Resumo: Resumo: Com a vigência da Lei nº 13.105/2015 a sistemática do Código de Processo Civil foi sensivelmente alterada, sobretudo criando mecanismos capazes de melhorar a prestação judicial, uniformizando a jurisprudência. Porém, algumas controvérsias surgem acerca da sistemática de aplicação, e este é também o objetivo deste estudo, ou seja, questionar e demonstrar as consequências da uniformização da jurisprudência, sempre buscando esclarecer as questões. Haverá uma análise em relação à importância de se uniformizar a jurisprudência para que haja mais estabilidade das decisões, bem como, discorrer sobre a necessidade de se interpretar todo um ordenamento jurídico sempre buscando a igualdade e observando as peculiaridades de cada caso.
Palavras-chave: Constituição. Processo Civil. Uniformização da Jurisprudência. Tribunais. Estabilidade. Desafios.
Abstract: With the enactment of Law no. 13.105 / 2015, the Code of Civil Procedure system was significantly altered, mainly by creating mechanisms capable of improving the judicial provision, in a uniform way in the jurisprudence. However, some controversies arise about the application system, and this is also the purpose of this study, that is, to question and demonstrate the consequences of the uniformization of jurisprudence, always seeking to clarify the issues. There will be an analysis of the importance of standardizing the jurisprudence for more stability of decisions, as well as discussing the need to interpret an entire legal system always seeking equality and observing the peculiarities of each case.
Keywords: Constitution. Civil lawsuit. Uniformization of Jurisprudence. Courts. Stability. Challenges.
Sumário: Introdução. I. A nova sistemática de uniformização da jurisprudência do código de processo civil de 2015.1. Previsão legal. 2. Teoria dos precedentes. 3. Segurança jurídica e estabilidade das decisões. II. Desafios da aplicabilidade do sistema de uniformização da jurisprudência do novo CPC. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O estudo presente visa tratar sobre a Uniformização da Jurisprudência no Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105 de 2015) e analisar sua eficácia a fim de garantir a segurança jurídica e estabilidade das decisões.
Tem, pois, como objetivo demonstrar a importância de se ter uma jurisprudência mais coesa e uniforme, mas sempre atenta às peculiaridades de cada caso.
O artigo tratará da nova sistemática de uniformização da jurisprudência do Código Processual Civil instituída pela Lei nº 13.105/2015, que veio corroborar com o anseio da sociedade por maior igualdade de tratamento, no mundo jurídico, para seus dilemas e questões.
A teoria dos precedentes vem a ser a grande inspiração para a aplicação da uniformização da jurisprudência, que fará que os precedentes não sejam apenas uma forma de persuadir os juízes, mas sim, de demonstrar seu direito.
A segurança jurídica é um dos principais benefícios trazidos pela nova lei processual, proporcionando a estabilidade das decisões e decisões mais justas e igualitárias.
O presente estudo também analisará os desafios de se uniformizar a jurisprudência levando em consideração as peculiaridades de cada caso, para que não haja arbitrariedades, vez que essa não é a intenção do dispositivo, mas, como será demonstrado adiante, proporcionar maior segurança jurídica.
I: A NOVA SISTEMÁTICA DE UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.
1.PREVISÃO LEGAL
A Lei nº 13.105/2015, mais conhecida como o Novo Código de Processo Civil, apresenta inovações em muitos aspectos, até mesmo por coisas simples, como trazer à legislação processual princípios já aplicados na vida prática.
A duração razoável do processo, a cooperação, a boa-fé e a própria paridade de tratamento entre as partes são apenas alguns dos muitos exemplos disso.
O Novo Código de Processo Civil, em seu artigo 926, mostra onde fincou suas bases, ao impor às Cortes o dever de uniformizar sua jurisprudência e de mantê-la coerente, estável e íntegra:
“Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
Tal regra visa a uniformização da jurisprudência da 2º instância, que além de conferir maior segurança jurídica aos jurisdicionados, busca garantir ainda maior celeridade da solução dos litígios.
Também determinou a observância, por juízes e Tribunais, de um amplo rol de decisões, enunciados e orientações, que abrangem: decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade; enunciados de súmula vinculante e de súmulas do STF e do STJ; orientação do plenário ou órgão especial aos quais se vinculem; e, finalmente, acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de Recursos Extraordinário e Especial repetitivos:
“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados”.
Este incidente de assunção de competência nada mais é do que a nova aparência trazida ao antigo art. 555, §1º do Código Processual de 1973.
No novo Código, o dispositivo recebeu evidência e um incidente processual propriamente dito, além de um tratamento mais minuncioso, sempre em busca de uma consecução mais fiel da tão almejada uniformização.
O caso submetido à deliberação do Poder Judiciário deve conter questão relevante de direito, de grande repercussão social e a respeito da qual se mostre adequada a prevenção ou a composição de divergência entre Câmaras ou Turmas de um mesmo Tribunal.
Declarado interesse público na assunção de competência, o Órgão Colegiado julgará a causa por inteiro, pronunciando acórdão vinculante a todos os juízes e Órgãos Fracionários, exceto os casos em que houver reexame de tese.
Desta forma, os tribunais deverão, de acordo com as possibilidades, editar enunciados que correspondam à súmula da jurisprudência dominante. Esta norma busca garantir que os tribunais mantenham seus enunciados atualizados em conformidade com as súmulas editadas pelos tribunais superiores.
Nota-se primeiramente que a referida norma busca a uniformização interna da jurisprudência dos tribunais, no mais, confere maior força vinculante às decisões proferidas por órgãos mais qualificados.
O que se pode também se constatar, a partir desse pequeno destaque de alguns dos principais aspectos do novo instituto, é o que já se vinha expondo: o novo Código pode consolidar, cada vez mais, os princípios da isonomia e da segurança jurídica no campo dos entendimentos jurisprudenciais.
Esses mecanismos demonstram, enfim, que o Novo Código Processual Civil segue exatamente o que se defende nesse estudo, isto é, a essencialidade de um sistema que se preocupe e se ocupe de uma crescente uniformidade dos posicionamentos dos Tribunais.
Pode-se concluir que estão presentes os princípios e os valores basilares ao próprio Estado Democrático de Direito, tais como a isonomia e a segurança jurídica, além de um novo paradigma: o precedente judicial.
2.TEORIA DOS PRECEDENTES.
O precedente é resultado da atividade jurisdicional, de forma que, desempenhada essa atividade, a produção de decisões com potencialidade de se tornar modelo de solução para o julgamento de casos futuros é forçosa.
Tucci (2004) explica o fundamento da Teoria dos Precedentes Judiciais:
“O fundamento desta teoria impõe aos juízes o dever funcional de seguir, nos casos sucessivos, os julgados já proferidos em situações idênticas. Não é suficiente que o órgão jurisdicional encarregado de proferir a decisão examine os precedentes como subsídio persuasivo relevante, a considerar no momento de construir a sentença. Estes precedentes, na verdade, são vinculantes, mesmo que exista apenas um único pronunciamento pertinente (precedent in point) de uma corte de hierarquia superior.”.(Tucci, José Rogério Cruz. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004).
A partir deste conceito se pode afirmar que o precedente judicial é considerado por todos os sistemas jurídicos, o que vai variar, no entanto, são seus atributos e a sua eficácia, a depender dos contornos que lhe serão conferidos.
A Teoria dos Precedentes, instituto oriundo da common law, que tem por finalidade a construção de precedentes que, consolidados, serão protótipos para delimitar o julgamento, aplicados ao caso concreto, quando as situações forem análogas.
De tal modo, os precedentes formatados pelos Tribunais, vincularão os demais órgãos, obstando recursos, ou irão persuadir em um sentido pré-estabelecido, com vistas, principalmente, à segurança jurídica e a previsibilidade do resultado perseguido.
Ao intérprete caberá discernir o precedente constituído. Analisando, para tanto, os julgados proferidos sobre a questão, ficando atento, especificamente, aos fatos relevantes para a causa e também ao raciocínio jurídico formulado, os quais podem ser compreendidos como elementos de formação do precedente.
Nesse passo, o juiz a quo, ao preferir uma sentença, somente aplicará o precedente se concluir que os fatos relevantes ora julgados possuam uma semelhança com aqueles igualmente relevantes no precedente. Logo, torna-se necessária a existência de uma similitude real entre a matéria fática relevante ora em julgamento e aquela outrora apreciada por ocasião da formação do precedente no tribunal.
Cassio Scarpinella Bueno (2006), ainda sob a égide do CPC/73, acerca do precedente jurisdicional e o processo civil da atualidade, expôs que:
“Não é o caso, aqui, de criticar ou elogiar estas modificações legais ou constitucionais. Suficiente, também aqui, a constatação desta nova realidade normativa, deste novo “padrão” da norma jurídica, para compreender como se deve pensar hoje o direito processual civil. Seja porque determinadas decisões têm efeitos vinculantes, seja, quando menos, porque têm efeitos “meramente persuasivos”; nunca para a experiência jurídica nacional, foi tão importante saber como eles vão decidir nos sucessivos ‘novos” casos que lhes são apresentados para julgamento. O que vale destacar é que cresce cada vez mais a tendência do direito processual civil brasileiro a lidar com “precedentes jurisdicionais”, assim entendidas como gênero as expressões usadas com frequência pela lei processual civil brasileira, a “jurisprudência dominante” e as ‘súmulas”.(Bueno, Cassio Scarpinella. A Nova Etapa da Reforma do Código de Civil. São Paulo: Saraiva, 2006).
De fato, pode-se perceber o quanto os precedentes vêm ganhado força na seara processual graças a sua grande importância para garantir a justiça das decisões. Desde o Código Processual de 1973, como demonstrado no capítulo anterior, o legislador tem se preocupado em dar o devido espaço aos precedentes jurisdicionais.
Diante de sua relevância, para facilitar o acesso aos precedentes, o legislador, por meio do artigo 927 § 5º, do Novo Código de Processo Civil, determinou que:
“§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores”.
Trata-se de relevante mudança na forma de motivação das decisões judiciais.
Assim, no novo sistema adotado pelo Código Processual Civil vigente, o Brasil estabelece uma relação mais próxima da estrutura Common Law, tendo em vista que as decisões deixarão de se apoiar apenas em textos normativos.
Com efeito, a fonte primacial de solução para o conflito não mais residirá no ordenamento positivo, mas nos precedentes, os quais deixam de ter o caráter meramente persuasivo.
Com o Novo CPC, tem-se que o assentamento dos precedentes não visa mais tão somente influenciar na decisão do magistrado, mas demonstrar a tese predominante e o seu caráter obrigatório ou até mesmo vinculante.
Dentre as suas principais novidades o NCPC expõe instrumentos para o sistema de precedentes, sendo eles: a criação do Incidente de Assunção de Competência (IAC – art. 947) e do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR – arts. 976-987).
O IAC dispõe que, estando em julgamento proeminente questão de direito, com grande repercussão social e sem múltipla repetição, poderá o relator do recurso, da remessa necessária ou do processo de competência originária, propor a assunção de competência para julgá-lo por órgão colegiado que o regimento interno do tribunal indicar.
A novo instituto pretende antecipar ou dirimir controvérsia a respeito da matéria, vinculando os membros do tribunal e os magistrados a ele submetidos mediante a publicação do respectivo acórdão.
Se a demanda apresentar múltipla repetição, o incidente adequado é o IRDR, que almeja proteger a isonomia e a segurança jurídica.
São legitimados para instaurar o IRDR são: juiz ou relator, por ofício; partes, por petição, Ministério Público ou Defensoria Pública, também por petição.
Sendo preciso, apenas, direcionar o pedido ao presidente do tribunal e apresentar prova documental da existência da multiplicação de demandas, com a mesma questão de direito, advertindo do risco à isonomia e à segurança jurídica (art. 977).
Essas são, de forma abreviada, as principais disposições concernentes aos precedentes judiciais e que deverão delimitar os procedimentos nos tribunais superiores com o Novo Código de Processo Civil.
Reafirma-se a importância da implantação de uma nova lógica judicial tanto pelos efeitos pretendidos a partir da proteção aos precedentes judiciais (previsibilidade, igualdade de tratamento e segurança jurídica), como também por invocar uma nova racionalidade às decisões judiciais, que deverão ser elaboradas conscientes de oferecerem substrato para aplicação a casos futuros, não se esgotando nos limites subjetivos da demanda em que se formam.
Do exposto, percebe-se que a contribuição da Teoria do Precedente é essencial para o avanço e modernização do ordenamento jurídico pátrio, trazendo diversos benefícios (maior segurança jurídica, possibilidade de maior celeridade dos processos), contudo, deve ser implantado e aplicado com muita parcimônia, se adequando à realidade jurídica e social.
3.SEGURANÇA JURÍDICA E ESTABILIDADE DAS DECISÕES.
A valorização do precedente judicial vem sendo apontada pela doutrina especializada como uma das principais inovações trazidas pelo novo diploma processual civil e, principalmente, um dos pilares sobre os quais se baseia essa nova legislação.
Em termos ideais, a previsibilidade é uma das principais características de um sistema jurídico em um Estado Democrático de Direito. Ela esta profunda e indissociavelmente relacionada a um dos pilares do Estado: a segurança jurídica, além do Princípio da Legalidade.
Observa-se na redação do Novo CPC a preocupação com a uniformização e a coerência na aplicação dos precedentes judicias, visando assim garantir efetividade ao princípio da segurança jurídica.
Nos ensinamentos de Marinoni (2009), a segurança jurídica é valor fundamental à própria noção de Estado Constitucional, tal qual a isonomia. E a ordem jurídica deve ser pautada na certeza e dotada de estabilidade, de modo a permitir que a sociedade em determinadas situações, possa contar, eventualmente, com a sua realização coercitiva.
Destaca-se ainda que além da observância da jurisprudência dos tribunais superiores pelos demais órgãos do judiciário, a exposição de motivos reservou especial atenção à uniformidade interna dos precedentes dos referidos tribunais, vez que essa estabilidade é fundamental para o desenvolvimento de um sistema eficaz de valorização e atenção aos precedentes.
É essencial que os cidadãos que compõe uma sociedade possam antecipar a repercussão de seus atos, com a finalidade de direcioná-los em um determinado sentido. Para que isto ocorra, se faz forçoso a existência das normas, compreendidas estas em sentido amplo, para abranger não apenas as normas, mas também os princípios e costumes inerentes aplicáveis àquela realidade.
Nesse contexto, Fonseca (2014) afirma que, o respeito ao precedente judicial atua como instrumento garantidor da previsibilidade, pois uma vez decidida definitivamente determinada questão pelos Tribunais Superiores, os casos idênticos ou aqueles que guardam substancial semelhança com paradigma, teriam a mesma solução deste. Não havendo, portanto, margem para surpresas.
Segundo a jurista supracitada, é fundamental a compreensão de que a liberdade dada ao juiz para que este interprete as normas, principalmente tratando-se de normas que guardam conceitos vagos e indeterminados, tem como objetivo expandir a aplicação da lei ao caso concreto, tendo em vista a impossibilidade de criação de uma norma específica para cada hipótese concreta.
Desta forma, deve-se considerar que a referida liberdade não é direcionada ao juiz individualmente considerado, mas sim ao Judiciário como um todo, sendo imprescindível haver coerência e estabilidade no sistema.
Cumpre ressaltar que decisões proferidas pelos juízes ou tribunais precisam ser direcionadas aos litigantes, de modo que a opinião individual do órgão julgador não deve prevalecer sobre o próprio sistema do qual faz parte.
Hermes Zaneti Jr. (2014), sobre o tema em comento afirma que: “Existindo um Poder Judiciário, devem haver meios de controle sobre a racionalidade de suas decisões de forma a garantir a uniformidade e a continuidade do direito para todos os casos análogos futuros. ”.
Nota-se que a persecução por um Judiciário mais coerente, previsível e isonômico esbarra na falta de obrigatoriedade de observância aos precedentes. Em decorrência, o atual sistema vem enfrentando desafios como a baixa credibilidade no Poder Judiciário e excesso de demandas e recursos.
A dispersão excessiva da jurisprudência produz intranquilidade social e descrédito do Poder Judiciário. A segurança jurídica, estabilidade das decisões e a celeridade nos julgamentos de processos estão entre as principais demandas a serem atendidas pelo Novo Código de Processo Civil.
A segurança jurídica é de suma importância, pois ela é elementar dentro do ramo do Direito. Pessoas em situações iguais devem ser tratadas da mesma maneira.
O Princípio da Segurança Jurídica não está presente na nossa Carta Magna de forma expressa, mas de forma implícita, vez que não há uma norma no texto constitucional que aborde sobre a segurança jurídica, no entanto podemos extrair a mesma de algumas passagens constitucionais, por exemplo, quando a mesma fala a respeito do ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido.
Observamos assim a preocupação da nossa Carta Magna com a estabilidade das relações jurídicas. Também de forma implícita o Princípio da Segurança Jurídica está inserido em outras normas constitucionais, tendo como exemplo o instituto da prescrição, onde suas regras e prazos servem para trazer o mínimo de estabilidade para as relações.
O entendimento do doutrinador Carlos Aurélio Mota de Souza (1996) é de que:
“a questão da segurança está atrelada ao significado de justiça, ao valor dela. Portanto, para que uma norma possa estar sendo perfeitamente aplicada em nossa legislação, mister é que ela traga segurança ao ordenamento jurídico. Portanto, esse princípio está atrelado ao Estado garantidor de direitos, porque não é possível dar-se credibilidade a um ordenamento que está sempre sofrendo modificações, sem se preocupar com o próprio povo.”.(Souza, Carlos Aurélio Mota de. Segurança Jurídica e Jurisprudência: um enfoque filosófico-jurídico. São Paulo: 1996).
Observa-se que o conceito de segurança jurídica pode ser classificado em amplo e estrito. Em sentido estrito, significa promover garantia e estabilidade as relações jurídicas, ou seja, impede que os envolvidos sofram alterações por motivo de eventual mudança legislativa. Está, assim, fortemente ligada aos efeitos temporais da aplicação da lei. A título de exemplo de norma, temos alguns princípios abordados no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, quais sejam: o princípio da legalidade (inciso III); princípio da legalidade penal (inciso XXXIX); a proteção do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (inciso XXXVI), dentre outros.
Em relação a segurança jurídica em sentido amplo, observa-se que ela busca oferecer garantias aos direitos que foram tratados constitucionalmente, isso significa expor que nessa esfera, a segurança está voltada para o cidadão, no escopo de preservar os direitos tratados em nossa Constituição.
Ao se intentar uma ação no Judiciário, conhece-se como é iniciada, mas é desconhecido como e quando ela acabará, sendo fundamental respeitar os precedentes, a fim de garantir a tão almejada segurança jurídica.
A notável presença de decisões divergentes para situações idênticas ou semelhantes revelam uma ordem jurídica incoerente. Contudo, um sistema que busca privilegiar os precedentes garantirá a previsibilidade e a igualdade.
O novo sistema adotado pelo Novo CPC aproxima o Brasil da sistemática do Common Law, tendo em vista que as decisões deixarão de se apoiar apenas em textos normativos. Com efeito, a fonte prioritária de solução para o conflito não residirá apenas no ordenamento positivo, mas nos precedentes, que deixarão de ter o caráter meramente persuasivo.
Vislumbra-se de forma clara que uma das intenções do legislador, senão a principal, é zelar pela isonomia e segurança jurídica, impossibilitando o magistrado de prolatar decisões contraditórias que desigualam pessoas em idêntica situação.
Nota-se, ainda, uma outra benesse que não é menos importante, qual seja, o direito constitucional à razoável duração do processo. De fato, o caráter vinculativo reconhecido ao precedente agilizará a solução do litígio, desonerando-o.
Cumpre reconhecer que esse novo sistema de uniformização da jurisprudência afasta a problemática da “jurisprudência lotérica” do processo, evitando surpresas.
Desta forma, havendo um precedente que envolva os mesmos fatos, os litigantes terão condições de prever o posicionamento do Judiciário, isso contribuirá grandemente para a redução da judicialização de conflitos, além de proporcionar com mais evidência a estimada segurança jurídica.
II: DESAFIOS DA APLICABILIDADE DO SISTEMA DE UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO NOVO CPC
Extremismos devem ser afastados. Se, por um lado, o que se poderia chamar de “jurisprudência lotérica” é maléfico, por outro, também o engessamento da norma ao redor dos precedentes é deveras prejudicial.
Conforme se examina, o novo Código de Processo Civil procura garantir uma estabilidade aos precedentes para impor a autoridade do sistema. Contudo, novamente, registra-se que isso não significa que poderá haver uma paralisia sistêmica do Direito.
Filosoficamente expondo, sabe-se que a sociedade sempre estará um passo à frente do Direito. Assim, os fatos sociais surgem e, em seguida, ante a sua relevância e quando necessário, o Direito é ativado para regulamentá-los em benefício da paz social.
Assim sendo, o precedente firmado em uma determinada conjuntura fática atual pode, no futuro, não mais refletir as necessidades sociais de seu tempo e, com isso, clamar por mudança.
Prevendo tal situação, o NCPC admite a alteração de precedentes ou até mesmo a revogação, desde que realizada pelo mesmo tribunal que o produziu ou um superior.
Neste ponto, cita-se o artigo 927, § 3º, o qual disciplina que, na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, poderá haver modulação dos efeitos da alteração, de acordo com o interesse social e a segurança jurídica.
A norma, para ter seu sentido construído, passa por uma longa evolução, por um caminho em que se impõem coerência e integridade às decisões a seu respeito. É crucial reconhecer-se que um único precedente não pode pretender se aplicar a tudo, e que, ao mesmo tempo em que se respeita o que já se construiu, novas situações podem surgir e clamar por um novo olhar para suas particularidades.
As decisões, nesse cenário, devem ser analisadas sob um ponto de vista que considere o global, a história completa do entendimento do Tribunal, a fim de se conhecer a evolução empreendida pela matéria.
O Direito não pode ser visto desvencilhado dos fatos que ocorrem ao seu redor, como um produto técnico e científico, não pode ser construído tão somente com base em argumentações previamente tecidas por outrem e não pode pretender extrair, de um só caso concreto, uma solução que a todos sirva.
Ou seja, no fim das contas, a reflexão que fica é a de que o precedente não pode ser encarado como um ponto de partida, mas como um ponto de chegada, sob pena de indesejado engessamento e violação ao princípio da igualdade.
Neste sentido, importante lição de Humberto Theodoro Junior, Dierle Nunes e Alexandre Bahia (2010):
“Assim, preserva-se a igualdade quando, diante de situações idênticas, há decisões idênticas. Entretanto, viola-se o mesmo princípio quando em hipóteses de situações ‘semelhantes’, aplica-se sem mais, uma ‘tese’ anteriormente definida (sem considerações quanto às questões próprias do caso a ser decidido e o paradigma, cf. infra): ai há também violação á igualdade, nesse segundo sentido, como direito constitucional à diferença e à singularidade”. (Theodoro Junior, Humberto; Nunes, Dierle; Bahia, Alexandre. Breves considerações sobre a politização do Judiciário e sobre o panorama de aplicação no direito brasileiro – análise de convergência entre o civil law e common law e os problemas da padronização decisória. Revista do Processo. São Paulo nº 189, 2010).
Tão somente olhar para certa decisão em sede de Recurso Especial repetitivo, por exemplo, e concluir que o sentido da norma é o apontado pelo STJ, sem maiores divagações, é engessar, ad eternum, a norma jurídica.
Mais do que isso, e acima de tudo, a tarefa do intérprete é levar a justiça ao caso concreto, e não se acomodar nos posicionamentos advindos do raciocínio de outras pessoas. A partir do precedente, deve olhar para o caso em exame e atentar para eventuais peculiaridades que o retirem do campo da similitude da primeira decisão, distinguindo-o. Se não o fizer, estará cometendo verdadeira injustiça e contrariando, com isso, a função constitucional do Poder Judiciário.
Mudando, desta forma, as circunstâncias, por motivos os mais variados (mudança na lei, na sociedade, na cultura), faz-se necessário afastar a aplicação do precedente, superando-o.
Não se deve, enfim, perder de vista a observância de certos deveres quando da tratativa de tema tão delicado e relevante quanto os precedentes judiciais.
Como dever geral de segurança jurídica, atribui-se responsabilidade aos Tribunais, notadamente STF e STJ, de zelar pela confiabilidade social nas decisões tomadas pelas Cortes e no respeito aos precedentes já existentes.
Como manifestação do dever de integridade, aos Tribunais se impõe um diálogo constante e efetivo com a matéria já decidida previamente, trabalhando sobre uma base mais ampla da atuação do Judiciário, o qual deve manter-se uno e íntegro por todo e qualquer um de seus órgãos decisórios.
E, pelo dever de coerência, o Poder Judiciário deve considerar a eficácia externa da fundamentação de seus atos, tendo sempre em consideração que ela há de servir a toda a sociedade, e mantendo sempre um diálogo consigo mesmo.
Cumpre ressaltar que a jurisprudência não poderá ser uniformizada se não respeitar as garantias constitucionais do devido processo legal. A uniformização jamais deverá ocorrer se em detrimento de princípios basilares do processo tais como a Persuasão Racional do Juiz ou da Inafastabilidade do Judiciário.
Interpretar é extrair o sentido da lei no caso concreto. Pode haver vários sentidos possíveis dentro do ordenamento, ainda que existam limites a respeitar, daí porque se falar em interpretação possível.
Igualmente, se juízes chegam a conclusões distintas, e seus fundamentos são justificáveis, racionais e obedecem aos princípios gerais, é porque o ordenamento comporta que essa variedade de sentidos venha a existir.
O efetivo sentido do precedente é que ele seja aplicado a casos idênticos, e não aos diferentes, bem como de que o entendimento firmado no precedente seja corrigido, ou superado de acordo com as necessidades da sociedade, vez que mutáveis.
Deve-se extrair a essência, aquilo que verdadeiramente importa na construção jurisprudencial, a fim de se perceber a história dos institutos jurídicos.
Necessário, então, um cuidado peculiar na fundamentação das decisões judiciais, já que, a rigor, decisões com fundamentação escassa e pouco convincente, sob o ponto de vista jurídico, não devem ser consideradas precedentes.
Não se pode admitir que a jurisprudência seja uniformizada se passa por cima das garantias constitucionais do devido processo legal, princípios da convencimento racional do juiz, contraditório e ampla defesa, entre outros.
Portanto, o principal desafio a ser enfrentado, principalmente pelos magistrados, é evitar arbitrariedades e estar sempre atento as peculiaridades de cada caso, para que assim possa haver justiça no seu fiel sentido.
Esse é o ponto de partida para que se modifique a cultura que impera entre nós, e, realizando-se a segurança jurídica em sua maior plenitude, se alcance uma jurisprudência íntegra.
CONCLUSÃO
O novo Diploma Processual, ao tratar da matéria jurisprudencial, abraça, de forma corajosa, a Teoria dos Precedentes, importada dos países adotantes do sistema de common law e cujos contornos já vinham sendo abalizados, gradativamente em nosso país.
Proferida decisão jurisdicional em um caso concreto, sua fundamentação serve como debate ao qual o público vai além das partes do caso concreto, alcançando a sociedade como um todo e a ordem jurídica em geral. Sendo a sua tese jurídica fundamento para outras demandas semelhantes, como norma geral e verdadeiro norte.
É esse o crucial papel que o precedente judicial promete realizar no sistema brasileiro, proporcionando maior efetividade a princípios e garantias tais como a isonomia entre os jurisdicionados, a segurança jurídica, a confiança legítima que eles depositam no Poder Judiciário e o próprio acesso a uma ordem jurídica mais justa, íntegra e estável.
A observância dos precedentes, quanto mais é analisada, mais e mais vantajosa e consentânea com um modelo constitucional de Processo Civil se mostra, ao primar pela segurança jurídica, pela previsibilidade dos posicionamentos das Cortes, pela estabilidade social e econômica, pela coerência da ordem jurídica, pela duração razoável do processo que desestimula a litigância irresponsável e de má-fé e pela maior eficiência do Poder Judiciário.
É esse, afinal, o grande objetivo do Novo Código Processual: apresentar um pouco de luz à escuridão do caos de uma jurisprudência disforme, instável e inspiradora de descrença. Nossa pátria não conseguirá permanecer firme enquanto um de seus pilares fundamentais, o Poder Judiciário, não afrontar esse árduo desafio.
Informações Sobre o Autor
Alessandra Ramalho Rocha
Formada em Direito pela Faculdade de Campina Grande FAC-CG Advogada e Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus