesquisa aprofundada sobre o tema, a partir do estudo bibliográfico de doutrinas, observação e interpretação das normas de direito internacional sobre os refugiados e da análise dos instrumentos internacionais de proteção da pessoa humana em situação de refúgio. A concretização da pesquisa conta também com dados obtidos através de endereços eletrônicos relacionados ao assunto, tais como relatórios estatísticos que reflitam a atual situação dos refugiados no âmbito do direito internacional.

Assim, cuida-se da realização de um estudo criterioso, em um primeiro momento, sobre a conceituação, a origem e a evolução histórica do refúgio, seguindo-se com a análise da proteção dos refugiados perante o direito internacional como parte integrante dos direitos humanos, mediante a verificação dos instrumentos jurídicos e dos princípios internacionais que regem o direito internacional dos refugiados.

A partir de dados estatísticos e informações obtidas através de relatórios oficiais, se dimensiona a atual situação dos refugiados no plano internacional e qual o cenário dos casos concretos que já chamaram e atualmente chamam a atenção da comunidade internacional para a causa dos refugiados e dos direitos humanos lhe inerentes.

Assim, a pesquisa bibliográfica abrange inclusive artigos de revistas especializadas, periódicos, disposições normativas em geral, bem como fontes eletrônicas a respeito do tema, visando sobretudo à análise por completo da tutela jurídica dos refugiados no direito internacional.

1. REFÚGIO: CONCEITO, ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

1.1 Considerações preliminares sobre o refúgio

Pode se considerar como migrante toda pessoa que e transfere de seu lugar habitual, de sua residência comum para outro lugar, região ou país. Ocorre que, as migrações atuais têm acontecido sob motivações as mais diversas. Ou seja, as razões que tem levado uma pessoa a migrar do seu país de origem para outro lugar, de forma voluntária ou involuntária, tem sido diversas, tais como guerras, perseguições, violações de direitos, violência, calamidades, catástrofes ambientais, tragédias, dentre outras.

Em virtude da globalização, outras ainda têm sido as causas que tem motivado as constantes migrações, tais como o desemprego, a busca por melhores oportunidades de vida, a desordem econômica dos países de origem e os desequilíbrios socioeconômicos como um todo.

A respeito das causas que motivam as migrações humanas em geral, afirma Miguel Daladier Barros:

Contribuem para o incremento do fluxo migratório os seguintes fatores: (i) mudança demográfica nos países de primeira industrialização; (ii) desigualdades socioeconômicas entre as nações do Norte e do Sul; (iii) barreiras protecionistas que não consentem com a colocação, pelos países emergentes, de produtos em condições competitivas nos mercados mais avançados; e (iv) proliferação de conflitos armados e guerras civis.

Já a migração interna é um fenômeno crescente sobretudo em países da África e da América Latina, por força de guerras tribais e do narcotráfico, respectivamente, e fator desencadeante de periferias urbanas, onde os migrantes se instalam de forma precária, em um ambiente com características bastante diversas do local de origem, com grande perigo de desenraizamento social.” [1]

Ocorre que, quando se verificar que o processo migratório teve como causa qualquer perseguição em decorrência de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política, levando o indivíduo a abandonar o seu país de origem, a sua casa e a sua família na busca de proteção em um outro país, surge a figura do refugiado.

Ensina Olívia Cerdoura Garjaka Baptista que:

Os refugiados são pessoas que se diferenciam dos deslocados internacionais classificados como “migrantes tradicionais”. Em geral os migrantes tradicionais têm o seu deslocamento motivado por questões econômicas, isto é, estes migrantes partem em busca de melhores condições de vida. Já os refugiados fogem em virtude de fundado temor de perseguição em busca da preservação da sua vida.

Para evitar o desgaste diplomático entre os países, o refúgio é classificado como um instituto apolítico e humanitário. Há a preocupação com a satisfação das necessidades básicas dos refugiados que incluem, mas não se restringem a alimentação, moradia, educação e saúde[2]

E, considera-se refugiado no direito internacional, conforme dispõe a Convenção da Organização das Nações Unidas – ONU de 25 de julho de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada também pelo Brasil, pessoa que “temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país”.

A partir da Lei nº 9.474/1997, passou a constar do ordenamento jurídico brasileiro a tutela jurídica dos refugiados, conceituando a lei no art. 1º que será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: (i) devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; (ii) não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no item anterior; e que (iii) devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

Sobre a legislação brasileira em proteção dos refugiados, afirma Julia Bertino Moreira que:

“A legislação brasileira é considerada avançada, moderna e inovadora, sobretudo por conta de sua definição abrangente de refugiado (Andrade e Marcolini, 2002b; ACNUR, 2005a, Leão, 2007). Outra inovação se refere ao direito de reunião familiar, estendendo-se a concessão do refúgio aos demais membros da família do refugiado. (…) O Brasil foi o primeiro país na América do Sul a elaborar uma legislação nacional específica na área, tendo sido também pioneiro na adesão ao regime internacional para os refugiados” [3]

O Brasil firmou o compromisso internacional de proteção aos refugiados a partir da ratificação da Convenção da ONU de 1951 e do Protocolo de 1967 sobre o Estatuto dos Refugiados, constando ainda de seu ordenamento pátrio a Lei nº 9.474 de 1997, que dispõe em específico sobre a questão dos refugiados.

Verifica-se que a Lei nº 9.474/1997, que “define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências”, estabelece critérios mais amplos que o previsto na Convenção da ONU de 1951 e no Protocolo de 1967 para o reconhecimento da condição de refugiado, tendo implementado um procedimento específico em âmbito nacional para o reconhecimento de tal condição, e ainda instituído, no âmbito da Administração Pública Federal, o Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE, órgão responsável pela análise dos casos individuais de solicitações de refúgio e pela elaboração de políticas públicas que facilitem a integração local dos refugiados.

1.2 A origem do refúgio

Cuidam-se os refugiados de pessoas comuns (homens, mulheres e crianças de todas as idades) que foram forçadas a abandonar seus lares devido a conflitos armados, violência generalizada, perseguições religiosas ou por motivo de nacionalidade, raça, grupo social e opinião pública, sendo que buscam refúgio em outros países para reconstruir suas vidas com dignidade, justiça e paz, valores diretamente relacionados aos direitos humanos.

Sobre passagens bíblicas que dão conta da origem do refúgio, interessantes as palavras de Miguel Daladier Barros:

“Vivemos numa época em que milhões de pessoas perambulam pelo mundo em busca de uma vida melhor. E a Bíblia, desde muito, reconhece esta realidade. Repetidamente, o povo de Israel é convidado a tratar os estrangeiros com amor, compaixão e justiça (Êxodo 22:21) e a não tirar vantagem deles (Deuteronômio 24:14). Pelo contrário, deve-se cuidar dos estrangeiros (Levítico 19:9-10) como naturais da terra (19:34). Sobre os refugiados, anotem-se as passagens constantes de II Mocabeus 10:15 e Isaías 16:3-4. No Novo Testamento, porém, o mandamento maior deixado por Jesus Cristo: “Amar o próximo como a si mesmo" (Mateus 22:39)” [4]

A origem dos refugiados remete aos tempos da Antiguidade, conforme demonstram antigos tratados firmados no Egito antigo, mas somente a partir do século XV que os refugiados começam a surgir com maior destaque.

Nesse sentido, refere Miguel Daladier Barros:

 “O drama dos refugiados se confunde com a própria História da Humanidade, mas, somente a partir do século XV, eles despontaram de forma sistemática” [5]

A proteção internacional dos refugiados aparece com maior ênfase no período pós-guerra, através da Liga das Nações, que passou a comprometer-se com a questão dos refugiados em razão do grande fluxo de refugiados que demandava uma proteção internacional no pós-guerra.

A partir da 2ª Guerra Mundial, a problemática dos refugiados passou a ganhar proporções ainda maiores e mais dramáticas em decorrência do deslocamento de milhões de pessoas por várias partes do mundo.

Foi então criado em 1949 o Alto Comissariado das Nações Unidas ara os Refugiados – ACNUR, no âmbito do Secretariado da ONU, instituição apolítica, humanitária e social que, conforme seu Estatuto, tem como função assegurar a proteção internacional dos refugiados e buscar soluções duradouras para essa problemática.

Na sequência, em 28 de julho de 1951, foi aprovada pela Assembléia Geral da ONU uma Convenção para regular a situação jurídica dos refugiados, tendo sua vigência a partir de 22 de abril de 1954.

O direito ao refúgio é considerado uma espécie do gênero direito de asilo. Considera-se haver um direito de asilo em sentido amplo (lato sensu), sob o qual estão abrangidos o asilo em sentido estrido (stricto sensu) (asilo diplomático e asilo territorial) e o refúgio.

Em verdade, a necessidade de diferenciação entre o asilo stricto sensu e o refúgio ocorre nos países da América Latina, visto que em tais países existe uma regulamentação jurídica regional específica para disciplinar o asilo e práticas diferentes para a concessão do asilo e para a concessão do refúgio.

No ordenamento jurídico brasileiro, a previsão do asilo ocorre na Constituição Federal de 1988, no artigo 4º, inciso X, e também em título próprio no Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80).

Os institutos do asilo e do refúgio assemelham-se pelo fato de ambos possuírem caráter humanitário e que visam à proteção da pessoa humana vítima de perseguição, tendo como fundamento o princípio da solidariedade e a cooperação internacional. Como características comuns ao asilo e ao refúgio, não estão submetidos à reciprocidade; independem da nacionalidade do indivíduo e excluem a possibilidade de extradição.

Pode se considerar que a principal diferença entre o asilo e o refúgio é o fato de que o asilo é ato soberano do Estado, ou seja, trata-se de uma decisão política e o seu cumprimento não está vinculado a nenhum organismo internacional. O Estado tem o direito de conceder asilo, mas não se acha obrigado a concedê-lo nem declarar por que o nega.

Já em relação à concessão da condição de refugiado, diferente do que ocorre com o asilo político, uma vez preenchidos os requisitos necessários o Estado signatário dos instrumentos internacionais de proteção aos refugiados – Convenção da ONU de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos aos refugiados – tem como obrigação proceder à concessão do refúgio. Por sua vez, os órgãos internacionais multilaterais realizam o controle da aplicação das normas sobre o refúgio e os Estados podem vir a responder pelo não cumprimento de seus deveres ou violação das normas específicas previamente estabelecidas.

Assim, em geral, o asilo tem sido concedido nas hipóteses de perseguição política individual, quando determinado sujeito está sendo perseguido por motivos de opinião ou pela prática de atividades políticas. Por outro lado, o refúgio tem sido aplicado de maneira mais ampla em casos em que haja fundados indícios de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões política.

Ou seja, o refúgio tem sido concedido em caos em que está envolvida a proteção de um grupo de pessoas decorrente em virtude de certa perseguição que ocorra de forma mais generalizada, tais como na hipótese de ocupação ou dominação estrangeira, violação dos direitos humanos ou diante de acontecimentos que alterem gravemente a ordem pública interna do país de origem, não se encontrando o refúgio restrito, portanto, aos casos de perseguição individual e específica a determinada pessoa definida.

Por tais motivos, o asilo tem sido interpretado como instituto jurídico de caráter regional, visto que regulado por normas multilaterais regionais e específicas, que se limitam ao Direito Internacional vigente entre os países latino-americanos, representando, por conseguinte, uma peculiaridade do Direito Internacional Latino Americano.

Já o refúgio, por sua vez, consiste em um instituto jurídico de caráter internacional e alcance universal, na medida em que se encontra regulamentado pela Convenção da ONU de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados e pelo Protocolo de 1967, sendo a proteção dos refugiados realizada por órgãos internacionais e não estado sua aplicação restrita, portanto, aos países da América Latina, como ocorre em relação ao asilo em sentido estrito (asilo diplomático e asilo territorial).

Em síntese, Marjory Figueiredo Nóbrega de França aponta algumas diferenças entre o asilo de concepção latina e o refúgio como instrumento internacional:

– O asilo territorial é uma questão exclusiva da soberania e do domínio interno dos Estados, ao passo que o refúgio tem a ver com a comunidade internacional organizada e operaria com base em acordos prévios.

– O asilado pode ser objeto de proteção dentro da circunscrição territorial de seu país, como no caso da forma diplomática, enquanto o refugiado precisa ter cruzado as fronteiras de seu país de origem.

– Para ser considerado asilado o indivíduo deve estar sendo efetivamente perseguido, no momento da sua petição, enquanto que para o refugiado basta um fundado temor de perseguição.

– O asilado é uma pessoa perseguida por motivos de caráter político, enquanto a definição de refugiado é mais ampla, abarcando outros motivos de perseguição.

– No que pertine aos asilados, não foi estabelecida uma organização para supervisionar e colaborar com a concretização dos instrumentos (regionais) de asilo. Já, no tocante aos refugiados, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – Acnur desempenha esse papel de implementador dos instrumentos internacionais pertinentes.” [6]

1.3 A evolução histórica do refúgio

A proteção jurídica internacional aos refugiados foi intensificada a partir da 2ª Guerra Mundial, em virtude da expectativa que as pessoas que foram forçadas a deixarem seus países tinham de retornar à sua terra de origem após o final da guerra.

Ocorre que, apesar de ter inicialmente sido conferido maior tratamento ao tema dos refugiados como de natureza provisória, em decorrência dos efeitos da 2ª Guerra Mundial, o debate acerca do direito internacional dos refugiados permanece até a atualidade, sendo assunto de grande relevância no cenário internacional, sobretudo por sua relação direta com os direitos humanos.

Isto porque, em grande parte das situações em concreto, os refugiados necessitam deslocar-se de seus países de origem para salvar suas vidas ou preservar sua liberdade, em virtude de não possuírem proteção de seu próprio Estado ou pelo fato de em muitas vezes seu próprio governo ser quem oferece ameaça de perseguição.

Daí a necessidade de essas pessoas em situação de refúgio serem aceitas no território de outros países, a partir de seu acolhimento e auxílio, sob pena de serem fadadas à morte ou a uma vida insuportável destituída de condições mínimas de sobrevivência e de direitos básicos.

Em decorrência dos efeitos nefastos da 2ª Guerra Mundial e diante da necessidade específica de proteger os refugiados, a Organização das Nações Unidas – ONU criou, em 1949, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR e, dois anos depois, foi criada a Convenção das Nações Unidas Relativa ao Estatuto dos Refugiados – 195) para tratar especificamente dos refugiados que surgiram em razão da Segunda Guerra, tendo em vista que se acreditava que o problema dos refugiados era temporário.

Em virtude do surgimento de novos fluxos de refugiados, posteriormente a ONU elaborou o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967, que teve como objetivo ampliar as disposições da Convenção de 1951, permitindo que os seus dispositivos pudessem ser aplicados a todos os refugiados no mundo e não somente aos refugiados que surgiram em razão da 2ª Guerra Mundial.

Conforme afirma André de Carvalho Ramos:

O grande impulso à proteção dos refugiados deu-se com a Declaração Universal de Direitos Humanos, que estabeleceu, em seu art. 14, que “toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar de asilo em outros países.

Alguns anos depois, em 1951, foi aprovada a “Carta Magna” dos refugiados, que é a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados. A importância desse tratado é imensa: é o primeiro tratado internacional que trata da condição genérica do refugiado, seus direitos e deveres. Os tratados anteriores eram aplicáveis a grupos específicos, como os refugiados russos armênios e alemães. Em 1950, foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), que hoje é órgão subsidiário permanente da Assembleia Geral das Nações Unidas e possui sede em Genebra.” [7]

O Brasil assumiu o compromisso internacional de proteção aos refugiados ao ratificar a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 sobre o Estatuto dos Refugiados, além de ter adotado uma lei específica para tratar do tema dos refugiados, a Lei nº 9.474/97, que é considerada pela Organização das Nações Unidas – ONU como um parâmetro para a adoção de uma legislação uniforme entre os países da América do Sul.

Observa-se que o Brasil é frequentemente reconhecido como “país de acolhida” de refugiados, possuindo uma legislação interna bem estruturada a respeito do assunto, daí se originando uma imagem favorável quanto à sua atuação na proteção dos refugiados.

Registra Patrícia Santos Précoma Pellanda que:

“Em reunião realizada em 2 de agosto de 2011, o representante do ACNUR, Antonio Guterres, elogiou o Brasil com os seguintes dizeres: “temos uma colaboração exemplar com o Brasil. O Brasil é para nós um símbolo muito importante de atitude em relação ao refúgio" e finaliza: “nós precisamos de países em que haja paixão e apoio aos refugiados e isso acontece no Brasil”. Além disso, Guterres afirmou que vários países oferecem refúgio por obrigação e, nesse caso, todos os pretextos são bons para reenviar essas pessoas aos países de origem.” [8]

E, a respeito do destaque positivo do Brasil em relação ao acolhimento de refugiados, afirma Julia Bertino Moreira que:

“O Brasil vem se destacando pela sua atuação quanto aos refugiados, atingindo o posto de 12° país que mais reassenta refugiados no mundo no ano de 2006. O ACNUR reconhece o comprometimento brasileiro com a proteção dos refugiados e entende ser exemplar o tratamento que lhes é dado no país, tanto cm termos de legislação quanto dos esforços empregados para a integração (ACNUR, 2005). Nesse sentido, considera o processo de refúgio brasileiro um dos mais justos c democráticos do mundo, ao incluir a participação da sociedade civil (Nogueira e Marques, 2008). Ainda o considera um líder regional nessa matéria, com capacidade de ajudar a prevenir a intensificação de conflitos na região que possam resultar em novos fluxos.”  [9]

2. O REFUGÍO NO DIREITO INTERNACIONAL COMO PARTE DOS DIREITOS HUMANOS

2.1 O Direito Internacional dos refugiados como parte dos Direitos Humanos

A importância da tutela dos refugiados no direito internacional se justifica na medida em que representa também a proteção dos direitos humanos na ordem internacional, sobretudo considerando a existência de conflitos presentes em diversos países em que se deflagra a situação de risco à vida, às liberdades e aos direitos humanos das pessoas em situação de refúgio.

O direito internacional dos refugiados situa-se, portanto, dentro da área do direito internacional humanitário e dos direitos humanos, encontrando-se a tutela jurídica dos refugiados diretamente relacionada aos direitos humanos e sob o tratamento da ordem jurídica internacional.

Acerca da relação entre a proteção dos refugiados e os direitos humanos, aduz Julia Bertino Moreira:

“O tema dos refugiados ganhou destaque no contexto internacional sobretudo após a Segunda Guerra Mundial (1939-45), quando mais de 40 milhões de pessoas se deslocaram no interior da Europa por ocasião da guerra. No mesmo momento, a questão dos direitos humanos passou a ser debatida pela comunidade internacional diante das atrocidades cometidas por regimes totalitários. Isso levou à constituição do regime internacional de direitos humanos no âmbito da ONU, com a Declaração Universal de 1948, que previa o direito de procurar e gozar asilo a toda pessoa vítima de perseguição. Poucos anos depois, se fez acompanhar pelo regime internacional para refugiados. (ACNUR, 2000)”  [10]

O direito internacional dos refugiados encontra o seu fundamento nos princípios básicos de direitos humano, visto que surge da necessidade de se institucionalizar a proteção de pessoas que se vêem forçadas a fugir de seus países de origem em virtude de perseguições à sua vida e/ou sua liberdade.

Nesse sentido, a partir do direito internacional dos direitos humano, o direito internacional dos refugiados surge como uma vertente especializada que visa garantir proteção especificamente às pessoas que sofrem perseguição dentro de seus países de origem e se vêem obrigadas a buscar proteção em outro Estado.

Assim, o direito internacional dos refugiados busca assegurar a proteção de pessoas que se vêem obrigadas a fugir do seu país de origem em razão de uma perseguição à sua vida e/ou sua liberdade por motivo de raça, religião, opinião política, grupo social ou violação maciça de direitos humanos. Por conseguinte, faz-se possível verificar a nítida ligação entre o direito internacional dos refugiados e a proteção dos direitos humanos, tendo em vista que as pessoas tornam-se refugiadas porque seus direitos humanos são flagrantemente ameaçados.

Nota-se que o direito internacional dos refugiados é considerado uma vertente especializada do direito internacional dos direitos humanos lato sensu, pois embora apresentem o mesmo objetivo, que é a proteção da pessoa humana, o direito internacional dos refugiados abrange apenas um âmbito específico de proteção: o ser humano vítima de perseguição; enquanto que o direito internacional dos direitos humanos lato sensu visa garantir as condições mínimas de sobrevivência para todo o ser humano abrangendo, dessa forma, a proteção conferida pelo direito internacional dos refugiados.

Dessa maneira, os refugiados, além de contar com o seu sistema específico de proteção, encontram-se também amparados como todos os seres humanos, pelo sistema universal de proteção dos direitos humanos vigente na ordem internacional sob a vigilância da Organização das Nações Unidas – ONU.

3. ANÁLISE DA TUTELA JURÍDICA DOS REFUGIADOS NO DIREITO BRASILEIRO E INTERNACIONAL

3.1 A Convenção da ONU de 1951

Conforme dispõe a Convenção da Organização das Nações Unidas – ONU de 25 de julho de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada também pelo Brasil, considera-se refugiado pessoa que “temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país”.

O artigo 1º, parágrafo 1º, alínea “c” e parágrafo 2º, da Convenção da ONU de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados, estabelece a seguinte definição de refugiado:

Art. 1º (…)

Parágrafo 1º. Para fins da presente Convenção, o termo “refugiado” se aplicará a qualquer pessoa:

c) Que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.

Parágrafo 2º. Para fins da presente Convenção, as palavras “acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951”, do artigo 1º, seção A, poderão ser compreendidos no sentido de ou

a)”Acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 na Europa”.

b) “Acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 na Europa ou alhures.”

Conforme se verifica, a Convenção da ONU de 1951 define em caráter universal a condição de refugiado, estabelecendo os seus direitos e deveres e também institui obrigações aos Estados Partes para que estes respeitem o Estatuto dos Refugiados e internalizem nos ordenamentos jurídicos internos as normas de proteção.

A partir da ratificação da Convenção da ONU de 1951 e de outros tratados internacionais de proteção da pessoa humana, passa a existir para os respectivos Estados signatários uma obrigação internacional de acolher e proteger os refugiados que chegam ao seu território, sob pena de responsabilização internacional.

Acerca do alcance do conceito de refugiado segundo a Convenção da ONU de 1951, sistematiza Olívia Cerdoura Garjaka Baptista:

“A Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, em seu art. 1.°, definiu o alcance da palavra refugiado, tendo expressamente apresentando duas espécies de limitação, quais sejam: (a) limitação geográfica – o termo refugiados só se aplica para acontecimentos ocorridos na Europa ou alhures; e (b) limitação temporal – a palavra refugiados só se aplica às pessoas que temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontravam fora do país de sua nacionalidade,26 ou que, se não tinham uma nacionalidade, e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual, desde que este deslocamento entre países tivesse sido motivado por fatos ocorridos antes de 01.01.1951” [11]

Com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967 ocorreu uma ampliação do conceito de refugiados em relação ao limite temporal e geográfico, permitindo que os dispositivos da Convenção da ONU de 1951 pudessem ser aplicados aos refugiados sem considerar a data limite de 1º janeiro de 1951, e para as situações envolvendo refugiados localizados em todo o mundo, e não mais apenas no continente europeu.

Segundo André de Carvalho Ramos:

A Convenção de 1951 estabeleceu a definição de refugiado, os seus direitos e deveres básicos (em especial, o direito de receber documento de viagem, sucedâneo do antigo Passaporte Nansen), bem como os motivos para a cessação da condição de refugiado. A Convenção, contudo, possuía uma “limitação temporal”: era aplicável aos fluxos de refugiados ocorridos antes de 1951. Além disso, os Estados, querendo, poderiam estabelecer uma “limitação geográfica” e só aceitar aplicar o Estatuto dos Refugiados a acontecimentos ocorridos na Europa.

Em 1966, foi aprovado o Protocolo Adicional à Convenção sobre Refugiados, que suprimiu a limitação temporal da definição de refugiado constante originalmente da Convenção.

Já em 1969, foi aprovada a Convenção da Organização da Unidade Africana (hoje União Africana) sobre refugiados. Tal Convenção, que entrou em vigor em 1974, estabeleceu, pela primeira vez, a chamada “definição ampla de refugiado”, que consiste em considerar refugiado aquele que, em virtude de um cenário de graves violações de direitos humanos, foi obrigado a deixar sua residência habitual para buscar refúgio em outro Estado. Em 1984, a definição ampliada de refugiado foi acolhida pela Declaração de Cartagena, que, em seu item terceiro, estabeleceu que a definição de refugiado deveria, além de conter os elementos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1966, contemplar também como refugiados as pessoas que tenham fugido dos seus países porque a sua vida, segurança ou liberdade tivessem sido ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos, a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública.” [12]

E a respeito da ampliação do conceito de refugiado, ensina Julia Bertino Moreira que:

“A Declaração de Cartagena de 1984 ampliou a definição do regime internacional da ONU, ao incluir pessoas que deixaram seus países porque sua vida, segurança ou liberdade foram ameaçadas em decorrência da violência generalizada, agressão estrangeira, conflitos internos, violação massiva dos direitos humanos ou outras circunstâncias que perturbaram gravemente a ordem pública (Declaração de Cartagena, 2001).”  [13]

Além de apresentarem um conceito geral e universalmente aplicável para o termo “refugiado”, infere-se que referidos instrumentos internacionais estabelecem os padrões mínimos que devem ser observados pelos Estados signatários para garantir uma proteção efetiva aos refugiados.

Dentre os direitos assegurados ao refugiado merece destaque o direito de não ser devolvido ao país em que sua vida ou liberdade esteja sendo ameaçada, que constitui um princípio geral do direito internacional de proteção dos refugiados e dos direitos humanos, denominado princípio do non-refoulement (não devolução).

O princípio do non-refoulement (não devolução) se encontra previsto no artigo. 33, número 1, da Convenção d ONU de 1951, da seguinte forma:

“1. Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam ameaçados em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas.”

Note-se que o principio do non-refoulement surge como um instrumento que garante proteção dos refugiados contra sua devolução para o país onde sofrem a perseguição que originou a sua condição de refugiado ou a qualquer outro país onde sua vida ou liberdade esteja sendo ameaçada, representando uma garantia frente à insegurança humanitária que ameaça a vida dos refugiados.

Referido princípio é considerado pedra angular do regime internacional de proteção dos refugiados, sendo imprescindível à efetividade da proteção internacional dos refugiados, de maneira que sua inobservância certamente comprometeria toda a estrutura de proteção internacional dos refugiados.

Ensina André de Carvalho Ramos que:

“Tal princípio [non-refoulement] consiste na vedação da devolução do refugiado ou solicitante de refúgio (refugee seeker) para o Estado do qual tenha o fundado temor de ser alvo de perseguição odiosa. (…) De fato, o art. 22.8 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, dispõe que “Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação em virtude de sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas.” [14]

E, sobre o princípio do non-refoulement, ou seja, da não-devolução, registra Julia Bertino Moreira:

“O regime internacional para refugiados se estruturou a partir do princípio da não-devolução, previsto no artigo 33 da Convenção de 1951, que proibia os Estados signatários de expulsar o refugiado para “as fronteiras dos territórios em que a sua vida ou a sua liberdade seja ameaçada em virtude da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do grupo social a que pertence ou das suas opiniões políticas” (ACNUR: 1996, 74). Portanto, estabelecia-se o dever dos países apenas de não devolver, deixando-se de lado a obrigação de receber refugiados, reforçando-se a lógica da soberania estatal.” [15]

Acerca da questão da soberania estatal relacionada ao recebimento ou não de refugiados pelos Estados, afirma Julia Bertino Moreira que:

“A decisão de receber refugiados se insere na lógica da soberania estatal, que leva em conta inúmeros fatores externos e internos, como considerações de segurança, capacidade sócio-econômica de absorção, tradição humanitária e respeito a regimes internacionais (Meyers, 2000; Hollifield, 2000; Jacobsen, 1996). É importante ressaltar que a política nacional para refugiados possui um duplo caráter, combinando elementos de política externa com política doméstica”  [16]

Quando a Convenção da ONU de 1951 cuida das cláusulas de cessação, dispõe sobre as situações a partir das quais uma pessoa deixa de ser refugiada; tendo como fundamento o princípio segundo o qual a proteção internacional não deve ser mantida quando deixe de ser necessária ou não mais se justifique.

Em conformidade com o artigo 1º, parágrafo 3º, da Convenção da ONU de 1951, o artigo 38 da Lei nº 9.474/97 prevê as cláusulas de cessação da condição de refugiado:

“Art. 38. Cessará a condição de refugiado nas hipóteses em que o estrangeiro:

I – voltar a valer-se da proteção do país de que é nacional;

II – recuperar voluntariamente a nacionalidade outrora perdida;

III – adquirir nova nacionalidade e gozar da proteção do país cuja nacionalidade adquiriu;

IV – estabelecer-se novamente, de maneira voluntária, no país que abandonou ou fora do qual permaneceu por medo de ser perseguido;

V – não puder mais continuar a recusar a proteção do país de que é nacional por terem deixado de existir as circunstâncias em conseqüência das quais foi reconhecido como refugiado;

VI – sendo apátrida, estiver em condições de voltar ao país no qual tinha sua residência habitual, uma vez que tenham deixado de existir as circunstâncias em conseqüência das quais foi reconhecido como refugiado.”

Por medida de cautela estritamente necessária, previamente à aplicação de qualquer das cláusulas de cessação deverá ser verificado no caso concreto se, de fato, o fundado temor de perseguição realmente deixou de existir, pois, nos termos do princípio do non-refoulement, não pode ocorrer à devolução de uma pessoa para um país onde ainda haja risco de perseguição a sua vida ou liberdade.

A Convenção da ONU de 1951 ainda dispõe sobre as cláusulas de exclusão, que geralmente são aferidas por ocasião do processo de concessão da condição de refugiado, muito embora ocorra de referidas cláusulas de exclusão serem após a pessoa já ter sido reconhecida como refugiada, hipótese que dará ensejo à anulação da decisão de concessão do estatuto de refugiado à pessoa. A competência para decidir sobre a aplicação das cláusulas de exclusão é do Estado no qual o interessado procura o reconhecimento de sua condição de refugiado.

Nos termos do artigo 1º, parágrafos 4º, 5º e 6º da Convenção da ONU de 1951, o artigo 3º da Lei nº 9.474 estabelece as situações em que não será conferida a condição de refugiado:

“Art. 3º Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que:

I – já desfrutem de proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição das Nações Unidas que não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR;

II – sejam residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações relacionados com a condição de nacional brasileiro;

III – tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas188; (grifos)

IV – sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.”

Ressalta-se que as cláusulas de cessação e de exclusão estabelecem condições negativas e são taxativas, de modo que, em decorrência de suas nocivas consequências à pessoa então na condição de refugiado, devem ser interpretadas de forma restritiva e em estrita observância às peculiaridades do caso concreto.

A respeito das cláusulas constantes da Convenção da ONU de 1951 relativas aos refugiados, ensina Marjory Figueiredo Nóbrega de França:

A Convenção de 1951 traz três grupos de disposições – cláusulas de inclusão, de exclusão e de cessação –, aos quais o aplicado deve estar atento a fim de reconhecer o status de refugiado.

As cláusulas de inclusão definem os critérios que uma pessoa deve satisfazer para ser refugiado. A cláusula dita de cessação e de exclusão têm um significado negativo: as primeiras indicam as condições em que um refugiado pede a proteção e as segundas enumeram as circunstâncias em que uma pessoa é excluída da aplicação da Convenção de 1951, isto é, impedem o reconhecimento dessa pessoa como refugiado,  mesmo que ela satisfaça aos critérios positivos das cláusulas de inclusão.

Há, ainda, as cláusulas de perda – que são previstas apenas no ordenamento jurídico interno – que também implicam a perda dos direitos inerentes à condição de refugiado[17]

Por oportuno, cumpre observar que o princípio da solidariedade é que acaba por nortear a conduta dos Estados ao decidir por se comprometer, dividir responsabilidades (burden-sharing) e, ainda, partilhar dos custos decorrentes da grave realidade dos refugiados no âmbito internacional, tendo em vista que a concessão do estatuto de refugiado pode certamente gerar encargos elevados a certos países, observada a capacidade econômica de cada um.

Conforme afirma Marjory Figueiredo Nóbrega de França:

“No dizer de Hannah Arendt, a carga deve ser compartilhada entre os povos (burden sharing).”  [18]

Em relação aos instrumentos normativos nacionais e internacionais que asseguram proteção aos refugiados, Miguel Daladier Barros elenca os seguintes:

“INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS

● Constituição Federal (art. 5o, §§ 2o e 3o) e Lei n° 9.474, de 22 de julho de 1997 ("Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências", prevendo, em seu art. Io, incisos 1, II e III, os requisitos para o indivíduo ser reconhecido como refugiado).

● Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).

● Convenção de Genebra Relativa à Proteção de Pessoas Civis em Tempos de Guerra (1949).

● Protocolo Adicional às Convenções de Genebra relativas à Proteção das Vítimas de Conflitos Armados Internacionais, de 1949 e 1977.

● Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados. Ratificada pelo Brasil em 1952, foi aprovada pelo Decreto Legislativo n° 11, de 07.07.60 e, finalmente, promulgada pelo Decreto n° 50.215, de 28.01.61.

● Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (1966).

● Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados (1967).

● Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (1984).

● Convenção sobre os Direitos da Criança (1989).

● Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres (1993).

● Manual de Procedimentos e Critérios para se Deter­minar o Estado de Refugiado de acordo com a Con­venção de 1951 e o Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados, de 1967. [19]

3.2 O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)

Em virtude da importância do tema relacionado aos refugiados, em 1950 foi criada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas uma agência voltada especialmente para a proteção dos refugiados, denominada “ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados”, destinada a proteger e prestar assistência às vítimas de perseguição e violação generalizada dos direitos humanos, e que detém inclusive representação no Brasil e em diversos outros países de todos os continentes.

Cuida-se o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR de um órgão subsidiário, com capacidade de atuar de forma independente no propósito de efetivar a proteção aos refugiados na ordem internacional, ainda que tenha que seguir no exercício de suas atribuições as diretrizes da Assembleia Geral e do Conselho Econômico e Social da ONU.

Sobre o ACNUR, sua criação e propósito atual, assevera Miguel Daladier Barros:

Alto Comissariado das Nações Unidas para os Re­fugiados (ACNUR). Com sede em Genebra, Suíça, a UNHCR (sigla em inglês) foi criada em 1951 para conferir proteção às pessoas (a maioria europeus) assoladas pela Segunda Guerra Mundial. Na atualidade, busca encorajar os governos a adotarem leis e procedimentos mais flexíveis relativamente aos refugiados, além de coordenar a assistência material para essa população e aos repatriados, ou seja, aqueles que têm o pedido de asilo negado.”[20]

Portanto, a sede do ACNUR está localizada em Genebra, na Suíça, e, no sentido de facilitar e tornar efetiva a proteção aos refugiados pelo mundo, foram criados vários escritórios atuam no âmbito regional, como inclusive ocorre em relação ao Brasil.

No Brasil foi ainda criado o “CONARE – Comitê Nacional para os Refugiados”, órgão de deliberação coletiva no âmbito do Ministério da Justiça, a quem compete, em síntese, tratar das questões relacionadas ao direito internacional dos refugiados no território brasileiro. Nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, foram criados comitês estaduais para fomentar a integração local de refugiados nestes estados, havendo ainda o Comitê Municipal para Migrantes e Refugiados de São Paulo, que exerce atividades semelhantes a nível municipal.

Assevera André de Carvalho Ramos que:

“(…) compete ao Conare analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição de refugiado, bem como decidir pela cessação e perda, em primeira instância, ex officio ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado. No caso de decisão negativa, esta deverá ser fundamentada na notificação ao solicitante, cabendo direito de recurso ao Ministro de Estado da Justiça, no prazo de 15 dias, contados do recebimento da notificação. (…) Além da função julgadora (em primeira instância), há uma importante função de orientação e coordenação de todas as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados.” [21]

Nos termos do Estatuto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR, seu trabalho possui caráter humanitário, social e estritamente apolítico, dedicando-se tanto às questões legais e diplomáticas dos refugiados, quanto às questões relativas à assistência material, sendo que as principais funções desempenhadas pelo ACNUR são providenciar proteção internacional para os refugiados e buscar soluções permanentes para essa problemática universal.

Dentre as competências do ACNUR, encontra-se também a de fiscalizar a aplicação da Convenção da ONU de 1951 e do Protocolo de 1967 pelos respectivos países signatários, evitando interpretações restritivas ou aplicações inadequadas que causem prejuízos à proteção internacional dos refugiados.

O ACNUR realiza seu trabalho juntamente com organizações não governamentais, através de acordos de parcerias, e com outros órgãos da ONU que estão direta ou indiretamente envolvidos com a problemática dos refugiados como, por exemplo, a Organização Mundial da Saúde – OMS, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, o Fundo das Nações Unidas para Crianças – UNICEF e o Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente.

Embora o ACNUR tenha sido instituído para atender sobretudo aos interesses dos refugiados, em razão do caráter humanitário de seu trabalho e do aumento do número de pessoas em situação de risco que não se enquadravam no conceito de refugiado apresentado pela Convenção da ONU de 1951 ou pelo Protocolo de 1967 – e que por isso não contavam com qualquer tipo de proteção internacional -, as atribuições originais do ACNUR foram ampliadas e o órgão passou também a atender pessoas que fogem de um conflito ou de acontecimentos que perturbem gravemente a ordem pública, pessoas deslocadas internamente nos países, os apátridas, os migrantes econômicos e ainda os refugiados ambientais.

Por tal motivo, em virtude de a proteção de fato aos refugiados depender do auxílio por parte de um Estado à população de um outro que se encontre desprovida de proteção, o Direito Internacional dos Refugiados tem como fundamento os princípios da cooperação internacional e da solidariedade entre os Estados, que devem o quanto possível auxiliar o ACNUR na realização de suas atribuições e na concretização de sua finalidade precípua de proteção aos refugiados, em observância aos termos da Convenção da ONU de 1951 e do Protocolo de 1967.

3.3 A situação de refugiados atuais no mundo: casos concretos

Segundo dados do ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, encontram-se sob seu mandato cerca de 43 milhões de pessoas, dentre as quais solicitantes de asilo, refugiados, apátridas, deslocados internos e repatriados. Quase metade dos 15 milhões de refugiados sob mandato do ACNUR reside em cidades, sendo que no Brasil encontram-se cerca de 4.500 refugiados de mais de 70 países diferentes, todos vivendo em centros urbanos, aos quais é conferido o direito à documentação e ao acesso às políticas públicas nacionais.

Conforme o Relatório do Alto Comissariado da ONU para Refugiados, de 20 de junho de 2011 (Dia Mundial do Refugiado), existem 43,7 milhões de pessoas deslocadas no mundo inteiro. Desse total, 15,4 milhões são refugiados (10,55 milhões sob mandato do ACNUR e 4,82 milhões registrados pela UNRWA – agência da ONU de assistência a refugiados palestinos); 27,5 milhões são deslocados internos (pessoas que não cruzaram as fronteiras internacionais) e outros 850 mil são solicitantes de refúgio (ainda pendente a análise do reconhecimento do status de refugiado). Segundo consta, a África do Sul foi o maior receptor de solicitações individuais, seguida pelos Estados Unidos (54.300) e pela França (48.100).

Sobre os dados estatísticos, afirma Julia Bertino Moreira:

“Hoje, existem 15,2 milhões de refugiados no mundo, segundo estimativas das agências da Organização das Nações Unidas (ONU) dedicadas ao grupo: o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR); e a United Nations Relief and Works Agency for Palestinians Refugees (UNRWA), que atua especificamente em prol dos refugiados palestinos, na Faixa de Gaza, Cisjordânia, Jordânia, Síria e no Líbano (ACNUR, 2009; UNRWA, 2009).”  [22]

E, sobre a proporção de crianças entre o número de refugiados, afirma Olívia Cerdoura Garjaka Baptista:

“Conforme informação divulgada pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, normalmente mais da metade da população de refugiados é composta por crianças.”  [23]

O que tem se observado é que a persistência dos conflitos armados tem impedido o retorno dos refugiados a seus países de origem e aumentando, por consequência, o tempo de permanência nos países de refúgio. O ACNUR define uma “situação de refúgio prolongada” como aquela em que um grande número de pessoas fica em exílio de seu país de origem por cinco anos ou mais. Em 2010, dos refugiados sob mandato do ACNUR, 7,2 milhões de pessoas (quase 50%) estavam nessa situação (a maior taxa desde 2001); enquanto isso, apenas 197.600 mil pessoas conseguiram voltar para casa (o menor número desde 1990).

Conforme declaração do Alto Comissário da ONU para Refugiados: “O problema de situações prolongadas com refugiados atingiu proporções enormes. De acordo com recentes estatísticas do ACNUR, cerca de seis milhões de pessoas (excluindo o caso especial de mais de quatro milhões de refugiados palestinos) estão agora vivendo no exílio por cinco anos ou mais. Mais de 30 situações [do tipo] ocorrem em todo o mundo, a grande maioria delas em países da Ásia e da África, que estão se esforçando para atender às necessidades de seus próprios cidadãos” (http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-os-refugiados/).

Segundo dados do ACNUR, ao final de 2010 os países que mais acolheram refugiados foram: o Paquistão (abrigava a maior população de refugiados no mundo – 1,9 milhão), seguido do Irã (1,1 milhão) e da Síria (1 milhão – estimativas do governo). Por outro lado, os países que mais geraram refugiados foram o Afeganistão (representa 30% do número total de refugiados no mundo e estão localizados em 75 países diferentes) e o Iraque (segundo maior grupo de refugiados, com 17 milhões de pessoas).

Dentre as situações recentes que geraram grande número de refugiados cita-se o deslocamento forçado de pessoas como consequência das quedas das ditaduras árabes na Tunísia, Egito, Iêmen e Líbia e a guerra civil que se desencadeou na Costa do Marfim em razão do não reconhecimento do resultado das eleições presidenciais gerando, como consequência, mais de 500 mil refugiados que buscaram proteção em diversos países da África Ocidental. Destacam-se ainda os conflitos internos no Paquistão, resultado do enfrentamento do Talibã com o governo e o exército, e na Somália que, somados aos desastres naturais cada vez mais acentuados nessas regiões, tornam a situação dos seus habitantes ainda mais dramática e emergencial.

A constante instabilidade no continente africano e asiático e as diversas formas de perseguição à população civil que vem se desenvolvendo nos países da América Latina tem contribuído para o aumento gradativo do número de refugiados pelo mundo e impedem que se alcance uma redução no número de indivíduos que necessitam da proteção do refúgio.

Casos recentes que ainda têm gerado o aumento considerável de refugiados em âmbito internacional são os conflitos políticos e civis que vêm ocorrendo na Síria e na Ucrânia, com o deslocamento de número considerável de civis para territórios de países vizinhos que têm tido que administrar o acolhimento de famílias que são destituídas de suas casas e culturas para terem que dar início a uma fase diversa e conflituosa de suas vidas.

Na América Latina tem se verificado sérios problemas de movimentação de refugiados, sobretudo em decorrência do surgimento de novas modalidades de violência e de perseguição à população civil, como é o caso do narcotráfico, dos grupos paramilitares e guerrilhas, sobretudo no México e na Colômbia.

A exemplo, faz-se importante mencionar a situação do Haiti que, no início de 2010, ficou destruído em razão de um terremoto, desastre que deixou milhares de pessoas deslocadas internamente e outras milhares tiveram que sair do Haiti na busca de sobrevivência em outros países. Por conseguinte, os países da América Latina para onde os haitianos se dirigiram na busca de proteção viram-se diante de um novo desafio, uma vez que, embora os haitianos não pudessem ser reconhecidos como refugiados nos termos da Convenção de 1951 – que não abrange no âmbito da sua proteção as vítimas de desastres ambientais -, a situação extremamente difícil vivenciada por esses indivíduos passou a exigir uma resposta humanitária por parte dos países de acolhida, inclusive do Brasil.

Segundo dados do Comitê Nacional de Refugiados – CONARE, o Brasil conta com um total de 4.401 refugiados de 77 nacionalidades diferentes, sendo que todos os refugiados acolhidos no Brasil vivem em centros urbanos, não existindo no país a figura dos campos de refugiados.

Sobre o número de refugiados que vivem no Brasil, relata Julia Bertino Moreira:

“Hoje, segundo estatística do CONARE, 4.131 refugiados de 72 nacionalidades vivem no Brasil, dos quais 3.745 são “espontâneos”, que chegam ao país por si só, frequentemente através de redes sociais, e 386 reassentados, oriundos de outros países de primeiro asilo, pelos programas de reassentamento, coordenados pelo CONARE com o apoio do ACNUR e outras organizações da sociedade civil. O maior grupo acolhido é de angolanos (1.687); em seguida, aparecem os colombianos (551) e congoleses (356) (CONARE, 2009).” [24]

Faz oportuna a passagem de Carolina Moulin sobre os refugiados espontâneos:

“Refugiados espontâneos são, como o próprio termo indica, aqueles que chegam aos portos de entrada e solicitam, por conta própria, refúgio às autoridades competentes. Normalmente, embora certamente haja exceções, os refugiados espontâneos no Brasil chegam por portos, aeroportos e rodovias e encontram pela primeira vez o aparato protetivo humanitário. Muitos permanecem no país por período determinado em situação irregular e só procuram a proteção após obte­rem referências das instituições de assistência locais ou por meio de contatos com comunidades diaspóricas (de migrantes e refugiados)”  [25]

Sobre as solicitações de refúgio no Brasil, afirma André de Carvalho Ramos:

“É digno de nota o expressivo número de indeferimentos de solicitações de refúgio no Brasil. A estatística demonstra que, entre 1998 e 2006, houve 2.094 indeferimentos pelo Conare (o recurso ao Ministro da Justiça apresenta cifras insignificantes de provimento: apenas quatro recursos foram providos neste mesmo período), o que é muito, pois existem hoje no Brasil um pouco mais de três mil refugiados. (…)O Brasil hoje acolhe mais de três mil refugiados do mundo, uma pequena gota dos milhões existentes, de acordo com os dados do Acnur, tendo o Conare já indeferido mais de duas mil solicitações. Há mais de 70 nacionalidades entre os acolhidos no Brasil e o desafio da inclusão desses estrangeiros em situação de risco continua.” [26]

E, a respeito do atendimento prestado aos refugiados no Brasil, na prática, afirma Marjory Figueiredo Nóbrega de França:

No Brasil, o atendimento aos refugiados prevê três ações: proteção, sob a responsabilidade do governo brasileiro, a quem incumbe o fornecimento de documentos de identificação e de trabalho; assistência – promovida pela Cáritas – entidade mantida pela Igreja Católica e que trabalha em conjunto com o Acnur; e integração social, através de parcerias com entidades privadas, como Senac, Senai, Sesc e Sesi.

Quando chegam aqui, enquanto esperam pela decisão do reconhecimento do status de refugiado, recebem ajuda em abrigos, tais como os da Cáritas Arquidiocesana – sita em diferentes Estados do País (v.g. TJ/SP). E, quando reconhecidos pelo governo brasileiro, têm acesso a aulas de português e cursos de profissionalização, como o de informática, por meio de acordos firmados com as entidades retrocitadas.

Tais esforços conjuntos visam à integração dos refugiados no território brasileiro [27]

Conforme o Relatório Tendências Globais 2010, um problema que tem ocorrido na questão da proteção internacional dos refugiados que é o grande desequilíbrio no apoio internacional às pessoas que foram forçadas a se deslocar. Isto porque, segundo consta, 80% dos refugiados do mundo foram acolhidos por países em desenvolvimento, ao passo em que tem aumentado o sentimento anti-refugiado em muitos dos países industrializados. Nos termos do relatório, os 49 países menos desenvolvidos concederam refúgio para quase dois milhões de refugiados.

Assim, referido relatório aponta que muitos dos países mais pobres do mundo abrigam grandes números de refugiados, seja em termos absolutos ou em relação ao tamanho de suas economias.

Tal fato se deve a uma transformação ocorrida na ordem mundial diante de acontecimentos como os atentados terroristas de 11 de setembro, em Nova Iorque, e também em virtude das recentes crises ocorridas na economia mundial, que provoca um aumento de medidas antiterroristas tais como maior restrição de acesso nas fronteiras sob o enfoque da segurança nacional e a adoção de políticas contra migrações em muitos dos países desenvolvidos.

Não obstante tais fatos negativos relacionados ao 11 de setembro, sobre o reflexo de tal acontecimento no cenário brasileiro da proteção dos refugiados afirma Julia Bertino Moreira:

“O contexto internacional pós-11 de Setembro impulsionou a concretização do programa brasileiro de reassentamento [de refugiados]. No discurso pronunciado na ONU em 2001, o presidente Fernando Henrique Cardoso declarou o seguinte: “o Brasil espera que, apesar de todas as circunstâncias, não se vejam frustradas as ações de ajuda humanitária ao povo do Afeganistão. Mais ainda: dentro de nossas possibilidades, estamos dispostos a abrigar refugiados que queiram integrar-se ao nosso país. (…) O tema dos refugiados, como já afirmado, tornou-se política governamental na administração de FHC e o governo Lula continuou investindo esforços nesse sentido. Da mesma forma, a política de reassentamento não só foi mantida, como incrementada, com ênfase no âmbito regional.” (Corrêa, 2007, p. 682).” [28]

E acrescenta Julia Bertino Moreira que:

“Os fluxos atuais, desencadeados por conflitos que se destacam no cenário internacional, assumem uma dinâmica que se direciona claramente no sentido Sul- Sul, com 80% da população refugiada concentrada no mundo ein desenvolvimento. Dentre os países de onde mais se originam refugiados, lideram a Palestina (4,7 milhões), o Afeganistão (2,8 milhões) e o Iraque (1,9 milhão). Por sua vez, os maiores países acolhedores são: Paquistão (1,8 milhão), Síria (1,1 milhão), Irã (980 mil), Alemanha (582 mil) e Jordânia (500 mil). Apenas dois países desenvolvidos (além da Alemanha, o Reino Unido, com 292 mil) despontam entre os que mais recebem refugiados. Na América Latina, a Colômbia se destaca, com mais de 3 milhões de pessoas deslocadas (ACNUR, 2009; UNRWA, 2009).” [29]

Nesse sentido, a colaboração dos Estados e da sociedade civil é imprescindível para que a proteção aos refugiados prevista em tratados internacionais se torne efetiva, visto que, não obstante a responsabilidade pela proteção internacional dos refugiados seja de competência do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR, tal órgão não possui um território próprio onde seja possível proteger os refugiados, que dependem do seu acolhimento nos territórios dos respectivos Estados.

CONCLUSÃO

Verifica-se que questão dos refugiados não é atual, a humanidade tem contemplado esse problema desde tempos remotos, conquanto a comunidade internacional só tenha começado a dispensar atenção jurídica e institucional às suas vítimas a partir do século XX.

A partir da década de 50, com a Convenção de 1951 e, posteriormente, com o Protocolo de 1967, houve esforços internacionais a fim de construir um estatuto geral dos refugiados para propiciar-lhes garantias e direitos, bem como universalizar os critérios definidores de seu status.

Ao depois, novas circunstâncias de caráter regional, como na África, bem como na América Latina, demandaram a elaboração de instrumentos regionais que complementassem os critérios clássicos da convenção e abrangessem outros refugiados, que não apenas os europeus.

O Brasil, celebrando esse avanço em matéria de direitos humanos e recebendo elogios da comunidade internacional, em especial do Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados – ACNUR , em 1997 implementou a Convenção de 1951 através da promulgação da Lei Nacional para os Refugiados – Lei nº 9.474/1997. Ademais, foi criada todo uma estrutura dentro da Administração Pública Federal, como o CONARE – órgão regional do ACNUR no Brasil, responsável pela elegibilidade dos casos.

A Lei nº 9.474/1997 é considerada uma das mais avançadas da matéria no mundo, trazendo uma definição ampliada do conceito de refugiados que, aos requisitos clássicos de perseguição por motivos religiosos, étnicos  e/ou políticos, alia a idéia da “grave e generalizada violência aos direitos humanos”, que abarca um número bem maior de solicitantes de refúgio.

A aceitação de um refugiado em território nacional, então, além de critérios objetivos, se encontra num âmbito de discricionariedade do Estado. O receptor do refugiado, em potencial, não está obrigado a mantê-lo em território nacional, mas – segundo o princípio do non-refoulement – tão-somente resguardá-lo de uma devolução a um país onde sua vida, segurança ou liberdade esteja sofrendo risco de ser maculada, por aquelas razões consignadas na convenção, eventualmente, combinadas a novos motivos (que ensejem refúgio) postos nos instrumentos regionais a que o Estado está vinculado.

Trata-se o princípio non refoulement, segundo Cançado Trindade, da “coluna vertebral do direito dos refugiados”. Princípio esse considerado e respeitado, de modo geral, por toda a comunidade internacional, inclusive por Estados não obrigados pelos instrumentos internacionais dos refugiados, por ser entendido como de jus cogens.

Cumpre ressaltar que o pedido de refúgio já é conseqüência direta da não-observância dos direitos humanos por algum Estado. E que, em vista a essa situação desfavorável do refugiado, ele merece tratamento especial a fim de ter restaurado sua cidadania. Cidadania não limitada a uma extensão territorial, mas numa idéia ideal de cidadão do mundo, ou seja, merecedor de respeito à sua dignidade humana.

Miguel Daladier Barros faz referência a interessante menção sobre o tema dos refugiados e seu significado pelo então Papa João Paulo II:

“’Refugiado: chaga vergonhosa de nossa época’ (João Paulo II)”[30]

Ocorre que, apesar de existir um considerável esforço internacional para se garantir uma proteção ampla aos refugiados, muito ainda precisa ser feito para que essa proteção ocorra de maneira efetiva, sobretudo no tocante ao respeito do direito de solicitação de refúgio e do direito de não-devolução (princípio do non-refoulement), e também em relação à integração local e assistência aos refugiados, à garantia de acesso às políticas públicas de saúde, educação, trabalho e moradia existentes para os nacionais e ao estabelecimento de políticas públicas específicas para atender as necessidades especiais dos refugiados.

 

Referências
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Sítio eletrônico oficial do Conselho da Justiça Federal: http://www.cjf.jus.br
Notas:
[1] BARROS, Miguel Daladier. O drama dos refugiados ambientais no mundo globalizado. In Revista Consulex – Ano XIV – Número 317 – Março de 2010, p. 12.
[2] BAPTISTA, Olívia Cerdoura Garjaka. A proteção internacional das crianças refugiadas. In Revista de Direito Educacional – Ano 2 – Vol 4 – Jul.-dez. – 2011. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2011, p. 177.
[3] MOREIRA, Julia Bertino. Redemocratização e direitos humanos: a política para refugiados no Brasil. In Revista Brasileira de Política Internacional – Ano 53 – nº 1 – 2010, p. 118-119.
[4] BARROS, Miguel Daladier. O drama dos refugiados ambientais no mundo globalizado. In Revista Consulex – Ano XIV – Número 317 – Março de 2010, p. 12.
[5] Op. Cit., p. 12.
[6] FRANÇA, Marjory Figueiredo Nóbrega de França. Declaração do Estatuto de Refugiado no Brasil. In Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região , Brasília, v. 15, n. 12, dez. 2003.
[7] RAMOS, André de Carvalho. O principio do non-refoulement no direito dos refugiados: do ingresso à extradição. In Revista dos Tribunais. Ano 99. Volume 892. Fevereiro 2010, p. 349-350.
[8] PELLANDA, Patrícia Santos Précoma. Os refugiados ambientais e a responsabilidade dos Estado acolhedor: o caso dos haitianos no Brasil. In Revista Internacional de Direito Ambiental – Vol. I – nº 03 – setembro-dezembro de 2012, p. 256-257.
[9] MOREIRA, Julia Bertino. Redemocratização e direitos humanos: a política para refugiados no Brasil. In Revista Brasileira de Política Internacional – Ano 53 – nº 1 – 2010, p. 122.
[10] MOREIRA, Julia Bertino. Redemocratização e direitos humanos: a política para refugiados no Brasil. In Revista Brasileira de Política Internacional – Ano 53 – nº 1 – 2010, p. 12.
[11] BAPTISTA, Olívia Cerdoura Garjaka. A proteção internacional das crianças refugiadas. In Revista de Direito Educacional – Ano 2 – Vol 4 – Jul.-dez. – 2011. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2011, p. 177.
[12] RAMOS, André de Carvalho. O principio do non-refoulement no direito dos refugiados: do ingresso à extradição. In Revista dos Tribunais. Ano 99. Volume 892. Fevereiro 2010, p. 350.
[13] MOREIRA, Julia Bertino. Redemocratização e direitos humanos: a política para refugiados no Brasil. In Revista Brasileira de Política Internacional – Ano 53 – nº 1 – 2010, p. 113.
[14] RAMOS, André de Carvalho. O principio do non-refoulement no direito dos refugiados: do ingresso à extradição. In Revista dos Tribunais. Ano 99. Volume 892. Fevereiro 2010, p. 355.
[15] MOREIRA, Julia Bertino. Redemocratização e direitos humanos: a política para refugiados no Brasil. In Revista Brasileira de Política Internacional – Ano 53 – nº 1 – 2010, p. 113.
[16] Op. cit., p. 112.
[17] FRANÇA, Marjory Figueiredo Nóbrega de França. Declaração do Estatuto de Refugiado no Brasil. In Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região , Brasília, v. 15, n. 12, dez. 2003.
[18] Op. cit..
[19] BARROS, Miguel Daladier. O drama dos refugiados ambientais no mundo globalizado. In Revista Consulex – Ano XIV – Número 317 – Março de 2010, p. 13-14.
[20] BARROS, Miguel Daladier. O drama dos refugiados ambientais no mundo globalizado. In Revista Consulex – Ano XIV – Número 317 – Março de 2010, p. 12.
[21] RAMOS, André de Carvalho. O principio do non-refoulement no direito dos refugiados: do ingresso à extradição. In Revista dos Tribunais. Ano 99. Volume 892. Fevereiro 2010, p. 354.
[22] MOREIRA, Julia Bertino. Redemocratização e direitos humanos: a política para refugiados no Brasil. In Revista Brasileira de Política Internacional – Ano 53 – nº 1 – 2010., p. 111.
[23] BAPTISTA, Olívia Cerdoura Garjaka. A proteção internacional das crianças refugiadas. In Revista de Direito Educacional – Ano 2 – Vol 4 – Jul.-dez. – 2011. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2011, p. 173.
[24] MOREIRA, Julia Bertino. Redemocratização e direitos humanos: a política para refugiados no Brasil. In Revista Brasileira de Política Internacional – Ano 53 – nº 1 – 2010, p. 123.
[25] MOULIN, Carolina. Os direitos humanos dos humanos sem direitos: refugiados e a política do protesto. In Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol 26 – Número 76 – Junho 2011, p. 154.
[26] RAMOS, André de Carvalho. O principio do non-refoulement no direito dos refugiados: do ingresso à extradição. In Revista dos Tribunais. Ano 99. Volume 892. Fevereiro 2010, p. 362 e 374.
[27] FRANÇA, Marjory Figueiredo Nóbrega de França. Declaração do Estatuto de Refugiado no Brasil. In Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região , Brasília, v. 15, n. 12, dez. 2003.
[28] MOREIRA, Julia Bertino. Redemocratização e direitos humanos: a política para refugiados no Brasil. In Revista Brasileira de Política Internacional – Ano 53 – nº 1 – 2010, p. 120-121.
[29] Op. cit., p. 111.
[30] BARROS, Miguel Daladier. O drama dos refugiados ambientais no mundo globalizado. In Revista Consulex – Ano XIV – Número 317 – Março de 2010, p .13.

Informações Sobre o Autor

Gustavo Catunda Mendes

Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP especialista em Direito Empresarial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL e Juiz Federal no Estado de São Paulo


Equipe Âmbito Jurídico

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