Resumo: Este artigo tem o escopo de discutir as conseqüências de meio ambiente de trabalho viciado. Nossa Constituição Federal incluiu entre os direitos dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de implantação de normas de saúde, higiene e segurança, determinando a garantia a um meio ambiente do trabalho saudável.Aqui, se pretende discutir as nuances da tutela jurisdicional visando este direito.
Palavras-chave: Tutela jurisdicional; meio ambiente de trabalho, proteção do trabalhador.
Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. O trabalho escravo no Brasil; 3. A transição do escravismo para o trabalho assalariado; 4. O trabalho assalariado no Brasil; 5. Os direitos humanos: evolução e positivação; 6. O meio ambiente saudável como direito humano; 7. O meio ambiente do trabalho; 8. O trabalho insalubre e perigoso e seus adicionais; 9. O meio ambiente de trabalho adequado e o dever jurídico de proteção; 10. A tutela jurisdicional do meio ambiente de trabalho; 11. Considerações finais.
1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS;
Atualmente, há uma demanda diária de ações ajuizadas perante a justiça do trabalho, requerendo adicionais de insalubridade, periculosidade, horas extras e danos morais. Além disso, os juízes vêm compensando as agressões físicas e psíquicas, em pecúnia através de acordos ou sentenças trabalhistas, visando suprir as deficiências dos ambientes nos quais os trabalhadores tem sido exposto diariamente.
O número de trabalhadores afastados e aposentados em razão de acidentes ou doenças ocupacionais é alarmante e demonstra a preocupante exposição da saúde do trabalhador, aumentando a cada dia os benefícios acidentários concedidos pela previdência social.
Num cenário de grandes disparidades sociais, oriundos de uma realidade globalizada, as garantias de saúde concedidas pelas legislações aos trabalhadores, tornam-se importantes instrumentos de uma política social através da valorização do trabalho formal.
Neste sentido, torna-se importante uma reflexão sobre os aspectos de proteção à saúde do trabalhador, especialmente, em relação à necessidade imperiosa de uma tutela jurisdicional a fim de garantir a uma efetiva proteção ao meio ambiente do trabalho.
2 – O TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL
O Brasil durante quase quatro séculos utilizou da mão de obra escrava, predominantemente africana para o cultivo de cana-de-açúcar, algodão, mineração, café, pecuária e outros serviços. Num período de transição para a mão de obra assalariada teve-se a utilização da mão de obra imigrante.
Devido ao sistema de “plantation” o Brasil necessitava de enorme quantidade de mão de obra para o cultivo da cana-de-açúcar e a solução encontrada pela metrópole (Portugal) para conseguir mão de obra barata foi à escravidão.
Pode-se afirmar que, no Brasil, a escravidão teve início com a produção de açúcar na primeira metade do século XVI. Os portugueses traziam os negros africanos de suas colônias na África para utilizar como mão-de-obra escrava nos engenhos de açúcar do Nordeste. Os comerciantes de escravos portugueses vendiam os africanos como se fossem mercadorias. Os mais saudáveis chegavam a valer o dobro daqueles mais fracos ou velhos.
O transporte era feito da África para o Brasil nos porões dos navios negreiros, amontoados, em condições desumanas e muitos morriam antes de chegar ao Brasil, sendo que os corpos eram lançados ao mar.
O escravismo brasileiro era dedicado ao o sustento do sistema capitalista que já dominava a Europa e Ásia.
O trabalho na agricultura do sistema “plantation”, bem como na cafeicultura paulista eram exaustivos, chegava cerca de 12 horas diárias ou mais de labor.
Já no século XVIII, a mão-de-obra escrava também foi muito utilizada na mineração, com a descoberta do ouro em Minas Gerais e Mato Grosso. Dentre todas as atividades onde se utilizou a mão de obra escrava, esta sem dúvida foi a mais cruel.
Os homens eram submetidos às piores formas de trabalho, expostos aos mais diversos problemas de saúde e sob vigilância rigorosa para não haver contrabando de minerais. Para se ter idéia, tinha-se como expectativa de vida no trabalho de um homem à variação entre 10 e 15 anos.
Tudo isso sem contar a escravidão doméstica, que consistia em mão-de-obra escrava para atividades como faxina, cozinha, amas-de-leite, babás, dentre outras, em sua maioria realizada por mulheres.
Portanto, seja nas fazendas de açúcar, seja nas minas de ouro, os escravos eram muito mal tratados. Trabalhavam de sol a sol, recebiam apenas trapos de roupa e uma alimentação de péssima qualidade. Passavam as noites nas senzalas, em galpões escuros, úmidos, com pouca higiene e acorrentados para evitar fugas. Além disso, eram constantemente castigados fisicamente, sendo que o açoite era a punição mais comum no Brasil.
3 – A TRANSIÇÃO DO ESCRAVISMO PARA O TRABALHO ASSALARIADO
O tráfico negreiro foi proibido em 1850, devido a forte pressão inglesa sobre D. Pedro II, para por fim ao trabalho escravo. A Inglaterra necessitava de ampliar seu mercado externo e isso seria impossível se não houvesse trabalho remunerado.
Assim, a mão-de-obra escrava passou a ficar escassa, fator que levou aos cafeicultores brasileiros a buscarem outra forma de trabalho, o trabalho dos imigrantes europeus.
A vinda dos imigrantes europeus para o Brasil no século XIX foi financiada pelo governo e pelos agricultores paulistas, bem como da região sul, com promessas de novas conquistas em uma “terra promissora e de oportunidades”. Esses trabalhadores vinham para o Brasil em busca de melhores condições de vida e de trabalho, tendo em vista a inserção da máquina a vapor nos diversos campos de produção na Europa, o que diminuiu drasticamente os salários destes trabalhadores.
Somente em 1888 houve a abolição da escravatura no Brasil, com a assinatura da Lei Áurea. No entanto, este fato não modificou em quase nada a forma de trabalho, haja vista que o homem negro passou a ser “livre”, mas totalmente perdido, sem referências pessoais ou profissionais, muitas vezes sem ter até lugar para onde ir. Daí continuava trabalhando para o seu senhor, recebendo um mísero salário e ainda deveria arcar com suas próprias despesas, como comprar roupas, alimentos e a pagar aluguel ao seu novo “patrão”. Em suma, a vida de ex-escravo não era fácil.
4 – O TRABALHO ASSALARIADO NO BRASIL
O trabalho assalariado teve início no Brasil nos fins do século XIX e se desenvolveu ao longo do século XX. Surgiu-se, então, as primeiras indústrias têxteis, as alimentícias, assim como grandes siderúrgicas e metalúrgicas, sendo estas últimas a partir das décadas de 1940 e 1950, com apoio dos governos Vargas e Kubitschek.
Os primeiros industriais aproveitaram da inexperiência dos operários para explorá-los ao máximo, sendo que até 1930, os trabalhadores não tinham nenhum direito garantido por lei. As jornadas eram de 12 horas diárias ou mais, os salários baixíssimos, não havia assistência à saúde ou prevenção de acidentes de trabalho, a mão-de-obra infantil era vastamente utilizada por ser mais barata, os operários eram castigados e vigiados durante o horário de trabalho. Além disso, os movimentos grevistas eram tratados com retaliação policial.
Devido às grandes pressões e às lutas dos trabalhadores, somente entre 1930 e 1940, no governo Vargas, foram promulgadas as primeiras leis trabalhistas. A CLT, em 1943, veio para garantir certos direitos como à assinatura da carteira de trabalho, a licença-maternidade, as férias remuneradas, o décimo – terceiro salário, o aviso prévio, a instituição do salário mínimo, o direito de greve, a proibição do trabalho infantil, dentre outros.
5 – OS DIREITOS HUMANOS: EVOLUÇÃO E POSITIVAÇÃO
Segundo Norberto Bobbio (1996, p. 117) a noção de direitos humanos somente encontrará a exatidão procurada pelos doutrinadores se considerar os seus “vários fundamentos possíveis”, apoiados no “estudo das condições, dos meios e das situações nas quais este ou aquele direito pode ser realizado”.
Enrique Pérez Luño citado por Evanna Soares, conceitua os direitos humanos:
“um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidos positivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível nacional e internacional”. (SOARES, 2004, p. 26)
No Brasil, em 1824, a primeira Constituição trouxe idéias do liberalismo, e a criação de um Estado com divisão de poderes, consagrando, assim, os direitos individuais.
Já em 1948, houve a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembléia Geral da ONU e, no século XX, acontecimentos políticos exigiram que a positivação dos direitos humanos alcançasse o direito internacional.
Segundo Pérez Luño citado por Evanna Soares (2004, p. 41), há que se destacar três relevantes motivos para a positivação internacional dos Direitos Humanos: no plano da fundamentação tem-se um retorno à exigência do seu caráter universal e supra-estatal, livrando-os do arbítrio da jurisdição individual dos Estados; quanto à titularidade, ampliou-se os sujeitos ativos, para não só proteger os cidadãos de um único Estado, mas todos os homens, como fez a Declaração Universal da ONU; quanto à natureza jurídica tem-se a tutela e garantia desses direitos.
6 – O MEIO AMBIENTE SAUDÁVEL COMO DIREITO HUMANO
Em 1972, na Conferência sobre Meio Ambiente das Nações Unidas realizada em Estocolmo, foi reconhecido o direito da humanidade a um meio ambiente saudável.
“o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute das condições de vida adequadas em meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar vida digna e gozar de bem estar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações futuras”. (SOARES, 2004, p. 56)
Dessa forma, considera-se o meio ambiente:
“pressuposto de exercício lógico dos demais direitos do homem, vez que, em sendo o direito à vida ‘o objeto do direito ambiental’, somente aqueles que possuírem vida, e, mais ainda, vida com qualidade e saúde, é que terão condições de exercitarem os demais direitos humanos, nestes compreendidos os direitos sociais, da personalidade e políticos do ser humano”. (SOARES, 2004, p. 57)
Assim, não há que se falar em proteção à vida sem se proteger o que dá manutenção à mesma. Segundo José Afonso da Silva (2000, p. 78) o objeto tutelado pela lei ambiental é a “qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida”.
Evanna Soares (2004, p.61) defende a idéia de que o direito humano ao meio ambiente de trabalho saudável possui inegável “status” de direito fundamental, pelo que deve ter tratamento prioritário tanto para tutela material como processual pelo Poder Público.
Neste contexto, oportuno se faz neste momento definir o que seriam esses direitos: Bonavides acredita que os direitos fundamentais “são os do homem que as Constituições positivaram”, recebendo nível mais elevado de garantias ou segurança, pois, cada Estado, tem seus direitos fundamentais específicos. Entretanto, o autor acrescenta que os direitos fundamentais “estão vinculados aos valores de liberdade e dignidade humana, levando-nos, assim, ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana”. (BONAVIDES, 2000, p. 514-518)
Já Canotilho ensina que a positivação dos direitos fundamentais, considerados “naturais e inalienáveis” do indivíduo pela Constituição como normas fundamentais constitucionais, é que vincula o direito. “Sem o reconhecimento constitucional, estes direitos seriam meramente aspirações ou ideais, seriam apenas direitos do homem na qualidade de normas de ação moralmente justificadas”. (CANOTILHO, 1998, p.369)
Quanto à terminologia de direitos humanos e direitos fundamentais, surge a necessidade de diferenciação: direitos humanos são sempre direitos do ser humano inerente a sua dignidade e convívio social, sem, contudo, apresentar juridicidade constitucional, enquanto os direitos fundamentais encontram-se positivados na esfera constitucional. Ingo Wolfgang SARLET, assim os define:
“Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem o ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional e que, portanto, aspiram a validade universal para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)”. (SARLET, 2006, p.35-36)
Ainda assim, não poderia tais conceitos ser entendidos como sinônimos, pois a efetividade de cada um é diferente. Neste ponto Ingo Wolfgang SARLET é incisivo ao afirmar que:
“Além disso, importa considerar a relevante distinção quanto ao grau de efetiva aplicação e proteção das normas consagradoras dos direitos fundamentais (direito interno) e dos direitos humanos (direito internacional), sendo desnecessário aprofundar, aqui, a idéia de que os primeiros que – ao menos em regra – atingem (ou, pelo menos, estão em melhores condições para isto) o maior grau de efetivação, particularmente em face da existência de instâncias (especialmente as judiciárias) dotadas do poder de fazer respeitar e realizar estes direitos”. (SARLET, 2006, p. 40)
Desse modo, os direitos humanos seriam garantias inerentes à existência da pessoa, albergados como verdadeiros para todos os Estados e positivados nos diversos instrumentos de Direito Internacional Público, mas que por fatores instrumentais não possuem aplicação simplificada e acessível a todas as pessoas.
Por outro lado, os direitos fundamentais são constituídos por regras e princípios, positivados constitucionalmente, cujo rol não está limitado aos dos direitos humanos, que visam garantir a existência digna (ainda que minimamente) da pessoa, tendo sua eficácia assegurada pelos tribunais internos.
Atualmente, a doutrina os classifica em direitos humanos fundamentais em primeira, segunda, terceira e quarta dimensões[1], cujos conteúdos ensejariam os princípios: liberdade, igualdade e fraternidade.
Direitos de primeira dimensão ou de liberdade seriam os direitos e as garantias individuais e políticos clássicos, as chamadas liberdades públicas. Visam inibir a interferência indevida do Estado na vida do cidadão.
Nesse sentido é a observação feita por Carlos Henrique Bezerra Leite, para quem os direitos de primeira dimensão “são uma espécie de comando negativo imposto ao poder estatal, limitando a atuação deste em função das liberdades públicas asseguradas ao indivíduo“. (LEITE, 2005, p.12).
Os direitos de segunda dimensão ou de igualdade referem-se aos direitos sociais, econômicos e culturais, surgidos no início do século XX. Eram os direitos de caráter social. Neste caso, a interferência do Estado era desejada para garantir a igualdade material dos indivíduos.
Bezerra Leite, compara brilhantemente os direitos fundamentais de primeira e segunda geração:
“O conteúdo dos direitos individuais, portanto, é um dever de não-fazer por parte do Estado em prol de certos interesses ou direitos, como o direito à vida, à liberdade nos seus multifários aspectos (locomoção, expressão, religião, organização de grupos), ao passo que os direitos sociais constituem um dever de fazer, de contribuir, de ajudar, por parte dos órgãos que compõem o Poder Público.” (LEITE, 2005, p.13)
Já os direitos de terceira dimensão ou de solidariedade ou fraternidade são os da coletividade, de titularidade coletiva ou difusa. Entre eles, encontra-se o direito à paz, ao meio ambiente equilibrado, à comunicação e à proteção do consumidor (DE LUCCA, 2008).
Assim, na terceira dimensão dos direitos fundamentais compreende uma saudável qualidade de vida, ao patrimônio comum da humanidade, ao progresso, à comunicação, aos direitos dos consumidores, das crianças e idosos, entre outros direitos metaindividuais (difusos e coletivos). Esses direitos são titularizados por pessoas indeterminadas e indetermináveis, dada a sua própria natureza.
Bonavides cita a quarta dimensão de direitos originários do mundo globalizado: os direitos à democracia, à informação, ao pluralismo. Seriam estes direitos que possibilitariam a legítima globalização política. (BONAVIDES, 2000, p.524)
Considerando o que foi exposto, podemos afirmar que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito humano, no âmbito internacional, bem como direito fundamental, no âmbito interno, de terceira geração, razão pela qual a atual Constituição Federal fez referência a sua proteção em diversas passagens, entre as quais vale destacar as seguintes:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (…) VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…) VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;”
Por fim, diante desses dispositivos apresentados, fica evidente que o meio ambiente do trabalho é espécie do gênero meio ambiente, do mesmo modo que a relação de emprego é espécie do gênero relação de trabalho. Então, claro está, que o meio ambiente de trabalho sadio e equilibrado é direito fundamental de todos os trabalhadores, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para a presente e futura gerações.
7 – O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
A lei 6.938 de 1981, no seu art. 3º, item I, define meio ambiente como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
Rodolfo de Camargo Mancuso citado por Evanna Soares define o meio ambiente do trabalho como sendo:
“o ‘habitat laboral’, isto é, tudo que envolve e condiciona, direta e indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário para sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio com o ecossistema. A contrario sensu, portanto, quando aquele ‘habitat’ se revele inidôneo a assegurar as condições mínimas para uma razoável qualidade de vida do trabalhador, aí se terá uma lesão ao meio ambiente do trabalho”. (SOARES, 2004, p. 71)
Na lição de José Afonso da Silva, o meio ambiente pode ser considerado como “a interação entre o conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas” (SILVA, 2000, p. 2)
Já a Constituição da República de 1988, no seu artigo 200, VIII, estabeleceu que compete ao sistema único de saúde a colaboração na proteção do meio ambiente, nele contido o do trabalho. Aqui, o legislador almejou a proteção a um ambiente saudável onde o trabalhador passa grande parte de sua vida.
Desta forma, sugere Celso Antonio Pacheco Fiorillo que, para a nossa Constituição: “a proteção do meio ambiente do trabalho tem natureza vinculada à proteção da saúde que, sendo direito de todos, está tutelada pelas normas instrumentais destinadas à proteção dos interesses difusos”. (FIORILLO, 1995, p. 98)
A Lei Maior protege, ainda, em seu art. 7º, o direito de trabalhadores urbanos e rurais à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, garantindo o adicional de remuneração para atividades insalubre, penosas ou perigosas, bem como o seguro contra acidentes do trabalho, a ser pago pelo empregador, sem a exclusão de indenização se incorrer com dolo ou culpa.
Observa-se que o meio ambiente do trabalho é um direito humano, e que por conseqüência deve ser saudável e seguro, para que haja a garantia da efetiva proteção à vida e à saúde no habitat laboral.
As desigualdades no ambiente do trabalho podem ser toleráveis ou não toleráveis, sendo certas estas que formam as iniqüidades e que deveriam ser reduzidas, ou se possível, evitadas.
A expressão meio ambiente do trabalho deve abranger tudo que se refira ao habitat laboral, especialmente o local de trabalho e suas imediações, incluindo a ergonomia, medidas preventivas de doenças e acidentes do trabalho, educação e conscientização de empresários e trabalhadores para manutenção de um meio ambiente do trabalho adequado, implantação de equipamentos de proteção coletivo e individual, inutilização de substâncias e máquinas que agridam a saúde do trabalhador ou causem sua morte, elaboração fiscalização e cumprimento de normas protetivas à saúde do trabalhador, dentre outras.
Além da abrangência em decorrência do lugar e dos meios de efetivação do trabalho, dentro do meio ambiente do trabalho inclui-se todos os trabalhadores, sendo certo que, a palavra trabalhador não deve cingir só os trabalhadores subordinados, mas também os não subordinados, os estagiários, aprendizes, trabalhadores de cooperativa, avulsos, rurais, domésticos, profissionais liberais. Se assim não for, ficariam estes à margem do direito ao meio ambiente do trabalho saudável e seguro, o que seria inadmissível, tendo em vista o “status” deste direito como direito humano universal.
Pode-se afirmar que o homem trabalhador é o destinatário do direito ao meio ambiente do trabalho, que focaliza todas as categorias de trabalhadores, independentemente do regime por ele adotado. Dentre os trabalhadores em geral, os que se encontram no setor informal, encontra-se o maior desafio para se promover uma adequação do meio ambiente do trabalho.
A OIT reconhece que a pobreza em conjunto com o subemprego e o desemprego influenciam na degradação do meio ambiente do trabalho. Em razão da falta de emprego e da pobreza, homens, mulheres e crianças se submetem a trabalho em condições mais absurdas e prejudiciais a sua saúde.
Segundo Evanna Soares (2004, p.90), a partir da década de 90, a economia informal se tornou principal fonte de geração de postos de trabalho urbano na América Latina, desde as atividades econômicas tradicionais até os novos setores da economia sem controle do poder público, especificamente quanto às normas de saúde e segurança no trabalho.
Nesse sentido, faz-se oportuno trazer à colação os escritos de Raimundo Simão de Melo:
“O meio ambiente do trabalho adequado e seguro é um dos mais importantes e fundamentais direitos do cidadão trabalhador, o qual, se desrespeitado provoca agressão a toda a sociedade, que, no final das contas é quem custeia a previdência social, que, por inúmeras razões, corre o risco de não poder mais oferecer proteção até mesmo aos seus segurados do próximo século. Como é do conhecimento dos que acompanham os meios de comunicação, as estatísticas oficiais, cujos dados, como também se sabe, não são reais, mostram que os números de acidentes de trabalho e de doenças profissionais e do trabalho são assustadores, destacando-se entre estás últimas, a surdez profissional, LER (lesões por esforços repetitivos), doenças de coluna, silicose e intoxicação por chumbo e manuseio com agrotóxico na lavoura. Em conseqüência disso, o Brasil continua a figurar nos anais mundiais como recordista em acidentes de trabalho, perdendo feio para países da América Latina, como, por exemplo, a vizinha Argentina”. (MELO, 1997, p.250).
Em regra, o mercado informal de trabalho é marcado por extensas jornadas de trabalho, por exposição à violência, principalmente, quando o trabalho é efetuado nas ruas das cidades, ou até mesmo aos riscos de acidentes com animais e insetos, ao ser realizado nas zonas rurais. Às vezes, há também a exposição dos familiares dos trabalhadores aos riscos, chegando a existir verdadeiras fábricas domésticas que utilizam produtos tóxicos sem o manuseio adequado e sem aparelhos de proteção individual.
O mercado informal de trabalho remete os obreiros a preocupantes condições de trabalho onde os trabalhadores perdem a saúde e a vida. Além disso, em regra, as normas protetivas de saúde não são garantidas aos trabalhadores informais.
A melhoria das condições de trabalho é um dos objetivos centrais da OIT, que vem promovendo ações normativas voltadas à prevenção e também à capacitação, a fim de alcançar um processo produtivo com desenvolvimento ecológico racional e sustentável.
Importa salientar que essa situação presente de desrespeito ao ambiente de trabalho exige firme e contundente ação dos sindicatos, das entidades e associações de classe, bem como do Ministério Público do Trabalho, com o ajuizamento de ações coletivas em busca da concretização do direito a um meio ambiente de trabalho sadio, saudável, seguro, confortável e ecologicamente equilibrado. Cabendo, também, ao Poder Judiciário um papel fundamental na concretização do direito fundamental ao meio ambiente de trabalho, já que é a última porta que o cidadão e a sociedade têm a bater para fazer valer as disposições da Constituição Federal e das Leis.
8 – O TRABALHO INSALUBRE E PERIGOSO E SEUS ADICIONAIS
A Constituição da República prevê em seu art. 7º, XXIII o “adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei”.
Já a CLT, nos artigos 189 a 197, bem como as Normas Regulamentadoras 15 e 16, prevêem a regulamentação das atividades insalubres e perigosas. Vale dizer que as atividades penosas ainda não foram regulamentadas pelo legislador.
Parece contraditório que a Constituição da República assegure um meio ambiente do trabalho adequado e, ao mesmo tempo, estipule adicionais que compensem financeiramente o trabalhador exposto a riscos ocupacionais.
A previsão de tais adicionais reflete a cultura da monetarização do risco ocupacional. O legislador originário preocupou-se com a realidade brasileira onde a erradicação do trabalho danoso à saúde ou a redução dos riscos deste trabalho é um ideal distante de ser alcançado no Brasil.
Dessa forma, foram instituídos os adicionais como forma de desestimular a exploração de mão-de-obra em trabalhos insalubres, perigosos ou danosos, de forma a incentivar ao empresário que utilize maneiras para eliminar os riscos, a fim de não arcar com os adicionais legais.
A CLT, no art. 189, define atividades ou operações insalubres como:
“aquelas que por sua natureza, condição ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos.”
O trabalho insalubre aos poucos provoca doenças ou agrava as já existentes no trabalhador. Sabendo disso, o Ministério do Trabalho e Emprego fixou parâmetros para a caracterização das atividades e operações insalubres, através da NR-15, classificando os agentes insalubres em três graus, bem como estabelecendo os limites de tolerância destes agentes.
Também na CLT, no art. 193, há definição para as atividades ou operações perigosas como àquelas que “impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado”. Os agentes periculosos são aqueles que quando agem podem provocar imediatamente e instantaneamente a incapacidade para o trabalho ou a morte.
A CLT possui um capítulo dedicado à segurança e medicina do trabalho que visa à melhoria das condições de trabalho, bem como a organizar inspeções e medidas administrativas, tratando das CIPA’s, dos EPI’s, dentre outros, o que demonstra a preocupação com a prevenção de acidentes e doenças ocupacionais.
No entanto, a insistência pela manutenção dos adicionais acomoda as situações e mantêm viva a cultura da compensação financeira pelo risco e pelo sofrimento no trabalho. O absurdo da monetização é bem explicado por Evanna Soares que diz:
“Chega-se ao absurdo de trocar a utilização de um equipamento de proteção individual por um acréscimo de 40%, 20% ou 10% sobre o salário mínimo, decorrente do adicional de insalubridade […] Quando os trabalhadores vão a juízo reclamar contra as empresas descumpridoras das normas de saúde e segurança no trabalho, não costuma pedir a condenação do empregador à obrigação de fazer (fornecimento desse equipamento, ou uma providência que elimine o perigo de acidente grave nos serviços de eletricidade, por exemplo), mas, sim, o pagamento do adicional de insalubridade […] Falta uma consciência acerca dos valores envolvidos – vida, saúde, integridade física e segurança do trabalhador – que não podem ser compensados por um adicional sobre o salário, ainda que fosse em montante expressivo, o que não é na realidade”. (SOARES, 2004, p. 120)
Para o empregador chega a ser bem menos oneroso pagar o referido adicional do que investir para tornar o meio ambiente do trabalho saudável.
A partir da análise do Direito do Trabalho Comparado, conclui-se que os legisladores adotaram três estratégias básicas diante de agentes agressivos: aumentar a remuneração para compensar o maior desgaste do trabalhador (monetização do risco), opção mais cômoda e menos inteligente; proibir o trabalho insalubre, hipótese ideal, mas nem sempre possível; ou reduzir a duração da jornada, alternativa que representa o ponto de equilíbrio cada vez mais adotado.
Para o azar dos trabalhadores brasileiros, o Brasil optou pela primeira alternativa desde 1940 e não acompanhou a evolução da questão ora tratada mundo afora.
As indenizações em dinheiro, decorrentes de DORT’s, acidentes de trabalho, devem ser a última solução para o problema do meio ambiente laboral, e não pode ser confundida como sendo a venda da saúde do trabalhador, ou a contraprestação aceita pelo trabalhador para laborar num ambiente impregnado de agentes patogênicos. A compensação correta a ser fornecida ao trabalhador de locais insalubres seria a verdadeira eliminação ou redução do período exposto ao risco.
Infelizmente, no Brasil, os adicionais se tornaram meio de compensação à perda da saúde do trabalhador e, ainda, renda adicional indispensável à manutenção e sobrevivência de famílias, sendo certo que, existem obreiros que preferem laborar em condições danosas, com o objetivo de receber o respectivo adicional e, consequentemente, aumentar a renda familiar, a ter reduzido a ação dos agentes danosos a sua saúde.
Assim, se de um lado compensam-se as conseqüências dos agentes patogênicos, de outro tomam-lhe o direito à saúde plena, e muitas vezes a vida. Antes de se pagar os adicionais de insalubridade ou periculosidade, deve-se ter em mente o direito do homem a um habitat saudável e livre de agentes insalubres.
9 – O MEIO AMBIENTE DE TRABALHO ADEQUADO E O DEVER JURÍDICO DE PROTEÇÃO
A proteção ao meio ambiente de trabalho reflete-se na proteção do homem trabalhador para que este não adoeça, não sofra acidentes, não perca membros ou sentidos, e tampouco perca a vida.
Ao se proteger o meio ambiente de trabalho saudável, está se protegendo não só o bem estar do trabalhador, como também o próprio sistema previdenciário social, que não terá gastos com aposentadoria por invalidez, auxílio acidente, reabilitação profissional ou até mesmo pensão a ser paga aos dependentes do trabalhador em caso de morte.
O conceito de acidente do trabalho segundo a OIT, através do protocolo 155 de 2002, diz no art. 1 que “o termo acidente de trabalho designa os acidentes ocorridos no curso do trabalho ou em relação com o trabalho, que causem lesões mortais ou não”.
Em regra, quase todo acidente de trabalho ocorre devido às más condições de trabalho, aos riscos da atividade desenvolvida, pelo fato de o trabalhador estar em contato permanente com agentes danosos, ou ainda pelas extensas jornadas de trabalho à que estão acometidos.
A OIT indica quatro meios para prevenção e manutenção de um meio ambiente saudável. O primeiro é a eliminação do risco, segundo a eliminação da exposição da pessoa ao risco, terceiro é o isolamento do risco e, por fim, o quarto através do fornecimento de equipamentos que protejam a pessoa exposta ao risco.
Já o art. 166 da CLT, nos informa que a empresa é obrigada a fornecer EPI a todo empregado que tiver contato a riscos de acidentes e danos à saúde, observado as medidas anteriormente adotadas para proteção do indivíduo. Seguindo, portanto, a orientação inversa daquela indicada pela OIT.
O fornecimento de Equipamento de Proteção Individual, além de mais cômodo, geralmente é mais barato, isso quando ele é devidamente fornecido. Certo é que a empresa repassa o custo com os EPI’s aos seus produtos finais, e quem sofrerá as conseqüências dos riscos a que são expostos é o trabalhador.
Outro meio de prevenção não indicado pela OIT, mas que merece destaque, é o fracionamento das operações em diversos estabelecimentos ou setores. Isso ocorre visando que o malefício só atinja o mínimo de trabalhadores possíveis.
Vale dizer que um membro ou sentido ceifado não pode ser substituído por outro, podendo até uma doença adquirida em decorrência de um ambiente patogênico ser tratada, mas a saúde não será totalmente restaurada ao trabalhador.
Desta forma, prevenir doenças ocupacionais tratando o meio ambiente de trabalho é tarefa árdua a ser realizada por todos, trabalhadores, empregadores e o pelo próprio poder público.
A recomendação 164 da OIT prevê como obrigação do empregador:
“10. Entre las obligaciones que incumben a los empleadores para lograr el objetivo señalado en el artículo 16 del Convenio podrían figurar, habida cuenta de las características de las diversas ramas de actividad económica y de los diferentes tipos de trabajo, las siguientes:
a) proporcionar lugares de trabajo, maquinaria y equipos y utilizar métodos de trabajo que, en la medida en que sea razonable y factible, sean seguros y no entrañen riesgos para la seguridad y la salud de los trabajadores;
b) dar las instrucciones y la formación necesarias, habida cuenta de las funciones y las capacidades de las diferentes categorías de trabajadores;
c) asegurar una supervisión adecuada del trabajo efectuado, de las prácticas de trabajo utilizadas y de las medidas de seguridad e higiene del trabajo aplicadas;
d) adoptar medidas de organización en lo que atañe a la seguridad y salud de los trabajadores y el medio ambiente de trabajo, adaptadas al tamaño de la empresa y a la índole de sus actividades;
e) proporcionar, sin ningún costo para el trabajador, las ropas de protección individual y los equipos de protección adecuados que parezca necesario exigir cuando no se puedan prevenir o limitar los riesgos de otra forma;
f) asegurarse de que la organización del trabajo, particularmente en lo que atañe a la duración del trabajo y a los períodos de descanso, no cause perjuicio a la seguridad y la salud de los trabajadores;
g) tomar todas las medidas razonables y factibles con miras a eliminar toda fatiga física o mental excesiva;
h) efectuar estudios e investigaciones o mantenerse al corriente en otra forma de la evolución de los conocimientos científicos y técnicos necesarios para cumplir con las disposiciones de los apartados precedentes.[2]
Estabelece também o art. 157 da CLT:
“Art. 157 – Cabe às empresas:
I.cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;
II.instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;
III.adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;
IV.facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.”
Assim, cabe ao Poder Público, além do dever de normatizar o meio ambiente do trabalho, o dever de preservar e proteger o ambiente do trabalho no âmbito de seus servidores e dos trabalhadores em geral, qualquer que seja a atividade a ser exercida e em qualquer lugar onde sejam desempenhadas.
10 – A TUTELA JURISDICIONAL DO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO
Como já exposto, a preocupação com o meio ambiente ganhou relevante contexto após a promulgação da Constituição da República de 1988.
O art. 196 da CR/88 dispõe que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” cabendo ao empresário o dever de manter o ambiente do trabalho saudável salvaguardando assim o direito do trabalhador à saúde.
Ademais, a carta Magna atribuiu a competência ao Ministério Público, nos termos do seu art. 129, III, a promoção de “inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
O meio ambiente, também, foi inserido no art. 7º, caput, e inc. XXII, que dispõem, respectivamente, sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais e a redução de riscos inerentes ao trabalho, através de normas de saúde, segurança e higiene, inclusive, art. 200, onde compete ao SUS, “colaborar na proteção do meio ambiente, nele inserido o do trabalho”.
Contudo, a Constituição da República Federativa do Brasil, após a publicação da EC/45, concedeu à Justiça do Trabalho a competência da tutela jurisdicional relativa as demandas acerca do meio ambiente laboral . Vejamos:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;”
Sabe-se que a competência da Justiça do Trabalho foi significativa ampliada com a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004, passando a contemplar todas as controvérsias oriundas e/ou decorrentes da relação de trabalho. Antes, tal competência era limitada às ações entre “trabalhadores e empregadores“, ou seja, decorrentes da “relação de emprego” disciplinada pela CLT, e, “na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho“.
O novo texto do art. 114 fez uso, apenas, da expressão relação de trabalho, cujo significado, bem mais amplo do que o de relação de emprego, o que já era pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência trabalhista.
Com isso, a Justiça do Trabalho passou a ser competente para processar e julgar as ações sobre os autônomos, os trabalhadores eventuais, os estatutários, os cooperados, entre outros.
Neste contexto, a competência da Justiça do Trabalho não é mais limitada apenas àquelas ações relativas às relações de emprego, sendo que basta, então, que a causa de pedir e o(s) pedido(s) sejam oriundos ou decorrentes de uma relação de trabalho. Daí conclui-se que sendo o ambiente de trabalho o local onde as relações de trabalho se desenvolvem, é evidente que as ações sobre esse tema são da competência material da Justiça do Trabalho.
Vale salientar que antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional 45/2004, o Supremo Tribunal Federal já tinha entendimento pacificado, que o ambiente de trabalhão já seria competência da Justiça do Trabalho. Tal entendimento já constava na Súmula 736, aprovada na Sessão Plenária de 26.11.2003:
“Compete à justiça do trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.”
No mesmo sentido eram as reflexões de Raimundo Simão de Melo:
“Ora, se o meio ambiente de trabalho seguro constitui direito fundamental/social dos trabalhadores, constitucionalmente assegurado, e, ao Ministério Público do Trabalho incumbe, perante a defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais garantidos (art. 83 e inciso III da Lei Complementar n. 75/93), dúvida não pode existir sobre a competência trabalhista no tocante à prevenção e reparação dos danos ao meio ambiente do trabalho” (MELO, 1997, p.153).
No Brasil, a ação competente para esse tipo de demanda é a Ação Civil Pública que pode ser proposta por diversos entes, que visam uma condenação a uma obrigação de fazer ou não-fazer.
Embora o art. 7º, XXIX, da CR/88 tenha definido a prescrição bienal e quinquenal quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, Evanna Soares entende que é inaplicável tal prescrição nos casos de tutela jurisdicional pertinentes ao ambiente do trabalho:
“visto que os direitos pertinentes ao ambiente do trabalho extravasam o conceito de ‘créditos trabalhistas’, nada obstante se deva ressaltar que a adequação desse ambiente pode resultar em verbas a serem pagas ao trabalhador, como nos casos em que a sentença reconheça a existência de jornada de trabalho acima do limite legal, ou a exploração do trabalho em condições insalubres ou perigosas, e determine a sua adequação, sem prejuízo do pagamento dos adicionais de horas extras, e de insalubridade ou periculosidade aos obreiros prejudicados[…] o ambiente laboral não constitui um simples direito trabalhista, emergente do contrato de emprego, que se esgote no pagamento de uma prestação em pecúnia. Sua natureza […] é de direito humano, consagrado na Constituição da República, que lhe deu ‘status’ de direito fundamental. Nestas condições, é insuscetível de prescrição.” (SOARES, 2004, p. 161-162)
Na verdade estamos diante de um tipo de ação que deveria ser imprescritível, uma vez que o ambiente laboral somente se tornaria saudável quando fosse modificado por algum fator externo.
A justificativa para a imprescritibilidade das verbas decorrentes do ambiente incorreto de trabalho seria que a ação que visa à condenação do empregador ou do poder público para tornar um ambiente de trabalho saudável seria uma condenação de uma obrigação de fazer ou não-fazer e enquanto o ambiente laboral fosse desfavorável à prática de qualquer atividade, a contagem do prazo prescricional não se iniciaria, tudo isso, tendo em vista que os malefícios à saúde do trabalhador.
Desta forma, conclui-se que a prescrição existe, mas em termos práticos não tem valor, uma vez que somente quando o meio ambiente laboral se tornar saudável ou deixar de apresentar riscos à saúde e à vida do trabalhador a ação perderia o seu objeto.
11 – CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A história do enriquecimento humano demonstra que o trabalhador foi explorado pela busca incansável do capital, o que levou ao trabalhador a “comercializar” sua saúde em troca de adicionais que não compensam as perdas ocasionadas.
A saúde e a vida que são tratados pela Constituição de 1988, como bens indisponíveis, de garantia geral a todos os seres humanos, confirmada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos que garante a igualdade, liberdade e a vida como direitos gerais a todos os indivíduos.
O meio ambiente do trabalho, é o local onde se desenrola boa parte da vida do trabalhador, e a sua qualidade depende de inúmeros fatores químicos, biológicos, físicos, climáticos e comportamentais que interagem de forma a prejudicar ou beneficiar a vida do trabalhador.
Como desdobramento do direito humano à vida, o meio ambiente do trabalho também é considerado como um direito humano e como tal deve ser preservado. Desta forma, o meio ambiente laboral merece especial atenção do legislador, que tem o dever jurídico de protegê-lo e do empregador. Além disso, o meio ambiente laboral sadio e ecologicamente equilibrado é direito fundamental dos trabalhadores de terceira geração.
Uma tentativa do legislador brasileiro foi à criação de adicionais de insalubridade e periculosidade como forma de compensação, mas que desestimulam o empregador a manter os trabalhadores em ambientes saudáveis.
Os valores destes adicionais são tão baixos, que para o empregador é mais vantajoso arcar com o pagamento do que adequar o ambiente laboral, uma vez que essa adequação necessitaria gastos vultosos. Torna-se mais cômodo ao empregador fornecer simples EPI’s, ou às vezes nem mesmo fornecê-lo, analisando a monetarização do risco.
O meio de garantia a um efetivo meio ambiente de trabalho é a tutela jurisdicional através da ação civil pública julgada pela Justiça do Trabalho, visando à adequação do ambiente laboral livre de riscos ao trabalhador.
Infelizmente este poderoso instrumento dado à coletividade não tem sido utilizado com freqüência, o que acaba por retratar uma faceta nada agradável de nossa sociedade, que é a de assistir passivamente a determinadas condutas lesivas ao seu interesse.
No entanto, nos poucos casos em que a tutela jurisdicional é requerida e tem sido de grande valia para a defesa de um meio ambiente de trabalho saudável e de proteção à saúde do trabalhador.
Assim, aguardamos ansiosamente o dia em que a coletividade se utilizará com maior freqüência das tutelas jurisdicionais de forma a fazer o cumprimento da legislação. Além disso, esperamos que os sindicatos, as entidades e associações de classe, o Ministério Público do Trabalho, bem como o Poder Judiciário possam atuar de forma a concretizar o direito fundamental ao meio ambiente de trabalho.
Informações Sobre os Autores
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas
Professora de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais e Faculdades Del Rey – UNIESP. Doutoranda e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.
Cesar Leandro de Almeida Rabelo
Bacharel em Administração de Empresas e em Direito pela Universidade FUMEC. Especialista em Docência no Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pelo CEAJUFE – Centro de estudos da área jurídica federal. Mestre em Direito Público pela Universidade FUMEC. Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade FUMEC. Professor da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira – FUNCESI, Faculdades Del Rey – UNIESP e Policia Militar de Minas Gerais.