Abolicionismo penal e direito penal máximo: breves apontamentos sobre a dicotomia teórico-estrutural

Resumo: O presente artigo desenvolve estudo acerca do Abolicionismo Penal e do Direito Penal Máximo, apresentando seus pontos nevrálgicos e tecendo críticas a seus conteúdos. Por fim, ressalta-se o valor do Direito Penal Mínimo, como ponto de equilíbrio no contexto social dos tempos hodiernos.[1]

Palavras-chave: Abolicionismo Penal. Direito Penal Máximo. Direito Penal Mínimo.

Resumen: En este trabajo se desarrolla un estudio sobre el Abolicionismo Penal y el Derecho Penal Máximo, presentando sus pontos claves y desarollando críticas. Por último, se destaca el valor del Derecho Penal Mínimo, como un punto de equilibrio en el contexto social de la época moderna.

Palabras clave: Abolicionismo Penal. Derecho Penal Máximo. Derecho Penal Mínimo.

Sumário: Introdução. 1. Abolicionismo Penal e Direito Penal Máximo: características e desdobramentos. 2. A pena como instrumento de harmonização social e o Direito Penal do Inimigo. 3. Direito Penal Mínimo: a alternativa do equilíbrio teórico. Conclusão.

Introdução

Por sua natureza racional e litigante, o homem questiona a si mesmo e tudo o que o rodeia. Ao exercer sua labuta indagadora, ele constantemente entra em rota de colisão com aquilo que o desagrada. O conflito social marca a existência humana e o processo empregado para sua resolução sempre foi importante motivo de reflexão entre aqueles que pensam as ciências criminais.

1 Abolicionismo Penal e Direito Penal Máximo: características e desdobramentos

Apregoados por correntes doutrinárias diametralmente opostas, o Abolicionismo Penal e o Direito Penal Máximo incitam a reflexão e norteiam o modo de ser e agir do Direito Penal.

O primeiro, calcado na descriminalização e despenalização de condutas, defende o afastamento do Direito Penal da resolução de conflitos da sociedade e a consequente inclusão de outras formas de apaziguamento nessas problemáticas. Os abolicionistas questionam o verdadeiro significado das punições, além de colocarem em xeque a atual eficiência dos sistemas prisionais.

Por um ideal libertário, propõe-se a desconstrução de diversos paradigmas do Direito Penal Moderno, como o próprio caráter retributivo da pena, em prol de um castigo reinscrito num regime consensual entre as partes.

O segundo, em contrapartida, prega a amplificação da tutela penal, defendendo rígidos regimes de cumprimento da sanção, além do prolongamento das penas privativas de liberdade. A defesa por um Direito Penal mais abrangente, ensejada pela intolerância a práticas delituosas, constrói a perspectiva de um sistema penal mais atuante e controlador, na medida em que passa a dar passos mais firmes sobre esferas antes intocadas.

A severidade que o Direito Penal Máximo propõe colide com a liberalização proposta pelo Abolicionismo Penal, formando um interessante contraponto de discussão.

Por meio da cominação, aplicação e execução da pena, o Direito Penal busca proteger bens jurídicos relevantes e essenciais à sociedade.

Em virtude de seu caráter gravoso, pois se vale de métodos punitivos que lhe são exclusivos, a seleção desses bens jurídicos merece elementar cautela por parte do legislador. Tal escolha deve ser pautada por parâmetros constitucionais, ou seja, deve seguir princípios basilares insculpidos na Lei Maior. Na realidade brasileira, face ao nosso perfil político-constitucional de Estado Democrático de Direito, o respeito ao princípio da dignidade humana (CF, art. 1º, III) torna-se elemento fundamental dessa seleção de condutas delituosas.

É justamente no processo de seleção do que será ou não crime que ambas as correntes doutrinárias aqui expostas mais divergem. O abolicionismo penal propala que se deixe de incriminar diversas condutas, a exemplo dos crimes leves patrimoniais. Acaba, por vezes, não vendo legitimidade no jus puniendi estatal. Ele questiona a eficácia de um sistema repressivo que, em sua maioria, utiliza-se da violência para manifestar a resposta do Estado à própria violência.

Já o Direito Penal Máximo procura amplificar consideravelmente a tutela dos bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal, enfatizando a atuação do Estado como principal mecanismo repressor das condutas delitivas, de modo a tornar a escolha dos comportamentos criminosos mais abrangente.

É justamente nesse ponto, com a criminalização de condutas em massa, que a corrente se sujeita às mais severas críticas quando lidamos com um Estado Democrático de Direito. Comumente afrontará o já mencionado princípio da dignidade humana, visto que responderá severamente práticas não tão lesivas. É o caso de se privar a liberdade do indivíduo por ações que não mereciam tamanha repressão, afrontando claramente sua dignidade.

De outro modo, em confronto à liberalização proposta pelo Abolicionismo e a partir de um enfoque constitucional, pode-se também levar à discussão o fato de que o sistema penal, de uma forma ou de outra, baseia-se no direito individual à segurança, constituindo-se em pilar deste importante direito consagrado constitucionalmente (CF, art. 5º, caput). Extingui-lo seria, portanto, uma afronta ao Texto Magno.

2 A pena como instrumento de harmonização social e o Direito Penal do Inimigo

No cerne deste debate, evidencia-se a relevância do estudo do complexo fenômeno que é a pena. Como esclarece nosso estatuto repressivo, as penas possuem a finalidade de reprovar e prevenir o crime (CPB, art.59, caput). Residido na reprovação, seu caráter retributivo visa equilibrar a culpabilidade do autor. Por outro lado, preventivamente, ela atua a partir do fato de que sua aplicação provoca a intimidação de prováveis infratores. Já sua face ressocializadora procura incitar no agente a meditação sobre o crime e suas conseqüências, prevenindo novas transgressões.

Baseando-se nas ditas finalidades da pena, é possível constatar que o seu desaparecimento confrontaria tanto a reprovação como a prevenção do delito. O Abolicionismo Penal, por já desacreditar nas nossas instituições, assim como em todo o sistema prisional, acaba por exigir dos indivíduos um grau de socialização e civilidade que ainda não foi alcançado e que, pela própria natureza humana, dificilmente se alcançará. A manutenção da ordem social requer a mão do Estado a fim de controlar os excessos humanos.

Portanto, depositar todas as esperanças na individualidade e humanismo para a solução das lides penais ainda é confiar-se em passos que não se mostram seguros suficientes para essa caminhada.

Todavia, a intensificação da repressão estatal proposta pelo Direito Penal Máximo, por si só, não consegue apresentar-se como verdadeira solução para os conflitos humanos. A corrente ainda dá ensejo ao Direito Penal do Inimigo, de proposição de Günter Jakobs, o qual elege “inimigos da sociedade”, rompedores da ordem e do “pacto social”, os quais requerem tratamento repressivo maior, negando-se a eles diversas garantias processuais, como a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal.

O Direito Penal Máximo sujeita-se, portanto, a permitir que se afrontem princípios constitucionais, mais especificamente o de maior relevância para o sistema penal: o princípio da dignidade humana.

3 Direito Penal Mínimo: a alternativa do equilíbrio teórico

Em meio ao paralelo formado pelas duas correntes doutrinárias objetos de discussão, surge como terceira alternativa o Direito Penal Mínimo, também conhecido como Direito Penal do Equilíbrio. Ele propõe que o Direito Penal tutele apenas os bens de maior relevância social, aqueles que são indispensáveis à manutenção da sociedade.

Erigido sob a influência do princípio da intervenção mínima, o que se requer é uma atuação, como o próprio princípio aduz, mínima, apenas a necessária e suficiente para proteger os bens que não podem ser protegidos simplesmente por outros ramos do direito. O Direito Penal é encarado, portanto, como ultima ratio. Desse modo, apenas as condutas que apresentem real lesividade social merecem ser incriminadas.

Conclusão

Por fim, resta clara a dicotomia teórico-estrutural existente entre as duas vertentes doutrinárias expostas. Ambas apontam falhas da atual forma de agir do Estado, fazem críticas válidas e relevantes para o aprimoramento do sistema penal atual, além de proporem alternativas ao que vigora. Contudo, em suas plenitudes, também revelam fraquezas teóricas e práticas. A partir de tais fragilidades, vislumbra-se a terceira via, a qual propõe o equilíbrio do que as anteriores defendem. É o tão defendido e propalado Direito Penal Mínimo.

 

Nota:
 
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Rodrigo Peixoto Medeiros: Advogado. Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza.


Informações Sobre o Autor

Leandro Peixoto Medeiros

Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Ceará. Membro do Núcleo de Estudos em Ciências Criminais e do Centro de Estudos em Direito Constitucional da Universidade Federal do Ceará


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