A tutela jurisdicional do direito a alimentos gravídicos: Análise às técnicas processuais diferenciadas instituídas pela Lei n.º 11.804/08

Resumo: O presente trabalho se presta ao exame das particularidades da Lei n.º 11.804/2008, que regulou o direito a alimentos devidos à gestante e ao próprio nascituro, bem assim disciplinou a forma pela qual a tutela deste mesmo direito se efetivará.


Abstract: The present work relates to the particularly exam Law nº 11.804/2008, what regulate the right to appropriate food supply to pregnant women and their newborn babes, this discipline is the way which this tutorship right will take effect.


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Sumário: 1. Introdução. 2. A pertinência do tema tutela dos direitos no âmbito do direito processual civil. 3. A tutela jurisdicional e a tutela jurisdicional dos direitos. 4. Técnicas processuais e a tutela jurisdicional de direitos. 5. O direito material a alimentos e as suas necessidades. 6. Técnicas processuais e a tutela jurisdicional de direitos a alimentos. 7. A Lei n.º 11.804/08 e as técnicas processuais diferenciadas à tutela de direitos a alimentos gravídicos. 7.1. Considerações iniciais. 7.2. O conceito e a extensão dos alimentos gravídicos. 7.3. A especial situação do nascituro. 7.4. Visão geral do procedimento instituído pela Lei n.º 11.804/2008. 7.5. A legitimidade ativa e passiva. 7.6. A competência. 7.7. A cognição. 7.8. A tutela antecipada. 7.9. A coisa julgada e seus limites. 7.9.1. Considerações iniciais. 7.9.2. Os limites objetivos da coisa julgada. 7.9.3. Os limites subjetivos da coisa julgada. 7.10. Apontamentos finais. 8. Conclusões.


1. Introdução


Pretende-se neste ensaio enfrentar questões essenciais atinentes às técnicas processuais diferenciadas (lato sensu), instituídas com a publicação da Lei n.º 11.804/2008, que disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma de sua tutela jurisdicional.


É o que se propõe.[1]


2. A pertinência do tema tutela dos direitos no âmbito do direito processual civil


Conquanto a tutela dos direitos não seja exclusividade da jurisdição,[2] representa seu principal escopo. E se assim é, sentido nenhum há em se trabalhar o direito processual civil alheio às necessidades do direito material, às especificidades do caso concreto e à realidade da vida, numa busca estéril e ilimitada pela neutralidade da ciência processual.


Foi realmente importante a empreitada assumida pela escola processual italiana do início do século XX, sobretudo porque reconstruiu o processo sob bases publicistas, consoante leciona Luiz Guilherme Marinoni. Contudo, ali teve início a história que permitiu ao processo afastar-se perigosamente dos seus compromissos com o direito material.[3] Afinal, trabalhava-se com a ilusão de que o processo poderia ser neutro em relação ao direito material e à realidade da vida, uma lógica fria que alienava as formas processuais do seu próprio fim. Nas palavras do mestre paranaense, “houve uma lamentável confusão entre autonomia científica, instrumentalidade e neutralidade do processo em relação ao direito material.”[4]


Contudo, diante da conscientização de que o direito processual possui finalidades que lhe são exteriores, percebeu-se que as formas processuais devem ajustar-se ao direito material com o qual operam.[5] A ciência processual civil deve ser pensada, construída e apreendida sempre à luz do direito material e em função dele, sendo inúteis as construções processuais que não proporcionem real contribuição para o objeto mesmo do processo – prega-se o comprometimento com os resultados do processo mediante a necessária compatibilização entre a técnica processual e o seu escopo.[6]


Trabalhar a tutela dos direitos no âmbito jurisdicional é, enfim, atentar-se à intimidade entre o direito material e o direito processual.[7] É encarar que a ciência processual civil deve ser elaborada e compreendida sempre à luz do direito material e em função dele. É, afinal, admitir uma sadia contaminação da ciência processual com elementos oriundos do direito material. É aceitar que o direito processual civil não é neutro, mas antes impuro e necessariamente corrompido pelo direito material.


3. A tutela jurisdicional e a tutela jurisdicional dos direitos


Pensar em tutela de direitos é referir-se automaticamente a alguma atividade (pública ou particular) e a técnicas voltadas à proteção ou satisfação de direitos. Isso não quer significar, contudo, que a atividade e as técnicas sejam propriamente a tutela de direitos, não obstante condutos indispensáveis à sua consecução. Logo, sempre que um direito (material) é protegido, é amparado ou salvaguardado, é efetivado ou usufruído, não importando em que plano (legislativo, administrativo, jurisdicional ou privado), ou mediante quais técnicas, é legítimo afirmar que houve tutela de direito.


Ao direito processual civil, interessa, mais especialmente, a tutela jurisdicional do direito e os meios predispostos à sua obtenção. Interessa ao estudioso da ciência processual e ao operador do processo, a tutela do direito decorrente da atividade jurisdicional, vale dizer, o resultado prático da jurisdição e as técnicas processuais utilizadas a sua concretização.[8]


Tenha-se em mente que é a pretensão a uma tutela jurisdicional de direito – a vontade de conquistar, de usufruir, de sentir esse mesmo direito – que instiga a ignição da máquina judiciária pelo demandante. Quando se pensa no pedido, um dos requisitos essenciais à valia da petição inicial (CPC, art. 282, IV), estar-se-á a refletir também na própria tutela jurisdicional do direito, pois ela o integra – é o que a doutrina chama de pedido mediato, isto é, o bem da vida que se pretende ver tutelado com instigação da atividade jurisdicional. Numa realidade oposta, é a pretensão de obter uma tutela jurisdicional reversa (declaratória negativa) – nesse caso apenas tutela jurisdicional e não tutela jurisdicional “de direito” – que igualmente estimula àquele, em face de quem foi instaurada a demanda (demandado), a se defender em juízo e dele intentar resposta que o beneficie.[9]


Mas a importância de a ciência processual se dedicar ao estudo das tutelas jurisdicionais vai além. Ora, se a tutela jurisdicional revela o resultado que se almeja por intermédio da atividade jurisdicional no plano do direito material, pensá-la, nesta perspectiva, é comprometer-se com o escopo mais importante da jurisdição, e assim pensar o direito processual civil na perspectiva das necessidades do próprio direito material.[10] É fundamental a consciência de que, por trás da tutela, há sempre um direito, e é com base nas peculiaridades deste último que aquela deve ser prestada.[11]


4. Técnicas processuais e a tutela jurisdicional de direitos


A tutela jurisdicional de direito há de ser compreendida à luz do direito material. Afinal, indica esse mesmo direito material em exercício, vale dizer, é a concretização da pretensão mediata postulada através do processo. Quando se afirma, destarte, que a tutela jurisdicional de direito foi entregue pelo Estado-juiz, quer-se com isso dizer que o demandante percebeu (sentiu, usufruiu, auferiu) a resposta da atividade jurisdicional ao seu pedido. Tutela jurisdicional de direito é sinônimo de satisfação, de entrega do bem da vida perseguido àquele que o postulou via judicial.


Mas os direitos são tutelados pelo Estado-juiz mediante técnicas processuais (lato sensu) as mais diversas, criadas e, muitas vezes, adaptáveis segundo as necessidades do direito material e as particularidades do caso concreto. A elaboração e a compreensão dessas técnicas processuais, enfim, levam em conta essencialmente as necessidades dos diversos direitos materiais às quais elas mesmas se prestam a efetivar.


Não há, por outro lado, que se confundir decisões interlocutórias, sentenças ou acórdãos com a própria tutela jurisdicional de direito.[12] Não se traduz a sentença (e nem as decisões interlocutórias e acórdãos) em tutela de direito, mas em técnica processual destinada a colaborar com a tutela do direito. Às vezes, é bem verdade, a tutela jurisdicional do direito intrinca-se – mas não se confunde – com a técnica processual que medeia seu trânsito do plano processual à realidade da vida. Outras, contudo, a técnica processual se apresenta absolutamente distinta à tutela jurisdicional de direito, uma vez que apenas certifica o direito e autoriza a realização de atos práticos à sua real concretização.[13]


Ressalte-se, nesse turno, que as técnicas processuais são inúmeras e não se restringem às decisões judiciais (lato sensu). Na medida em que são predisposições ordenadas de meios destinados à obtenção de certos resultados preestabelecidos,[14] abarcam todas as formas elaboradas pelo legislador com o propósito de efetivar a tutela de direitos na seara jurisdicional.[15] Por isso o rol que identifica as técnicas processuais engrossa-se demasiadamente, conforme, aliás, demonstra José Roberto dos Santos Bedaque:


“Nesta linha, as especificidades procedimentais constituem aspecto da técnica, pois se pretende que o processo se desenvolva de forma a permitir a adequada solução da controvérsia. Como esta também apresenta peculiaridades, deve haver compatibilidade entre meio e objeto. (…) também são opções relacionadas com a técnica processual a predominância da palavra oral sobre a escrita (oralidade), a maior ou menor profundidade da cognição, a restrição ou ampliação da iniciativa probatória do juiz, a liberdade ou legalidade das formas, a fungibilidade de meios, o regime da preclusão, a recorribilidade ou não das decisões, a regulamentação dos requisitos de admissibilidade do julgamento do mérito.”[16]


Em conclusão, as técnicas processuais traduzem-se, assim, em meios variados através dos quais o fim da jurisdição (tutela de direitos) é alcançado.[17] Não têm valor em si mesmas, pois sua elaboração e compreensão apenas se mostram aceitáveis se consideradas as necessidades do direito material[18]e as especificidades do caso concreto.[19] Por serem instrumentos, não devem se constituir em empecilhos à consecução do resultado perseguido pela atividade jurisdicional, como se a técnica se legitimasse mesmo alienada ao objeto para o qual serve e se justifica. A tutela jurisdicional e as técnicas processuais destinadas à sua concretização representam, enfim, os pontos de confluência entre os dois planos (processual e material) do ordenamento jurídico.[20]


5. O direito material a alimentos e as suas necessidades


Alimentos correspondem a tudo aquilo indispensável à conservação das necessidades vitais e à manutenção da dignidade daquele que, sozinho, é incapaz de fazê-lo – os motivos são diversos: incapacidade, idade avançada, desemprego, enfermidade, necessidade financeira. Especificamente, equivalem a prestações, em dinheiro ou in natura, destinadas à garantia de uma vida digna, às quais, além do sustento, se prestam igualmente a suprir necessidades elementares à própria qualidade de vida do ser humano. Dentre outras, são despesas alimentares as vinculadas ao vestuário, à habitação, à educação, ao lazer, à cultura e à saúde.


Para facilitar a sua compreensão, a doutrina os divide em naturais e civis. Os primeiros, também denominados necessários, prestam-se a prover as necessidades básicas do alimentando; os últimos, por sua vez, também chamados côngruos, destinam-se a manter, dentro de determinados padrões, sua qualidade de vida, até mesmo igualá-la ao patamar que se reputa desejável à recuperação e à conservação de seu status social.[21]


Pela sua importância, os alimentos encontram-se inseridos num contexto constitucional. Afinal, é a Constituição que impõe ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CF/88, art. 227).[22] Não bastasse, é inegável o vínculo entre os alimentos e alguns dos fundamentos e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, vale dizer, a dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1.º) e a construção de uma sociedade solidária (CF/88, art. 3.º, I).[23]


Mais importante para atingir os objetivos que se pretende neste ensaio, entretanto, é identificar as necessidades do direito material a alimentos. Afinal, é pressuposto lógico perquirir sobre essas necessidades para, só em seguida, averiguar se determinada técnica processual (lato sensu) se apresenta a elas afinada.[24] Há, enfim, que se desvelar o porquê de técnicas processuais diferenciadas[25] na busca da efetivação do direito a alimentos.


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Sublinhe-se, de início, que o crédito alimentar realmente recebe do ordenamento jurídico tratamento especial. E assim ocorre justamente em razão da sua finalidade, cuja essência é compreendida por uma de suas características essenciais: a imprescindibilidade dos alimentos.[26] A ratio desta proteção especial reconhecida a esse direito repousa, afinal, na própria finalidade do crédito alimentar: a garantia da subsistência e a manutenção da vida do alimentando.[27] O direito a alimentos é exigência que, no mais das vezes, “se impõe como decorrência do próprio direito fundamental à vida, pois traz em si o fornecimento daquilo que é essencial para a subsistência de determinada pessoa.”[28]


E a própria Constituição dá notícia desta especialidade conferida ao crédito alimentar, pois o excepciona da obediência à ordem cronológica de apresentação dos precatórios, quando devedora a Fazenda Pública, priorizando a satisfação dos alimentos em face de crédito de natureza diversa (CF/88, art. 100).[29] No âmbito processual infraconstitucional, por sua vez, faculta-se ao alimentando a utilização de meios executivos bastante enérgicos – a ameaça de prisão, por exemplo –, sempre em prol da célere e efetiva tutela da qual depende a sua subsistência.


É, portanto, a finalidade do crédito alimentar, motivada, sobretudo, por sua imprescindibilidade, que avaliza, em especial, a criação de técnicas processuais diferenciadas, destinadas à sua tutela de maneira rápida e eficaz,[30] ainda que eventualmente em sacrifício da segurança jurídica e de direitos patrimoniais do alimentante.[31] Também o direito fundamental à igualdade justifica a construção dessas técnicas processuais diferenciadas em prol da efetividade dos alimentos, afinal, naquilo que diz respeito à vida, apesar de ambos, alimentante e alimentando, terem direito a ela, é óbvia a fragilidade do último neste particular. Acaso a tutela de direito a alimentos não se concretize da forma que se espera e como haveria de ser natural, a alternativa é a instigação do Estado-juiz para dele postular a satisfação pretendida. Configuraria imperdoável inconstitucionalidade por omissão a ausência de técnicas processuais diferenciadas asseguradoras de uma tutela jurisdicional do direito a alimentos segundo os valores celeridade e efetividade.[32]


6. Técnicas processuais e a tutela jurisdicional de direitos a alimentos


As principais necessidades a serem consideradas pelo legislador em termos de tutela de direito a alimentos situam-se nos ideais de celeridade e efetividade. Afinal, estar-se-á tratando de um direito cuja finalidade é a garantia da subsistência e a conservação da própria vida do alimentando. Noutras palavras, a sobrevivência do credor e o atendimento de suas demais necessidades básicas dependem do adimplemento pontual a ser realizado pelo alimentante. A celeridade e a efetividade na prestação do direito alimentar, enfim, traduz-se em condição indispensável à vida digna e sadia do alimentando.[33]Até intuitiva, portanto, a imprescindibilidade de o legislador elaborar procedimentos e técnicas processuais (stricto sensu) diferenciados, que se mostrem ajustados a tutelar o direito a alimentos urgentemente, em prol da satisfação dos anseios humanos mais elementares.[34]


E no que diz respeito ao tema “alimentos”, a legislação processual é realmente pródiga em procedimentos e técnicas processuais (stricto sensu) diferenciados, elaborados sobretudo com vistas às necessidades do direito material alimentar.


A Lei n.º 5.478/68, de início, criou um rito especial para se postular tutela jurisdicional a alimentos, cujas particularidades são as mais diversas. Também o Código de Processo Civil prevê um pseudoprocedimento cautelar para a satisfação alimentar em circunstâncias específicas (CPC, art. 852 e segs.),[35] além de estabelecer rito especial para a execução de prestação alimentícia, mais contundente e agressivo se comparado àqueles voltados à satisfação de créditos comuns. Mais recentemente, adveio Lei n.º 11.804/2008, a qual disciplina o direito a alimentos gravídicos, regulando um procedimento próprio para a sua salvaguarda. Não se olvide, ademais, a possibilidade de se cobrar alimentos através do rito ordinário, também disciplinado pelo CPC e hoje perfeitamente acomodado aos valores efetividade e celeridade, haja vista a instituição de dispositivo expresso no CPC prevendo a utilização generalizada da tutela antecipada (CPC, art. 273).[36]


São inúmeras, ademais, as técnicas processuais (stricto sensu) inerentes a esses procedimentos, construídas tendo por base justamente as já aludidas necessidades do direito material a alimentos: a sumariedade da cognição, a concentração de atos processuais, o segredo de justiça (CPC, art. 155, II), a possibilidade de concessão liminar de alimentos (tutela antecipada), o processamento durante as férias (CPC, art. 174, II), a dispensa de caução na execução provisória (CPC, art. 475-O, §2.º, I), a competência favorável ao alimentando (CPC, art. 100, II), a fixação dos alimentos com base no salário mínimo (CPC, art. 475-Q, §4.º), a dispensa de produção de prova documental em alguns casos (Lei n.º 5.869/68, art. 2.º, §2.º, I e II), o desconto em folha de pagamento (CPC, art. 734), cobrança mediante alugueres de prédios ou de quaisquer outros rendimentos do devedor (Lei n.º 5.869/68, art. 17); a possibilidade de penhora (e arresto) de bens absolutamente impenhoráveis (CPC, art. 649, §2.º), a possibilidade de penhora (e arresto) de bem de família do devedor, a constituição de capital (CPC, art. 475), o recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo (CPC, art. 520, II), a ameaça de prisão.


7. A Lei n.º 11.804/08 e as técnicas processuais diferenciadas à tutela de direitos a alimentos gravídicos


7.1. Considerações iniciais


Publicada e em vigor desde 06/11/2008, a Lei n.º 11.804/2008 disciplina o direito a alimentos gravídicos e institui procedimento e técnicas processuais (strico sensu) diferenciados, tudo no propósito de conferir proteção à mulher grávida e ao nascituro.


Por meio dela, busca-se, afinal, regular o direito material a alimentos gravídicos e a forma pela qual a sua tutela deve se materializar. Apesar de sintética – é composta por apenas seis artigos –, é inegável que incita uma série respeitável de questões de ordem material e processual.[37] A seguir, apontar-se-ão algumas delas, bem assim respostas que se acredita mais acertadas a elucidá-las


7.2. O conceito e a extensão dos alimentos gravídicos


A expressão “alimentos gravídicos” indica prestações devidas à gestante e àquele que é gestado, indispensáveis à conservação de suas necessidades vitais. Sem embargo de o art. 1.º da Lei n.º 11.804/2008 afirmar que o seu propósito é disciplinar “o direito de alimentos da mulher gestante”, não há como negar que rege igualmente o direito de alimentos da pessoa concebida e cujo nascimento se espera,[38] isto é, aquele que ainda se encontra em estado de maturação no ventre materno (nascituro).


Segundo a própria Lei, esses alimentos compreendem os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive às referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes (art. 2º).


O rol é meramente exemplificativo, sendo lícito ao juiz, a pedido da parte, considerar outras, que não aquelas descritas alhures, desde que pertinentes e de alguma forma vinculadas às necessidades da gravidez e do nascituro.


7.3. A especial situação do nascituro


Divergem, doutrina e jurisprudência, quanto à condição jurídica do nascituro.[39]


São três as correntes: a natalista, a teoria da personalidade condicional e a concepcionista. A primeira defende a tese de que o nascituro só adquire personalidade após o nascimento com vida; a segunda assegura-lhe direitos subordinados a uma condição suspensiva (o seu nascimento com vida); e a última, por fim, advoga que a personalidade do nascituro começa desde a concepção da vida no útero materno.


Os natalistas são ainda predominantes. Escoram-se basicamente no sentido literal do art. 2.º do atual Código Civil, o qual estabelece, como marco inicial da personalidade, o nascimento com vida, não obstante o dispositivo também assegurar, já a partir da concepção, os direitos do nascituro.[40]


Acredita-se, entretanto, que a razão está com os concepcionistas. A capacidade de direito, conforme aponta a própria Lei Civil, é a aptidão de ter direitos e deveres na ordem civil (CC/2002, art. 1.º).[41] É capaz todo aquele, pessoa ou ente, a que a lei confere poder para ser titular de direitos e deveres. No que toca ao nascituro, a lei, ao assegurar, desde a sua concepção, os seus direitos (CC/2002, art. 2.º, segunda parte), está a encampar a tese concepcionista, afinal, direitos subjetivos só detêm aqueles qualificados como pessoas. Ao impor que o marco inicial da personalidade é o nascimento com vida (CC/2002, art. 2.º), o legislador apenas diferençou personalidades física e jurídica: a primeira, iniciada a partir do nascimento com vida, retroativa à data da concepção nesta mesma hipótese; a derradeira, principiada desde a concepção.[42]


Nascituro, destarte, é a pessoa embrionária, isto é, aquela que ainda não nasceu, pois mantém vida intra-interina. Pelo simples fato de ser pessoa e, portanto, sujeito de direitos e deveres na ordem civil, detém capacidade de direito, e, por conseguinte, personalidade jurídica. É, aliás, em face dessa capacidade que o nascituro tem direito a curador (CC/2002, art. 462), pode ser reconhecido (CC/2002, art. 1.609, parágrafo único), e receber doações (CC/2002, art. 542) ou deixas testamentárias (CC/2002, art. 1.798). São, pois, portadores de direitos da personalidade, dentre os quais se insere a própria vida, direito fundamental cuja efetividade, além de assegurada constitucionalmente, também o é por intermédio de legislações infraconstitucionais, a exemplo da recente Lei n.º 11.804/2008.[43]


A Lei n.º 11.804/2008, ao disciplinar o direito material e a forma de tutela jurisdicional a alimentos gravídicos, não só demonstrou preocupação às necessidades do direito alimentar, como também reconheceu a especial situação de fragilidade à qual se encontram gestante e concepto.  E apesar de alguma timidez, o legislador, uma vez mais, reforçou entendimento doutrinário e jurisprudencial adotado por aqueles que conferem ao nascituro capacidade de direito.[44]


7.4. Visão geral do procedimento instituído pela Lei n.º 11.804/2008


Consoante afirmado anteriormente, a Lei n.º 11.804/2008, além de disciplinar o direito a alimentos gravídicos, regulou a forma pela qual esse mesmo direito deve ser efetivado. Instituiu, portanto, procedimento e técnicas processuais (stricto sensu) diferenciados voltados à tutela alimentar da gestante e do nascituro. 


De início, afirme-se que se aplicam, supletivamente, ao procedimento em exame, as disposições das Leis n.º 5.478/1968 (Lei de Alimentos) e 5.869/1973 (Código de Processo Civil) (art. 11).[45]


Tem legitimidade e interesse de agir tanto o nascituro como a própria gestante, em litisconsórcio ou não. Concluída a gravidez, desaparece a possibilidade de utilização do rito especial, cumprindo ao interessado valer-se das vias adequadas para postular a competente pensão alimentícia, ou mesmo cobrar eventuais despesas expendidas no período gestacional. Não se deve olvidar que o rito especial apenas tem valia no curso da gravidez, tanto assim que o art. 6.º impõe que o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança.[46] O Ministério Público, por sua vez, não tem legitimidade para propor, como substituto processual, “ação de alimentos” em benefício da gestante e do nascituro, apesar de necessariamente ter que acompanhar o processo na qualidade de custos legis (art. 9.º da Lei n.º 5.478/68 e art. 82, II, do CPC).


Consigne-se, ademais, que a petição inicial haverá necessariamente de vir acompanhada com prescrições ou declarações assinadas por médicos, dando ciência da indispensabilidade dos alimentos para cobrir despesas adicionais da concepção ao parto.[47] É que o art. 2.º da Lei n.º 11.804/2008 estabelece não apenas um rol exemplificativo daquilo que se enquadra no conceito de alimentos gravídicos, mas também impõe que os alimentos que nela são tratados compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, a juízo do médico.[48] Diante da urgência que qualifica o procedimento especial, é prudente que a demandante assim o faça já ao promover sua demanda, permitindo ao juiz, inclusive, munir-se de elementos probatórios mínimos que lhe possibilitem deferir pedido de tutela antecipada antes mesmo de apresentada a resposta pelo demandado.


O procedimento é bastante enxuto,[49] não obstante baseado preponderantemente na técnica da cognição exauriente. Conquanto sumária a técnica procedimental (procedimento sumário), não há sumariedade no que diz respeito à técnica de cognição (no plano vertical). Sem embargo de o juiz estar autorizado a proferir sentença exclusivamente com base em prova indiciária (art. 6.º), não lhe é lícito resolver o mérito mediante cognição sumária. De regra, as decisões tomadas no curso do procedimento, em especial a sentença, resultar-se-ão de profunda análise e valoração dos fatos e fundamentos apresentados aos autos pelas partes e eventuais terceiros, sempre abalizadas num juízo de certeza.


A exceção diz respeito às decisões tomadas a título de tutela antecipada. A despeito da omissão legislativa, aplica-se supletivamente a regra geral (CPC, art. 273), admitindo-se formulação de pedido e deferimento de decisão antecipada também no bojo do procedimento instituído pela Lei n.º 11.804/2008, sendo suficiente, nesse caso, valer-se o juiz de mero juízo de probabilidade (cognição sumária). Aliás, raciocínio diverso não seria aceitável, uma vez que a urgência é ínsita ao direito material em questão, seja pela sua finalidade especialíssima (salvaguarda do próprio direito fundamental à vida), seja pela situação de fragilidade na qual se encontram gestante e nascituro, seja porque a demora aqui, quando menos, implicará o nascimento do infante e a inutilidade do próprio direito aos alimentos gravídicos.


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Havendo pedido de tutela antecipada, cumpre à demandante demonstrar os requisitos genéricos necessários ao seu deferimento (CPC, art. 273, I e II), ocasião em que o juiz, até oficiosamente, poderá designar audiência de justificação prévia para formar seu convencimento. Demonstrados tais requisitos, a decisão antecipada deverá ser concedida mesmo antes de apresentada a contestação.


Embora o art. 221, do CPC, exclua a citação pelo correio nas ações de estado, a “ação de alimentos” (gravídicos ou não) segue regramento especial, vale dizer, comunica-se o demandado mediante registro postal isento de taxas e com aviso de recebimento (Lei 5.478/68, art. 5º e § 2º), pouco importando que resida em outra comarca (CPC, art. 222). Frustrada a citação pelo correio, far-se-á por mandado. Se frustrada também essa última, a citação deverá ser feita por edital, em consonância com o disposto no art. 5.º, §4.º, da Lei n.º 5.478/68.


Citado o demandado, antes ou depois de concedida a liminar, terá a faculdade de apresentar defesa no prazo de 5 (cinco) dias, a contar da juntada do mandado de citação aos autos do processo. É prudente, ademais, sobretudo pelo caráter emergencial que caracteriza o direito material a alimentos gravídicos, que o juiz, valendo-se da técnica de concentração dos atos processuais, designe uma única audiência – audiência de conciliação e julgamento –, e isso já ao despachar a inicial, também determinando, em ato contínuo, a comunicação do dia e hora de sua realização ao demandado. Consignar-se-á no mandado de citação que a contestação haverá de ser apresentada na aludida audiência.


Revel o demandado, deve o juiz nomear-lhe curador especial (CPC, art. 9.º, II). Ainda que se reconheça a revelia, a sua decretação, contudo, não importa confissão a respeito da matéria fática, pois se está a tratar de direito indisponível – a prova, mesmo em tal caso, não haverá de ser dispensada (CPC, art. 320, II). Acaso conteste, poderá suscitar, em primeiro plano, questões preliminares e prejudiciais, e no mérito, arguir e provar – também mediante prova indiciária – a ausência da paternidade que lhe é impingida, bem assim a sua impossibilidade financeira de honrar alimentos eventualmente fixados (cognição limitada no plano horizontal).


Em audiência de conciliação e julgamento, demandante e demandado devem comparecer acompanhados de, no máximo, 3 (três) testemunhas (Lei 5.478/68, art. 8º). Ausente a demandante, os autos serão apenas arquivados, com cessação da eficácia da decisão antecipada acaso já concedida, circunstância que possibilita o prosseguimento do feito através de simples manifestação futura da parte.[50] A falta do demandado, de outra parte, importa em revelia, mas não em confissão quanto à matéria fática (CPC, art. 320, II), de modo que a confirmação da decisão antecipada, ou mesmo a concessão de alimentos definitivos condicionam-se a produção probatória. Não é exigida a prévia apresentação do rol de testemunhas e sequer sua prévia intimação se apresenta necessária. Como não poderia ser diferente, a presença do representante do Ministério Público é indispensável.


Aberta a audiência, lida a petição inicial e a resposta, se houver, ou dispensada a leitura, o juiz ouvirá os litigantes e o representante do Ministério Público, propondo conciliação (art. 9.º da Lei n.º 5.478/68). Havendo acordo, lavrar-se-á o respectivo termo, que será assinado pelo juiz, escrivão, partes e representante do Ministério Público (Lei 5.478/68, art. 9.º, §1.º). Caso contrário, o juiz tomará o depoimento pessoal das partes e ouvirá as testemunhas, podendo julgar o feito sem a mencionada produção de provas, se as partes assim concordarem (Lei 5.478/68, art. 9.º, §2.º). Concluída a instrução, poderão as partes e o representante do Ministério Público aduzir alegações finais, em prazo não excedente de 10 (dez) minutos para cada um (Lei 5.478/68, art. 11). Em seguida, o juiz renovará a proposta de conciliação e, não sendo aceita, ditará sua sentença, contendo sucinto relatório do ocorrido na audiência (Lei n.º 5.478/68, art. 12). Convencido, enfim, da existência de indícios da paternidade, bem assim da necessidade alimentar e do poder de contribuição do suposto pai (possibilidade), julgará procedente o pedido e arbitrará os alimentos gravídicos mediante sentença fundada em cognição exauriente, os quais perdurarão até o nascimento da criança. É bom lembrar que o demandado haverá de ser condenado apenas à fração das despesas que deve custear, uma vez que também a mulher grávida é obrigada a contribuir financeiramente para o bem estar do nascituro – o juiz se valerá do critério da proporcionalidade e, assim, sopesará os recursos e condições de contribuição de ambos litigantes. A sentença pode ser impugnada mediante recurso de apelação, o qual, neste caso, será recebido apenas no seu efeito devolutivo (Lei 5.478/68, art. 14).


Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor, até que uma das partes solicite sua revisão.


7.5. A legitimidade ativa e passiva


Interessante questão diz respeito à legitimidade ativa para promover a “ação de alimentos gravídicos”.


Se o critério cingir-se a uma interpretação literal, tal titularidade caberia apenas à gestante. Afinal, o art. 1.º da Lei n.º 11.804/2008 estabelece que ela disciplina o direito de alimentos da mulher gestante. Também a mesma impressão se colhe ao se ler o art. 6.º, parágrafo único: “Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.” À gestante caberia a legitimidade de ajuizar demanda para a tutela de alimentos gravídicos; ao nascituro cumpriria o papel meramente passivo de aguardar eventual tutela jurisdicional que o beneficie.


Não é esta, todavia, a melhor interpretação. Admiti-la é ulcerar o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada (CF/88, art. 5.º, XXXV). Afinal, não há porque vedar ao nascituro o uso de via procedimental instituída também para protegê-lo. É bem verdade que tal raciocínio apresenta-se bastante coerente àqueles que adotam a corrente concepcionista, não obstante também válido aos natalistas. Ora, se a lei põe a salvo o direito dos nascituros (CC/2002, art. 2.º), parece lógico afirmar que eles detêm legitimidade para postular judicialmente a tutela dos direitos que lhe são assegurados, mesmo que alguns insistam em negar-lhes capacidade de direito – é o que se costuma denominar de personalidade judiciária.[51] Nesta linha, aliás, a melhor orientação jurisprudencial.[52]


O que fez a Lei n.º 11.804/2008 foi mesmo ampliar a legitimidade ativa para a postulação da tutela jurisdicional de alimentos gravídicos.[53] A jurisprudência já reconhecia tal legitimidade ao nascituro. Agora, também a gestante – em litisconsórcio ou não com o nascituro – a detém, de modo que é plenamente lícito que ela, sozinha, promova demanda postulando tais alimentos, de resto voltados igualmente a sua salvaguarda.[54]


No que toca a legitimidade passiva, o escopo da Lei, que é o de proteger a genitora e sua prole, sugere a aplicação do art. 1.698 do CC/2002. Assim, se o suposto pai, que em primeiro lugar deve os alimentos, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato. Sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada demanda em face de uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a relação processual. Obviamente, tal interpretação não expurga a necessidade de se provar a relação de parentesco, questão prejudicial à própria condenação e fixação dos alimentos gravídicos.


7.6. A competência


Segundo disporia o art. 3.º da Lei n.º 11.804/2008, para a aferição do foro competente das ações judiciais voltadas à tutela de alimentos gravídicos, aplicar-se-ia o art. 94 do Código de Processo Civil. Assim, a referida ação haveria de ser proposta no foro do domicílio do demandado, segundo a regra geral do Código de Processo Civil.


Tal dispositivo foi, contudo, vetado. Sua incoerência, afinal, era abissal, se confrontada à sistemática processual em matéria de competência envolvendo demandas cujo propósito é a tutela jurisdicional de direito a alimentos.


O artigo em questão, por outro lado, destoava-se da finalidade do direito a alimentos, isto é, ia de encontro ao escopo protecionista da Lei n.º 11.804/2008. Era, enfim, contrário às necessidades do próprio direito material a alimentos gravídicos.


Ademais, até avesso aos contornos contemporâneos do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada (CF/88, art. 5.º) atribuir-se à demandante o ônus de ajuizar “ação de alimentos gravídicos” na sede do domicílio do demandado, e assim impingir despesas e dificuldades justamente àqueles que haveriam de ser protegidos pela situação de fragilidade em que se encontram.


Portanto, a competência para o ajuizamento de demandas em que se postulam a tutela de alimentos gravídicos é a do foro do domicilio da demandante.


7.7. A cognição


A cognição é técnica processual que permite a construção de procedimentos ajustados às reais necessidades de tutela dos direitos.[55] Representa atos de inteligência, consistentes em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas deduzidas e produzidas pelas partes no processo e cujo resultado é o alicerce das decisões judiciais.[56]


 Mediante interpretação apressada, poder-se-ia afirmar que a cognição realizada no procedimento instaurado pela Lei n.º 11.804/2008 é sumária.[57] Seria dizer que no plano vertical (profundidade ou intensidade) a cognição, voltada à emissão de decisões judiciais, é baseada em juízo de probabilidade. É que o art. 6.º da referida Lei impõe ser suficiente para o deferimento de alimentos gravídicos que o juiz se convença dos indícios de paternidade.


Cognição sumária, contudo, há apenas quando o juiz examina o pedido de antecipação de tutela de alimentos gravídicos. Bem diferente é o que se dá na atividade cognitiva realizada pelo juiz ao proferir a sentença, pois, ao prolatá-la e julgar procedente ou não o pedido, cumpre-lhe basear-se num juízo de certeza, não obstante conduzir seu raciocínio com alicerce em indícios da paternidade. Trata-se, então, de cognição exauriente, e não sumária.


Não há, enfim, que se vincular “cognição realizada em indícios da paternidade” e “cognição sumária”. Julgar com base em indícios não quer significar juízo de mera probabilidade. A chamada prova indiciária, aliás, sempre foi admitida, em todo e qualquer processo, especialmente naquelas circunstâncias em que a demonstração direta de um determinado fato se apresenta dificílima ou mesmo impossível, obrigando o juiz a deduzir a sua existência a partir de outro fato já provado.[58] Nas demandas de alimentos e de investigação de paternidade, antes da existência do popularmente conhecido “Exame de DNA”, as presunções (ou indícios) eram sobejamente utilizadas pelas partes e juízes, naturalmente pela dificuldade de realização da prova direta do parentesco.[59]


Sobre as presunções – ou provas indiciárias – leciona Humberto Theodoro Júnior:


“As presunções correspondem mais a um tipo de raciocínio do que propriamente a um meio de prova. Com elas pode-se chegar a uma noção acerca de determinado fato sem que este seja diretamente demonstrado. Usa-se na operação a denominada prova indireta (circunstancial ou indiciária). Presunção, nessa ordem de idéias, é a consequência ou ilação que se tira de um fato conhecido (provado) para deduzir a existência de outro, não conhecido, mas que se quer provar. O fato realmente provado não é o objeto da indagação, é um caminho lógico, para alcançar-se o que em verdade se deseja demonstrar. De tal sorte, as presunções são consequências que resultam dos constantes efeitos de um fato (…).[60]


De tal sorte, o procedimento instituído pela Lei n.º 11.804/2008 é mesmo sumário, mas a cognição (no plano vertical) nele realizada para se chegar a sentença é exauriente.[61] Não é porque o juiz julga mediante raciocínio indiciário que seu exame é perfunctório. Muito pelo contrário, para se chegar a uma conclusão mediante a técnica de prova indiciária, ainda mais intensa e exauriente haverá de ser a cognição empreendida.


Infelizmente o legislador não foi feliz ao afirmar que o juiz fixará alimentos quando convencido da existência de indícios da paternidade. Não havia necessidade de assim se pronunciar, pois a especial condição a qual se encontram nascituro e gestante é suficiente para tornar descabida exigência de prova direta acerca da paternidade. Por isso, aliás, o veto ao artigo 8.º da Lei, o qual condicionava a procedência do pedido de alimentos gravídicos à realização do exame pericial, sempre que houvesse oposição à paternidade por parte do demandado. Não bastassem as dificuldades econômicas que impunha, tal dispositivo colocava em risco de morte o próprio nascituro.[62]As palavras utilizadas pelo legislador, enfim, podem levar a falsa compreensão de que pretendeu instituir procedimento cuja cognição também é sumária, e, portanto, infensa à própria coisa julgada material.


No plano horizontal, por outro lado, a cognição é limitada. A exemplo do que ocorre na “ação de alimentos”, cujo rito também é especial e sumário, por se estar diante de um procedimento destinado a atender às necessidades do direito material a alimentos gravídicos, é inviável a cumulação de pedidos de natureza diversa (CPC, art. 292, §1.º, III). Logo, não sendo apropriado o procedimento às várias postulações, o litígio não pode ultrapassar os limites ínsitos à questão alimentar para que o procedimento especial se mostre adequado.[63]


Em resumo, a cognição exercitada no rito especial instituído pela Lei n.º 11.804/2008 é limitada (no plano horizontal) e exauriente (no plano vertical). Sofre, portanto, limitações quanto à amplitude do debate das partes, afetando, na mesma medida, o conhecimento do juiz, sem que exista, contudo, qualquer restrição quanto à profundidade do objeto cognoscível.[64]


7.8. A tutela antecipada


Nada há na Lei n.º 11.804/2008 que discipline o uso da tutela antecipada.


Havia, contudo, dispositivo (art. 5.º) que impunha ao juiz, recebida a petição inicial, designasse audiência de justificação prévia, momento em que ouviria a demandante e apreciaria as provas de paternidade em cognição sumária, podendo tomar depoimento do demandado e de testemunhas e requisitar documentos. Tal dispositivo, embora vetado, demonstra a intenção do legislador de instituir previsão expressa acerca da tutela de urgência na Lei n.º 11.804/2008. O veto do qual foi alvo não poderia significar jamais obstáculo a pedidos antecipatórios, sob pena de também se vulnerar o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada.  


Aplica-se supletivamente a regra geral, atinente à tutela antecipada, (CPC, art. 273), ao procedimento instituído pela Lei n.º 11.804/2008. E tal se justifica pela mera urgência que caracteriza o direito postulado, uma vez que o não deferimento imediato da tutela alimentar poderá importar o nascimento daquele a quem os alimentos deveriam servir à subsistência, quando não menos atuar em prejuízo à sua própria vida. Por tal razão, nem de longe é exagerado assinalar que a tutela antecipada é técnica inerente ao novel procedimento, sem a qual sua utilidade, por certo, se desvanecerá. 


Então, o caráter emergencial que destaca os alimentos gravídicos leva à possibilidade de o juiz concedê-los antecipadamente, através de cognição sumária, mesmo antes de instaurado o contraditório, desde que presentes indícios da paternidade e da possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação para assim atuar (CPC, art. 273).[65] Não estando o juiz suficientemente convencido da necessidade de deferir a tutela antecipada, deverá designar audiência de justificação prévia com o intento de formar seu convencimento. A decisão que defere ou não o pedido de tutela antecipada pode ser desafiada por agravo de instrumento, o qual, como se sabe, é recebido, de regra, sem efeito suspensivo.


7.9. A coisa julgada e seus limites


7.9.1. Considerações iniciais


A coisa julgada atrela-se intimamente ao direito fundamental à segurança jurídica. Representa a garantia de que aquela discussão, já passada em julgado, não mais surgirá, pois indiscutível ou imutável o resultado da atividade jurisdicional empreendida para tal finalidade.[66]


Não há dúvidas de que o procedimento instituído pela Lei n.º 11.804/2008 produz decisão (sentença ou acórdão) com autoridade de coisa julgada. Afinal, a cognição nele realizada é exauriente, produzida mediante juízo de certeza, não obstante escorada em provas indiciárias.


É por isso que se mostra importante traçar breve análise acerca dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada produzida neste novo procedimento, a qual, aliás, apresenta algumas peculiaridades, de resto devidamente ajustadas às necessidades do direito material a alimentos gravídicos.


7.9.2. Os limites objetivos da coisa julgada


Objeta-se pelo estudo dos seus limites objetivos definir a parte da sentença que se reveste da imutabilidade. Busca-se, enfim, identificar, entre as diversas questões decididas, aquelas protegidas pelo manto da coisa julgada material.


E no direito brasileiro a coisa julgada envolve apenas a parte dispositiva da sentença, de modo que, nesta ordem de idéias, ficam de fora: a) os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; b) a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; e c) a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo. (CPC, art. 469).


Apesar de sumário o procedimento instituído pela Lei n.º 11.804/2008, a cognição ali realizada pelo juiz é exauriente, embora baseada em provas indiciárias. E é justamente porque o juiz julga mediante provas indiretas (indiciárias) que se reforça a necessidade de delineamento preciso daquilo que na sentença é protegido pela coisa julgada. Afinal, julgamentos escorados em tais provas apresentam margem maior de insegurança, ainda que se esteja diante de juízo de certeza. É importante, enfim, definir exatamente qual a fração da sentença se reveste de imutabilidade, bem assim até em que ponto o litigante prejudicado estará autorizado a ajuizar nova demanda para acudir eventual injustiça em face dele cometida.


Especificamente, deve-se responder se a coisa julgada, oriunda de demanda promovida e processada segundo o rito da Lei n.º 11.804/2008, compreende, em seus limites objetivos, a relação de paternidade. Basta pensar que o juiz, antes de proferir sentença definitiva concedendo direito a alimentos gravídicos, deverá enfrentar questão relativa à paternidade. Julgada por sentença a demanda e concedidos os alimentos gravídicos, a coisa julgada alcança a relação de paternidade, definida pelo juiz mediante cognição exauriente, mas com base, no mais das vezes, em provas indiciárias? A resposta é negativa.


É que a coisa julgada não abarca em seus limites decisão sobre questão prejudicial, salvo se postulada mediante “ação declaratória incidental” (CPC, art. 469, III). Segundo o rito estabelecido pela Lei n.º 11.804/2008, a relação de paternidade é subordinante (questão prejudicial) à obrigação alimentar, pois para que a última exista, indispensável que a primeira seja reconhecida. O direito à tutela alimentar depende da relação de parentesco. Cumpre ao juiz, então, examiná-la previamente, mas isso não significa que o dispositivo da sentença deve abrangê-la. Afinal, o art. 469, III, do CPC é clarividente ao indicar que as questões prejudiciais não são alcançadas pela coisa julgada quando decididas incidentalmente no processo.[67]


É de se sublinhar, por fim, que há um pedido implícito sob condição em toda demanda cujo rito é o estabelecido pela Lei n.º 11.804/2008. É que o seu art. 6.º, parágrafo único, impõe que os alimentos gravídicos convertem-se em pensão alimentícia em favor do menor, até que uma das partes solicite a sua revisão. Assim, se inicialmente os alimentos prestam-se a suprir despesas adicionais do período de gravidez e dela decorrentes, num segundo momento sua finalidade automaticamente transmuda-se, e a tutela alimentar assume a finalidade de prover necessidades exclusivas do menor. Portanto, também envolvida pela coisa julgada condenação à pensão alimentícia, destinada à subsistência exclusiva do infante, desde que nasça com vida (condição).[68] Dito de outro modo, já sabe previamente o alimentante que condenação que eventualmente vir a sofrer não se limitará ao período correspondente à gravidez (da concepção ao parto), mas, muito ao contrário, estender-se-á para além dela, prestando-se a suprir as necessidades do alimentando também em vida. Trata-se de condenação ex lege a respeito da qual o pedido expresso se mostra despiciendo.


7.9.3. Os limites subjetivos da coisa julgada


Já os limites subjetivos da coisa julgada se prestam a determinar os sujeitos a quem a decisão prejudica ou beneficia.[69] Ao examiná-los o que se pretende é justamente definir aqueles que se encontram submetidos ao comando inserido na sentença. É o que leciona Luiz Eduardo Ribeiro Mourão:


“Estudar os limites subjetivos da coisa julgada significa identificar quais os sujeitos que serão alcançados pela autoridade da coisa julgada e, portanto, estarão impedidos de rediscutir o conteúdo de uma determinada decisão judicial, em processo futuro.”[70]


Segundo o CPC, a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, de modo que não beneficia nem prejudica terceiros (art. 472). Não quer isso dizer que a sentença passada em julgado prevalece ou somente vale entre as partes, mas simplesmente que a sua imutabilidade e indiscutibilidade não podem prejudicar, nem beneficiar, estranhos ao processo em que foi proferida.[71]


O tema ganha especial relevo diante da Lei n.º 11.804/2008, também em face do que dispõe o seu art. 6.º, parágrafo único: “Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.”


Constata-se pela redação do dispositivo aludido que, mesmo a demanda sendo promovida exclusivamente pela gestante, a autoridade da coisa julgada atuará sobre o infante, não só ainda quando nascituro, mas também depois do seu nascimento com vida. Afinal, a partir de então, os alimentos, cujo propósito inicial era o de apenas cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e dela decorrentes, converter-se-ão em pensão alimentícia em seu exclusivo favor.


O que se vê é a criação de um novo regime de eficácia subjetiva da coisa julgada, diversamente do que se passa nas ações individuais reguladas pelo CPC. A legislação especial, enfim, instituiu que, em ações judiciais cujo rito é o estabelecido pela Lei n.º 11.804/2008, a sentença faz coisa julgada também em relação ao infante, mesmo que inicialmente não integre a relação jurídica processual. Certamente o legislador se apegou aqui aos valores constitucionais efetividade e celeridade, de resto norteadores de grande parte das reformas pontuais que se assiste hodiernamente no cenário jurídico processual. É mais um exemplo vivo de definição e compreensão dos contornos de um instituto processual segundo as necessidades do direito material perseguido.


7.10. Apontamentos finais


Algumas observações finais merecem breve transcrição.


A primeira delas diz respeito à controvérsia acerca do termo inicial dos alimentos gravídicos. Ressalte-se que o projeto fazia referência à citação como marco a partir da qual os alimentos seriam devidos, a exemplo do que reza a Lei n.º 5.478/1968 (art. 13, §2.º). Mas tal dispositivo (art. 9.º) foi vetado, o que, a rigor, não afasta idêntica conclusão. Melhor, contudo, é adotar interpretação sistemática para admitir o reembolso das despesas realizadas também antes da citação, sem descurar, por óbvio, do necessário respeito ao critério da proporcionalidade no tocante à disponibilidade financeira de cada uma das partes, além da fixação de um valor mensal até o fim da gestação que, após o nascimento com vida, será convertido em pensão alimentícia ao menor. É essa a solução conferida por Douglas Phillips Freitas, valendo-se do art. 398 do CC/2002, o qual estabelece que, nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora desde a sua prática. Na ótica acertada do jurista, não é despropositado enquadrar o desamparo alimentar pelo pai em relação à mãe e o nascituro como ato ilícito e, assim, aplicar analogicamente o dispositivo (CC/2002, art. 398) para a solução de questões que também envolvam a Lei n.º 11.804/2008.[72]


Outro aspecto interessante diz respeito ao ônus probatório. Excetuados os casos de presunção de paternidade, tal ônus pertence à demandante, que deverá provar a presença de indícios da relação de paternidade entre o nascituro e o demandado, bem assim a necessidade e a possibilidade de se conceder a tutela a alimentos gravídicos.[73] Por ser a cognição limitada no plano horizontal – a discussão encontra-se limitada à relação de paternidade e ao binômio necessidade/possibilidade –, e ausente a possibilidade de o demandado postular “Exame de DNA”, poderá defender-se provando, por exemplo, a realização de vasectomia, que sofre de impotência sexual, que a genitora contraiu novas núpcias, entre outros previstos nos arts. 1.597 a 1.602 do CC/2002.[74]


A Lei n.º 11.804/2008, ademais, refere-se à revisão apenas depois de nascido o infante e convertidos os alimentos em pensão alimentícia. Todavia, é plenamente possível a postulação judicial de tal revisão alimentar ainda no período da gravidez, obviamente em demanda própria voltada a essa finalidade, conquanto pouco provável que tal hipótese ocorra na praxe.


É absolutamente majoritário, em doutrina e jurisprudência, o entendimento de que não há se falar em ressarcimento dos valores pagos a título de alimentos gravídicos, dada a sua natureza peculiar. Portanto, ainda que demonstrada a ausência de vínculo de paternidade, não seria lícito ao demandado, em demanda diversa, postular ressarcimento do prejuízo sofrido. A primeira versão deste artigo, aliás, seguiu este rumo, com a ressalva de que, demonstrada a má-fé da gestante, a responsabilização civil haveria de ser admitida.[75] Mas o argumento de Francisco José Cahali, situado em ensaio que apenas tomamos conhecimento posteriormente, obrigou-nos, até por honestidade intelectual, a alterar a posição antes firmada. Crê-se, enfim, mais ajustada a uma visão constitucional defender-se a responsabilidade civil da gestante pelo prejuízo causado ao demandado, a ser postulada em demanda própria, e desde que provada a ausência de paternidade. E assim haverá de ser ainda que ausente dolo ou mesmo má-fé por parte da gestante. Trata-se de entendimento mais consentâneo ao direito fundamental à tutela jurisdicional adequada (CF/88, art. 5.º, XXXV).[76]


Superada a gravidez em decorrência de aborto, perde a ação alimentar o seu objeto, devendo ser extinta sem resolução de mérito, ante a falta de interesse de agir. Trata-se de hipótese em que a carência da ação surge no curso do procedimento, justamente em face da ocorrência de causa superveniente – o aborto, sem dúvida um fato processual. Por outro lado, já encerrado o processo, com sentença condenatória passada em julgado, mas sobrevindo um aborto, a melhor orientação sugere a necessidade de ajuizamento de nova ação judicial (“ação de exoneração de alimentos”) por parte do alimentante, cujo propósito, agora, norteia-se à obtenção de tutela jurisdicional que o exonere do pagamento de alimentos gravídicos arbitrados na demanda anterior, sendo insuficiente, portanto, a mera comunicação no feito já extinto – é, pois, vedada a exoneração automática do alimentante ao pagamento de pensão alimentícia. Trata-se, neste último caso, de interpretação consentânea à súmula 358 do Superior Tribunal de Justiça.


É interessante também indagar se ao juiz seria permitido proferir sentença condenatória cujas prestações fossem definidas em valores diferentes, considerando o período da gravidez (da concepção ao parto) e aquele após o nascimento com vida do nascituro (prestações em valor “X” da concepção ao parto; prestações em valor “Y” devidos a título de pensão alimentar ao infante). Por outras palavras, seria lícito ao juiz arbitrar alimentos em valores diversos, devidos em períodos temporais também diversos e conforme as particularidades de cada qual das fases (período de gravidez e período pós-parto) pelas quais passa gestante e nascituro? Não parece, entretanto, ser possível a adoção de tal caminho. É clara a lei ao impor que, após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos converter-se-ão em pensão alimentícia em favor do menor, até que uma das partes solicite a sua revisão. Admitir-se ao juiz condenações em valores diversos poderia levar a ampliação da cognição (limitada, no plano horizontal), em prejuízo à própria celeridade que caracteriza o procedimento diferenciado.


No que diz respeito à prescrição, é certo que o direito de alimentos é imprescritível. E assim é também com o direito a alimentos gravídicos. Unicamente os alimentos devidos prescrevem no prazo de dois anos, que inicia no vencimento de cada prestação.[77] Essa prescrição de dois anos refere-se tão-somente à prestação periódica que está fixada em sentença ou convencionada em acordo, de maneira que incide em cada prestação que se encontra vencida, mantendo-se, entretanto, o direito de exigir as demais.[78]


Por fim, na execução do direito a alimentos gravídicos (concedidos através da técnica da tutela antecipada ou definitivos) é possível a utilização de todos os meios executivos e técnicas diferenciados instituídos pelo legislador para conferir efetividade à cobrança do crédito alimentar (desconto em folha de pagamento, penhora de bens absolutamente impenhoráveis e de família, constituição de capital, ameaça de prisão, dentre outros). O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo ser cabível a prisão civil, por certo a mais grave das medidas executivas, quer se trate de execução de alimentos definitivos, quer de alimentos provisórios ou provisionais.[79] Não há porque afastar esse entendimento às questões atinentes ao procedimento instituído pela Lei n.º 11.804/2008.


8. Conclusão


Há primado constitucional a impor que se dispense tratamento diferenciado aos desiguais em prol da igualdade. E o legislador infraconstitucional tem sido fiel ao cumprir esse comando, na medida em que institui regularmente legislações protecionistas a determinadas categorias de pessoas, conferindo-lhes prerrogativas materiais e processuais.


Assim ocorre com as crianças e adolescentes e também com os idosos. Os deficientes igualmente encontram proteção na legislação pátria. Categorias vulneráveis como os consumidores também dispõem de legislação própria que lhes assegurem proteção e igualdade.


Já era tempo de o legislador estender esse raciocínio especificamente à pessoa embrionária, à qual, segundo a doutrina concepcionista, também é sujeito de direitos e deveres na ordem civil.[80] Se a especial condição da criança e do adolescente instigou a edição de legislação que lhes é protecionista, por que não esperar que se torne igualmente alvo de proteção estatal, compatível à sua natureza humana, também o nascituro, de modo que se reconheça a dignidade que lhe é inerente e o respeito aos seus direitos fundamentais?[81] Afinal, não se deve olvidar ser impossível falar em dignidade quando a pessoa é rebaixada a mero objeto, tratada como coisa e, por assim dizer, descaracterizada como sujeito de direitos.[82]


É bem-vinda, portanto, a Lei n.º 11.804/2008. Mas não apenas porque reforça a possibilidade de se deferir judicialmente alimentos ao nascituro e à mulher grávida, além de instituir técnicas processuais (lato sensu) ajustadas às particularidades desse mesmo direito material. De maneira especial, sua importância está em incutir na mente social a necessidade premente de se dedicar esforços estatais (administrativos, legislativos e judiciais) protecionistas àqueles cujas vozes sequer podem ser ouvidas, tamanha é a vulnerabilidade que particulariza a sua própria essência.


 


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Notas:

[1] Agradeço prontamente aos preciosos amigos, Claudiovir Delfino, João Delfino, André Menezes Delfino e João D’Amico, pela leitura dos originais que deram origem a este ensaio, bem assim às críticas que ofertaram, todas importantes e devidamente consideradas, de um modo ou de outro, no corpo do artigo.

[2] A tutela jurisdicional – fruto da atividade jurisdicional – é só uma das maneiras de se tutelar direitos. Também o legislador tutela direitos quando legisla (tutela normativa de direitos). Por igual, o administrador tutela direitos, quando, por exemplo, determina, mediante processo administrativo, o cumprimento de uma norma de proteção (instalação de equipamento antipoluente, paralisação na construção de obra, etc.) (tutela administrativa de direitos). Sugere-se, para aprofundamento no tema, a leitura de: MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3ª. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2008. p. 241-246.

[3] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3ª. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2008. p. 240.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3ª. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2008. p. 240.

[5] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. Influência do direito material sobre o processo. 4ª. ed. São Paulo : Malheiros Editores, 2006.  p. 20.

[6] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. Influência do direito material sobre o processo. 4ª. ed. São Paulo : Malheiros Editores, 2006. p. 20.

[7] É esta também a visão de Robson Renault Godinho ao afirmar que o direito processual e o direito material possuem uma “dependência recíproca”, e assim é impossível estudar o processo sem mirar os direitos cuja tutela se pretende. Esclarece, ademais, que direito material e processo correspondem a dimensões indissociáveis da garantia de tutela de direitos consagrada constitucionalmente. A aproximação do processo com o direito material, portanto, não traduziria nenhum risco para a autonomia do direito processual. Reputa, aliás, excessivo pudor e incompreensível resistência rechaçar a tutela dos direitos dos objetivos do processo. (GODINHO, Robson Renault. Tutela jurisdicional diferenciada e técnica processual. Temas atuais das tutelas diferenciadas. Estudos em Homenagem ao Professor Donaldo Armelin. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 736).

[8] Não é nenhuma novidade a diversidade de amplitude a que a doutrina atribui ao termo “tutela jurisdicional”. Há aqueles, na esteira de Flávio Luiz Yarshell, para quem a “tutela jurisdicional é locução apta a designar não apenas o resultado do processo, mas igualmente os meios predispostos para a obtenção desse resultado. Nessa medida, portanto, o exercício da jurisdição, por meio do processo, é forma de tutela para o autor e para o réu, embora de formas distintas”. (YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela jurisdicional. São Paulo : Atlas, 1999. p 189). Entretanto, crê-se que tal concepção é demasiada ampla por encampar duas realidades num só conceito. Afinal, para os que assim pensam, integram a idéia de tutela jurisdicional não apenas o resultado do processo, senão ainda as técnicas processuais à obtenção desse mesmo resultado. Prefere-se, assim, encarar a tutela jurisdicional apenas sob o prisma do resultado oriundo da atividade jurisdicional.

[9] Fala-se em tutela jurisdicional “de direito” quando o demandante obtém, provisória ou definitivamente, o bem da vida objetivado, seja no curso, seja ao final do procedimento. Se a jurisdição se presta a tutelar o direito material controvertido, a tutela jurisdicional “de direito” deve ser compreendida justamente como essa tutela do direito ameaçado ou lesado. Tutela jurisdicional “de direito” é, pois, espécie de tutela de direitos, e surge quando o demandante, diante da resposta concedida pela atividade jurisdicional, sente seus efeitos no plano do direito material. Obtém tutela jurisdicional “de direito”, enfim, apenas o demandante, quando o Estado-juiz conforma a realidade da vida à sua pretensão. Por outro lado, fala-se também, pura e simplesmente, em tutela jurisdicional (stricto sensu), isto é, sem o designativo “de direito”. É que casos há em que o resultado (provisório ou definitivo) da jurisdição não conforma a realidade a direito algum. Nessas situações, a tutela jurisdicional não se relaciona com o direito material. Exemplos: a) quando o juiz declara não existir o direito afirmado pelo demandante (julgamento de improcedência); b) quando é constatada a ausência de condições da ação e o processo é extinto sem resolução de mérito (CPC, art. 267, VI); c) quando se verifica a ausência de pressupostos processuais e o processo é também extinto sem resolução de mérito (CPC, art. 267, IV); d) quando o demandante desistir da ação (CPC, art. 267, VIII). Casos ainda existem em que, não obstante procedente o pedido (julgamento de procedência), a tutela do direito não se concretiza, circunstância que se pode atribuir, vezes à própria depreciação (ou desaparecimento) do bem da vida perseguido, vezes à indisposição do próprio devedor em satisfazer a obrigação, vezes outras a sua insubsistência patrimonial. Pense-se, como ilustração, nas execuções específicas direcionadas a satisfação de obrigações infungíveis às quais o devedor se recusa a adimplir, ou nas execuções promovidas em face de pessoa insolvente. Em tais casos, não há realmente tutela jurisdicional de direito, mas mera tutela jurisdicional (stricto sensu), a despeito da procedência dos pedidos postulados em juízo. Em resumo: “tutela jurisdicional lato sensu” é gênero, da qual são espécies: a) a “tutela jurisdicional de direito” e a “tutela jurisdicional stricto sensu”. Fala-se, portanto, em “tutela jurisdicional de direito” quando o demandante obtém, provisória ou definitivamente, o bem da vida perseguido, seja no curso, seja ao final do procedimento. Já a “tutela jurisdicional stricto sensu” traduz-se também no resultado oriundo da atividade jurisdicional, sem, contudo, tutelar direito, pois não conforma a realidade a direito algum.

[10] Há de se compreender a seguinte lição: “Muito embora hoje seja “costume” falar em tutela jurisdicional dos direitos, é preciso que se deixe claro que o jurista que estuda o processo civil na perspectiva da tutela jurisdicional tem sério compromisso em pensar em um processo que possa responder, com efetividade, às diversas necessidades de tutela do direito material. (…) Não se trata, portanto, de utilizar a expressão “tutela” apenas por amor conceitual – ou, o que é pior, por simples preferência terminológica –, mas de tentar elaborar uma construção dogmática capaz de dar conta das diferentes necessidades de tutela dos direitos, tomando em consideração suas peculiaridades e características e principalmente o papel que pretendem cumprir na sociedade. (…) é preciso delinear as tutelas capazes de responder às diferentes necessidades do direito substancial.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 5ª. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006. p. 431).

[11] BOECKEL, Fabrício Dani de. Tutela jurisdicional do direito a alimentos. Porto Alegre : Editora Livraria do Advogado, 2007. p. 15.

[12] Há de se deixar claro que as tutelas dos direitos situam-se no plano do direito material, ao passo que as sentenças e os meios executivos, assim como todas as demais técnicas processuais para a adequada tutela dos direitos, estão no plano do direito processual. (MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 5ª. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006. p. 433). Não é lícito, nesta perspectiva, nivelar sentenças e tutelas jurisdicionais, tratá-las como se identificassem o mesmo fenômeno, pois, como já mencionado, sentenças são técnicas voltadas a concretizar a tutela de direito que se pretende pela via jurisdicional. Enfim, a classificação das tutelas de direito há de se manter fiel ao plano do direito material; aquela, relativa às sentenças, deve guardar relação com o direito processual.

[13] No que toca às sentenças condenatórias, a tutela de direito, para se realizar, ou é prestada voluntariamente pelo demandado, ou se concretizará jurisdicionalmente, mediante meios executivos que o ordenamento jurídico oferece para esse fim, isto para não falar no procedimento e na jurisdição, de resto também fundamentais para se atingir a tutela jurisdicional adequada. (MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. 5ª. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006. p. 432). Obviamente que esses meios executivos (penhora, astreintes, expropriação) também se caracterizam como técnicas processuais hábeis a mediar a realidade certificada no processo à realidade da vida.

[14] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 6ª. Ed. Vol. I. São Paulo : Malheiros Editores, 2009. p. 60.

[15] Leciona o insigne processualista Cândido Rangel Dinamarco, em aclamada passagem doutrinária, que “técnica é a predisposição ordenada de meios destinados a obter certos resultados preestabelecidos. Toda técnica será cega e até perigosa se não houver a consciência dos objetivos a realizar, mas também seria estéril e de nada valeria a definição de objetivos sem a predisposição de meios técnicos capazes de promover sua realização. A técnica do processo visa em primeiro lugar à pacificação de indivíduos e grupos de indivíduos, eliminando conflitos mediante a realização da justiça. Na adequada aplicação da técnica processual cumpre ao juiz buscar soluções legitimamente descobertas no direito substancial bem interpretado, o que significa que, num plano imediato, essa técnica é instrumento a serviço da realização do direito substancial – embora, numa visão mais ampla, ambos se filiem ao escopo social de pacificar. A técnica processual é descrita de maneira mais visível nas leis e tem, portanto, indisfarçável tendência às conotações preponderantemente dogmáticas: cada ordem jurídico-processual difere, no tempo e no espaço, da ordem jurídico-processual de outros períodos históricos ou de outros países.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 6ª. Ed. Vol. I. São Paulo : Malheiros Editores, 2009. p. 60).

[16] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo : Malheiros Editores, 2006. p. 33.

[17] Hoje se concebe o direito fundamental à ação (CF/88, art. 5.º, XXXV) numa nova roupagem. Fala-se, assim, em direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, cujo significado engloba também o direito a técnicas processuais capacitadas a assegurar as tutelas jurisdicionais prometidas pelo direito material. Em sua perspectiva objetiva, os direitos fundamentais estabelecem valores cuja serventia é a de orientar toda a interpretação do ordenamento jurídico, norteando a postura dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A compreensão (ideal) mesma do ordenamento jurídico se legitima quando realizada com alicerce nos valores emanados pelos direitos fundamentais. Esses mesmos valores se propagam, irradiam-se sobre o direito positivo, fundindo-se a ele, moldando seus contornos de significação. É como o ar, que a todos invade e cuja necessidade não se pode prescindir. E se os direitos fundamentais são portadores dessa perspectiva objetiva, é  mesmo ajustado atribuir ao direito fundamental à tutela jurisdicional adequada o sentido de direito a técnicas processuais capacitadas a assegurar tutelas jurisdicionais prometidas pelo direito material. Trata-se de uma interpretação voltada a obrigar o próprio legislador a criar técnicas processuais aptas a garantir tutelas jurisdicionais segundo as necessidades devidamente anunciadas pelo direito material. Esse significado é, pois, resultado de uma análise hermenêutica focada na perspectiva objetiva do direito à tutela jurisdicional adequada, numa ótica dirigida ao legislador, mas, também, ao próprio juiz, caso haja omissão legislativa, ou mesmo inaptidão da técnica quando confrontada às necessidades do direito material e às particularidades do caso concreto.

[18] MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004. p. 34.

[19] Robson Renault Godinho é categórico ao informar que não basta disponibilizar técnicas processuais, pois seu adequado manejo é indispensável à prestação adequada da tutela jurisdicional. Estas as suas palavras: “A preocupação com a técnica processual se dá ao menos em dois planos: a) técnicas disponíveis para a tutela de direitos; 2) correto manejo das regras do processo pelos sujeitos que nele atuam. Ou seja: é necessária a existência de técnicas aptas para a realização do direito material; entretanto, apenas a previsão abstrata de técnicas é insuficiente se não há um manejo correto dos instrumentos postos à disposição dos sujeitos do processo.” (GODINHO, Robson Renault. Tutela jurisdicional diferenciada e técnica processual. Temas atuais das tutelas diferenciadas. Estudos em Homenagem ao Professor Donaldo Armelin. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 746).

[20] MAFFINI, Rafael da Cás. Tutela Jurisdicional: um ponto de convergência entre o direito e o processo. Revista AJURIS, Porto Alegre, n.º 76, dezembro de 1999. p. 263-288.

[21] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 9ª. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006. p. 962. Numa visão ainda mais aprofundada, há quem classifique a obrigação alimentar segundo as seguintes espécies: a) alimentos legais (ou legítimos); b) alimentos voluntários (contratuais e testamentários); e c) alimentos indenizatórios ou originados de ato ilícito. Cada qual tem por fonte, respectivamente: a) a relação familiar; b) o negócio jurídico; c) o ato ilícito causador do dano. Conferir críticas a essa classificação em: BOECKEL, Fabrício Dani de. Tutela jurisdicional do direito a alimentos. Porto Alegre : Editora Livraria do Advogado, 2007. p. 26.

[22] Quando impõe cumprir à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar às criança e aos adolescentes todo aquele elenco de direitos (vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade), quer mesmo o constituinte, num conceito mais simples, apenas lhes garantir a tutela ao direito de alimentos. Afinal, vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito e liberdade são todos designativos de um conceito maior, isto é, conferem sentido à idéia de alimentos. Pertinente, assim, a observação doutrinária de que os alimentos “legais” apresentam significado mais amplo se comparados à expressão comum e não-jurídica “alimentos”.

[23] Segundo Rolf Hanssen Madaleno, o dever de prestar alimentos funda-se “na solidariedade humana reinante nas relações familiares e que têm como inspiração fundamental a preservação da dignidade da pessoa humana, de modo a garantir a subsistência de quem não consegue sobreviver por seus próprios meios, em virtude de doença, falta de trabalho, idade avançada ou qualquer incapacidade que a impeça de produzir os meios materiais necessários à diária sobrevida.” (MADALENO, Rolf Hanssen. Renúncia a Alimentos. Revista Brasileira de Direito de Família, São Paulo, v. 6, n.º 27, dezembro de 2004 – janeiro de 2005, p. 147).

[24] Na esteira de Luiz Guilherme Marinoni, “para analisar a efetividade do processo no plano do direito material e, assim, sua concordância com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, é imprescindível tomar consciência das necessidades que vêm do direito material, as quais traduzem diferentes desejos de tutela.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004. p. 147-148).

[25] É manifesta a divergência doutrinária acerca do conceito de tutela diferenciada, de resto influenciada pela própria divergência também existente quanto ao próprio conceito de tutela jurisdicional. Acredita-se inadequado falar-se em tutela diferenciada, pois não é propriamente a tutela jurisdicional que se apresenta “diferenciada”, mas, sim, as técnicas processuais adotadas para salvaguardá-la. A tutela jurisdicional (lato sensu) é apenas o resultado logrado pela atividade jurisdicional mediante técnicas processuais, diferenciadas ou não.

[26] Existem outras características da obrigação alimentar, também responsáveis, em alguma medida, pela diferenciação das técnicas processuais instituídas para a sua tutela. Essas características geram, assim, algum tipo de repercussão no processo. São elas: a) imprescindibilidade dos alimentos, b) irrepetibilidade dos alimentos prestados, c) retroatividade limitada, e d) periodicidade. Para uma compreensão adequada de todas essas características, bem assim da influência que exercem na elaboração e compreensão das técnicas processuais destinadas à tutela do direito a alimentos, recomenda-se a leitura de: BOECKEL, Fabrício Dani de. Tutela jurisdicional do direito a alimentos. Porto Alegre : Editora Livraria do Advogado, 2007.

[27] GUERRA, Marcelo Lima. Execução Indireta. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998. p. 227-228.

[28] BOECKEL, Fabrício Dani de. Tutela jurisdicional do direito a alimentos. Porto Alegre : Editora Livraria do Advogado, 2007. p. 39. Belmiro Pedro Welter leciona, na mesma senda, que esse tratamento especial conferido pelo legislador ao crédito alimentar justifica-se porque representa a preservação da vida, a qual tem preferência sobre qualquer outro direito, além de ser o primeiro direito posto a disposição do ser humano, até porque de nada adiantariam outros direitos sem ela. (WELTER, Belmiro Pedro. Alimentos no Código Civil. 2ª. Ed. São Paulo : IOB-Thompson, 2004, p. 355).

[29] No mesmo sentido a Súmula 100 do Superior Tribunal de Justiça: “Os créditos de natureza alimentícia gozam de preferência, desvinculados os precatórios da ordem cronológica dos créditos de natureza diversa.”

[30] Conforme leciona Donaldo Armelin “presentes diferenciados objetivos a serem alcançados por uma prestação jurisdicional efetiva, não há porque se manter um tipo unitário desta ou dos instrumentos indispensáveis a sua corporificação. A vinculação do tipo da prestação à sua finalidade específica, espelha a atendibilidade desta; a adequação do instrumento ao seu escopo potencia o seu tônus de efetividade.” (ARMELIN, Donaldo. Tutela jurisdicional diferenciada. Revista de Processo, 65. Jan./Mar. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1992. p. 45).

[31] Transcreva-se importante observação de Robson Renault Godinho: “(…) verifica-se que o procedimento pode consistir na diferenciação da tutela, desde que haja modificação do resultado obtenível no procedimento que pode ser designado como sendo o comum, tornando efetiva a tutela jurisdicional. Advirta-se que a diferenciação da tutela pode significar sacrifício de direitos do réu, motivo pelo qual os interesses em jogo devem ser ponderados para que não haja nenhum excesso constitucionalmente vedado na consagração de instrumentos diferenciados.” E conclui, citando passagem doutrinária da autoria de Luiz Guilherme Marinoni: “A importância da tutela jurisdicional diferenciada está no reconhecimento da necessidade de o processo adaptar-se a diferentes situações decorrentes do direito material, que, exatamente por serem variadas, não são adequadamente tuteladas por um único procedimento comum ou ordinário. Vale lembrar que “o fato de o processo civil ser autônomo em relação ao direito material não significa que ele possa ser neutro ou indiferente às variadas situações de direito substancial.” (GODINHO, Robson Renault. Tutela jurisdicional diferenciada e técnica processual. Temas atuais das tutelas diferenciadas. Estudos em Homenagem ao Professor Donaldo Armelin. São Paulo : Saraiva, 2009. p. 743-744).

[32] Bem evidencia a imprescindibilidade dos alimentos a lição de Fabrício Dani de Boeckel: “Quanto aos alimentos (…) não pode haver dúvida de que a proteção jurisdicional deve ser prestada antes que se consume o dano. Conforme dito anteriormente, os alimentos consistem em prestação indispensável ao atendimento de necessidades atuais e prementes do respectivo credor, sendo imprescindíveis à sua sobrevivência. Nessa medida, o cumprimento tardio da obrigação compromete os direitos fundamentais à vida e à dignidade do alimentando, caracterizando-se como algo inconcebível diante da proteção constitucional a todos assegurada.” (BOECKEL, Fabrício Dani de. Tutela jurisdicional do direito a alimentos. Porto Alegre : Editora Livraria do Advogado, 2007. p. 89).

[33] BOECKEL, Fabrício Dani de. Tutela jurisdicional do direito a alimentos. Porto Alegre : Editora Livraria do Advogado, 2007. p. 84.

[34] As técnicas processuais (lato sensu) abrangem não apenas os procedimentos, senão ainda as técnicas processuais (stricto sensu) que os compõem. Técnica processual (lato sensu) é gênero, do qual são espécies procedimento e demais técnicas processuais (stricto sensu), as quais caracterizam os contornos desse mesmo procedimento.

[35] Não há como se atribuir natureza cautelar ao procedimento instituído nos arts. 852 a 854 (alimentos provisionais). Afinal, antes de apenas acautelar com o propósito de assegurar futura execução, proporciona efetividade ao direito perseguido.  A tutela jurisdicional que se origina de tal procedimento não é propriamente cautelar, mas, sim, satisfativo. Seu propósito é efetivamente entregar ao demandante, mesmo que em caráter provisório, a tutela jurisdicional de direito a alimentos.

[36] Hoje, o procedimento ordinário realmente se mostra adequado à tutela do direito alimentar, especialmente pela inserção do instituto da antecipação de tutela pela Lei n.º 8.952/1994 (CPC, art. 273), o qual permite, em todo e qualquer caso, a aceleração provisória da tutela jurisdicional de direito, desde que presentes alguns requisitos. É de se dizer, ademais, que, diante dos novos contornos conferidos ao rito ordinário, o pseudoprocedimento cautelar de alimentos provisionais, também regulado pelo CPC (art. 852 a 854), perdeu totalmente a sua utilidade. Confira-se, nesse sentido, a lição de Fabrício Dani de Boeckel: “Seguindo essa linha, percebe-se que as razões justificadoras da existência e mesmo a utilidade de tal procedimento [cautelar de alimentos provisionais] não mais se fazem presentes: nos dias atuais não mais se questiona a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela satisfativa; admite-se de forma pacífica que a efetividade da jurisdição, em muitos casos, só pode ser assegurada através de medidas urgentes, fundadas apenas na verossimilhança das alegações e no perigo de dano irreparável ou de difícil reparação; a própria disciplina legal da técnica antecipatória foi objeto de significativo avanço, reduzindo bastante seus inconvenientes. Com isso, em suma, o rito destinado a fixação de ‘alimentos provisionais’ tornou-se despiciendo e até mesmo inadequado. Os fins a que servia podem hoje ser alcançados por caminhos menos tortuosos, privilegiando a economia processual, sem causar maior comprometimento à segurança jurídica e inclusive sem dar ensejo à desnaturação da prestação alimentar (pois ‘cautelar’ obviamente ela não é).” E conclui: “Registre-se, por oportuno, que o procedimento estabelecido para a fixação de ‘alimentos provisionais’ foi arquitetado com o objetivo de proporcionar uma célere decisão quanto ao pensionamento devido ao alimentando, tudo com base numa cognição sumária sob o prisma vertical, exercida noutro processo que não o principal (‘definitivo’), uma vez que, neste último, os provimentos antecipatórios não eram aceitos por falta de expressa previsão legal e por supostamente atentarem contra a segurança jurídica. Atualmente, contudo, o processo ‘cautelar de alimentos provisionais’ não deveria ser visto como mero acessório do feito principal, exigindo a propositura dessa outra demanda paralela, visando a uma decisão definitiva. Afinal, a tornar como acertadas as conclusões da corrente que defende a acessoriedade dos ‘alimentos provisionais’, esse processo dito ‘cautelar’ seria complemente inócuo, por exigir a propositura de mais uma demanda sobre o mesmo objeto: para que hoje tivesse alguma utilidade, deveria ser ampliada a cognição (tornando-se exauriente), a fim de não duplicar o trabalho a ser desenvolvido pelo Judiciário.” (BOECKEL, Fabrício Dani de. Tutela jurisdicional do direito a alimentos. Porto Alegre : Livraria dos Advogados Editora, 2007. p. 122-123)

[37] Francisco José Cahali justifica a Lei n.º 11.804/2008 principalmente em vista à filiação havida fora do casamento, pois, consoante afirma, em casos tais a tendência doutrinária e jurisprudencial sempre foi pela rejeição da pretensão alimentar em favor do nascituro, mais em razão da incerteza jurídica provocada pela inexistência de vínculo entre os genitores. Muitos sustentavam seus argumentos em barreiras processuais (inexistência de prova pré-constituída da obrigação alimentar), embora outros, poucos, defendiam a inexistência de previsão legal como empecilho ao deferimento da pretensão material. Conclui o festejado jurista: “Neste cenário, de pouca relevância a inovação legislativa em benefício do nascituro havido no casamento, porém, pertinente a previsão, como, aliás, se contém no art. 6.º nos casos de “mãe solteira”, não no sentido pejorativo, mas no seu significado real (genitora sem núpcias com o genitor, ainda que existente união estável). Para estes casos – mães solteiras – se rompe uma barreira de preconceito lastreado em alguns julgados e doutrina que encontravam restrições processuais e materiais para garantir ao nascituro as condições saudáveis durante a gestação.” (CAHALI, Francisco José. Alimentos Gravídicos. Direito das Famílias. Contributo do IBDFAM em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira. Organização Maria Berenice Dias. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2009. p. 579-580).

[38] Adiante se verá que se optou pela teoria concepcionista, a qual atribui ao nascituro capacidade de direito e o trata, portanto, como verdadeira pessoa, sujeito de direitos e deveres na ordem civil.

[39] No presente ensaio as expressões nascituro, pessoa embrionária, concepto e feto, serão todas utilizadas como sinônimas, apesar das diferenças conceituais entre elas existentes.

[40] É interessante ressaltar a existência de um procedimento próprio para assegurar os direitos sucessórios do nascituro. Trata-se da ação de posse em nome do nascituro, disciplinada pelos arts. 877 e 878 do CPC.  Por meio dela se busca investir a grávida, ou eventual curador, na posse dos direitos do nascituro (CPC, art. 878).

[41] Em defesa à tese concepcionista, Zoraide Sabaini dos Santos Amaro é contundente: “(…) Ao dissertar sobre a matéria parte-se da premissa de que a proteção inicia-se desde a concepção ou fecundação do embrião, e não somente após o nascimento com vida, objetivando-se uma ampla proteção do nascituro, tendo em vista que a vida precisa ser protegida, principalmente diante dos avanços científicos atuais experimentados na Biociência. Uma conciliação entre o progresso científico e um Direito que salvaguarde, em especial, a dignidade humana, é necessária que seja encontrada, vez que nem tudo que é cientificamente possível deve ser permitido.” E conclui: “Tem-se, portanto, que por mais entendimentos conservadores e seus defensores queiram se esconder por detrás de algumas doutrinas bem construídas ou crenças bem enraizadas, convém não olvidar que tendo essencial direito à vida, o nascituro tem dignidade humana, que deve do mesmo modo ser reconhecida, respeitada e protegida. Além desses direitos humanos que hão de ser-lhe juridicamente reconhecidos, outros direitos podem ser-lhe outorgados e garantidos.” (AMARO, Zoraide Sabaini dos Santos. O reconhecimento da personalidade jurídica do nascituro desde a concepção no sistema jurídico nacional como forma de solidificar a exigente atuação integral do fenômeno humano nas relações jurídicas. Disponível em: <www.conpedi.org>).

[42] VIANNA, G.C. O nascituro como sujeito de direitos – início da personalidade civil: proteção penal e civil. In.: BUSTAMENTE, Ricardo, SODRÉ, Paulo César (coord.). Ensaios Jurídicos. V. 1. Rio de Janeiro : Instituto Brasileiro de Atualização Jurídica, 1996. p. 292-295).

[43] Confiram-se as seguintes passagens doutrinárias em defesa da personalidade jurídica do nascituro: “(…) percebe-se que a doutrina vem firmado posição de reconhecimento dos direitos da personalidade jurídica no nascituro. Inúmeros são os casos em que o legislador direciona a norma jurídica para aqueles que apenas foram concebidos, não importando, ao que parece averiguar se a concepção foi intra-ulterina ou extra-ulterina. É relevante destacar que a Constituição Federal de 1988, no art. 5.º, incisos V, X e XXVIII, dispõe serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito de indenização pelo dano material decorrente de sua violação, todos direitos da personalidade compatíveis com a condição do nascituro, de pessoa por nascer (…). ”( AMARO, Zoraide Sabaini dos Santos. O reconhecimento da personalidade jurídica do nascituro desde a concepção no sistema jurídico nacional como forma de solidificar a exigente atuação integral do fenômeno humano nas relações jurídicas. Disponível em: <www.conpedi.org>). “(…) O nascituro é pessoa porque traz em si o germe de todas as características do ser racional. A sua imaturidade não é essencialmente diversa da dos recém-nascidos, que nada sabem da vida e, também não são capazes de se conduzir. O embrião está para a criança como a criança está para o adulto. Pertencem aos vários estágios de desenvolvimento de um mesmo e único ser: o homem, a pessoa.” (FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de direito civil. 3ª. ed. São Paulo : Saraiva, 1988. p. 50). “(…) juridicamente, entram em perplexidade total aqueles que tentam afirmar a impossibilidade de atribuir capacidade ao nascituro, ‘por este não ser pessoa’. A legislação de todos os povos civilizados é a primeira a desmenti-lo. Não há nação que se preze (até a China) onde não se reconheça a necessidade de proteger os direitos do nascituro (Código Chinês, art. 1.º). Ora, quem diz direito, afirma capacidade. Quem afirma capacidade, reconhece personalidade.” (ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. São Paulo : Saraiva, 2000. p. 160).

[44] A jurisprudência já reconhecia capacidade para ser parte ao nascituro, devidamente representado, para demandar em juízo, mesmo antes da edição da Lei n.º 11.804/2008. A seguinte emenda prova esse fato: “Investigação de paternidade. Nascituro. Capacidade para ser parte. Ao nascituro assiste, no plano do direito processual, capacidade para ser parte, como autor ou como réu. Representando o nascituro, pode a mãe propor a ação investigatória, e o nascimento com vida investe o infante na titularidade da pretensão de direito material, até então apenas uma expectativa resguardada. Ação personalíssima, a investigatória somente pode ser proposta pelo próprio investigante, representado ou assistido, se for o caso; mas, uma vez iniciada, falecendo o autor, seus sucessores tem direito de, habilitando-se, prosseguir na demanda. Inaplicabilidade da regra do art. 1.621 do Código Civil.” (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 583052204, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Athos Gusmão Carneiro, Julgado em 24/04/1984).

[45] Então, naquilo que não contrastar com a Lei n.º 11.804/2008, o procedimento por ela regido há de seguir especialmente as formas estabelecidas pela Lei n.º 5.478/1968, sobretudo em face das necessidades emergenciais que caracterizam o direito material perseguido. Dito de outro modo, a preferência de se aplicar supletivamente, e em primeiro lugar, a Lei de Alimentos (Lei n.º 5.478/68), e não o CPC, justifica-se porque a primeira institui procedimento e técnicas processuais mais consentâneos às necessidades do direito material a alimentos, o qual, em razão do caráter emergencial que quase sempre o acompanha, deve estar ajustado aos valores efetividade e celeridade.

[46] Há, contudo, quem pense diferentemente. Defendem a possibilidade de utilização do procedimento instituído pela Lei n.º 11.804/2008 para a simples cobrança de valores que cubram as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela provenientes. Advogam, pois, a utilização do procedimento diferenciado com o mero objetivo de cobrar essas despesas, mesmo ausente a urgência, que é – acredita-se – essencial à utilização das formas dispostas pela Lei especial.

[47] Nessa linha, a lição de Douglas Phillips Freitas: “A leitura do texto legal informa claramente que os valores dos alimentos gravídicos compreendem aqueles ‘adicionais do período de gravidez’, ‘a juízo do médico’. Ou seja, salvo se a genitora não possuir condições de autossustento, o que poderá prejudicar o desenvolvimento fetal, há que se instruir a exordial com documento médico que determine ‘alimentação especial’ ou ‘demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis’ (como nos casos de gravidez de risco, diabetes gestacional, entre outros). Já no tocante à possibilidade de despesas ‘outras que o juiz’ considerar pertinentes, deverão estas ser discriminadas, para que não haja julgamento extra ou ultra petita.” (FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos e a Lei n.º 11.804/08, Revista Jurídica Consulex. Ano XIII. N.º 298. 15 de junho de 2009. p. 36-37).

[48] Consoante leciona Francisco José Cahali: “Observe-se, por oportuno, ser indispensável a demonstração de serem as despesas em função da gravidez, não aquelas pessoais da gestante. À gestante, por mais que tenha necessidade, caberá buscar seus alimentos em face do genitor apenas e tão-somente se pela legislação civil for merecedora (como cônjuge ou companheira).” (CAHALI, Francisco José. Alimentos Gravídicos. Direito das Famílias. Contributo do IBDFAM em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira. Organização Maria Berenice Dias. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2009. p. 583).

[49] Justamente por se tratar de um procedimento diferenciado, compromissado com os valores constitucionais da efetividade e da celeridade, é que não se admite cumulação de pedidos. É essa também a visão de Francisco José Cahali: “E considerando o rito especial eleito pelo legislador aos alimentos gravídicos, restará vedada a cumulação de pedidos, o que, ademais, não se faria proveitosa, pois ensejaria inadequada confusão de fundamentos (fáticos e jurídicos) para uma e outra pretensão.” Enfim, conclui, em nota de rodapé: “Caso, porém, pretendidos alimentos ao nascituro sem ser com fundamento na lei, mas seguindo a então jurisprudência e doutrina, especialmente nos casos de filiação havida no casamento, daí sim caberá a cumulação dos pedidos, em ação de alimentos pelo rito especial, ou cautelar, seguida de principal com o pedido de tutela definitiva a respeito, cumulado ou não com outras pretensões (por exemplo, separação, reconhecimento e dissolução de união estável etc.).” CAHALI, Francisco José. Alimentos Gravídicos. Direito das Famílias. Contributo do IBDFAM em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira. Organização Maria Berenice Dias. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2009. p. 583-584).

[50] Apelação cível. Ação de alimentos. Não comparecimento do autor à audiência de conciliação e julgamento. Aplicação do disposto no art. 7.º da Lei 5.478/68. Arquivamento do pedido. Situação que não pode ser interpretada como desistência da ação. Impossibilidade de extinção do feito sem julgamento do mérito. Medida que não se confunde com o arquivamento previsto na Lei de Alimentos. Inteligência dos §§ 1.º e 4.º do art. 267 do CPC. Do próprio art. 267, § 1º, do CPC extrai-se que arquivamento do pedido e extinção do processo não ocorrem em concomitância, além de serem conceitos que não se confundem. Ou seja, ainda que tramite o processo sob o rito da Lei de Alimentos, não se pode conferir a seu art. 7º a interpretação observada na sentença, que extinguiu o feito sem julgamento de mérito a partir do arquivamento previsto no dispositivo acima citado. A ausência prevista na Lei de Alimentos não pode ser interpretada como desistência da ação.” (Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Apelação cível n.º 1.0702.04.167320-4/001(1), Sétima Câmara Cível, Relator Desembargador Wander Marotta, julgado em 08/05/2007, disponível em: <www.tjmg.jus.br>).

[51] A jurisprudência avaliza capacidade para ser parte a determinados órgãos destituídos de personalidade jurídica. As hipóteses são sempre excepcionais. É o caso das prefeituras municipais e câmaras de vereadores, às quais, não obstante despersonalizadas, também possuem o personalidade judiciária, isto é, podem figurar em juízo em seu próprio nome, mas apenas na defesa de suas prerrogativas institucionais. Mesmo que algum desses entes ou órgãos não tenha, enfim, capacidade de direito no plano material, no que toca ao direito processual é aceitável que atuem como partes (demandante e demandado) ou mesmo intervenientes.

[52] Adota-se, aqui, a teoria concepcionista. Acredita-se, assim, que o nascituro detém capacidade de direito e, por conseguinte, capacidade para ser parte (pressuposto processual) e legitimidade para agir (condição da ação) em demandas cuja tutela jurisdicional direciona-se à satisfação de seus direitos. Sem embargo, mesmo que se adote posição contrária, não é possível negar que o Judiciário tem admitido que o próprio nascituro, devidamente representado pela mãe gestante, promova demandas judiciais. Nessa linha, a lição de William Artur Pussi: “A regra é a capacidade de ser parte acompanhar a personalidade. Entretanto, casos existem em que a capacidade de ser parte aparece, mesmo sem personalidade. (…) Assim, parte da doutrina bem como a jurisprudência reconhecem ao nascituro a capacidade de ser parte ativa. E nem poderia ser diferente, visto que, se a lei civil garante-lhe direitos, nada mais óbvio e até mesmo necessário que lhe conceda meios para a defesa destes direitos através de sua capacitação para demandar no pólo ativo. Todavia, o nascituro não pode agir por si mesmo, quer do ponto de vista jurídico (por lhe faltar capacidade de agir), quer do ponto de vista físico (por viver comprimido ao ventre materno sem possibilidade de atuação), fato que impõe a representação quer pela mãe, quer pelo pai ou até mesmo, pelo curador.” (PUSSI, William Artur. Personalidade jurídica do nascituro. Curitiba : Editora Juruá, 2008. p. 162).

[53] Outra, entretanto, é a posição do insigne Yussef Said Cahali: “Aqui, às expressas (a lei disciplina o direito de alimentos da mulher gestante), a titular da pretensão é a mulher, com direito próprio para exigir a coparticipação do autor de sua gravidez nas despesas que se lhe fizerem necessárias no transcorrer da gestação, exclusivamente em função do estado gravídico. O nascituro, em inteira consonância com o disposto no art. 2.º do CC/2002, somente terá direito a pensão alimentícia, por conversão dos alimentos gravídicos, quando nascer com vida (art. 6.º, parágrafo único, da Lei 11.804/2008).” E continua: “Em outros termos, a Lei 11.804/2008 procura proporcionar à mulher grávida um autêntico auxílio-maternidade, sob a denominação lato sensu de alimentos, representado por uma contribuição proporcional a ser imposta ao suposto pai, sob forma de participação nas despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.” (CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 6ª. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2009. p. 353).

[54] Esta também a posição de Denis Donoso, em interessante ensaio sobre o tema: “Não me parece, contudo, sem razão a formação de um litisconsórcio (mãe e nascituro) ou o pedido feito direta e exclusivamente pelo nascituro, na medida em que a edição da nova lei não é suficiente para afastar as conclusões a que cheguei logo acima, quando tratei dos direitos do nascituro e sua proteção judicial.” (DANOSO, Denis. Alimentos gravídicos. Aspectos materiais e processuais da Lei n.º 11.804/2008. Disponível em: <www.jus.com.br>).

[55] MARINONI, Luiz Guilherme. A efetividade do processo e tutela de urgência. Porto Alegre : SAFe, 1994. P. 15.

[56] WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1987. P. 41.

[57] Alexandre Freitas Câmara, munindo-se das lições de Kazuo Watanabe, identifica a cognição nos seus planos vertical e horizontal. Esclarece o jurista: “Assim é que, horizontalmente considerada (plano de extensão), a cognição é plena ou limitada. Será plena quando todos os elementos do trinômio que constitui o objeto da cognição estejam submetidos à atividade cognitiva do juiz. É o que se dá no processo de conhecimento. Pense-se, por exemplo, numa “ação de alimentos”, demanda de natureza condenatória (e pertencente, portanto, às “ações de conhecimento”). O juiz ali analisará questões preliminares (como, e.g., as referentes à regularidade do processo), questões prejudiciais (como a relação de parentesco entre demandante e demandado) e, por fim, a pretensão condenatória manifestada pelo autor em face do réu. De outro lado, a cognição será limitada, quando alguns destes elementos (de ordinário o mérito da causa) for subtraído da atividade cognitiva, como ocorre no processo de execução, no qual o juiz, como já afirmado, não julga o meritum causae”. E continua: “No plano vertical (profundidade ou intensidade), a cognição pode ser exauriente, sumária ou superficial. Tem-se cognição exauriente quando ao juiz só é lícito emitir seu provimento baseado num juízo e certeza. É o que normalmente ocorre no processo de conhecimento. A cognição é sumária quando o provimento jurisdicional deve ser prolatado com base num juízo de probabilidade (como no caso da tutela antecipatória – art. 273 CPC). Por fim, tem-se cognição superficial (ou sumaríssima) em casos – de resto não muito freqüentes – em que o juiz deve se limitar a uma análise perfunctória das alegações, sendo a atividade cognitiva ainda mais sumária do que a exercida na espécie que leva este nome. Tal espécie de cognição é exercida, e.g., no momento de se verificar se deve ou não ser concedida medida liminar no processo cautelar. Se nesta espécie de processo (utilizando-se aqui da classificação tradicional dos processos quanto ao provimento jurisdicional pleiteado) a atividade cognitiva final é sumária (uma vez que o juiz não verifica se existe o direito substancial alegado pelo demandante, mas tão só a probabilidade dele existir – fumus boni iuris), é óbvio que para verificar se deve ou não ser antecipada a concessão de tal medida através de liminar não se pode permitir que o juiz exerça, também aqui, cognição sumária, sob pena de se obrigar o juiz a invadir de forma indevida o objeto do processo cautelar. Deverá o julgador, portanto, exercer cognição superficial. Ao invés de buscar o requisito do fumus boni iuris, deverá verificar o juiz a probabilidade de que tal requisito se faça presente (algo como um fumus boni iuris de fumus boni iuris)”. Finalmente conclui: “Visto isso, podemos chegar à seguinte conclusão: há processos de cognição PLENA E EXAURIENTE (como os processos de conhecimento que seguem o procedimento comum – ordinário ou sumário), PLENA E SUMÁRIA (como no processo cautelar), LIMITADA E EXAURIENTE (como no processo de execução, em que o julgador não pode examinar o mérito – cognição limitada – mas profere juízo de certeza sobre as questões preliminares – cognição exauriente), LIMITADA E SUMÁRIA (como na “ação de separação de corpos”, em que a impossibilidade de se discutir a presença de alguma causa para que se dissolva o vínculo matrimonial limita a cognição, e a urgência com que se necessita do provimento implica na sumariedade da atividade cognitiva).” (CÂMARA, Alexandre Feitas. O objeto da cognição no processo civil. Escritos de direito processual. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2001. p. 85-86).

[58] Deve ficar claro que a permissão de se realizar prova indiciária nada mais é do que uma exigência das próprias necessidades do direito material a alimentos gravídicos. Basta perceber que eventual exame técnico para demonstrar a paternidade, a ser empreendido na mulher grávida, além de economicamente inviável para grande parcela da população nacional, coloca em risco o próprio desenvolvimento do nascituro. Portanto, a Lei n.º 11804/2008 encontra-se ajustada ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Aliás, a respeito da correlação entre direito a prova e direito ao acesso à justiça, pertinente a lição de Luiz Guilherme Marinoni: “Se o juiz deve se convencer de algo que está no plano do direito mateiral, obviamente não há como dele exigir uma convicção uniforme. Em alguns casos, como os de lesões pré-natais, de seguro e relativos a atividades perigosas, a redução das exigências de prova ou de convicção de certeza é mera decorrência da própria natureza do direito material. Diante deles é admitida a convicção de verossimilhança, pois tais situações têm particularidades específicas, suficienbtes para demonstrar que a exigência de prova plena seria contrária ao desejo do direito material. (…)” (MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Teoria Geral do Processo. Vol. 1.º. 3ª. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2008. p. 328).

[59] Sobre o popular “Exame de DNA”, aponte-se, apenas como registro, o teor da Súmula 301 do STJ: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.” A jurisprudência, portanto, adota a prova indiciária como forma de se atingir conclusão sobre a relação de paternidade. Pauta-se o juiz em um fato conhecido e evidenciado (negativa do suposto pai de se submeter ao exame de DNA) para deduzir sobre a existência de outro fato não propriamente conhecido (a relação de paternidade). Recentemente, aliás, foi publicada a Lei n.º 12.004/2009, destinada justamente a estabelecer a presunção de paternidade no caso de recusa do suposto pai em submeter-se ao exame de código genético (DNA). Impõe a aludida legislação que a recusa do réu em se submeter ao “Exame de DNA” gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.

[60] JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 47ª. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2007. p. 482. Na mesma esteira, Cassio Scarpinella Bueno leciona que as presunções não são meios de prova, mas métodos de raciocínio ou de convencimento que a lei pode assumir com maior ou menor intensidade em alguns casos para dispensar a produção da prova. Pelas presunções – continua o festejado processualista –, independentemente de sua fonte, autoriza-se que o juiz construa o seu pensamento a partir de atos e fatos auxiliares, isto é, que não guardam direta pertinência com o seu objeto de conhecimento – são os usualmente chamados indícios –, mas que permitem a formulação de uma conclusão sobre o que ocorreu ou sobre as consequências daquilo que ocorreu. (BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Procedimento comum ordinário e sumário. Vol. 2. Tomo I. São Paulo : Saraiva, 2007.  p. 239).

[61] É importante, outrossim, não vincular procedimento sumário à cognição sumária. A lição de Fabrício Dani de Boeckel, escorada nos ensinamentos de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, é precisa a respeito disso, e bem serve também para as demandas voltadas a tutela de alimentos gravídicos, conquanto elaborada para ilustrar a cognição na ação de alimentos: “(…) Isso porque a ‘sumarização’ do procedimento não se dá às custas da redução da certeza, da segurança jurídica. Decorre, isto sim, de mera simplificação formal do rito, com a supressão de atos cuja falta não compromete a finalidade e as garantias do processo, além do encurtamento de prazos e da concentração dos atos processuais em audiência, tudo visando à aceleração do julgamento, mas sem diminuir de modo significativo o grau de certeza que o juízo pode atingir.” (BOECKEL, Fabrício Dani de. Tutela jurisdicional do direito a alimentos. Porto Alegre : Editora Livraria do Advogado, 2007. p. 122).

[62] Confira-se a crítica contundente de Maria Berenice Dias ao disposto no art. 8.º (vetado): “É concedido o réu o prazo de resposta de 5 dias. Caso ele se oponha à paternidade a concessão dos alimentos vai depender de exame pericial. Este, às claras é o pior pecado da lei. Não há como impor a realização de exame por meio da coleta de líquido amniótico, o que pode colocar em risco a vida da criança. Isso tudo sem contar com o custo do exame, que pelo jeito terá que ser suportado pela gestante. Não há justificativa para atribuir ao Estado este ônus. E, se depender do Sistema Único de Saúde, certamente o filho nascerá antes do resultado do exame.” (DIAS, Maria Berenice. Alimentos gravídicos? Disponível em: <www.mariaberenicedias.com.br>. Acessado em 20/08/2009).

[63] BOECKEL, Fabrício Dani de. Tutela jurisdicional do direito a alimentos. Porto Alegre : Editora Livraria do Advogado, 2007. p. 122.

[64] MARCATO, Antonio Carlos. Considerações sobre a tutela jurisdicional diferenciada. Disponível em: <www.mundojuridico.adv.br> Acessado em 20/08/2009.

[65] Interessante notar que em se tratando de direito a alimentos – leciona Fabrício Dani de Boeckel – sempre que a tutela for antecipada, o será com o intuito de permitir a adoção de medida com caráter preventivo em favor do alimentando. Afinal, em causas de tal natureza, o dano é essencialmente irreparável, somente sendo efetiva a tutela quando concedida previamente, vale dizer, antes que o alimentando sofra as consequências da falta de recursos para sua mantença. (BOECKEL, Fabrício Dani de. Tutela jurisdicional do direito a alimentos. Porto Alegre : Editora Livraria do Advogado, 2007. p. 90).

[66] É de Luiz Eduardo Ribeiro Mourão a seguinte definição de coisa julgada: “(…) a res iudicata é uma situação jurídica que se caracteriza pela proibição de repetição do exercício da mesma atividade jurisdicional, sobre o mesmo objeto, pelas mesmas partes (e, excepcionalmente, por terceiros), em processos futuros. Para alcançar esse desiderato, vale-se o legislador de duas técnicas processuais: a) veda a repetição da demanda e b) imutabiliza as decisões judiciais transitadas em julgado.” (MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Coisa Julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 29).

[67] Segundo leciona Humberto Theodoro Junior, prejudicial “é aquela questão relativa a outra relação ou estado que se apresenta como mero antecedente lógico da relação controvertida (à qual não diz diretamente respeito, mas sobre a qual vai influir), mas que poderia, por si só, ser objeto de um processo separado. São exemplos de questões prejudiciais as que se relacionam com o domínio da coisa numa ação de indenização de danos; à sanidade mental do devedor ao tempo da constituição da dívida numa ação de cobrança; à relação de paternidade numa ação de alimentos etc. Por não dizerem respeito diretamente à lide, situam-se as questões prejudiciais como antecedentes lógicos da conclusão da sentença. Não se integram, portanto, no seu dispositivo, que é a única parte do julgado que atinge a culminância de res iudicata.” (JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 47ª. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2007. p. 608).

[68] Segundo o art. 293 do CPC, os pedidos são interpretados restritivamente. Porém, o mesmo dispositivo, em sua segunda parte, abre uma exceção à regra da interpretação restritiva, de sorte a admitir pedido implícito de juros legais. Tratando-se, enfim, de demanda cuja postulação traduz-se em obrigação de pagar quantia, eventual condenação do principal, independentemente de requerimento expresso, atinge também os juros legais (moratórios). Outros pedidos que sempre devem ser considerados pelo juiz, ainda que implícitos: a) correção monetária (Lei n.º 6.899/81; b) despesas processuais; c) honorários advocatícios (CPC, art. 20); d) pedido de prestações periódicas vincendas (CPC, art. 290). O que fez a Lei n.º 11.840/2008 foi criar nova hipótese de pedido implícito, condicionando sua eficácia ao nascimento com vida do nascituro. Mesmo ausente requerimento expresso, já se sabe de antemão que, o julgamento de procedência importa também conversão da condenação de alimentos gravídicos em pensão alimentícia ao infante, a parir do seu nascimento com vida.

[69] COUTURE, Eduardo J. Fundamentos Del derecho procesal civil. Depalma. 3ª. Edición. Buenos Aires. 1.985, p. 422.

[70] MOURÃO, Luiz Eduardo Ribeiro. Coisa Julgada. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 229.

[71] JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. 47ª. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2007. P. 616.

[72] FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos e a Lei n.º 11.804/08, Revista Jurídica Consulex. Ano XIII. N.º 298. 15 de junho de 2009. p. 36-37.

[73] FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos e a Lei n.º 11.804/08, Revista Jurídica Consulex. Ano XIII. N.º 298. 15 de junho de 2009. p. 36-37

[74] FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos e a Lei n.º 11.804/08, Revista Jurídica Consulex. Ano XIII. N.º 298. 15 de junho de 2009. p. 36-37

[75]  Refere-se a versão publicada na Revista Brasileira de Direito Processual n.º 68, publicada pela Editora Fórum, em dezembro/2009. Este o trecho que se encontra registrado no aludido periódico: “Não há se falar, por outro lado, em ressarcimento dos valores pagos a título de alimentos gravídicos, dada a sua natureza peculiar. É bem verdade que o projeto previa originariamente a responsabilidade objetiva da demandante, pelos danos materiais e morais causados ao demandado, em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade. Tal dispositivo acabou, todavia, sendo alvo de veto. Portanto, apenas se restar provado que a demandante valeu-se do procedimento para lograr auxílio financeiro de terceiro que sabia não se tratar do suposto pai, é que eventual indenização poderá ser concedida, mas em demanda ajuizada para este propósito específico. (FREITAS, Douglas Phillips. Alimentos gravídicos e a Lei n.º 11.804/08, Revista Jurídica Consulex. Ano XIII. N.º 298. 15 de junho de 2009. p. 36-37).”

[76] Confira-se a lição de Francisco José Cahali: “O reconhecimento da paternidade nesta ação de alimentos gravídicos se faz incidenter tantum, como requisito à imposição da obrigação ao réu. Pode, porém, acontecer que a paternidade venha a ser afastada, após a instrução do feito. Para esta hipótese, a lei, em sua versão aprovada pelo Congresso, estabelecia a responsabilidade objetiva do autor, por danos morais e materiais, a ser liquidada nos próprios autos. Tal artigo, como outros, foi vetado, veto este prestigiado por alguns comentaristas do Projeto de Lei (…). Diversamente, porém, entendemos que o veto não retira a responsabilidade civil decorrente da iniciativa impropriamente direcionada a quem não é pai. Mesmo sem previsão na lei (que aliás é mesmo desnecessária, salvo para prever a apuração nos próprios autos como então proposto), a responsabilidade existe, pelo direito comum (direito civil), e sendo a autora a gestante, em face dela deverá ser direcionada a ação (não contra o menor), pelo prejuízo causado, ainda que ausente dolo, ou mesmo má-fé. Lembre-se, ainda, ser da mãe a responsabilidade civil perante terceiros quando ainda menor o filho (CC,a rts. 932, I, e 933) e assim, mesmo que até o final do processo tenha havido a substituição processual, ainda é da genitora a responsabilidade. E esta obrigação de indenizar, antes de ferir o direito de acesso à justiça, em nosso sentir, confere a este maior seriedade e responsabilidade. Aliás, o próprio princípio da sucumbência consagrado em nossa e diversas legislações, representa, em certa medida, exatamente impor ao vencido uma responsabilidade em indenizar o vencedor em um dano com valor presumido, e jamais se cogitou em considerar a sucumbência como ofensiva ao acesso à justiça. Por outro lado, seria totalmente despropositado, e aí sim agressivo ao direito de acesso à justiça, impor-se ao réu, e sem lei para tanto, um prejuízo do qual não se deu causa, sem garantir a ele o direito de pretender no Judiciário a respectiva recomposição diante da lesão sofrida.” (CAHALI, Francisco José. Alimentos Gravídicos. Direito das Famílias. Contributo do IBDFAM em homenagem a Rodrigo da Cunha Pereira. Organização Maria Berenice Dias. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2009. p. 587-588).

[77] RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei n.º 10.406, de 10.01.2002. 2ª. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2004, p. 733.

[78] RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei n.º 10.406, de 10.01.2002. 2ª. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2004, p. 733.

[79] “Habeas Corpus. Alimentos. Pressupostos ensejadores da prisão civil não configurados. 1. A aplicação da penalidade contida no art. 733, § 1º, do CPC se dá quando, em sede de execução de sentença ou de decisão que fixa os alimentos provisionais, o executado não efetua o integral pagamento das três últimas parcelas anteriores ao ajuizamento da execução, acrescidas das vincendas, nem apresenta escusas legítimas para não fazê-lo. Súmula 309/STJ. 2. Na espécie, ausentes os pressupostos ensejadores do decreto prisional. 3. Ordem concedida.” (Superior Tribunal de Justiça, HC 114327/PI, Quarta Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 11/11/2008, disponível em: <www.stj.jus.br>).

[80] Evidenciando a proteção ao nascituro conferida pela Constituição Federal, Zoraide Sabaini dos Santos Amaro leciona: “A legislação brasileira garante os direitos do nascituro desde a concepção, principiando pela Constituição Federal, art. 5.º, através do qual estabelece a inviolabilidade do direito à vida. Nesse contexto, a não observância dos direitos de personalidade do nascituro feriria esse princípio e, por via reflexa, todo o mundo jurídico. De importância também nesse contexto, ainda na Lei Maior, é o inciso XXXVIII do mesmo art. 5.º, que reconhece a instituição do júri com competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, entre os quais se inclui o aborto. Assegura, ainda, a proteção à maternidade, especialmente à gestante (art. 201, II e art. 203, I) (…).” (AMARO, Zoraide Sabaini dos Santos. O reconhecimento da personalidade jurídica do nascituro desde a concepção no sistema jurídico nacional como forma de solidificar a exigente atuação integral do fenômeno humano nas relações jurídicas. Disponível em: <www.conpedi.org>).

[81] GODINHO, Adriano Marteleto. O estatuto jurídico do nascituro no direito brasileiro. Revista Juristas, João Pessoa. a. III, n. 92, 19/09/2006. Disponível em: <www.juristas.com.br>.

[82] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4ª. ed. Porto Alegre : Editora Livraria do Advogado, 2004. p. 177.


Informações Sobre o Autor

Lúcio Delfino

Advogado, Doutor em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil, Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Diretor da Revista Brasileira de Direito Processual


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