Sumário: resumo; 1. Introdução; 2. Dos princípios; 2.1 princípio da legalidade; 2.2 princípio nemo tenetur se detegere; 2.3 princípio da ampla defesa; 3. Crime de desobediência; 4. Poder de polícia e abuso de autoridade; 5. Da prova; 5.1 do bafômetro como prova (se lícita ou ilícita); 6. No processo administrativo; 7. No processo penal ; 8. Conclusão; 9. Referências bibliográficas.
Resumo: O presente trabalho objetivou verificar a utilidade do bafômetro como meio probatório correlacionando se o meio é ou não eficaz para se comprovar a embriaguez. Analisamos se o bafômetro dentro dos princípios, constitucionais e de direito, é ou não obrigatório e se este fere tais princípios. Fizemos uma análise do meio pelo qual o bafômetro é colhido pela autoridade, e se sobre tais circunstâncias, é valido como prova, além de se verificar se é prova lícita ou ilícita. Foi dado ênfase, no bafômetro como meio de prova, nos processos administrativo e penal, distinguindo-se entre a aplicação da prova em um e em outro processo. Destacou-se também como os nossos tribunais estão julgando os conflitos em que o bafômetro é utilizado como meio de prova. O estudo aprofundado sobre o assunto se fez imprescindível para a correta interpretação do bafômetro no meio jurídico como prova que decisivamente repercute em todas as áreas do direito.
1. Introdução
Pretende-se confrontar os princípios constitucionais da ampla defesa, com o princípio do artigo 5º inc. II da constituição de que, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” além do princípio “nemo tenetur se detegere” interpretado como (ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo), com alguns artigos da lei 11.275/06, publicada no DOU de 08/02/06 que alterou o Código de Transito Brasileiro (lei 9.503/97), sobre tudo se o Bafômetro é um meio legal e eficaz para comprovar-se a embriaguez.
Discute-se há muito, se o bafômetro é ou não obrigatório, sendo o debate, continuamente provocado pelo conflito existente entre os princípios constitucionais supra mencionados, em relação ao interesse público, sendo assim, evidencia-se por necessário o estudo aprofundado sobre tal matéria, procurando solucionar a problemática existente em questão, clarificando a lide e demonstrando caminhos para a dissolução do conflito legal e principiológico.
É claro o interesse positivo no debate jurídico do presente tema, considerando-se a ampla discussão ideológica já existente e a ausência de contribuições da doutrina jurídica relacionada.
Além de nos aprofundar neste assunto, tecerei comentários sobre, se os agentes de transito estão agindo dentro de princípios éticos e profissionais respeitando o direito individual ou estão abusando do poder de polícia, sendo uma linha muito tênue a que divide os pólos, correlacionando com o modo em que este tipo de prova é produzido, se é um meio legal que pode ser usado como meio probatório nos processos, tanto administrativo quanto penal.
Sabendo ser este assunto bastante polêmico, procurar-se-á buscar subsídios que nos indiquem um norte seguro, quanto a situação prática, pois sem sombra de dúvidas este é um assunto deveras relevante no que se refere ao trânsito, sendo que para o desenvolvimento deste trabalho, foram utilizados a pesquisa bibliográfica e o método indutivo, sendo respeitado o idioma nacional e as normas técnicas.
2. Dos princípios
A discussão sobre o tema há muito se remonta, mais especificamente, com o advento da lei 9.503/97, que instituiu no ordenamento jurídico, o Código de Trânsito Brasileiro, e com ele a polêmica no que se refere ao meio pelo qual o legislador achou melhor aferir se um indivíduo encontra-se ou não impossibilitado de dirigir, o bafômetro, como expressamente exposto no artigo 277[1], que diz:
“Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado”.
A controvérsia se deu no artigo supra mencionado, no que se refere à afirmativa, inserida no texto legal, ”será submetido”, ficando então o condutor de todos os veículos automotores enquadrados nas situações de “envolvido em acidente de trânsito” ou “que for alvo de fiscalização de trânsito”, obrigados a se submeter a tal exame, mesmo sem a sua permissão, o que para muitos vai de encontro a nossa Constituição Federal, pois fere princípios por ela protegidos, quais sejam, o do “nemo tenetur se detegere” interpretado como (“ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo”) e da ampla defesa.
Porém, surgiu um outro posicionamento doutrinário, pelo qual filiou-se ao princípio inserido expressamente no artigo 5º inc. II da constituição in verbis: “ninguém será brigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Por tal princípio, estavam sim, todos os condutores de veículos automotores, que se enquadrassem nas condições já expostas, obrigados a se submeter ao exame de alcoolemia, mas conhecido popularmente como bafômetro, pois a lei (9.053/97), assim os obrigava.
Mas antes de nos aprofundarmos no tema, vejamos o posicionamento de Norberto Bobbio[2], sobre o que são princípios:
“Os princípios gerais são, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. O nome de princípios induz em engano, tanto que é velha questão entre juristas se os princípios são ou não são normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as demais. E esta é a tese sustentada também pelo estudioso que mais amplamente se ocupou da problemática, ou seja, Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas, os argumentos vêm a ser dois e ambos válidos: antes de tudo, se não normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio de espécies de animais, obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são abstraídos e adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. Para regular um comportamento não regulado, é claro: mas agora servem ao mesmo fim para que servem as normas expressas”.
Vejamos separadamente cada um dos princípios invocados por ambas as correntes.
2.1 Princípio da legalidade
O princípio da legalidade esta expresso na Constituição Federal no artigo 5º, inc. II e diz que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, tal princípio é aclamado por uma parte da doutrina no que se refere ao uso do bafômetro.
Segundo Preleciona Alexandre de Moraes[3]:
“O princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei”.
Tal princípio visa dar uma maior segurança ao indivíduo e combater o poder arbitrário do Estado, pois somente pelas espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de criação de leis estabelecidas pela constituição é que se pode criar obrigações para o indivíduo, pois segundo Aristóteles[4] “a Paixão perverte os Magistrados e os melhores homens: a inteligência sem paixão – eis a lei”.
É oportuno, os ensinamentos de José Afonso da Silva[5] que diz:
“O princípio da legalidade é nota essencial do Estado de Direito. É, também, por conseguinte, um princípio basilar do Estado Democrático de Direito, como vimos, porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática, Sujeita-se ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais. Toda a sua atividade fica sujeita à lei, entendida como expressão da vontade geral, que só se materializa num regime de divisão de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos órgãos de representação popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituição. É nesse sentido que se deve entender a assertiva de que o Estado, ou o Poder Público, ou os administradores não podem exigir qualquer ação, nem impor qualquer abstenção, nem mandar tampouco proibir nada aos administrados, senão em virtude de lei”.
Sobre o prisma deste princípio, qual seja, o da legalidade, é que apontam alguns Doutrinadores, para embasar a obrigatoriedade do bafômetro, pois o Código de Trânsito, (Lei 9.503/97) no seu artigo 277 afirma que “[ … ] será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado” (grifei), pois, segundo eles, a lei existe (9.503/97), foi concebida de acordo com o processo legislativo concebido na Constituição Federal de 1988, e que impõe uma obrigação ao motorista que estiver entre as hipóteses elencadas no mesmo artigo, quais sejam, “envolvido em acidente de trânsito” ou “que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de haver excedido os limites”.
O referido artigo traz uma afirmativa, será submetido, não diz, talvez, quem sabe, se o condutor estiver a fim, se não for incomodo, portanto, uma obrigação, algo quase matemático como 2+2, se envolvido em acidente, obrigatório o bafômetro, se alvo de fiscalização de trânsito, obrigatório o bafômetro, pois a lei assim determina, está expresso no corpo da norma.
Mas mesmo que não estivesse expresso tal determinação no corpo da norma, para o Italiano Massimo Severo Giannini[6]:
“Não é necessário que a norma de lei contenha todo o procedimento e regule todos os elementos do provimento, pois, para alguns atos do procedimento estatuído e para alguns elementos do provimento pode subsistir discricionariedade”.
Como demonstrado, o princípio da legalidade é o princípio invocado por uma parte da doutrina para concluir a obrigatoriedade do bafômetro, pois, segundo eles, não há nenhuma ilegalidade ou inconstitucionalidade em tal artigo, vez que, foi instituído por processo legislativo de acordo com a Constituição e traz expressamente, nos casos apontados, a submissão dos condutores de veículos automotores ao procedimento do bafômetro, Arnaldo Rizzardo[7] diz que “[…] se o Código prevê a possibilidade do exame, é porque a pessoa deve submeter-se a ele. Do contrário, não haveria sequer meios para elaborar o corpo de delito”.
2.2 Princípio nemo tenetur se detegere
Uma parte da doutrina invoca o princípio expresso no brocardo latino nemo tenetur se detegere que tem sua tradução por ninguém é obrigado a produzir provas contra si, tal princípio está expresso na Convenção Americana de Direitos do Homem (1969), mas conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, mais especificamente em seu art. 8º, in verbis:
Art. 8º – das garantias judiciais:
( … );
g), direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;
Este princípio é invocado por uma parte da doutrina, pois o Brasil ratificou esta convenção em 25 de setembro de 1992, apesar de algumas discussões sobre o assunto, se esses princípios oriundos de tratados ratificados pelo Brasil, seriam normas constitucionais ou infraconstitucionais, pois via de regra, entraria a vigorar em nosso País como decreto legislativo.
Para José Afonso da Silva[8]:
“São direitos constitucionais na medida em que se inserem no texto de uma constituição ou mesmo constem de simples declaração solenemente estabelecida pelo poder constituinte. São direitos que nascem e se fundamentam, portanto, no princípio da soberania popular.
( … );
A constituição é expressa sobre o assunto, quando estatui que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
( … )
Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata […]”;
Ainda sobre o assunto, Alexandre de Moraes[9] diz que “O § 2ª do art. 5º da Constituição Federal prevê que os direitos e as garantias expressos no texto constitucional não excluem outros decorrentes dos tratados de que seja parte a República Federativa do Brasil”.
Antonio Scarance Fernandes[10], tece um breve, mas interessante comentário sobre o assunto aqui tratado, então vejamos:
“[…] com a Convenção da Costa Rica, ratificada pelo Brasil e incorporada ao direito brasileiro (Decreto 676, de 06.11.1992), o princípio foi inserido no ordenamento jurídico nacional, ao se consagrar, no art. 8º., n. 2, alínea g, que “ toda pessoa tem direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”, o que, de forma geral, significa a afirmação de que a pessoa não está obrigada a produzir prova contra si mesma. Passou a ser comum a invocação desse princípio em face do Código de Trânsito (lei 9.503, de 23.09.1997) para justificar a possibilidade de recusa da pessoa a se submeter ao “bafômetro”, quando há suspeita de que estivesse dirigindo embriagada. Afirma-se que essa imposição é ilegal, pois ninguém pode ser forçado a produzir prova contra si mesmo.[…]”.
Como vimos, é um direito individual do acusado, se quiser, não produzir provas contra si, além do mais, por tal ato o mesmo não poderá sofrer qualquer tipo de sanção, muito menos prejuízos no processo, pois se assim o fosse, estaria em dissonância com o próprio princípio, vejamos, pois, os ensinamentos do ilustre processualista Antônio Magalhães Gomes Filho[11] sobre tal afirmação:
“[…] outra decorrência do preceito constitucional, ainda no terreno da prova, diz respeito à impossibilidade de se obrigar o acusado a colaborar na apuração dos fatos. […] representa exigência inafastável do processo penal informado pela presunção de inocência, pois admitir-se o contrário equivaleria a transformar o acusado em objeto da investigação, quando sua participação só pode ser entendida na perspectiva da defesa, como sujeito processual. Diante disso, evidente que seu silêncio jamais pode ser interpretado desfavoravelmente, como ainda prevêem certas disposições da lei ordinária (arts. 186 e 198 do CPP)”.
Sobre o tema, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região[12], se posicionou no seguinte sentido:
“[…] Não se tratando, na espécie, de declarar a inconstitucionalidade incidental do art. 277 da lei nº 9.503/97 -CTB, é de se lhe restringir uma das interpretações possíveis para afastar aquela que implique na sujeição compulsória do condutor de veículos automotores a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que permita a certificação de seu estado, em seu prejuízo. ninguém, à luz das normas e princípios constitucionais, está obrigado a produzir provas contra si mesmo, pois o direito de punir, judicial e administrativamente, no direito brasileiro, rege-se pelo princípio nemo tenetur se detegere, que faculta ao indiciado/autuado adotar ou não a conduta que produzirá a prova que lhe será desfavorável. precedentes do STF e TRF´S (hc nº 77.135/sp, rel. min. ilmar galvao; hc nº 79.812/sp, rel. min. celso de mello; rhc nº 34000071702, – 200234000071702/df, rel. des. fed. luciano tolentino amaral, v.g.)”.
Portanto, se não respeitadas as exigências decorrentes do princípio “nemo tenetur se detegere” quais sejam, não ensejar nenhum tipo de prejuízo ao acusado, o processo poderá ser anulado por infringir outro princípio, o do prejuízo, sendo este, sem dúvida nenhuma a viga mestre do sistema das nulidades e decorre da idéia geral de que as formas processuais representam tão somente um instrumento para a correta aplicação do direito.
2.3 Princípio da ampla defesa
O princípio da ampla defesa esta esculpido no artigo 5º inc. LV da Constituição Federal e diz que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Para Celso Ribeiro Bastos E Ives Gandra Martins[13] deve-se entender por ampla defesa:
“[…] o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade. É por isso que ela assume múltiplas direções, ora se traduzirá na inquirição de testemunhas, ora na designação de um defensor dativo, não importando, assim as diversas modalidades, em um primeiro momento. Por ora basta salientar o direito em pauta como um instrumento assegurador de que o processo não se converterá em uma luta desigual em que ao autor cabe a escolha do momento e das armas para trava-la e ao réu só cabe timidamente esboçar negativas. Não, forçoso se faz que o acusado se possibilite a locação da questão posta em debate sob m prisma conveniente à evidenciação da sua versão. (1988/1999. PG. 266)”.
A ampla defesa é uma garantia constitucional, pois a partir dela todas as pessoas podem se beneficiar desta proteção constitucional contra o arbítrio do Estado, e por isso, hoje, este princípio se desdobra em uma série de outros direitos, protegidos de maneira específica, como por exemplo, o direito ao silêncio, direito de calar-se, direito a não produzir provas contra si, etc…
Segundo Tourinho Filho[14]:
[…] “não obrigado a declarar contra si mesmo” – “direito ao silêncio” –, tudo não passa do velho princípio do “privilege against self-incrimination”, isto é, do nemo tenetur se detegere, daquele direito de calar-se, sem que a autoridade possa extrair desse silêncio qualquer indício de culpa. Se a República Federativa Brasileira tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III); se ninguém é obrigado fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF, art. 5º, II); se ninguém poderá ser privado da sua liberdade, sem o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV); se o réu tem direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII); se não há lei que obrigue o réu a falar a verdade, é induvidoso que o interrogatório (melhor seria denominá-lo declaração) é meio de defesa e não de prova.
Ainda sobre o assunto, o autor[15] expõe:
“[…] se o acusado pode calar-se, ficando o Juiz obrigado a respeitar-lhe o silêncio, erigido à categoria de direito fundamental, não se pode dizer seja o interrogatório um meio de prova. Por outro lado, não estando ele obrigado a acusar a si próprio, ‘não tem nenhuma obrigação nem dever de fornecer elementos de prova’ […]”.
Tal afirmativa, segundo José Frederico Marques[16], decorre de que:
“Uma vez que o réu, na persecução penal, é titular de direitos e obrigações, e não simples objeto das atividades estatais destinadas à aplicação da pena é indubitável que o processo penal se estrutura, como o processo civil, naquela trilogia que Búlgaro definira […].
No processo, qualquer que ele seja, não há apenas procedimento, isto é, uma série de atos que se coordenam e se sucedem sob determinada forma ou modus. Desde o momento em que ele se instaura, o juiz e as partes se encontram envoltos em uma relação particular antes inexistente, que lhes cria vínculos “juridicamente relevantes e juridicamente regulados”, como o diz Liebman. O órgão da acusação, o acusado e o juiz criminal passaram a viver sob uma atmosfera de mútuos e recíprocos direitos e obrigações, que se exercitam ou podem ser exercidos, enquanto o processo se desenvolve através do procedimento. Daí o entendimento moderno de que o processo é uma relação jurídica”.
O ônus probatório, segundo o art. 156 do Código de Processo Penal diz que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer” além do que, como vimos, não é lícito obrigar ao réu a produzir provas contra si, pois, o seu direito ao silêncio, decorre do princípio da ampla defesa, defesa esta que deve ser utilizada pelo indiciado/acusado da maneira mais ampla possível, neste sentido Ada Pellegrini Grinover[17], consigna, com muita propriedade que:
“[…] o réu, sujeito da defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de prova que o prejudiquem. Pode calar-se ou até mentir. […] A autoridade judiciária não pode dispor do réu como meio de prova, diversamente do que ocorre com as testemunhas; deve respeitar sua liberdade, no sentido de defender-se como entender melhor […] do silêncio ou da mentira do réu não podem deduzir-se presunções que superem a presunção de inocência, solenemente proclamada no art. 9º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, ou que superem o princípio “in dúbio pro reo”.
Portanto, pelo exposto acima, decorre do princípio da ampla defesa, diversas garantias ou direitos ao acusado/indiciado, como direito ao silêncio, direito a calar-se, direito a não produzir provas contra si, direito até mesmo, como demonstrado pela doutrinadora Ada Pellegrini Grinover, de mentir, contudo, sem sofrer qualquer tipo de sanção ou prejuízo.
3. Do crime de desobediência
Com base nos princípios da ampla defesa e do nemo tenetur se detegere, alguns condutores de veículos automotores que foram ”convidados” a fazer o exame do bafômetro e se recusaram, tiveram sobre si uma penalidade decorrente do art. 330 do Código Penal, in verbis, “desobedecer a ordem legal de funcionário público”, ora, se como vimos, pelo princípio da legalidade o condutor de veículo automotor, que estiver entre as hipóteses elencadas no art. 277 do Código de Trânsito Brasileiro, está obrigado a se submeter ao bafômetro e se recusa, este, por via de conseqüência, esta desobedecendo a uma ordem legal, visto que o bafômetro, por uma parte da doutrina, é obrigatório, e, tal ordem é emanada de um funcionário público, qual seja, o policial, que tem o dever de cumprir a lei.
José Marcos Marrone[18], que faz parte da corrente minoritária, defende que, se o motorista recusar a se submeter ao exame do bafômetro, deve o agente de trânsito:
“[…] conduzi-lo à presença da autoridade policial, que o sujeitará ao exame de sangue (teste de alcoolemia) ou, na hipótese de nova recalcitrância, ao exame clínico. Se o condutor suspeito desatender à ordem legal daquele funcionário público, negando-se a acompanhá-lo à delegacia de polícia, ou aos locais de exame, pratica o delito de desobediência, mencionado no art. 330 do Código Penal.”
O Tribunal de Alçada criminal do Estado de São Paulo[19] se posicionou no seguinte sentido:
“Se a norma adjetiva determina que a autoridade mande, é porque a pessoa intimada tem que atender ao mando. Se não atender, comete delito de desobediência, por ter sido, a ordem, legal e amparada em norma vigente. A ampla defesa nada mais faz do que assegurar aos acusados todos os meios legais para a defesa, inclusive fornecendo defensores aos que não os possuem. Ela, entretanto, não concede ao acusado o direito de não atender a determinações legais, pois, se assim fosse, estaria em conflito com o disposto no inciso II, do art. 5º, da mesma Carta Magna, que reza que todos os cidadãos são obrigados a fazer algo, desde que exista lei determinando, ao afirmar que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’. ”. (AC. nº 542.671/6, 6ª Câmara, Rel. Dês. Almeida Braga, Julgado em 07/06/1.989).
Por outro lado Tourinho Filho[20], que faz parte da corrente majoritária, entende não ser possível que, pelo uso de um direito, o autor possa ser enquadrado, pelo crime de desobediência, vez que, estaria se recusando para não contribuir para a produção de provas que possam agir contra si, senão vejamos:
“Salvo a hipótese de o indiciado não ser encontrado, a reprodução simulada poderá ficar a cargo de testemunhas presenciais. E so o indiciado a tanto se opuser? Não comete nehuma infração. Se ele não é obrigado a acusar a si próprio (nemo tenetur se detegere), se ele tem o direito constitucional de permanecer calado, não teria, como não tem sentido, ser eventualmente processado por desobediência pelo simples fato de se recusar a contribuir para a descoberta de “alguma prova” contra ele…”.
Antônio Scarance Fernandes[21], posicionando-se como Tourinho Filho, entende não ser possível a aplicação de uma penalidade a pessoa que, utilizando-se do princípio do nemo tenetur se detegere, nega ser submetido a qualquer meio de produção de provas que possa incrimina-lo, assim:
“[..] como decorrência desse direito do acusado a não se incriminar não se admite que a eventual recusa de colaboração para a produção de prova contra sua pessoa possa configurar crime de desobediência (CP, art. 330)”.
O Supremo Tribunal Federal[22] se posicionou no seguinte sentido:
“EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. RECUSA A FORNECER PADRÕES GRÁFICOS DO PRÓPRIO PUNHO, PARA EXAMES PERICIAIS, VISANDO A INSTRUIR PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. NEMO TENETUR SE DETEGERE. Diante do princípio nemo tenetur se detegere, que informa o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo do inciso IV do art. 174 do Código de Processo Penal há de ser interpretado no sentido de não poder ser o indiciado compelido a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para os exames periciais, cabendo apenas ser intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a comparação gráfica configura ato de caráter essencialmente probatório, não se podendo, em face do privilégio de que desfruta o indiciado contra a auto-incriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa. Assim, pode a autoridade não só fazer requisição a arquivos ou estabelecimentos públicos, onde se encontrem documentos da pessoa a qual é atribuída a letra, ou proceder a exame no próprio lugar onde se encontrar o documento em questão, ou ainda, é certo, proceder à colheita de material, para o que intimará a pessoa, a quem se atribui ou pode ser atribuído o escrito, a escrever o que lhe for ditado, não lhe cabendo, entretanto, ordenar que o faça, sob pena de desobediência, como deixa transparecer, a um apressado exame, o CPP, no inciso IV do art. 174. Habeas corpus concedido”. (grifei)
Por tal julgado e pela doutrina acima exposta, é indubitável, não ser lícito a aplicação do crime de desobediência ao autor que se recusa a não submeter-se a todo e qualquer tipo de perícia que tenha caráter essencialmente probatório, pois, poderia ser caracterizada sua culpa e, portanto, estaria indo contra o princípio do nemo tenetur se detegere, ou seja, contra a auto-incriminação, pois como já vimos, a obrigação de produzir provas cabe a quem acusa e não ao acusado/indiciado.
4. Poder de polícia e abuso de autoridade
É importante a abordagem desse tema, pois esta intimamente ligada ao tema desta monografia no tocante a quem de direito deve o condutor de veículo automotor se reportar nos casos[23] previstos no artigo 277 da lei 9.503/97 de averiguação de suspeita de estar alcoolizado, sendo necessária tal abordagem, para esta autoridade de trânsito não ultrapassar o seu poder de polícia e cometer um abuso de autoridade.
Para tanto, devemos, primeiramente, verificar quem a lei autoriza a ser seus agentes de fiscalização, trazidos pelos artigos 24 inc. VI e 280 § 4º da lei 9.503/97 (lei de trânsito) in verbis:
Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:
VI. – Executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e paradas previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;
280- O correndo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:
§ 4º – O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.
Segundo José Cretella Júnior[24], o poder de polícia:
“[…] Informa todo o sistema de proteção que funciona, em nossos dias, nos Estados de direito. Devendo satisfazer a tríplice objetivo, qual seja, o de assegurar a tranqüilidade, a segurança e a salubridade públicas, caracteriza-se pela competência para impor medidas que visem a tal desideratum, podendo ser entendido como a faculdade discricionária da Administração de limitar, dentro da lei, as liberdades individuais em prol do interesse coletivo”.
Ainda sobre o tema, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[25] preleciona:
“[…] O tema relativo ao poder de polícia é um daqueles em que se colocam em confronto esses dois aspectos: de um lado, o cidadão quer exercer plenamente os seus direitos; do outro, a Administração tem por incumbência condicionar o exercício daqueles direitos ao bem-estar coletivo, e ela o faz usando de seu poder de polícia.
Não existe qualquer incompatibilidade entre os direitos individuais e os limites a eles opostos pelo poder de polícia do Estado porque, como ensina Zanobini (1968, v. 4:191), ‘a idéia de limite surge do próprio conceito de direito subjetivo: tudo aquilo que é juridicamente garantido é também juridicamente limitado’.
Themístocles Brandão Cavalcanti (1956, v. 3:6-7) diz que o poder de polícia ‘ constitui um meio de assegurar os direitos individuais porventura ameaçados pelo exercício ilimitado, sem disciplina normativa dos direitos individuais por parte de todos’. E acrescenta que se trata de “limitação à liberdade individual, mas tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direitos essenciais ao homem”.
“O fundamento do poder de polícia é o princípio da predominância do interesse público sobre o particular, que dá à Administração posição de supremacia sobre os administrados”.
Porém a uma dissonância no que se refere aos policiais militares estarem exercendo o poder de polícia administrativa para fiscalizarem o trânsito, segundo Paulo Alves Franco[26]:
“Nos municípios o trânsito é fiscalizado por agente municipal, uniformizado contratado para exercer tal função. Outros são contratados por autarquias como é o caso da Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas S.A. (EMDEC) chamados ‘os amarelinhos’ que fiscalizam o trânsito. Em São Paulo, há ‘os marronzinhos’, funcionários da Prefeitura Municipal. Esses funcionários somente poderão lavrar multas de trânsito se houver convênio da Prefeitura com o órgão estadual de trânsito competente. Determina a lei que o Policial Militar deve ser designado pela autoridade de trânsito competente, porém o legislador esqueceu-se de que a Polícia Militar tem hierarquia própria e os policiais militares não estão subordinados ao Delegado de Polícia que é a autoridade de trânsito do município; portanto, esta determinação é anódina com relação aos policiais militares serem designados pela autoridade de trânsito para fiscalizarem o trânsito”.
Celso Antônio Bandeira de Mello[27] define poder de polícia administrativa, como:
“[…] a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares em dever de abstenção (‘non facere’) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo”.
Mas este poder que a Administração Pública tem de intervir no interesse das pessoas com fundamento no princípio da supremacia do interesse d administração pública face o interessa particular é limitado, neste sentido, José Cretella Júnior[28] assim preleciona:
“A faculdade não é, entretanto, ilimitado, estando sujeito a limites jurídicos: direitos do cidadão, prerrogativas individuais e liberdades públicas asseguradas na Constituição e nas leis.
Do mesmo modo que os direitos individuais são relativos, assim também acontece com o poder de polícia, que, longe de ser onipotente, incontrolável, é circunscrito, jamais podendo pôr em perigo a liberdade à propriedade. Importando, regra geral, o poder de polícia em restrições a direitos individuais, a sua utilização não deve ser excessiva ou desnecessária, de modo a não figurar o abuso de poder.
Não basta que a lei possibilite a ação coercitiva da autoridade para justificação do ato de polícia. É necessário, ainda, que se objetivem condições materiais que solicitem ou recomendem a sua inovação. A coexistência da liberdade individual com o poder de polícia repousa na harmonia entre a necessidade de respeitar essa liberdade e a de assegurar a ordem social. O requisito de conveniência u de interesse público é, assim, pressuposto necessário à restrição dos direitos individuais.
Por fim, o poder de polícia, ao manifestar-se, de modo concreto, pela ação policial não pode ferir as liberdades públicas, ou seja: ‘as faculdades de autodeterminação, individuais ou coletivas, declaradas, reconhecidas e garantidas pelo Estado, mediante as quais os respectivos titulares escolhem modos de agir, dentro de limites traçados pelo poder público’”.
Tal abordagem é necessária, pelo fato de alguns agentes de trânsito, estarem exigindo do condutor de veículo automotor a submissão ao exame do bafômetro, sendo que, como já vimos, este não está obrigado a fazê-lo, sendo pelos princípios e motivos já expostos, sendo pela redação dada ao § 2º do art. 277 da lei 11.275/06[29], in verbis:
“§ 2o No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor”.
Ora, a própria legislação prevê a recusa do condutor, porque este deve sofrer algum tipo de sanção, pela simples recusa de se submeter a tal exame, sendo que é este um direito individual e personalíssimo do indivíduo? Senão vejamos, o artigo 3º e 4º da lei 4.898/65 ou ainda, o artigo 350 Código Penal.
Art. 3º – Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
I – à liberdade de locomoção;
Art. 4º – Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;
Art. 350 – Ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder:
IV – Efetua, com abuso de poder qualquer diligência.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello[30], o abuso de autoridade:
“[…] se dá no caso de meios coativos que bem, por isso, interferem energicamente com a liberdade individual, é preciso que a Administração se comporte com extrema cautela, nunca se servindo de meios mais enérgicos que os necessários à obtenção do resultado pretendido pela lei, sob pena de vício jurídico que acarretará responsabilidade da Administração. Importa que haja proporcionalidade entre a medida adotada e a finalidade legal a ser atingida.
A via da coação só é aberta para o Poder Público quando não há outro meio eficaz para obter o cumprimento a pretensão jurídica e só se legitima na medida em que é não só compatível como proporcional ao resultado pretendido e tutelado pela ordem normativa. Toda coação que exceda ao estritamente necessário à obtenção do efeito jurídico licitamente desejado pelo Poder Público é injurídica.
Este eventual excesso pode se apresentar de dois modos:
a) a intensidade da medida é maior que a necessária para a compulsão do obrigado;
b) a extensão da medida é maior que a necessária para a obtenção dos resultados licitamente perseguíveis”.
Segundo Gilberto Passos de Freitas e Vladimir passos de Freitas[31]:
“O regime de liberdades públicas em que vivemos assegura o uso normal dos direitos individuais, mas não autoriza o abuso, nem permite o exercício anti-social desses direitos. As liberdades admitem limitações e os direitos pedem condicionalmente ao bem-estar social. Essas restrições ficam a cargo da Polícia Administrativa. Mas, sob a invocação do Poder de Polícia, não pode a autoridade anular as liberdades públicas ou aniquilar os direitos fundamentais do indivíduo, assegurados na Constituição”.
Como demonstrado, a pratica dos agentes de trânsito em obrigar o condutor de veículo automotor a se submeter ao exame do bafômetro, ou ainda, puni-lo com o crime previsto no artigo 330 do Código Penal[32] é sim um verdadeiro abuso de autoridade, pois como já aventado a própria legislação no artigo 277 § 2ª prevê a recusa, além de dar outros rumos para a autoridade verificar se o motorista encontra-se ou não embriagado, inclusive com a possibilidade de prova testemunhal, já que no referido § o legislador narra, que a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas.
5. Da prova
Para iniciarmos este tema, a de ser colocado em pauta, a origem e o significado de prova, portanto, para Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha[33] a prova:
“[…] origina-se do latim probatio, podendo ser traduzida como experimentação, verificação, exame, confirmação, reconhecimento, confronto etc., dando origem ao verbo probare (probo, as, are).
É usado em sentidos diversos.
Num sentido comum ou vulgar (verificação, reconhecimento etc.) significa tudo aquilo que pode levar ao conhecimento de um fato, de uma qualidade, da existência ou exatidão de uma coisa.
Como significado jurídico representa os atos e os meios usados pelas partes e reconhecidos pelo juiz como sendo a verdade dos fatos alegados.
Contudo, em quaisquer de seus significados, representa sempre o meio usado pelo homem para, através da percepção, demonstrar uma verdade.
A verdade chega à inteligência humana através de um meio de percepção. Destarte, a prova pode ser entendida como todo o meio usado pela inteligência do homem para a percepção de uma verdade”.
Ainda segundo o autor Adalberto Aranha[34]:
“O fato da lei penal obrigar o acusado a se defender, tanto que ao contumaz e ao que não o tem é dado defensor dativo, e a falta do exercício de defesa importar em nulidade absoluta não desfiguram o ônus probatório.
Há que se estabelecer uma nítida separação.
A obrigação é a de ser defendido, sob pena da sanção correspondente que é a nulidade, entendida como a prática de atos defensórios necessários, como a presença às audiências, acompanhamento das provas, alegações finais etc.
A produção de prova é apenas um ônus, e, como tal, quem não a realiza de forma alguma viola o princípio da obrigatoriedade da defesa.
Defender-se ou ser defendido é obrigação processual; produzir a prova é apenas um ônus.
Daí por que não constitui nulidade por ausência da obrigatoriedade do exercício do direito de defesa a não-produção de provas”.
Como ressaltado pelo autor “defender-se é uma obrigação processual, já a produção de prova é apenas um ônus”, ônus este que está expressamente estabelecido no Código de Processo Penal[35] que diz:
“A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução, ou antes, de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”.
O nosso Código de Processo penal[36] ainda estabelece que ”Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”.
Neste sentido, preleciona Jorge Henrique Schaefer Martins[37]:
“Sabe-se que os crimes, no que respeita ao seu resultado, podem ser materiais, formais ou de mera conduta.
A distinção entre eles interessa para o caso específico do corpo de delito e da prova pericial, em vista dos primeiros imprescindirem de sua ocorrência, situação que não se configura quanto aos demais.
O crime material é aquele que necessita de um resultado externo, isto é, exige a ocorrência de um resultado, v. g., a morte, no homicídio; os ferimentos, na lesão corporal; a subtração nos crimes de furto ou roubo; o prejuízo, no crime de dano, dentre outras situações, ou, em outras palavras, aquele que não resta consumado sem que tenha ocorrido o dano efetivo do direito concreto.
O crime de natureza formal consubstancia-se naquele onde a realização do objetivo do agente não é indispensável, visto que a conduta e o resultado decorrente do tipo penal configuram-se no momento do fato.
Por fim, o crime de mera conduta exige para o seu reconhecimento, apenas o exercício de atividade, sem a obrigatoriedade de um resultado material.
O corpo de delito somente se faz indispensável nos crimes de natureza material”.
Ainda com relação ao corpo de delito, José da Cunha Navarro Paiva[38] relata que:
“[…] é mister reconhecer, que é assaz difícil reunir o conjunto de todos os elementos do corpo de delito, salvo nos delitos compostos de elementos materiais muito simples. O momento mais favorável para apreender o corpo de delito é o flagrante delito, e ainda assim só com relação aos seus elementos no tempo presente, porque o passado desapareceu, e o futuro é contingente, sobretudo nos crimes de ferimentos e de ofensas corporais, de que podem resultar fenômenos, que nem sempre podem prever-se à priori. Depois do flagrante delito, o corpo de delito como que se dissolve, desconjuntando-se, alterando-se ou desvanecendo-se os membros que o constituem, não podendo reconstruir-se senão metafisicamente por meio de recordações, depoimentos, conjeturas ou raciocínios”.
Portanto, abre-se aqui duas vertentes, quais sejam, o bafômetro na esfera Administrativa / processual administrativa e outra na esfera penal / processual penal, pois, na esfera penal é obrigatório o resultado do ilícito cometido, já na esfera administrativa, apenas é necessária a verificação da ingestão de bebida alcoólica superior ao limite estabelecido em lei, os quais, veremos oportunamente.
5.1 Do bafômetro como prova (se lícita ou ilícita)
A prova pode se dar de várias formas, como, testemunhal, documental, indiciária e pericial, sendo que, o bafômetro se enquadra na prova pericial, pois através dele, verifica-se qual a quantidade de álcool ingerido pelo condutor de veículo automotor.
Segundo Jorge Henrique Schaefer Martins[39] a prova pericial:
“[…] quando efetivada na fase investigatória, justificada pelo risco de desaparecimento dos elementos que possam instruí-la, reveste-se de cautelaridade, não sendo dado ao indiciado o oferecimento de quesitos, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal.
[…]
a prova pericial reveste-se de relevância, em virtude da evolução tecnológica, vez que atualmente se pode obter a confirmação da presença física do agente no local do fato, ou mesmo da autoria por exame de DNA, sendo possível confirmar-se a voz de um interlocutor em conversa telefônica pelo exame próprio, aplicando-se os princípios de fonética acoplados a aparelhos sofisticados que medem a graduação das ondas vocais, enfim, existe todo um aparato técnico e tecnológico apto a dirimir dúvidas importantes em um processo”.
Para podermos verificar se o bafômetro é uma prova lícita ou não, é necessário o ensinamento de Maria Cecília Pontes Carnaúba[40] que diz:
“Há duas espécies de provas ilegais, quais sejam: as ilegítimas e as ilícitas propriamente ditas. As ilegítimas são aquelas produzidas de modo a afrontar a lei processual penal. É o caso das pessoas que, em função do ofício ou profissão, devem guardar sigilo, como os padres, advogados, psicólogos etc. sendo tomados depoimentos dessas pessoas relativamente a assuntos que conhecem em função do exercício de suas profissões, a prova é nula. A nulidade fundamenta-se, in casu, no art. 207 do Código de Processo Penal, pois as provas obtidas estão em desacordo com a lei processual penal, que fulmina de nulidade a produção de provas que não sejam acordes com os procedimentos e circunstâncias por ela exigidos. As provas ilícitas, por seu turno, são aquelas obtidas através de meios ilícitos, são provas cuja obtenção viola lei material. A ilicitude ocorre em função da forma pela qual a prova é colhida”.
Ainda sobre o tema preleciona Luiz Francisco Torquato Avolio[41], sobre o que são provas ilícitas, sendo estas que interessam ao nosso estudo:
“[…] por prova ilícita, ou ilicitamente obtida, é de se entender a prova colhida com infração a normas ou princípios de direito material – sobretudo de direito constitucional, porque, como vimos, a problemática da prova ilícita se prende sempre à questão das liberdades públicas, onde estão assegurados os direitos e garantias atinentes à intimidade, à liberdade, à dignidade humana; mas, também, de direito penal, civil, administrativo, onde já se encontram definidos na ordem infra-constitucional outros direitos ou cominações legais que podem se contrapor às exigências de segurança social, investigação criminal e acertamento da verdade, tais os de propriedade, inviolabilidade do domicílio, sigilo da correspondência, e outros. Para a violação dessas normas, é o direito material que estabelece sanções próprias. Assim, em se tratando da violação do sigilo de correspondência ou de infração à inviolabilidade o domicílio, ou ainda de uma prova obtida ob tortura, haverá sanções penais para o infrator. O direito processual mantinha-se, até pouco tempo atrás, alheio a essa realidade
Há que se estabelecer uma nítida separação”.
Como bem ressaltado pela autora, “a prova ilícita é aquela que viola um direito constitucional”, portanto, temos, mais uma vez, duas vertentes, quais sejam, se o condutor de veículo automotor quiser se submeter ao bafômetro, sem ser compelido a fazer, a prova será lícita e conseqüentemente válida, agora, se o condutor negar-se a fazer o exame do bafômetro, por qualquer razão que seja, e por razões alheias a sua vontade for compelido a fazê-lo, indubitavelmente esta prova será considerada ilícita, portanto, não podendo ser utilizada em qualquer tipo de processo.
A constituição federal em seu artigo 5º inc. LVI é clara no que diz respeito às provas ilícitas, então vejamos: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
Mesmo a constituição Federal expressamente dizendo que é inadmissível a prova ilícita no processo, caso esta, seja admitida, segundo Luiz Francisco Torquato Avolio[42] ocorreram tais procedimento:
“[…] o alcance dessa disposição deve extrapolar a fase da admissibilidade das provas, propriamente dita, para abranger os demais momentos processuais relativos à prova, quais sejam os da sua produção e valoração pelo juiz, em qualquer estado e grau do procedimento, como teria sido mais prudente que dispusesse, para evitar qualquer interpretação colidente com o próprio espírito das vedações probatórias;
A conseqüência que decorre da utilização da prova ilícita é, inapelavelmente, a da sua ineficácia, como imposição lógica da sua inexistência jurídica como ato ou como prova;
Com relação à sentença que nelas se baseou, será inquinada de nulidade, dando margem à revisão criminal ou ao habeas corpus;”
Ainda sobre o assunto Maria Cecília Pontes Carnaúba[43], traz um interessante comentário a respeito do porque não serem admitidas as provas ilícitas nos processos, então vejamos:
“Como se vê, a falta de efetividade dos limites aos métodos de persecução e investigação criminal gera inquietação social pela insegurança que impõe aos indivíduos. Fortalece o poder estatal a ponto de subjugar as pessoas, negando-lhes o respeito à sua cidadania, reduzindo-as à subserviência. É um sistema de mantença da ordem pública e de combate à criminalidade que não conta com a probabilidade de perdurar no mundo moderno. Em função da própria história da civilização ocidental, com o advento do Cristianismo, o homem aceitou que todo os seres humanos têm natureza semelhante. São merecedores de igual respeito individual e contam com dignidades equivalentes entre si. Inaceitável, portanto, uma situação que os subjugue ao arbítrio estatal, fortalecendo o poder deste em prejuízo do bem-estar dos cidadãos. Talvez seja em função desse passado histórico do Brasil eu eminente Ministro do STF Sepúlveda Pertence recomenda que se leve às últimas conseqüências as garantias constitucionais, mesmo que resulte na absolvição de criminosos comprovados se as provas contra si coligadas o foram por meios ilícitos”.
Conforme exposto, a prova é considerada ilícita, se confrontar norma material ou garantias constitucionais, quais sejam, a igualdade entre homens, a não tortura, o pensamento, a saúde, a crença, a atividade intelectual, a intimidade, a vida, a honra, o domicílio, o sigilo da correspondência, a locomoção, o acesso à informação etc., mas acima de tudo a liberdade, liberdade está que deve ser exercida em todos os sentidos pelos seres humanos, ficando resguardado tais garantias que segundo o Ministro do STF “recomenda que se leve às últimas conseqüências”, ficando, portanto, prejudicado todo e qualquer tipo de prova que seja produzida ferindo tais garantias.
Segundo Luiz Francisco Torquato Avolio[44], isso acontece porque a moderna doutrina processual entende que:
“[…] o juiz deve investigar a verdade material, não se contentando apenas com os fatos que a acusação e a defesa submetem à sua consideração, mas admite limites a essa atividade, visto que, como ressalta Baumann, “o direito não deve ser realizado a qualquer preço”. Todo o direito processual, prossegue o autor, nega o princípio segundo o qual o fim justifica os meios, por existir uma relação conflitiva entre o interesse da comunidade jurídica em realizar o direito material (através da persecução penal) e o interesse dos cidadãos afetados em seus direitos pelo processo penal. Conclui encontrar-se superado o conceito de verdade, a “verdade forense”, ou seja, a verdade obtida por vias formalizadas.
O princípio do livre convencimento do juiz, no sentido de liberdade na valoração da prova, é perfeitamente compatível com um procedimento probatório disciplinado pela lei, inexistindo contradição, como veremos, com as regras que disciplinam a sua introdução material no processo. O acertamento judicial não é mais visto como uma operação técnica burocratizada, que possa suprimir o diálogo e o confronto de opiniões. Se a verdade é um objetivo a ser alcançado no processo, não se pode mais contrapor a verdade formal à verdade material: no processo existe apenas uma verdade, a verdade judiciária, que é aquela que emerge d um procedimento desenvolvido em contraditório, e baseado necessariamente em critérios de admissibilidade e exclusão das provas.
Há que se acrescentar, contudo, que o processo só pode fazer-se dentro de uma escrupulosa regra moral, que rege a atividade do juiz e das partes, abrindo-se a escolha, refletiva por Cordero, entre dois processos: um, em que a dignidade do homem é aviltada; outro, em que é respeitada. Este último torna tolerável até mesmo os inevitáveis erros. A dicotomia defesa social-direitos de liberdade assume freqüentemente conotações dramáticas no juízo penal, avultando a obrigação do Estado de sacrificar ao mínimo os direitos de personalidade do acusado como pedra de toque de um sistema de liberdades públicas, no contexto de um Estado de Direito”.
Vimos, portanto, que o juiz deve buscar a verdade judiciária no processo, não mais a verdade material ou real, pois deve ser respeitada, no mínimo que seja, a dignidade humana, já que nós estamos em um Estado Democrático de Direito, não sendo mais plausível a busca pela verdade material usurpando os direitos que durante anos foram almejados e que hoje fazem parte de uma estrutura de um Estado de Direito, sendo elevados, muitas vezes, a princípios constitucionais, ressalvando sempre a dignidade da pessoa humana.
6. No processo administrativo
Como já vimos, a Administração Pública utiliza-se do poder de polícia administrativa para impor limites ao exercício de direitos e liberdades dos indivíduos, como decorrência da utilização deste poder e, caso haja descumprimento das obrigações impostas pela Administração Pública, gera para este, a possibilidade de impor sanções, neste sentido, preleciona Odete Medauar[45] que:
“A imposição de sanções norteia-se pela legalidade das medidas punitivas, descabendo à autoridade “inventa-las”. O requisito de competência também prevalece. Além do mais, deve ser assegurado, ao sujeito, contraditório e ampla defesa, por força da Constituição Federal, art. 5º, LV. No caso das multas de trânsito, a existência de prazo suficiente para recorrer e ter o recurso apreciado, antes do vencimento, atende a essas garantias, pois o efeito patrimonial se concretiza no pagamento.
Dentre as sanções, citem-se: as formais – cassação de licença, revogação de autorização; as pessoais – quarentena; as reais (atuação sobre coisas, tolhendo sua disponibilidade) – apreensão e destruição de gêneros alimentícios deteriorados, apreensão de armas e instrumentos usados na caça e pesca proibidas, guinchamento de veículos; as pecuniárias – multa única e multa diária; impedimentos temporários ou definitivos de exercícios de atividades – suspensão de atividades, interdição de atividades, fechamento de estabelecimentos, embargo de obra, demolição de obra, demolição de edificação”.
A autora[46] ainda se manifesta no seguinte sentido;
“Na esfera administrativa o termo acusados designa as pessoas físicas ou jurídicas às quais a Administração atribui determinadas autuações, das quais decorrerão conseqüências punitivas; por exemplo: imposição de sanções decorrentes do poder de polícia, inclusive sanções de trânsito; atuações disciplinares sobre servidores e alunos de escolas públicas; atuações disciplinares que, por delegação, cabem às ordens profissionais; aplicação de sanções por má execução de contratos administrativos”.
Sobre o tema, Celso Antônio Bandeira de Mello[47] traz em seus ensinamentos a estreita ligação entre infração e sanção administrativas, que segundo ele:
“[…] são temas indissoluvelmente ligados. A infração é prevista em uma parte a norma, e a sanção em outra parte dela. Assim, o estudo de ambas tem que ser feito conjuntamente, pena de sacrifício da inteligibilidade quando da explicação de uma ou de outra.
Infração administrativa é o descumprimento voluntário de uma norma administrativa para qual se prevê sanção cuja imposição é decidida por uma autoridade administrativa – ainda que não necessariamente aplicada nesta esfera.
Reconhece-se a natureza administrativa de uma infração pela natureza da sanção que lhe corresponde, e se reconhece a natureza da sanção pela autoridade competente para impô-la. Não á, pois, cogitar de qualquer distinção substancial entre infrações e sanções administrativa e infrações e sanções penais. O que as aparta é única e exclusivamente a autoridade competente para impor a sanção, conforme correto e claríssimo ensinamento, que boa-mente sufragamos, de Heraldo Garcia Vitta.
[…] Sanção administrativa é a providencia gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é da alçada da própria Administração. Isto não significa, entretanto, que a aplicação da sanção, isto é, sua concreta efetivação, possa sempre se efetuar por obra da própria Administração. Com efeito, em muitos casos, se não for espontaneamente atendida, será necessário recorrer à via judicial para efetiva-la, como ocorre, por exemplo, com uma multa, a qual, se não for paga, só poderá ser judicialmente cobrada.
São muito variadas as relações de Direito Administrativo, são também muito variadas as modalidades de sanção. Assim, existem: a) advertência; b) sanções pecuniárias – isto é, multas; c) interdição de local ou estabelecimento – como o fechamento de uma fábrica por poluir as águas; d) inabilitação temporária para certa atividade – como a suspensão do direito de licitar, ou da carteira de habilitação de motorista; e) extinção de relação jurídica entretida com o Poder Público – como as cassações de licença de funcionamento ou a decretação de caducidade de uma concessão de serviço público; f) apreensão ou destruição de bens – como, respectivamente, de equipamentos de pesca ou de caça utilizados fora das normas e de edificação construída em desobediência à legislação edilícia. Hoje não mais se admite a figura da prisão administrativa, sanção considerada pelo STF como inconvivente com o art. 5º, LV e LVI, da Constituição Federal”.
Como vimos, cabe a Administração Pública resguardar e até punir quem de certa forma infringe a norma, neste caso a lei de trânsito, que estabelece regras de conduta para os condutores de veículos automotores, sendo certo, que tal norma é deveras conflitante em sua redação, pois no código de transito existem dois artigos que tratam especificamente sobre a condução de veículo automotor após ingestão de bebida alcoólica, são eles os artigos 165[48] e 276 da lei 9.503/97, in verbis:
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica.
Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.
Art. 276. A concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. O CONTRAN estipulará os índices equivalentes para os demais testes de alcoolemia.
Como podemos verificar, no artigo 165, o legislador proíbe a ingestão de bebida alcoólica, em qualquer nível, estando este artigo elencado no capítulo “DAS INFRAÇÕES”, o artigo faz menção à ”dirigir sob a influência de álcool ou qualquer substância entorpecente”, vedando completamente qualquer quantidade, mas, a mesma lei em seu artigo 276 elencado no capítulo “Das Medidas Administrativas”, relata que “a concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor”, portanto, há uma discrepância entre dois artigos que tratam da mesma matéria.
Esta análise se faz necessária para verificarmos que o próprio código admite a ingestão de bebida alcoólica, contanto que, não ultrapasse o limite de 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue, que é verificado por exames como o bafômetro, exame de sangue etc., mas como já vimos, tais exames ferem os direitos individuais, e se quiser, o condutor de veículo automotor poderá se recusar a fazer, pois alem de ferir tais direitos, a própria legislação de trânsito permite tal possibilidade.
Ocorre que, como já vimos, o condutor de veículo automotor esta “obrigado” a fazer o exame do bafômetro, caso se envolva em acidente de trânsito ou que seja alvo de fiscalização de trânsito, pois bem, estando o condutor de veículo automotor enquadrado em uma das duas hipóteses, a autoridade de trânsito, conforme o art. 269[49] inc. IX da lei 9.503/97, teria que, amigavelmente, perguntar se o condutor de veículo automotor, gostaria de fazer o bafômetro, tendo em vista, as garantias constitucionais, já vistas, que permitem ao condutor se recusar a fazer tal exame sem qualquer tipo de prejuízo a sua pessoa.
Temos ai, a grande problemática da utilização do bafômetro na esfera administrativa, pois, o próprio código admite uma pequena ingestão de bebida alcoólica antes de dirigir[50], e, estando o condutor de veículo automotor entre as hipóteses supra mencionadas, como fará a autoridade de trânsito para verificar se o motorista ingeriu ou não bebida alcoólica, ou, caso tenha ingerido, qual a quantidade ingerida, vez que o código admite uma certa quantidade?
Vejamos o artigo 280 da lei 9.503/97 do capítulo “DO PROCESSO ADMINISTRATIVO” in verbis:
Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:
I – tipificação da infração;
II – local, data e hora do cometimento da infração;
III – caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação;
IV – o prontuário do condutor, sempre que possível;
V – identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou do equipamento que comprovar a infração;
VI – assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração.
§ 1º (vetado);
§ 2 º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN;
§ 3º Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte;
§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.
Ora, a autoridade verificando a infração deverá lavrar o auto, que será enviado a autoridade competente, e esta, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível[51], sendo que, será expedida notificação ao proprietário do veículo[52] o qual terá um prazo não inferior a trinta dias[53] contados da data da notificação.
Mas, caso o condutor de veículo automotor se recusa a fazer o bafômetro, como a autoridade ira verificar se o mesmo ingeriu bebida alcoólica, ou se ingeriu qual a quantidade? Isto se faz necessário, pois como já amplamente relatado, o código permite uma certa quantidade, quantidade esta que sem sombra de dúvidas não pode ser verificada a olho nu, sendo necessário um exame para aferir.
A autoridade, no uso do poder de polícia administrativa, não pode obrigar o condutor de veículo automotor a se submeter ao bafômetro, sendo certo que, para o agente de trânsito lavrar o auto de infração deverá comprovar efetivamente que aquele se encontra impossibilitado de dirigir, pois infringiu o art. 276 da lei 9.503/97, extrapolando o limite de 0,6 decigramas de álcool por litro de sangue.
O legislador tentou achar outras formas de se verificar que o condutor de veículo automotor encontra-se proibido de dirigir, pois ultrapassou o limite estabelecido na legislação, tendo sobre si as penalidades legais, esta nova tentativa veio expressa na lei 11.275/06 que alterou os artigos 165, 277 e acrescentou o inciso V no artigo 302, da lei de trânsito, vejamos as alterações, in verbis:
Art. 1o Esta Lei altera os arts. 165, 277 e 302 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que passam a vigorar com a seguinte redação:
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica:
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
§ 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos.
§ 2o No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor.
Art. 302. …………………………………………………………………………………………………
Parágrafo único. ……………………………………………………………………………………..
V – estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos.
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação (grifos nossos).
Como podemos verificar do § 2o da lei supra mencionada, no caso de recusa do condutor, a infração poderá ser caracterizada mediante outros meios de provas em direito admitidos, licitamente é lógico, ocorre que, como vimos, não há outra forma de se verificar efetivamente a quantidade de bebida alcoólica consumida pelo condutor, senão, pelos exames de sangue ou pelo bafômetro, é impossível qualquer ser humano, apenas olhando pra o condutor, simplesmente dizer, “esse motorista está com 2,4 por cento de álcool no sangue”, impossível, até mesmo para um profissional gabaritado, com, por exemplo, um médico.
O legislador ainda continua, “acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor”, mas a meu ver, mas uma vez o legislador se equivocou, pois nenhuma pessoa é igual à outra, nem fisicamente nem biologicamente, existem pessoas que ao ingerir uma dose de whisky, por exemplo, ficam completamente embriagadas, portanto, estão impossibilitadas de dirigir, mas, a concentração de álcool no sangue daquela pessoa com certeza estaria autorizada para dirigir, pois a concentração de álcool no sangue é menor que a legalmente autorizada.
Por outro lado, existem pessoas que podem consumir alta quantidade de bebida alcoólica, que certamente, pelos exames de sangue ou pelo bafômetro, estariam impossibilitados de dirigir, mas, no entanto, não apresentam qualquer tipo de notórios[54] sinais de excitação[55] ou torpor[56] provenientes do consumo de bebida alcoólica.
Porém, faço uma ressalva, pois como já vimos, para lavrar a infração de trânsito, deve o agente ter presenciado o ato da infração, pois como ocorre na prática, ele não pode multar alguém que ultrapassou o sinal vermelho porque testemunhas ou outra autoridade viu, ele mesmo deve ter presenciado, mas o código fala em “outras provas em direito admitidas”, sendo certo que, a meu ver, se o condutor de veículo automotor se recusar a fazer o exame do Bafômetro, a autoridade, pelo poder de polícia e pela fé-pública que lhe é peculiar, poderá lavrar a infração, mas também deverá utilizar-se de testemunhas, para que não ocorra abuso de autoridade, pois, corre o risco de que, verificando a autoridade, que o condutor se recusa a fazer o exame do bafômetro, e, sem estarem presentes os notórios sinais de embriagues, excitação ou torpor, ser acometido com uma “falsa comprovação” de que estaria alcoolizado, sendo que a meu ver, deverá se precaver com, pelo menos, duas testemunhas.
Portanto, se o condutor de veículo automotor quiser se submeter ao exame do bafômetro, esta será uma prova lícita e válida, ou ainda, se pelas outras formas de provas em direito admitidas, como a testemunhal, só será válida, se a pessoa estiver, como diz a lei, com notórios sinais de embriaguez, como não conseguindo falar ou falando enrolado, andar, com cheiro de bebida alcoólica, em fim, que sem sombra de dúvidas, a um simples olhar, possa se verificar que aquela pessoa ingeriu uma alta quantidade de bebida alcoólica e que se encontra impossibilitado de dirigir, abrindo, pois, para o condutor de veículo automotor a possibilidade da ampla defesa, para que se a autoridade lavrar a infração com a juntada de duas testemunhas, abrirá para aquele a possibilidade de também provar que não está embriagado também com base em testemunhas.
7. No processo penal
O legislador elencou no código de trânsito brasileiro, lei 9.503/97, como crimes as seguintes condutas: homicídio culposo, lesão corporal culposa, omissão de socorro, fuga do local do acidente, embriaguez ao volante expondo em dano potencial a incolumidade de outrem, violação da suspensão ou proibição imposta, participação em competição não autorizada, direção de veículo sem permissão ou habilitação, entrega de veículo a pessoa não habilitada, excesso de velocidade em determinados locais e ainda, fraude no procedimento apuratório, sendo todos estes procedimento obviamente ligados à condução de veículos automotores.
Porém, para este nosso estudo o que nos importa é o crime de embriaguez ao volante previsto no artigo 306 do código de transito[57], in verbis:
Art. 306 Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:
Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Como se pode verificar do artigo supra citado, não basta que o motorista que esteja conduzindo veículo automotor esteja embriagado, mas sim para que se configure o crime de embriaguez ao volante deve estar expondo a dano potencial a incolumidade de outras pessoas, caso esteja dirigindo sob efeito de bebida alcoólica, mas não coloque em perigo de dano a incolumidade de outras pessoas, não será crime, mas sim, configurar-se-á infração administrativa.
Fernando Capez e Victor Eduardo Rios Gonçalves[58] prelecionam no seguinte sentido:
“[…] o tipo exige que o agente exponha a dano potencial a incolumidade de outrem, e, por isso, não basta que o agente se encontre embriagado, sendo necessário que se demonstre que ele dirigia de forma anormal (zigue-zague, contramão de direção, subindo na calçada, cruzando sinal vermelho etc.). Nesses casos, o bem jurídico é atingido, ou seja, a segurança viária tem seu nível rebaixado pela conduta do agente e, assim, o delito se configura, ainda que a conduta não tenha atingido pessoa certa e determinada. Por isso, pode-se afirmar eu crime de embriaguez ao volante não é rime de perigo abstrato ou concreto (à incolumidade de outrem), mas sim crime de efetiva lesão ao em jurídico (segurança viária).
Em suma, se fosse crime de perigo abstrato, bastaria à acusação a prova da conduta (dirigir em estado de embriaguez), hipótese em que a situação de risco seria presumida; se fosse crime de perigo concreto, seria necessário que se provasse que pessoa certa e determinada fora exposta a situação de risco. Acontece que, sendo crime de efetiva lesão ao bem jurídico (segurança do trânsito), pode-se concluir que cabe à acusação demonstrar que o agente, por estar sob a influência do álcool, dirigiu de forma anormal, ainda que sem expor a risco determinada pessoa”.
Pelo exposto, vemos que, para a matéria penal pouco importa se o condutor de veículo automotor está ou não dirigindo sob a influencia de álcool e em que quantidade esta foi ingerida, mas sim, para que se materialize o delito, este deve estar expondo a dano a incolumidade de outrem, com relação ao fato de estar embriagado é importante mencionar os estudos de Paulo José da Costa Júnior e Maria Elizabeth Queijo[59] sobre o assunto in verbis:
“[…] a embriaguez só se apresenta quando o grau de intoxicação atinge sensivelmente a conduta do indivíduo, prejudicando-o.
Desta forma, se a concentração de álcool está em 0 e 0,5 centímetros cúbicos por 1.000 centímetros cúbicos de sangue, há ausência de intoxicação. Se está entre 0,5 e 1,5 centímetros cúbicos por 1.000 centímetros cúbicos de sangue, a fase é a inicial da alcoolização. Entre 1,5 e 2 centímetros cúbicos por 1.000 centímetros cúbicos de sangue, há embriaguez; e acima de 2 centímetros cúbicos por 1.000 centímetros cúbicos, há embriaguez completa.
Em suma:
– de 0 a 0,5 – ausência de intoxicação;
– de 0,5 a 1,5 – fase inicial de alcoolização;
– acima de 1,5 – embriaguez.
Assim, o indivíduo poderá dirigir sob a influencia do álcool se estar embriagado (concentração superior a 1,5 centímetros cúbicos por 1.000 centímetros cúbicos de sangue)”.
A importância do estudo trazido a lume para este trabalho versa no sentido de que para o condutor de veículo automotor estar embriagado deve constar mais de 1,5 centímetros cúbicos de álcool por 1.000 centímetros cúbicos de sangue, ocorre que, a legislação de trânsito ressalva que o motorista encontra-se impedido de dirigir com a quantidade acima de 0,6[60].
Contudo, Ariosvaldo de Campos Pires[61] ressalta que:
“[…] consuma-se o crime quando o agente submete a dano potencial, isto é, a probabilidade de dano, a incolumidade pública ou a vida e a saúde de uma só pessoa, dirigindo sob a influência de álcool.
A embriaguez ao volante é crime formal, de perigo concreto. Por isso, não basta a simples direção em estado alcoólico para a configuração da espécie. Mister se faz a demonstração do perigo para a incolumidade pública ou individual. Não configurado, haverá apenas a infração administrativa, prevista o art. 165 do Código de trânsito”.
Como já vimos, a doutrina é pacífica no sentido de que não basta o condutor de veículo automotor estar dirigindo embriagado, mas sim, deve expor em dano potencial a incolumidade de outrem, sendo certo que o tipo penal do artigo 306 exige diversas condutas do agente para que se configure o crime de embriaguez ao volante, a primeira ação a ele imposta é que deve estar conduzindo veículo automotor, a segunda, a que se refere, é que deve estar sob a influência de álcool ou outras substâncias de efeitos análogos, e por fim, que exponha em dano potencial a incolumidade de outrem, sendo certo que, na falta de um dos elementos constitutivos do tipo penal, inexistirá o crime previsto no artigo 306, pois faltará um elemento essencial, assim como, se o motorista conduzir o veículo embriagado, mas não expor em dano a incolumidade de outrem não estará cometendo crime podendo responder apenas administrativamente, assim também não se configurará o crime do artigo 306 se expor em dano potencial a incolumidade de outrem, mas não estiver sobre os efeitos do álcool ou substâncias entorpecentes.
Porém, como o tema deste trabalho refere-se ao bafômetro como meio de prova, vejamos o que a jurisprudência do nosso Tribunal de Justiça diz sobre o assunto:
“APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÂNSITO. CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR, EM VIA PÚBLICA, SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL. ARTIGO 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. MATERIALIDADE DO DELITO. RECUSA DO MOTORISTA EM SE SUBMETER AO EXAME DO BAFÔMETRO. IRRELEVÂNCIA. PROVA TESTEMUNHAL QUE PODE SUPRIR O ALUDIDO EXAME. DIREÇÃO ANORMAL. CARACTERIZAÇÃO. EXPOSIÇÃO DE TERCEIROS A DANOS POTENCIAIS. DELITO CONFIGURADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO-PROVIDO.
I – A ‘influência de álcool’ de que trata o art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, pode ser provada por exame bafométrico, de sangue ou mesmo por testemunhas, não sendo indispensável o exame clínico.
II – A conduta do motorista que, sob efeito de álcool, dirige anormalmente, vindo a colidir seu veículo contra outro caracteriza a exposição a dano potencial a incolumidade de outrem referida pelo art. 306 da Lei 9.503/97”[62].
(Grifei).
“[…]Denota-se dos autos que as provas trazidas e produzidas são totalmente contraditórias, posto que apesar do nível de álcool aferido (0,53 mg/l) no aparelho bafômetro ser superior ao permitido pela lei (0,30 mg/l), o exame de sangue constante do laudo de fls. 11 foi negativo, ou seja, não encontrou vestígios de substância alcoólica no organismo do autor/apelante.
Embora o Boletim de Ocorrência possua presunção de veracidade, tal não é absoluta, podendo ser desconstituída por prova robusta. Entendo que no caso dos autos tal prova é o laudo nº 1395 do Instituto Médico-Legal, cujo resultado foi negativo para álcool etílico. Ademais, o julgador monocrático partiu de premissa equivocada ao desconsiderá-lo, sob o argumento “que o laudo de fls. 11 não se presta para afastar a presunção do laudo elaborado na hora do acidente, porque datado do dia seguinte ao evento, não existindo, aliás, evidência do momento da coleta do sangue.” Isto porque, conforme consta do referido documento o Requisitante do Exame foi a Delegacia Policial de Ipanema – Operação Verão 2002/2003, que o fez através do ofício nº 220/03, este sim datado de 03/03/03. Desta forma, o exame não foi feito em 03/03/03, posto que esta é a data do ofício que requereu a análise do sangue.
Assim sendo, sendo as provas dos autos contraditórias, portanto não fazendo prova plena, é evidente que não se pode concluir com firmeza o estado de fato em que se encontrava o condutor do veículo e, por este motivo, não pode lhe ser imputada a infração descrita no art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro, qual seja, dirigir sobre o efeito de álcool, em nível superior ao permitido, ou entorpecente, posto que a mesma não se encontra devidamente comprovada[…][63]” (Grifei).
Antes de analisar os julgados veremos como outros Tribunais de nosso País estão julgando os casos de crimes de embriaguez no trânsito, vejamos:
“PENAL. DELITO DE TRÂNSITO. LESÕES CORPORAIS. 1. Embriaguez. Prova testemunhal. A embriaguez pode ser demonstrada por meio de prova testemunhal, principalmente porque o réu não é obrigado a submeter-se ao exame de sangue ou bafômetro. 2. Dolo eventual. Comprovado. Quem, estando embriagado, conduz veiculo na contramão, em alta velocidade, assume o risco da produção do evento danoso. A unanimidade, negaram provimento ao apelo defensivo” [64]. (Grifei).
Denota-se das jurisprudências aqui colacionadas que assim como o nosso Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, como o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, bem como o Superior Tribunal de Justiça tendem a julgar os casos de crime de embriaguez ao volante em um mesmo sentido, qual seja, que a embriaguez ao volante pode ser comprovada não apenas pelo exame bafométrico, mas também pela prova testemunhal, vez que, a relatividade dos efeitos do álcool sobre as pessoas se desponta de maneiras diferentes.
Importante ressaltar ainda que o Superior Tribunal de Justiça[66] manifestou-se no sentido de que, o crime previsto no artigo 306 do Código de Trânsito, só se evidência através de atos concretos do infrator que coloque em risco a incolumidade pública que segundo conceito de Damásio de Jesus[67] é:
“[…] derivada da palavra latina incolumitas, significando qualidade daquilo que está são e salvo, livre do perigo, referindo-se a coisas ou pessoas como interesse coletivo. Incolumidade pública significa segurança de todos os cidadãos. Relaciona-se com um número indeterminado de pessoas”.
A interpretação dada à redação do artigo 306[68] do código de trânsito pela maioria da jurisprudência decorre de uma interpretação literal do referido diploma legal, pois, o artigo em nenhum momento indica a quantidade de álcool que deve ser ingerida pelo condutor, apenas mencionando “sob a influência de álcool”, portanto, o bafômetro é inservível para provar que o condutor de veículo automotor cometeu o delito ali descrito, vez que, para a jurisprudência pouco importa a quantidade de álcool ingerida, mas sim, se o condutor de veículo automotor a ingeriu.
Portanto, para a consumação do crime de embriaguez ao volante, pouco importa se o condutor ingeriu álcool em alta ou em mínima quantidade, pois, caracteriza-se o crime por dois aspectos, o primeiro, por expor a dano potencial a incolumidade de outrem, o segundo, se ingeriu ou não álcool, pois, se em caso positivo presume-se que estaria sob a influência do mesmo.
No entanto, o juiz poderá utilizar-se do bafômetro para condenar o condutor de veículo automotor enquadrado na hipótese do artigo 306 do código de trânsito, mas, se em caso de recusa do condutor, ou mesmo, por falta de homologação no bafômetro por parte do INMETRO ou até mesmo pela inexistência do bafômetro no momento do ocorrido, o magistrado poderá julgar com base em provas testemunhais, pois como já dito, se o condutor de veículo automotor ingeriu álcool em qualquer quantidade já cumpriu um dos três requisitos estabelecidos por lei, neste sentido, o bafômetro, frente a outras provas em direito admitidas, tornar-se-á inócuo.
8. Conclusão
Como vimos neste trabalho, o bafômetro quando imposto pela autoridade policial, seja ela de trânsito ou não, fere alguns princípios Constitucionais e de direito, pois, a própria lei de trânsito prevê a possibilidade de o condutor de veículo automotor se recusar a ser submetido ao bafômetro.
Contudo, muitas vezes o bafômetro é aferido e em diversos casos utilizado como meio de prova contra o condutor de veículo automotor, como analisamos, a prova do bafômetro só será válida se não for ilegítima ou ilícita, temos por ilegítima aquelas que são produzidas de modo a afrontar a lei processual, como, por exemplo, as pessoas que devem guardar sigilo em função de suas profissões, como os advogados, médicos etc., neste caso a prova é nula, pois está em desacordo com a lei processual penal, já a prova ilícita, é aquela obtida através de meio ilícito, viola lei material, no caso a ilicitude ocorre pela forma que a prova é colhida.
Por sua vez, ambas as formas são repudiadas no processo, tanto penal quanto administrativo, mormente porque a nossa Constituição Federal veda expressamente as provas obtidas por meios ilícitos.
Ademais, o bafômetro quando utilizado no processo administrativo serve somente para comprovar a quantidade de bebida alcoólica ingerida pelo condutor de veículo automotor, não comprovando efetivamente se aquela pessoa está ou não embriagada, pois, como vimos, o álcool ingerido por uma pessoa que não é acostumada a beber tem seus efeitos rapidamente demonstrados, já para outras pessoas que consomem bebida alcoólica freqüentemente, os efeitos do álcool demoram a aparecer, quando efetivamente aparecem.
Contudo, o bafômetro no processo penal, no que se refere ao crime de embriaguez do artigo 306 do Código de Trânsito, é inservível, pois, pouco importa a quantidade de bebida alcoólica ingerida pelo condutor de veículo automotor, mas sim, se este efetivamente ingeriu bebida alcoólica, vez que, o crime exige diversas condutas do agente, entre elas, estar dirigindo veículo automotor, causar dano a incolumidade pública e estar sob a influência de álcool, na falta de qualquer um destes requisitos inexistira o crime, além do mais a jurisprudência tem se posicionado no sentido de admitir muitas vezes a prova testemunhal ao em vez do bafômetro, mormente porque esta apenas afere a quantidade de bebida alcoólica ingerida e não se o agente está ou não embriagado.
9. Referências bibliográficas
Notas:
Informações Sobre o Autor
Fabiano Augusto Valente
Assessor de Desembargador Tribunal de Justiça do Paraná; Especialista em Processo Civil pela PUC/PR e em Direito Público pela ESMAFE/PR