A ultra-atividade das normas processuais materiais

Resumo: Este artigo pretende discutir a extinção do instituto do protesto por novo júri e a possibilidade de aplicação da Lei 11.689/2008 a casos praticados enquanto ainda vigorava referido instituto, determinando assim, se haveria a ultra-atividade da referida norma aos casos praticados antes de sua entrada em vigor.

Palavras – chave: Protesto por novo júri. Ultra-atividade. Aplicação da lei 11.689/2008.

1. INTRODUÇÃO

O protesto por novo júri era um recurso exclusivo da defesa, dirigido ao Presidente do Tribunal do Júri, sem a necessidade de razões, vez que possuía alguns requisitos permissivos para sua interposição, a saber: a pena imposta ao crime devia ser igual ou superior a vinte anos, e que aludido recurso fosse utilizado pela primeira vez, além de respeitar o prazo legal, que neste caso era de cinco dias. Contudo, referido recurso foi abolido com o advento da Lei nº 11.689/2008, que revogou os artigos 607 e 608 do Código de Processo Penal, extinguindo assim, essa modalidade recursal.

Dessa feita, urge a problemática de um crime ter sido praticado antes da entrada em vigor da nova lei e mesmo assim sofrer a incidência dela, de acordo com o princípio da aplicação imediata da lei processual penal – tempus regit actum, esculpido no artigo 2º do Código de Processo Penal, assim preconizado: “A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. 

2. A EXTINÇÃO DO PROTESTO POR NOVO JÚRI E A IRRETROATIVIDADE DA LEI 11.689/2008 AOS CASOS PRATICADOS ANTES DE SUA ENTRADA EM VIGOR

As normas atinentes ao processo penal possuem aplicação imediata, atingindo os atos praticados antes de sua vigência. Entretanto, especificamente em relação ao protesto por novo júri não se deve observar somente a natureza jurídica da lei 11.689/2008, que extinguiu aludido meio recursal, a fim de se precisar se esta é ou não uma norma processual, mas também é necessário a analise dos artigos revogados do Código de Processo Penal (arts. 607 e 608), que tratavam desse recurso, pois a doutrina pátria majoritariamente entende que, embora uma norma seja processual, se ela obtiver caráter material lhe será aplicado o princípio da irretroatividade da lei prejudicial, que vigora na seara do Direito Penal.

Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal[1], senão vejamos:

Tratando-se de normas de natureza processual, a exceção estabelecida por lei à regra geral contida no art. 2º do CPP não padece de vício de inconstitucionalidade. Contudo, as normas de direito penal que tenham conteúdo mais benéfico aos réus devem retroagir para beneficiá-los, à luz do que determina o art. 5º, XL, da Constituição Federal.

Em verdade, os artigos revogados do Código de Processo Penal que abordavam o protesto por novo júri possuem natureza processual penal (material), pois ao se referirem a um meio recursal estão intrinsecamente relacionados ao direito constitucional da ampla defesa, previsto no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral serão assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Além do mais, consoante os ensinamentos de Tourinho Filho[2] (2009, p. 493), observamos seu posicionamento no sentido de que os artigos revogados do Código de Processo Penal que tratavam do protesto por novo júri possuem natureza processual e material, entendendo, dessa maneira, que a lei 11.689/2008 não retroage aos casos anteriores a sua entrada em vigor, por ter revogado norma atinente ao princípio constitucional da plenitude da defesa, próprio da instituição do Júri, conforme se transcreve:

A nosso ver o protesto estava visceralmente ligado à plenitude da defesa, princípio constitucional da instituição do Júri, inserto no art. 5º, XXXVIII, da Lei Magna. Se a defesa no julgamento pelo tribunal do júri é plena, evidente que, uma vez condenado o réu, e fazendo jus ao protesto, a exclusão deste arranhou visivelmente aquela. A plenitude amiudou-se; sofreu sensível desgaste. O legislador ordinário se esqueceu de que acima e muito acima dele está o legislador constituinte, e se este declarou que a defesa nos crimes de competência do Júri é plena (e obviamente com todos os recursos a ela inerentes – inclusive o protesto), sua exclusão violou a Carta Magna.

 Ademais, ainda se vislumbra a relação do protesto por novo júri com o princípio do duplo grau de jurisdição, que a olhos nus está seguramente ligado aos recursos. Por entender assim, Rômulo de Andrade Moreira[3] assevera que os artigos abalizadores do protesto por novo júri representam normas de cunho processual e material, o que mais uma vez denota a idéia de ultra-atividade dos aludidos ditames legais que, embora, revogados, ainda possuem incidência sobre os casos anteriores a entrada em vigor da lei revogadora comentada, concluindo o seguinte:

Conclui-se, assim, que os arts. 607 e 608 do CPP, a par de serem normas processuais, inseriam-se também no âmbito do Direito Material por constituírem garantia ao duplo grau de jurisdição. Nessas condições, ditas normas não são puramente processuais (ou formais, técnicas), mas processuais penais materiais.

3. CONCLUSÃO

Portanto, quando uma norma for puramente processual, via de regra terá aplicabilidade imediata a todos os casos anteriores a sua vigência, porém se as normas que, por ventura, vierem a ser revogadas também obtiverem caráter material deverá ser aplicado o princípio que rege o Direito Penal, qual seja, o da irretroatividade, só podendo a lei retroagir se benéfica for ao acusado, o que a nosso ver parece o mais acertado, pois não pode o excessivo legalismo ensejar a aplicação imediata das normas processuais em detrimento dos direitos materialmente assegurados aos indivíduos.

 
Referências
Brasil. STF – ADI 1.719-9 – rel. Joaquim Barbosa – j. 18.06.2007 – DJU 28.08.2007, p. 01.
MOREIRA, Rômulo de Andrade. O fim do protesto por novo Júri e a questão do direito intertemporal. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jul. 2008. Disponível em: <www.damasio.com.br>.
TOURINHO FILHO, Fernando Costa. Processo Penal. 31 ed. rev e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009.

Notas:
[1]  STF – ADI 1.719-9 – rel. Joaquim Barbosa – j. 18.06.2007 – DJU 28.08.2007, p. 01.
[2] TOURINHO FILHO, Fernando Costa. Processo Penal. 31 ed. rev e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009.

[3] MOREIRA, Rômulo de Andrade. O fim do protesto por novo Júri e a questão do direito intertemporal. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, jul. 2008. Disponível em: <www.damasio.com.br>.


Informações Sobre o Autor

Sara Morgana Silva Carvalho Lopes

Advogada, Pós-graduada em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera-Uniderp, Mestranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e docente do curso de Direito da Faculdade de Tecnologia do Piauí (FATEPI)


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