Abandono Afetivo Parental: Quanto A Possibilidade De Indenização Do Dano Moral E A Sua Forma De Valoração

Autora: Beatriz Mafra Cabrera – Acadêmica de Direito na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE; E-mail: [email protected].

Orientadora: Elizângela Treméa – Doutora em educação: História, Política e Sociedade; Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa; Pós-Graduada em Docência do Ensino Superior; E-mail: [email protected].

Resumo: O presente trabalho traz como tema central o dano moral causado pelo abandono afetivo parental, e as vertentes sobre a possibilidade de indenizá-lo. Com o objetivo de tecer uma discussão acerca das formas de valoração do dano, como valorá-lo e chegar a uma indenização justa ao mal sofrido. Para tanto, o texto discute sobre o surgimento do dano moral e a evolução legislativa em torno da proteção desse bem. Ademais, trata sobre os conceitos e vertentes da indenização, para posteriormente abordar a ligação existente entre eles e as formas de lidar com o tema juridicamente. Por fim, faz menção aos impactos psicológicos que podem ser gerados na vida do sujeito que sofreu os danos morais. Dessa forma, o trabalho permite visualizar uma evolução sobre o tema, tanto no aspecto social quanto legislativo, porém mostra a existências de lacunas que precisam ser debatidas e supridas, para que haja uma maior efetividade e homogeneidade na resolução dos casos.

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Palavras-chave: Abandono afetivo; dano moral; indenização.

 

Abstract: The present work has as its central theme the moral damage caused by the emotional parental abandonment, and the aspects about the possibility of indemnifying it. With the objective of weaving a discussion about the ways of valuing the damage, how to value it and arrive at a fair compensation for the harm suffered. To this end, the text discusses the emergence of moral damage and the legislative evolution around the protection of that property. In addition, it deals with the concepts and aspects of the indemnity, to later address the existing link between them and the ways to deal with the issue legally. Finally, it mentions the psychological impacts that can be generated in the life of the subject who suffered moral damage. In this way, the work allows to see an evolution on the theme, both in the social and legislative aspects, but it shows the existence of gaps that need to be debated and filled, so that there is greater effectiveness and homogeneity in the resolution of cases.

Keywords: Affective abandonment; moral damage; indemnity.

 

Sumário: Introdução. 1. Dano moral: seu conceito e histórico dentro do direito de família; 2. O abandono afetivo e sua forma de valoração; 3. indenização: definição e suas vertentes; 4. Dos reflexos psicológicos decorrentes do abandono afetivo; Conclusão; Referências.

 

 INTRODUÇÃO

Sendo o abandono afetivo parental um tema reprimido no passado devido a valores e costumes tradicionais, com a evolução social a situação vem ganhando grande destaque atualmente, devido a sua complexidade e grandiosidade na vida de cada indivíduo do núcleo familiar, especialmente a pessoa do filho.

O tema, inicialmente, era tratado apenas pela psicologia, e os casos não ganhavam teor jurídico ou visibilidade. No entanto passou-se a entender que o abandono acarreta danos graves ao interior do indivíduo, assim a situação ganhou um teor indenizatório visando a sua reparação, sendo o Direito a base fundamental para esse processo.

Nesse horizonte, o presente trabalho, possui como objetivo conceituar o abandono afetivo, o dano moral e, ainda, as suas formas de indenização, vislumbrando casos concretos e a aplicação prática da questão, tratando por fim dos efeitos gerados no indivíduo que passa por esse cenário.

 

  1. DANO MORAL: SEU CONCEITO E HISTÓRICO DENTRO DO DIREITO DE FAMÍLIA

O dano possui definições tanto no sentido comum da palavra, como na sua visão jurídica. Sendo assim, o dano tratado no senso comum pode ser entendido como “mal ou ofensa pessoal; O prejuízo moral; prejuízo material causado a alguém pela deterioração ou inutilização de bens seus; estrago, deterioração, danificação” (FERREIRA, 1999, 1 – CD ROM).

Já no âmbito jurídico, temos que o dano “consiste na lesão (diminuição ou destruição) que, devido a certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral” (FISCHER, 1938, p. 07).

Ademais, com relação ao objeto, o dano pode ser caracterizado em dano patrimonial ou moral. No primeiro caso o dano causa a perda ou deterioração, que pode ser total ou parcial, de um bem material. Já no dano moral é possível notar a ocorrência de uma lesão no íntimo do indivíduo, mexendo em sua honra, dignidade e/ou fama. (CARDIN, 2012, p. 16).

Este projeto de pesquisa em questão abordará mais profundamente o dano moral e as lesões causadas nos indivíduos envolvidos. Sobre o tema, Brittar apresenta que:

 

“Quantificam – se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive a atua (o da reputação ou da consideração social) (1992, p. 41)”

 

Pode-se destacar ainda uma subdivisão do tema em: Dano moral objetivo e subjetivo. O primeiro caso, também chamado de impuro, diz respeito ao dano moral que atinge a questão social de pessoa física ou jurídica, no que se trata de sua honra, fama, dignidade, entre outros aspectos que envolvem pessoa-sociedade. (CARDIN, 2012, p. 16)

A segunda subdivisão envolve a ordem psíquica, psico-corpo da pessoa lesada. Nesse caso é atingido moralmente a individualidade e o íntimo do sujeito passivo em questão. Estes casos podem ainda ser chamados de puros (CARDIM, 2012, p.17).

Assim, podemos notar que o dano moral é algo que está intimamente ligado aos sentimentos do indivíduo, tristeza, abandono, dor, mágoa, entre outros. Dessa forma é possível observar a influência que a situação gerada pelo abandono afetivo parental pode conter na vida de cada pessoa.

Ainda no âmbito jurídico, é possível observar que as leis existentes sobre o tema foram criadas de maneira lenta e gradual. Fazendo uma breve retomada sobre a evolução histórica e legislativa do dano moral, podemos perceber que tal situação inicialmente era negligenciada devido a influência do Código Napoleónico, aonde o homem era visto apenas como um produto e propriedade, utilizado para adquirir riqueza (VASCONCELOS, 2016, p. 02).

Tepedino (2001, p. 02) exemplifica sobre o pensamento predominante na época:

 

“O Código Civil, bem se sabe, é fruto das doutrinas individualista e voluntarista que, consagradas pelo Código de Napoleão e incorporadas pelas codificações do século XIX, inspiraram o legislador brasileiro quando, na virada do século, redigiu o nosso Código Civil de 1916. Àquela altura, o valor fundamental era o indivíduo. O direito privado tratava de regular, do ponto de vista formal, a atuação dos sujeitos de direito, notadamente o contratante e o proprietário, os quais, por sua vez, a nada aspiravam senão ao aniquilamento de todos os privilégios feudais: poder contratar, fazer circular as riquezas, adquirir bens como expansão da própria inteligência e personalidade, sem restrições ou entraves legais. Eis aí a filosofia do século XIX, que marcou a elaboração do tecido normativo consubstanciado no Código Civil.”

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Podemos perceber que a norma era voltada para a questão o dano patrimonial, e apenas mais tarde é que a lei começou a se aprimorar a questão do dano imaterial. Com essa mudança o legislador passou a indenizar não apenas os danos considerados materiais, mas também os chamados danos extrapatrimoniais (NETO, 2012, p. 04).

No Brasil as primeiras manifestações de importância do dano moral podem ser observadas na época da em que éramos Colónia Portuguesa, onde as relações sociais começaram a ser regulamentadas e o dano extrapatrimonial começou a ganhar força.

Sobre o tema Claudia Regina Bento de Freitas (2009, s/p) diz que:

 

“Talvez uma das mais antigas referências à indenização por dano moral, encontrada historicamente no direito brasileiro, está no Título XXIII do Livro V das Ordenações do Reino (1603), que previa a condenação do homem que dormisse com uma mulher virgem e com ela não se casasse, devendo pagar um determinado valor, o título de indenização, como um “dote” para o casamento daquela mulher a ser arbitrado pelo julgador em função das posses do homem ou de seu pai.”

 

O Código Penal brasileiro de 1890, decretado por Manoel Deodoro da Fonseca, declarava crime os atos que violavam a integridade e a boa forma do indivíduo. O mesmo ganhou destaque por ser um dos primeiros a tratar sobre a possibilidade de indenização desses casos, como visto no Art. 316 do código em questão:

 

“Art. 316. Si a calumnia for commettida por meio de publicação de pamphleto, impresso ou lithographado, distribuido por mais de 15 pessoas, ou affixado em logar frequentado, contra corporação que exerça autoridade publica, ou contra agente ou depositario desta e em razão de seu officio: Penas – de prisão cellular por seis mezes a dousannos e multa de 500$ a 1:00000$. (BRASIL, 1890)”

 

No ano de 1916, o Código Civil possuía alguns artigos que abordavam sobre o tema. Inicialmente tinha –se que o dano só era considerado reparável quando atingia um bem material, mesmo que por consequência de um dano extrapatrimonial, como mostra o artigo 1547 do código em questão: “A indenização por injúria ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido”.

No entanto, algumas interpretações, restritas ao caso e a lei, eram realizadas. Assim era possível que houvesse indenização apenas pelo dano imaterial, como pode ser observado na análise:

 

“Art. 76. Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral.

Parágrafo único.  O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor, ou à sua família (BRASIL, 1916)”

 

No entanto, no meio jurídico a discussão sobre o caráter indenizatório e punitivo acerca do tema ainda era grande. Dessa forma alguns doutrinadores acreditavam que era possível reparar o dano moral causado ao indivíduo e ao mesmo tempo punir quem o fez, deixando ainda uma forma de exemplo para que tal situação diminuísse. Já outros doutrinadores discordavam.

Diniz complementa ainda uma análise sobre o tema que:

 

“a) Punitiva ou penal é a reprovação que se constitui uma sanção imposta ao ofensor, visando a diminuição do seu patrimônio, pela indenização paga ao ofendido, visto que o bem jurídico da pessoa – integridade física, moral e intelectual – não poderá ser violado impunemente, subtraindo-se o seu ofensor às consequências de seu ato por não serem reparáveis;

  1. b) Satisfatória ou compensatória, é aquela reparação pecuniária que visa proporcionar ao prejudicado uma satisfação que atenue a ofensa causada. Não se trata de uma indenização de sua dor, da perda de sua tranquilidade ou prazer de viver, mas uma compensação pelo dano e injustiça, pois o ofendido poderá, com a soma de dinheiro recebida, procurar atender as suas satisfações materiais, atenuando assim, em parte, seu sofrimento (2014, p. 248).”

 

De todo modo, podemos dizer que o Código Civil de 1916 foi o responsável por dar espaço e visibilidade ao dano moral no ordenamento jurídico. A partir dele é que os direitos do indivíduo ganharam cada vez mais força, e com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (Constituição Cidadã) e a proteção dos direitos fundamentais, o dano moral ganhou ainda mais espaço.

Temos assim como exposto no artigo 5º, incisos V e X, a seguinte disposição acerca da reparação necessária devido a lesão por dano moral:

 

“V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[…]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação; (BRASIL, 1988)”

 

A partir da Constituição de 1988, pode- se encerrar definitivamente as discussões existentes sobre a possibilidade de indenização do dano unicamente extrapatrimonial. Sobre o tema o professor Caio Mario da Silva Pereira discorre que:

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“Constituição Federal de 1988 veio pôr uma pá de cal na resistência à reparação do dano moral. […] E assim, a reparação do dano moral integra-se definitivamente em nosso direito positivo. […] Com as duas disposições contidas na Constituição de 1988 o princípio da reparação do dano moral encontrou o batismo que a inseriu em a canonicidade de nosso direito positivo. Agora, pela palavra mais firme e mais alta da norma constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente o que estabelece a reparação por dano moral em nosso direito (2001, p. 58).”

 

Em 2002, o novo Código Civil entrou em vigor e deixou ainda mais claro o fim da discussão sobre a indenização do dano, exclusivamente moral, quando trouxe em seu Art. 186, de maneira explicita, a obrigatoriedade de indenização desse dano em questão.  Art. 186 – “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (BRASIL, 2002)

Dessa forma, após o entendimento do conceito do dano moral e uma breve análise sobre a evolução do mesmo ao longo dos anos dentro do ordenamento jurídico, partimos para o entendimento sobre a influência do dano moral dentro do âmbito familiar. Sobre esse aspecto temos que:

 

“Aplica-se ao direito de família o princípio geral de que diante de ação lesiva é assegurado o direito do ofendido à reparação, o qual inspira responsabilidade civil e viabiliza a vida em sociedade, com o cumprimento da finalidade do direito e o restabelecimento da ordem ou equilíbrio pessoal e social (SANTOS, 1999, p. 184).”

 

Sendo a família a base religiosa, econômica e afetiva de qualquer indivíduo, sua composição e participação ativa no meio de convívio é de extrema importância para o desenvolvimento “correto” dos mesmos. Sendo assim, um dano moral causado nesse ambiente pode afetar profundamente os envolvidos

É diante disso que a indenização do dano moral é importante no direito de família para que sejam reparados os afetos jamais recebidos pelos membros. A indenização não possui o objetivo de restituir o afeto não recebido, mas sim de minimizar os danos causados e auxiliar na educação e na sociedade, coisas que poderiam ter sido recebidas anteriormente (CARDIN, 2012, p. 47).

Então, a partir do momento em que se constitui uma família, as pessoas envolvidas possuem a liberdade de assumir as responsabilidades da vida, saúde, educação, entre outros aspectos que estão incluídos na paternidade responsável. Caso esses princípios básicos não sejam cumpridos o ato se torna ato ilícito civil, o qual vai contra o Art. 186 do Código Civil (citado anteriormente), já podendo ser encaixado no dano moral.

Portanto, podemos concluir que a responsabilidade no meio familiar é de suma importância. Agora analisaremos os casos de abandono afetivo que geram o dano moral acima retratado.

 

  1. O ABANDONO AFETIVO E SUA FORMA DE VALORAÇÃO

O abandono, assim como o dano moral, pode ocorrer de diferentes maneiras e atingir diferentes aspectos na vida do indivíduo. Uma delas é o abandono material, o mesmo se dá quando é negado a pessoa do filho o auxílio financeiro e os itens básicos para que lhe seja garantido uma vida estável. Ademais, também pode ocorrer abandono imaterial.

Esse, também chamado de abandono afetivo, ocorre quando os filhos são privados da convivência de um dos genitores. Essa situação pode ocorrer como a privação por uma das partes, que impede a convivência entre um dos genitores e a pessoa do filho, ou ainda pela própria vontade do genitor que não quer participar ativamente da vida do filho. É a partir da segunda situação exposta que o abandono afetivo acontece, pois, as necessidades da pessoa do filho são negadas propositalmente (TOVAR, 2010, p. 07).

Sobre o tema Costa (2008, p. 01) diz que:

 

“O abandono moral é tão prejudicial como o abandono material, ou até mais, afinal a carência de recurso materiais pode ser superada através do trabalho árduo do outro genitor, o afeto não pode ser substituído, a sua ausência pode destruir princípios morais, principalmente quando estes ainda não estão consolidados na personalidade da criança e do adolescente.”

 

Em um contexto geral, podemos dizer que é a afetividade a participação familiar ativa na vida do filho é que molda a personalidade, social e pessoal, do mesmo. Sendo assim quando essas necessidades básicas são desrespeitadas o indivíduo pode vir a ter problemas psicossociais, possuir constante tristeza, frustração, entre outras situações que podem delimitar negativamente sua vida futuramente.

Diniz (2007, p. 315) entende sobre o tema que: “a falta do genitor, para muitas crianças, implica perder a proteção, a companhia, o afeto e os recursos econômicos, podendo levá-las à delinquência juvenil, ao fracasso na escolaridade e ao consumo de drogas”.

Para o ordenamento jurídico, tal situação é considerada de extrema importância, pois, como é previsto na Constituição Federal 1988 Art. 227, o abandono material não é o único que importa, o dever de educar, proporcionar lazer e manter um convívio saudável também é levado em consideração pela lei.

 

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).”

 

A partir de todos os fatos destacados, podemos perceber que o abandono afetivo pode gerar danos morais muitas vezes irreparáveis na vida dos filhos envolvidos. Casos com características como essas não são difíceis de serem encontrados. Dessa forma temos alguns exemplos de como tal situação é de extrema importância.

O primeiro caso, diz respeito a uma mãe que entrou na justiça para entra ressarcir os direitos que estavam sendo negados ao seu filho. De acordo com a mesma, após o nascimento do filho, o pai da criança os deixou e só pagava a pensão alimentícia quando era coagido judicialmente, mesmo possuindo 1,4 mil hectares de terra, além de terrenos e várias cabeças de gado.

Além das acusações de abandono, a mãe denunciava a negligência para com as necessidades do filho, alegando que muitas vezes ela não possuía dinheiro para comprar roupas ou até mesmo alimentos para a criança.

O caso em questão foi julgado em primeira e segunda instância, onde as duas condenaram o homem a pagar ao filho 35 mil reais, uma casa mobilhada e um computador. Como não aceitou a decisão, o homem acionou o Supremo Tribunal Federal (STF), o qual manteve o veredito (GRILLO, 2017, online).

Outro caso que pode ser destacado não possui o mesmo final do anterior. Ao entrar na justiça contra o pai, uma jovem alegou a falta de convívio com o mesmo, além da negligência quanto a questão alimentícia e o carinho e amor nunca recebidos.

Inicialmente a primeira e segunda instância condenaram o pai a pagar uma quantia de 20 mil reais a filha devido aos danos morais causados a mesma após o abandono afetivo. No entanto, o mesmo recorreu ao STF, o qual declarou o pedido indenizatório infundado e retirou a sentença em questão (TJPR ­ 0768524-9 Ap Civel ­ 8ª Câmara Cível ­ Rel. Jorge de Oliveira Vargas ­ J. 26/01/2012 ­ DJe 22/02/2012).

Assim, com as definições e os casos apresentados dúvidas sobre como ocorrem o julgamento indenizatório e como é decidido o quantum do mesmo surgem. Dessa forma, o próximo tópico desse projeto tem como objetivo esclarecer esses pontos e retomar os casos citados para que a diferença entre a decisão final deles seja entendida.

 

  1. INDENIZAÇÃO: DEFINIÇÃO E SUAS VERTENTES

A indenização possui dois papeis fundamentais na sociedade, um de garantir que os danos, sejam eles quais forem, materiais ou morais, sofridos pelo indivíduo sejam ressarcidos por completo, e o outro é de desestimular os agressores a repetirem seus atos, devido a quantia indenizatória que por eles tem de ser desembolsada (AMARAL, 2009 p. 01).

Para garantir que as mesmas sejam cumpridas, o Código Civil aborda sobre o tema em seu texto artigos como 186 (Citado anteriormente) e 927, o qual diz que: Art. 927 “Aquele que, por ato ilícito (art. 186), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, 2002).

Seguindo nessa linha, para alguns autores, como Diniz, temos que a definição de ato ilícito é “O ato ilícito é o praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica, destinada a proteger interesses alheios; é o que viola direito subjetivo individual, causando prejuízo a outrem, criando o dever de reparar tal lesão” (2012, p. 598).

A partir disso, podemos destacar que existem duas formas indenização. A indenização por danos morais, e a indenização por responsabilidade civil. Dessa forma, ao analisar o caso de maneira específica e individual, o juiz decidirá qual padrão de indenização será adotado para suprir as necessidades que foram causadas a vítima.

Fazendo uma breve diferenciação entre as duas formas de indenização, temos que a responsabilidade civil está garantida por lei, e diz respeito as reparações a danos materiais ou econômicos. Nesses casos a base da perda é física, e a decisão de indenização fica a cargo do juiz.

Além disso, podemos subdividir os casos de indenização por responsabilidade civil em: danos emergentes, o qual prevê o mesmo valor da perca para o valor da indenização, e o dano cessante, que é usado como critério quando o bem danificado era utilizado para fins de sobrevivência, nesses casos além da indenização, o bem deve ser ressarcido.

Já a indenização por dano moral, tem como objetivo reparar danos caudados a imagem, honra e integridade da pessoa, que foram denegridos através de ofensas, discriminações, entre outras formas já tratadas no capítulo anterior. Nesses casos, o quantum indenizatório não é previamente tido, e cabe ao juiz decidir o valor da indenização.

Para que o juiz decida, dois aspectos são levados em consideração, o poder aquisitivo do ofensor e do ofendido, e a gravidade do dano causado na vítima em seu caráter psicossocial.  No primeiro caso, temos que quanto mais conhecida socialmente for a pessoa que sofreu o dano moral, maior será seu ressarcimento, devido a maior visibilidade. Já sobre o segundo tópico, temos que quanto mais profundamente o desrespeito atingir a pessoa, em seu psicológico e emocional, maior será a indenização para suprir tal problema (AMARAL, 2009 p. 01).

Dentro dessa perspectiva, aprofundaremos o tema da indenização dentro do abandono afetivo. Tal situação se encaixa entro do direito de família, e diz respeito às necessidades básicas da pessoa do filho que devem ser cumpridas (Como já citado anteriormente). Caso tais necessidades não sejam cumpridas pelos pais ou responsáveis, o abandono afetivo se caracteriza gerando consequentemente um dano moral indenizável (TARTUCE, 2017 p. 01).

Mesmo comprovada a possibilidade de indenização por abandono afetivo não existe uma norma específica de como esses casos devem ser indenizados.  Assim cabe ao juiz decidir se a causa é ou não indenizável, além do quantum valorativo da mesma. Sobre tal situação alguns doutrinadores enumeram alguns critérios que podem ser usados pelo juiz nessa decisão, Diniz diz que:

 

“a) evitar indenização simbólica e enriquecimento sem justa causa, ilícito ou injusto da vítima. A indenização não poderá ser ínfima, nem ter valor superior ao dano, nem deverá subordinar-se à situação de penúria do lesado; nem poderá conceder a uma vítima rica uma indenização inferior ao prejuízo sofrido, alegando que sua fortuna permitiria suportar o excedente do menoscabo;

  1. b) não aceitar tarifação, porque este requer despersonalização e desumanização, e evitar porcentagem do dano patrimonial;
  2. c) diferenciar o montante indenizatório segundo a gravidade, a extensão e a natureza da lesão;
  3. d) verificar a repercussão pública provocada pelo fato lesivo e as circunstâncias fáticas;
  4. e) atender às peculiaridades do caso e ao caráter antissocial da conduta lesiva;
  5. f) averiguar não só os benefícios obtidos pelo lesante com o ilícito, mas também a sua atitude ulterior e situação econômica;
  6. g) apurar o real valor do prejuízo sofrido pela vítima e do lucro cessante fazendo uso do juízo de probabilidade para averiguar se houve perda de chance ou de oportunidade, ou frustração de uma expectativa. Indeniza-se a chance e não o ganho perdido. A perda da chance deve ser avaliada pelo magistrado segundo o maior ou menor grau de probabilidade de sua existência…;
  7. h) levar em conta o contexto econômico do país. No Brasil não haverá lugar para fixação de indenizações de grande porte, como as vistas nos Estados Unidos;
  8. i) verificar não só o nível cultural e a intensidade do dolo ou o grau da culpa do lesante em caso de responsabilidade civil subjetiva, e, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poder-se-á reduzir, de modo equitativo, a indenização (CC, art. 944), como também as posses econômicas do ofensor para que não haja descumprimento da reparação, nem se lhe imponha pena tão elevada que possa arruiná-lo…;
  9. j) basear-se em prova firme e convincente do dano;
  10. k) analisar a pessoa do lesado, considerando os efeitos psicológicos causados pelo dano, a intensidade do seu sofrimento, seus princípios religiosos sua posição social ou política, sua condição profissional e seu grau de educação e cultura;
  11. l) procurar a harmonização das reparações em casos semelhantes;
  12. m) aplicar o critério do justum ante as circunstancias particulares do caso sub judice (LICC, art. 5), buscando sempre, com cautela e prudência objetiva, a equidade e, ainda, procurando demonstrar à sociedade que a conduta lesiva é condenável, devendo, por isso, o lesante sofrer a pena (2010, p. 104).”

 

Outro autor, Silva, da que nos traz diferentes elementos para auxiliar o juiz nessa decisão indenizatória:

 

“I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;

II – a intensidade do dolo ou o grau da culpa do ofensor-responsável e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em causas das quais decorreram danos morais (reincidência);

III – a reparação natural quando cabível e não cumulável com a reparação pecuniária, independentemente de intervenção judicial;

IV – a extensão da reparação natural obtida pelo ofendido, quando cumulável com a reparação pecuniária (reparação in natura como elemento que reduz os valores devidos na reparação pecuniária). (2005, p. 386)”

 

Ressalta-se que, a condenação não busca reparar a falta de amor, ou desamor, ou a preferência de um pai por um ou outro filho, mas sim, procura penalizar a violação dos deveres morais, o qual é direito do filho rejeitado, (MADALENO, 2013, p. 149).

Após esses esclarecimentos podemos voltar para os casos mencionados no capítulo anterior e entender o porquê das decisões divergentes sendo que a situação era aparentemente a mesma.

No caso um o juiz defende a aplicação da indenização pois concorda que houve a violação dos direitos do menor. O mesmo se baseou para dar a sentença no artigo    227 da Constituição Federal, além dos artigos 186, 1.566 e 1.579 do Código Civil de 2002 e o artigo 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente, todos tratando sobre a responsabilidade dos pais, do Estado e da sociedade sobre as crianças e adolescentes (GRILLO, 2017, online).

Foi destacado no caso que o pai possui condições de sustentar o filho, mas não o faz. O juiz ainda destacou que a falta de afeto se torna um ato ilícito quando atinge o amparo material. Dessa forma podemos perceber que as decisões do caso foram baseadas na negligência das responsabilidades parentais que geraram danos materiais e imateriais (GRILLO, 2017, online).

Já no segundo caso o STF não achou que no caso seria necessária a reparação do dano de maneira indenizatória. O mesmo entendeu que os deveres afetivos eram cumpridos pela genitora principal da pessoa do filho, e que os bens materiais em questão não deveriam ser tratados nesse caso, que era tido como abandono afetivo. Assim, o Supremo Tribunal não concordou com a indenização em questão e retirou do mesmo o dever de pagar a filha (TJPR ­ 0768524-9 Ap Civel ­ 8ª Câmara Cível ­ Rel. Jorge de Oliveira Vargas ­ J. 26/01/2012 ­ DJe 22/02/2012).

A partir desses casos podemos perceber que a questão indenizatória ainda é algo muito subjetiva e que é tratado de maneira particular de acordo com o caso e o juiz que o analisa.

 

  1. DOS REFLEXOS PSICOLÓGICOS DECORRENTES DO ABANDONO AFETIVO

Observando todos os conceitos e definições vistos anteriormente nesse projeto de pesquisa, é notório a visualização de como o abandono afetivo gera danos de diversas maneiras na vida do indivíduo que foi deixado por qualquer um dos genitores. Tido como algo banal, os danos gerados pelo abandono não eram tratados a fundo, procurando sua reparação, nem considerados pela sociedade.

Assim, inicialmente o abandono e seus danos eram responsabilidade apenas da área psicológica, o qual tentava amenizar o sofrimento vivenciado pela prole a partir de sessões e consultas que possuía o objetivo de conversar e confortar o trauma ocorrido. No entanto, tal forma de tratamento não era suficiente, pois o trauma permanecia contido no inconsciente das pessoas e voltava à tona quando a mesma menos esperasse (NETTTO, 2013, p.03).

Assim os casos passaram a ser tratados com maior cuidado e passou a ser a analisado pela área jurídica junto a psicologia, assim pontos mais graves dessa situação foram inseridos no âmbito do direito (NETTO, 2013, p. 03).

 

“Não se admite que o conceito jurídico de dano moral deva se configurar a partir das noções de sofrimento, tristeza, vexame, humilhação, porque tais sentimentos na verdade representam dores presentes na vida de cada um de nós – a resposta pode ser uma: como em todas as relações existenciais, onde tiver havido lesão à igualdade, integridade psicofísica, à liberdade e à solidariedade terá havido o dano moral indenizável. (MORAES, 2004, P. 409)”

 

Vale destacar, que mesmo sendo duas áreas distintas, as duas áreas não devem trabalhar de maneira isolada nesses casos. É importante que todos trabalhem de maneira sistemática, o direito atuando com as leis e a psicologia com o acompanhamento, para que o bem da criança/adolescente seja alcançado sem que maiores danos sejam causados.

A princípio, temos como efeitos desse abandono casos como antipatia, o ser antissocial, crises de sentimento ou stress. Esses casos são tratados como mais brandos, os quais podem ser tratados de maneira mais singela.

No entanto, nem todas as consequências dessa situação podem ser visualizadas rapidamente, em alguns casos os efeitos surgem ao longo da vida do indivíduo, como o uso de álcool de forma desenfreada e outras drogas. Já nesses casos a interferência deve ser maior e mais delicada, para que esses sintomas sejam contidos o mais rapidamente possível (WEISHAUPT; SARTORI, 2014 p. 20 a 21).

A partir de todos os pontos apresentados podemos visualizar o quanto a situação em questão é complexa. Contudo, visualizamos também o quanto o direito evoluiu em relação a questão relacionada ao abandono, aos danos morais e a suas formas de valoração. Tal desenvolvimento fez com que o ramo do direito ganhasse um olhar mais humano relacionado ao sentimento da pessoa.

No entanto, não podemos nos acomodar e findar o assunto sobre o tema. E necessário que assim como as relações e a sociedade, o direito e suas leis permaneçam em constante evolução, sempre visando o bem e a dignidade da pessoa humana.

 

CONCLUSÃO

Realizadas as considerações acerca do abandono afetivo e suas formas de danos morais dentro da relação paternal, temos suas inúmeras formas de indenização e as suas divergências dentro do ordenamento jurídico, as quais ainda não possuem solução concreta devidos as diversas opiniões e visões existentes sobre o tema.

Dessa forma, temos a questão a ser debatida para que cada caso seja analisado de maneira específica para que suas individualidades possam fazer a diferença na decisão de indenizar ou não a vítima, decisão essa que só cabe a autoridade máxima do tribunal, o juiz.

Por fim, destacamos que ainda há muito o que evoluir sobre a questão do abandono afetivo e sua valoração e posterior indenização, pois, se tratando de um tema considerado novo para a norma, o número de casos é grande, todos com pessoas em busca de ressarcimento por dividas pelas quais elas não puderam influenciar. Com essa evolução, tanto nas leis quanto na interpretação do juiz, ambas as partes só têm a ganhar, devido ao menor tempo de espera e maior eficácia de resolução dos casos.

 

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