Resumo: Na semana em que a Corte Suprema Brasileira julga a ADPF 54, decidindo em definitivo um dos temas mais polêmicos do cenário jurídico brasileiro, a descriminalização do aborto do feto com anencefalia, vêm à tona discussões que refletem, inexoravelmente, em outros temas jurídicos geradores de infindáveis controvérsias nos tribunais. O presente artigo foi inspirado em um caso real, discutido em aula, em 2009, e denota a busca de uma solução jurídica: lícita, justa e eficaz. Aborda a proteção dos direitos constitucionais à vida, à liberdade, à saúde; faz-se, ademais, uma reflexão se a laicidade é mesmo um paradigma do Estado Democrático Brasileiro. A análise feita e a conclusão apontada buscam respaldo, ainda que em linhas gerais, em lições de Medicina, Bioética e Direito. [i]
Palavras-chave: anencefalia, aborto, direito à vida, liberdade individual.
Abstract: Brazilian Supreme Court judges the case ADPF # 54 this week, when it will be definitely decided one of the most polemic matters of the Brazilian judiciary courts: decriminalize abortion in case of anencephalic fetus. This work, that was part of a pos-graduation program evaluation and was written in 2009, analyses a real case and defends a juridic solution: an effective result, according to law and Justice. The authors write about constitucional human rights, such as right to life, liberty, health and they also invoke a reflection if the principle of secularism is really a founding principle of Brazilian Democratic State. Analysis and conclusion, herein, are based in lessons of Medicine, Bioethics and Law.
Keywords: anencephaly, abortion, right-to-life, individual liberty.
Sumário: 1. Introdução. 2. Reflexões sobre o tema. 3. Resumo do julgado (Apelação Cível nº. 1.0079.07.343179-7/001 – TJ/MG). 4. Tese contemplada no julgado. 5. Argumentos contrários à tese invocada no julgado sob análise. 6. Conclusão. Referências bibliográficas
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre a polêmica em torno do tratamento jurídico a ser dispensado aos casos de gravidez de feto com anencefalia. Será levantada a questão da admissibilidade ou não do chamado “aborto de feto anencefálico” pela ordem jurídica brasileira.
Destaca-se que o tema foi abordado em sala de aula, durante seminário realizado aos 14 de setembro p.p., ocasião em que foi exibido o documentário “Uma História Severina”. A obra cinematográfica, fulcrada em fatos reais, acompanha, com maestria, a saga de um humilde casal que se vê surpreendido por uma gestação de feto com anencefalia.
Neste paper, tomar-se-á por base a análise do julgado proferido, aos 31 de maio de 2007, pelo Tribunal Justiça de Minas Gerais – Apelação Cível nº. 1.0079.07.343179-7/001, cuja ementa é transcrita a seguir:
“APELAÇÃO CÍVEL. ALVARÁ JUDICIAL. ANTECIPAÇÃO TERAPÊUTICA DO PARTO. FETO ANENCEFÁLICO. EXAMES COMPROBATÓRIOS. VIABILIDADE DO PLEITO. Não se pode lançar mão dos avanços médicos, mormente, em casos de anencefalia cabalmente comprovada, cujo grau de certeza á absoluto acerca da impossibilidade de continuidade de vida extrauterina do feto anencefálico por tempo razoável. Para haver a mais límpida e verdadeira promoção da justiça, é de fundamental importância realizar a adaptação do ordenamento jurídico às técnicas medicinais advindas com a evolução do tempo. Vale dizer, o direito não é algo estático, inerte, mas sim uma ciência evolutiva, a qual deve se adequar à realidade. Seja pela inexigibilidade de conduta diversa, causa supra legal de exclusão da culpabilidade, seja pela própria interpretação da lei penal, a interrupção terapêutica do parto revela-se possível à luz do vetusto Código Penal de 1940. Considerando a previsão expressa neste diploma legal para a preservação de outros bens jurídicos em detrimento do direito à vida, não se pode compreender por qual razão se deve inviabilizar a interrupção do parto no caso do feto anencefálico, se, da mesma maneira, há risco para a vida da gestante, com patente violação da sua integridade física e psíquica, e, ainda, inexiste possibilidade de vida extrauterina. Dentre os consectários naturais do princípio da dignidade da pessoa humana deflui o respeito à integridade física e psíquica das pessoas. Evidente que configura clara afronta a tal princípio submeter a gestante a sofrimento grave e desnecessário de levar em seu ventre um filho, que não poderá sobreviver. Não bastasse a gravíssima repercussão de ordem psicológica, a gestação de feto anencefálico, conforme atestam estudos científicos, gera também, danos á integridade física, colocando em risco a própria vida da gestante. Ademais, com o vento da Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, adotou-se o critério da morte encefálica como definidor da morte. Nessa linha, no caso de anencefalia, dada a ausência de parte vital do cérebro e de qualquer atividade encefálica, é impossível se cogitar em vida, na medida em que o seu contraponto, a morte, está configurado.”
2. REFLEXÕES SOBRE O TEMA
O caso em tela envolve questão extremamente polêmica e que, diante de situações cotidianas, não pode ficar à margem da apreciação do Poder Judiciário Brasileiro, mormente em se considerando que, nos termos das estatísticas apontadas no site da Organização Mundial de Saúde (OMS) (World Health Organization – www.who.int), o Brasil ocupa o quarto lugar dentre os países com maior ocorrência de casos de anencefalia.
Em termos nacionais, a polêmica quanto à possibilidade legal, ou melhor, constitucional da interrupção de gravidez de feto anencefálico alcançou enfoque midiático com a ADPF 54 (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54), cujo mérito ainda pende de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, estando os autos conclusos com o relator no momento. Todavia, já se adianta, neste trabalho, que, aos 6 de julho do corrente ano, a Procuradoria Geral da República opinou pela inconstitucionalidade da interpretação dos dispositivos da lei penal que impeçam a interrupção da gravidez em casos de diagnóstico de anencefalia por médico devidamente habilitado, devendo atribuirem-se-lhe efeitos erga omnes e vinculantes (Parecer PGR na ADPF 54 – site www.stf.jus.br).
Antes de adentrar no mérito da questão da possibilidade da interrupção da gravidez de feto anencefálico, algumas considerações devem ser tecidas.
Primeiramente, há que conceituar o aborto, transcrevendo-se, para tal, o magistério do Professor Julio Fabbrini Mirabete:
“O aborto é a interrupção da gravidez com a morte do produto da concepção, que pode ser ovo, o embrião ou o feto, conforme a fase de sua evolução. Pode ser espontâneo, natural ou provocado, sendo, neste último caso criminoso, exceto se praticado em uma das formas do art. 128” (in “Código Penal Interpretado”; São Paulo: Atlas; 1999; p. 685).
Como segunda noção, para o desenvolvimento do trabalho em tela, impende esclarecer-se em que consiste a anencefalia, uma vez que seria muito simplista a definição etimológica de anencéfalo como aquele “sem encéfalo”, ou ainda, “sem cérebro”, em face do prefixo “a/an” que reflete negação ou ausência. Extraído do site www.anencephalie-info.org, o trecho que ora se transcreve a fim de elucidar a questão:
“Na anencefalia, “o que falta é o cérebro com seus hemisférios e o cerebelo: Uma criança com anencefalia nasce sem o couro cabeludo, calota craniana, meninges, mas contudo o tronco cerebral é geralmente preservado (Müller 1991).
Muitas crianças com anencefalia morrem intra-útero ou durante o parto. A expectativa de vida para aquelas que sobrevivem é de apenas poucas horas ou dias, ou raramente poucos meses (Jaquier 2006)” (grifo nosso). Note-se que “o tecido cerebral restante é protegido somente por uma fina membrana. A criança é cega, surda e não tem ou tem muito poucos reflexos”.
As definições a respeito da patologia podem até variar, mas a ciência médica é unânime em afirmar que, uma vez diagnosticada a anencefalia, é totalmente incompatível a idéia de desenvolvimento de vida extra-uterina. Aliás, neste ponto, cabe ressaltar que os tão propalados casos de eventuais fetos anencefálicos que teriam vingado após o nascimento e sobrevivido por mais de ano não se tratavam, na verdade, de real diagnóstico de anencefalia.
Já, em relação à gestante, as estatísticas médicas têm demonstrado que a gravidez de feto anencefálico, comparada à gravidez de feto regularmente formado, também traz maiores riscos à saúde da gestante, dentre eles, grosso modo elencados: elevação da pressão, podendo levar a quadros de eclâmpsia e pré-eclâmpsia; aumento da produção de líqüido amniótico, que pode levar a descolamento da placenta; e, até mesmo, por falta da formação craniana completa, o mau posicionamento do feto no úteo materno, o que impossibilitaria a execução de um parto normal (conforme se depreende da leitura dos relatos médicos na ADPF 54).
Se a questão do aborto, em si, já é ponto de ebulição nas discussões sobre bioética, o tema quando envolve feto cuja patologia lhe torna impossível uma vida extrauterina provoca discussões ainda mais acirradas. Não é de hoje que o Conselho Federal de Medicina se preocupa com a questão, dando-lhe destaque dentre os grandes temas controvertidos da Bioética. Utilizando-se o que há de mais próximo da dita nomenclatura médica oficial, cabe dizer que o tema objeto deste trabalho não se confunde com interrupção eugênica da gestação (IEG); enquadra-se no caso de interrupção seletiva da gestação (ISG), posto que se refere a “situações em que se interrompe a gestação pela constatação de lesões fetais. Em geral, os casos que justificam as solicitações de ISG são de patologias incompatíveis com a vida extrauterina, sendo o exemplo clássico o da anencefalia” (grifo nosso – in “Iniciação à Bioética”; Costa, Sérgio Ibiapina Ferreira e outros; Conselho Federal de Medicina; Brasília 1998; p. 126). Aliás, neste passo, em que pesem posicionamentos de peso em sentido diverso, se filia, no presente tópico, à orientação adotada pelo CFM, no sentido de que não se cuida de aborto eugênico, que seria o praticado sem consentimento da gestante, como subterfúgio para manipulação arbitrária de nascidos, fulcrado em valores étnicos, raciais, religiosos, remetendo-se, assim às práticas nazistas de produção de uma dita “raça pura”. Tal forma de aborto, se interpretada sob tal prisma, é, por óbvio, amplamente rechaçada pela ordem internacional, por seu cunho eminentemente discriminatório, constituindo flagrante lesão aos Direitos Humanos Fundamentais, norteadores do Estado Democrático de Direito.
Por outro lado, equivocada ou precipitada a argumentação no sentido de que a interrupção seletiva da gestação por anencefalia seria considerar um feto patológico menos digno de viver que um feto saudável, o que remete à conclusão teratológica de que se estaria retrocedendo aos costumes espartanos na Antiguidade. No caso em espécie, não se trata de deformidade ou qualquer patologia fetal e sim, na melhor das expectativas, de impossibilidade de vida extrauterina. Resta claro que não é àquele tipo de interrupção que se socorreria no caso da anencefalia.
Superadas as breves considerações científicas, imprescindíveis para esclarecer e instruir o debate jurídico, segue o estudo do tema:
Malgrado manifestações de cunho moral, filosófico ou religioso, há que se restringir a questão à análise jurídica, quanto à licitude ou ilicitude da conduta, ou seja, sua conformidade ou não com o ordenamento jurídico brasileiro.
O cenário é um Estado Democrático de Direito que, além de proteger os direitos fundamentais, elenca, expressamente na Lei Maior, a liberdade de religião (art. 5º, VI, CF/88) dentre tais princípios. Ademais, o ordenamento jurídico é construído, em tese, sob a égide de uma Constituição Federal que prestigia a Laicidade do Estado, de modo que os poderes públicos se devem abster de posicionamentos religiosos em suas decisões; impende uma completa separação entre Estado e Igreja. Concepções religiosas ficam adstritas aos indivíduos, em sua esfera particular, na qual deverão ser plenamente respeitadas; todavia, não podem transcender a ela e atingir os órgãos estatais, influenciando seus atos.
A análise em questão envolve típico caso de colisão de direitos fundamentais. Mais do que Direito Civil e Penal, a interpretação das normas deve ser feita à luz do Direito Constitucional. Os direitos fundamentais são preceitos constitucionais de suma importância (cláusulas pétreas) e, conforme a doutrina de Canotilho, devem ser interpretados de forma a terem a máxima efetividade, maior aplicabilidade e se harmonizarem. No caso de colisão, busca solucionar-se de modo que se evite, ao máximo, na atividade interpretativa, a supressão de um dos preceitos em choque. Utiliza-se, para garantir a aludida eficácia, o princípio da proporcionalidade, devendo a análise passar por três estágios de exame: o da adequação, o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito (ponderação). Na análise do caso concreto, há que se observar, em havendo o choque entre os direitos fundamentais, se a redução de um direito é o meio adequado e necessário, ou seja, a “única saída” a atingir determinado fim – lícito. Após, ponderando-se os direitos envolvidos, constata-se qual deve ter sua preservação maior. Estabelecem-se “relações de preferência” entre eles, naquela situação fática (Robert Alexy, segundo Luiz Guilherme Arcaro Conci), podendo haver o eventual sacrifício de algum, diante daquela situação fática, analisada em sua singularidade. Isto, sem lançar mão de nenhuma carga valorativa moral e, sim, mediante a análise de conformidade com a ordem jurídica, buscando-se, inclusive, o verdadeiro sentido da norma, o que ela visa a proteger por detrás do seu enunciado normativo (em linhas gerais, a mens legis). Cumpre refletir-se então: quais os direitos fundamentais colidentes na discussão acerca da interrupção seletiva da gravidez em caso de anencefalia fetal?
O direito à vida está previsto do artigo 5º, caput da CF/88. Ademais, reforça a previsão o texto do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos) do qual o Brasil é signatário, internalizado nos termos do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. O artigo 4º da Convenção preceitua que o respeito à vida é direito a ser “protegido pela lei e, em geral, desde a concepção”.
Na legislação infraconstitucional, não obstante o início da personalidade civil dê-se com o nascimento com vida, os direitos do nascituro são protegidos por lei (art. 2º, CC/02), sendo a doutrina adepta de que tais direitos incluem os direitos fundamentais, merecendo especial destaque o direito à vida. Já, para efeito de fim da personalidade civil, a morte a ser considerada é a encefálica, de modo a permitir o transplante de órgãos, com a retirada post mortem, conforme se depreende do artigo 6º, CC/02; artigo 3º da Lei 9434/97 c/c. Resolução nº 1480/97 do Conselho Federal de Medicina.
Na esfera penal, pelo Código Penal de 1940, há a criminalização da interrupção voluntária da gravidez, sendo previstos dois casos de excludentes de antijuridicidade, em que se afasta, portanto, expressamente, a ilicitude da conduta, a saber: da gravidez decorrente de estupro (aborto humanitário ou sentimental) e da gravidez que põe em risco a vida da mãe (aborto necessário ou terapêutico ou profilático). São os ditos casos de aborto legal. No que diz respeito à tipificação penal da conduta abortiva, cabe ressaltar que o bem jurídico que a lei protege é a vida intrauterina, coibindo a lei penal conduta que vise a ceifar precocemente a possibilidade de continuidade extrauterina. Ademais, como bem ensina o magistério de Flávio Augusto Monteiro de Barros, o momento de consumação da prática criminosa ocorre com a morte do produto da concepção, sendo necessários, para a configuração do crime de aborto os seguintes elementos: “estado fisiológico de gravidez; emprego de meios dirigidos à consecução do aborto; morte do produto da concepção; dolo”.
Pois bem, antes da questão constitucional, parte da doutrina e a comunidade médica em geral já interpretam que a vedação não recairia sobre a interrupção da gestação de feto anencefálico, uma vez que, ante a inviabilidade de prosseguimento extrauterino, seria um natimorto em termos jurídicos, analogicamente comparado ao morto encefálico. Transcrevendo-se as palavras de Maíra Costa Fernandes, “o Conselho Federal de Medicina (CFM) considera o anencéfalo um natimorto cerebral” (op. cit.; p. 114), de modo que, para os adeptos deste entendimento, diante se estaria, portanto, de um crime impossível; logo, conduta atípica, uma vez que a conduta de interromper a gestação não acarretaria morte daquele que já estaria juridicamente morto. Assim, em sendo o crime de aborto elencado dentre os crimes contra a vida, se, em tese, não há vida, sua tipificação ficaria prejudicada.
Por outro lado, ainda que assim não se considere, a análise do caso em tela vai mais adiante. Não se nega, de um lado e de modo geral, o direito à vida do feto, protegido pela CF/88 e reforçado pela legislação infraconstitucional. Todavia, do outro lado, há uma série de preceitos, também fundamentais, direitos de titularidade da gestante que não podem ser esquecidos; afinal, são direitos fundamentais, direitos de personalidade da gestante: o à vida, sendo encarada como vida digna, sob o primado da Dignidade da Pessoa Humana; o direito à liberdade, sendo encarado como o da liberdade de escolha, a autonomia privada; ainda, o à igualdade; o à saúde e à integridade física e emocional da gestante e, neste mister, da família de um modo geral. Isto, sem se lembrar dos direitos fundamentais à legalidade; à privacidade, na sua órbita reprodutiva, bem como do direito à liberdade reprodutiva da mulher, cuja defesa alcança toda e qualquer forma de interrupção de gravidez.
A propósito, destaca-se que, se de um lado o direito fundamental à vida não é de todo absoluto, é de se notar que a própria lei penal brasileira estabelece curiosa diferenciação na tutela do bem jurídico “vida”, conforme sua fase de desenvolvimento ou evolução. Para tanto, basta um passar de olhos nos preceitos secundários dos artigos 121 e 126, da Lei Material Penal, em que se fixam, em abstrato, punição bem mais severa ao agente que pratica homicídio do que ao agente que pratica o aborto. Haveria, então, estabelecimento de diferenciação entre a intensidade da tutela da vida pré e pós-nascimento? Vale a reflexão, mormente em se considerando que o próprio permissivo do aborto necessário coloca a vida da mãe acima da vida do feto, na colisão de seus direitos fundamentais à vida…
De outro lado, indo-se além, discute-se, inclusive, o direito à vida, enquanto vida digna, daquela potencialidade de vida que o é o feto anencéfalo. Isto, porque qualquer discussão acerca de direitos humanos fundamentais deve levar em conta sua interpretação vista sob o primado da Dignidade da Pessoa Humana: quando se defende a vida humana, ínsita a ideia de vida digna a se considerar e defender. Corroborando:
“O princípio da dignidade humana constitui, por excelência, a lógica e principiologia própria do Direito Internacional dos Direitos Humanos, a fonte e o sentido maior do sistema protetivo internacional e, sobretudo, seu vetor ético fundante” (grifo nosso – in “Código de Direito Internacional dos Direitos Humanos Anotado”; São Paulo: DPJ Editora, 2008; coordenação geral: Flávia Piovesan; p. 13)
No caso da dignidade da pessoa humana, resta óbvio o sofrimento que é imposto à gestante que sabe que gera um feto cuja potencialidade de sobrevivência é inexistente e, ainda que, por suposição, remotamente haja, estará condenada, já que fadada ao término prematuro.
Revela verdadeiro paradoxo o permissivo do aborto terapêutico e do sentimental em contraposição à proibição do aborto do feto anencefálico. Ora, se a intenção da lei penal é proteger o direito à vida da mãe em detrimento da de um feto potencialmente saudável e, no outro caso, prestigiar sua integridade emocional e sua liberdade de escolha sexual e reprodutiva, no caso de estupro, não mereceria respaldo e prestígio também sua integridade emocional perante a concepção de um feto juridicamente morto ou fadado à morte? Ademais, há que se considerar que o Código Penal data de 1940, época em que a Medicina não podia prever tal sorte de anomalia fetal; daí, provavelmente, a justificativa à falta do permissivo também neste caso, já que patente seria seu caráter humanitário (interpretação sistemática e teleológica). Aliás, não é isolado na doutrina o entendimento que, com supedâneo nas considerações médicas acerca dos maiores riscos de complicações à saúde da gestante na gravidez de feto anencefálico, enquadram a conduta interruptiva da gravidez como aborto necessário.
Por outro lado, explica-se a afronta ao princípio da isonomia, uma vez que ante o caso concreto, resta óbvio que a parcela carente da população, usuária de rede de saúde pública, nestes casos, seria a mais afetada, posto que a proibição a alcançaria de modo inexorável. É utópico pensar o contrário. Aliás, conforme ensina Daniel Sarmento, “a alteração do tratamento legal conferido à interrupção voluntária da gravidez constitui também o cumprimento de compromissos internacionais, como os estabelecidos no Plano de Ação da Conferência do Cairo, sobre População e Desenvolvimento, realizada em 1994, e na Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial da Mulher, ocorrida em Beijing, em 1995, nas quais ficou assentado que a questão do aborto deveria ser tratada pelos países como problema de saúde pública e não pela ótica criminal.” (in “Nos limites da vida”; Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, coord. Daniel Sarmento e Flávia Piovesan, p. 6). Se já se concorda com tal posicionamento pelo ponto de vista do aborto de um modo geral, mais ainda em relação ao caso de anencefalia.
Por outro lado, é de considerar-se que a proteção do direito à vida, desde à concepção, como consagrado na Convenção Americana de Direitos Humanos, não é absoluta, já que a própria norma em comento faz a ressalva “em geral”, abrindo margem a exceções, ou seja, deixando claro que, perante o caso concreto, não se podem tirar conclusões apriorísticas. Discute-se, ainda, o próprio conceito de “vida” na anencefalia. Afinal, se é pela morte encefálica que a ciência médica considera o término, a ausência de vida, como se atribuir a vida àquele que sequer teve o tubo neural, o encéfalo completamente formado? Conforme já dito, seria o anencefálico “vida” a ser abortada?
É de primordial relevo, no presente, que não está a defender o aborto em si; defende-se, sim, a opção de escolha da gestante, a qual, numa decisão de foro íntimo, realiza ou não a interrupção voluntária da gravidez, mormente num caso específico e incomparável em que não lhe resta nenhuma perspectiva de maternidade decorrente daquela gestação de fruto comprometido. Não cabe ao Estado interferir na decisão, especialmente numa situação em que os preceitos fundamentais, direitos de titularidade da gestante são inúmeros, não devendo ser suprimidos em sua totalidade ante à imposição de proteger o direito à uma vida (?!) que, se potencial, está condenada. Nesta ponderação de direitos, vai ao encontro do ordenamento jurídico o prestígio dos direitos fundamentais da gestante.
Neste diapasão, à luz da Dignidade da Pessoa Humana e pela temática envolvida, impende breve consideração sobre os princípios informadores da Bioética que, no raciocínio que ora se desenvolve, se amalgamam com os direitos fundamentais. Tais princípios vêm reforçar as ideias aqui expostas, destacando-se o princípio da autonomia, garantidor da liberdade de opção consciente à gestante, respeitados seus valores éticos, religiosos ou morais. Ao lado dele, o princípio da beneficência e seu viés da não maleficência, de modo que, no caso, a gestante seja socorrida o melhor possível, sem que danos intencionais lhe sejam causados pela conduta do profissional da saúde; se o escopo é o bem, visa-se à saúde do ponto de vista, inclusive, psíquico e emocional. Enfim, o princípio da justiça, que, conforme ensina Maria Helena Diniz, é “expressão da justiça distributiva” e “requer imparcialidade na distribuição dos riscos e benefícios, no que atina à prática médica pelos profissionais da saúde”(in “Estado Atual do Biodireito”; São Paulo: Saraiva; 2009; 6ª ed.; pp. 14/16), o que, especialmente num país de contrastes sociais e dimensões continentais, como o Brasil, deve se levar em conta que o acesso à justiça e à saúde não será necessariamente exercido de modo efetivo em casos em que o tempo é fator preponderante na obtenção de resultados. Desta feita, se devidamente seguido, o princípio bioético da justiça retrata a ideia de real implementação do direito social à saúde, que, como os direitos sociais em geral, deve ser exercido sob o primado do direito fundamental à igualdade.
Vale lembrar, ainda, que dados científicos atribuem à dieta materna suma importância como um dos fatores de prevenção na ocorrência de anencefalia, não sendo demais concluir-se que uma política de saúde pública notadamente voltada às áreas mais carentes ajudaria a minimizar o problema, atacando-o antes do seu “nascedouro”.
Fechando o raciocínio e a título de reflexão, não seria demais transcrever o oportuno trecho extraído de aula da Escola Superior de Direito Constitucional, citando o texto do professor Luiz Guilherme Arcaro Conci, que faz referência à teoria de Robert Alexy, tratando justamente da colisão entre princípios fundamentais:
“Vale dizer, ainda, que os princípios não se confundem com os valores. Estes, na ordem do ontológico, carregam uma carga axiológica que implica optar pelo que é melhor ou pior, bom ou mau, assim, sobrepondo-se ao próprio sistema jurídico, enquanto os princípios estão na ordem do deontológico, a estipular um dever-ser, ou seja, a partir deles se opta pelo que é lícito/ilícito”
Parecem expostos, assim, argumentos fortes a respaldar, na ordem jurídica pátria, à permissão da interrupção voluntária da gravidez de feto anencefálico.
3. RESUMO DO JULGADO
O julgamento, que ora se passa a analisar, versa sobre apelação cível interposta por casal, contra decisão de primeira instância que julgou improcedente ação que visava à concessão de alvará judicial, buscando a autorização para interromper a gravidez da requerente, haja vista a constatação de caso de anencefalia fetal.
Tendo em vista a urgência do caso, a Relatora Desª. Cláudia Maia concedeu o pedido liminar de caráter satisfativo, se tendo exaurido o objeto da demanda com a efetiva interrupção da gravidez.
Destaca-se que, no caso em tela, a autora já havia realizado três exames de ultrassonografia em locais diferentes (Posto de Saúde do Município de Guarulhos/SP, Hospital Stella Maris de Guarulhos, Clínica Gênesis de Belo Horizonte), de sorte que não pairava nenhuma dúvida de que se estava diante de uma gravidez de feto anencefálico. Patente todo o desgaste emocional ao qual foi submetida a gestante. Corroborando, foi elaborado, no curso do processo, parecer pela Divisão de Clínica Obstetrícia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, quando da 20ª semana e um dia de gestação, sendo atestada a incompatibilidade das condições verificadas com a vida extrauterina.
O julgamento do caso não teve votação unânime, circunstância que confirma a complexidade do tema.
Pois bem, note-se que a Relatora Desª. Cláudia Maia e o Des. Sérgio Braga votaram no sentido de dar provimento à apelação, contemplando-se, desta feita, a possibilidade de interrupção da gravidez; a Desª. Eulina do Carmo Almeida dissentiu dos demais colegas, em que pese, todavia, já ter sido concedida a tutela antecipada pela relatora.
Interessante frisar que, no julgado sob análise, a Relatora que concedeu a antecipação da tutela, mencionou a tão noticiada Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional – ADPF 54-8/DF, que ainda está sub judice, tendo, ainda, destacado expressamente a posição do Ministro Marco Aurélio Mello que, posteriormente, foi revogada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal.
4. TESE CONTEMPLADA NO JULGADO
Defendeu-se, no julgado, por maioria de votos, que, na ordem jurídica pátria, não há respaldo à proibição da interrupção voluntária da gravidez de feto anencefálico.
Em seu corpo, faz-se clara menção de que é necessária à promoção de verdadeira justiça a adaptação de nosso ordenamento jurídico às técnicas medicinais provenientes da evolução e do progresso. Ressalta-se a importância do reconhecimento de que o Direito é uma ciência dinâmica.
Aduz que a interrupção da gravidez de feto anencefálico deve ser considerada, seja pela inexigibilidade de conduta diversa (causa supra legal de exclusão de culpabilidade), seja pelo próprio caminho da interpretação da lei penal. Ora, a realização do aborto de feto com anencefalia, de acordo com o julgado, seria “possível à luz do vetusto Código Penal de 1940”.
A tese que acabou por ser a vencedora no julgado em voga contempla a necessidade de ser feita uma ponderação entre o direito à vida, a impossibilidade de vida extrauterina, os riscos oriundos da gestação à grávida e, neste diapasão, a imperiosa proteção que se deve garantir à integridade física e psíquica da gestante.
Além de tais argumentos, merece destaque outro ponto bem lembrado e trazido no cerne do julgado: o fato de a Lei 9.434 de 4 de fevereiro de 1997, a apelidada “Lei dos Transplantes”, ter adotado, como critério definidor de morte, a morte encefálica. E, seguindo-se esta linha de raciocínio, tem-se reconhecido o quadro de que, “no caso de anencefalia, dada a ausência de parte vital do cérebro e de qualquer atividade encefálica, é impossível se cogitar em vida, na medida em que o seu contraponto, a morte, está configurado”.
Ainda, apenas a título elucidativo, pode ser citada a decisão, cuja ementa é transcrita abaixo, no intuito de apontar outro caso em que foi contemplado o direito da gestante de ver interrompida a gravidez de feto anencefálico:
EMENTA: APELAÇÃO CRIME. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃOJUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ. FETO ANENCEFÁLICO. DOCUMENTOS MÉDICOS COMPROBATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE DE SOBREVIVÊNCIA APÓS O NASCIMENTO. DEFERIMENTO. DERAM PROVIMENTO AO APELO DA DEFESA (Apelação Crime nº. 70012840971, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcel Esquivel Hoppe, julgado em 05/10/2005)
Corroborando, aproveita-se para fazer menção de que o juiz Jeisser Coelho de Alcântara, enquanto responsável pela 1ª. Vara Criminal de Goiânia, autorizou, em mais de uma oportunidade, a interrupção da gravidez quando comprovada a anencefalia fetal. Para tanto, o apontado magistrado justificou-se da seguinte forma: “Não pode a Justiça, na minha limitada visão, deixar de prestigiar a responsável via escolhida pela requerente ao buscar, no Poder Judiciário, a solução para sua pretensão”. Argumentou, conforme relatado em notícia veiculada pela internet que, “a manutenção da gestação poderia causar danos à mãe, além dos riscos de morte do feto poucas horas após o parto ou ainda dentro do útero da mãe.” (texto extraído da internet aos 14/09/2009 – www.prt7.mpt.gov.br).
5. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À TESE INVOCADA NO JULGADO SOB ANÁLISE
Conforme anteriormente abordado, o tema objeto do presente estudo, em razão da natureza complexa, suscita entendimentos distintos na doutrina e na jurisprudência pátria.
Cumpre dizer que, mesmo em se desenvolvendo o trabalho com fulcro em julgamento em que se reconheceu o direito à interrupção da gravidez de feto anencefálico – tese que parece ser mais razoável e é ora abraçada – não se pode olvidar que o entendimento está longe de ser unânime no meio jurídico.
Aliás, no próprio julgado analisado restou evidente a inexistência de unanimidade. É que a Desª. Eulina do Carmo Almeida, ao proferir o voto vencido, expôs expressamente que: “…a questão em tela, excede às avaliações e conclusões de natureza exclusivamente clínicas, adentrando a um campo mais profundo, atinente às convicções íntimas desta Vogal, as quais encontram sustento, também, na consciência de que, até o momento, a medida ora considerada consubstancia-se em ato não albergado pelo ordenamento jurídico pátrio, estando, portanto, à margem da lei.”
De tal sorte, objetivando demonstrar a existência de entendimento diametralmente oposto à autorização concedida no julgado objeto deste paper, apresenta-se, a título exemplificativo, o julgado abaixo, curiosamente, também proferido pelo mesmo Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: ALVARÁ JUDICIAL – ANENCEFALIA – PEDIDO DE INTERRUPÇÃO TERAPÊUTICA DA GESTAÇÃO – DIREEITO À VIDA. Impossível decretar ou mesmo antecipar a morte, mesmo diante da situação apresentada nos autos, pois o feto é incontroverso pode nascer com vida, não sendo possível utilizar a analogia e/ou princípios genéricos para fundamentar suposições e ilações desprovidas de qualquer fundamento legal (Apelação Cível nº. 1.0024.06.199818-3/001 – Comarca de Belo Horizonte – julgamento aos 08/11/2006 – relator Des. Nilo Lacerda)
Mister salientar que, na decisão acima, os julgadores foram unânimes em negar qualquer possibilidade de interrupção da gravidez na hipótese de anencefalia fetal. Foram invocados os direitos do nascituro, à vida e suas implicações jurídicas; destacadas, até mesmo, posições de cunho religioso, no intuito de justificar a não autorização do aborto de feto anencefálico.
Também na doutrina encontram-se muitos posicionamentos de resistência à possibilidade de interromper-se a gravidez de feto anencefálico. Neste esteio, visando a demonstrar esta realidade – data venia, com a devida ressalva de que não é a tese acolhida no presente trabalho –, destaca-se trecho de artigo da autoria de José Renato Nalini:
“ O homem não é dono da vida. Não pode tirá-la em qualquer hipótese …” . E mais: “Diante da clareza do ordenamento brasileiro, insólito se pregue a possibilidade de interrupção da vida do anencéfalo. Compreende-se o sentimento de compaixão que deve envolver a mãe de um ser que talvez não tenha uma vida longa. Todavia, o sofrimento materno não legitima o sacrifício de uma vida…” (trecho extraído da internet www.portaldafamilia.org.br/artigos/artigo271.shtml – acesso aos 15.09.09)
Como visto, é longo o caminho a ser percorrido até que se alcance a tão almejada uniformização nesta delicada matéria. Para tanto, aguarda-se o julgamento, no Supremo Tribunal Federal, da Arguição de Preceito Fundamental – ADPF54-8, intentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, não sendo demais relembrar que o parecer da Procuradoria Geral da República, recentemente publicado, endossa a posição de compatibilidade de interrupção da gravidez em caso de anencefalia fetal com a ordem constitucional.
6. CONCLUSÃO
Entende-se, portanto, acertada a tese abraçada no julgamento exarado pelo TJ/MG quando da Apelação Cível nº. 1.0079.07.343179-7/001. Deu-se provimento ao apelo, reconhecendo-se, desta feita, o direito à interrupção da gravidez de feto anencefálico, tendo, inclusive, sido concedida a liminar de caráter satisfativo. Restou aplicada a ponderação de direitos fundamentais de forma a alcançar uma solução justa e júridica à matéria.
No caminho, não coube o julgamento do “bom” ou do “mau” ou de nenhuma sorte de valores morais; restringiu-se, assim, como não poderia deixar de ser, ao julgamento do lícito ou do ilícito, sob o ponto de vista do Direito Constitucional vigente.
Afinal, não se discute, no caso trazido à balha, a proteção ao nascituro que já goza, em tese, do direito fundamental à vida. De outra feita, não se podem fazer vistas grossas e se suprimir a tutela aos direitos fundamentais da gestante. Cabe, sim, em situações como a tratada nos autos objeto deste trabalho, em que se verifica choque entre direitos fundamentais de diferente titularidades, a devida Ponderação de Direitos, diante do sério cenário apresentado: de um lado, a existência do feto anencefálico que, infelizmente, está condenado à morte; de outro lado, a mulher grávida que, ao receber a notícia de uma gestação com anencefalia (fato que necessita de ampla comprovação, mas que conta, atualmente, com diagnóstico preciso), passa por um baque imenso, sendo-lhe imperioso e digno ter o condão de poder optar se leva ou não a gravidez adiante.
Impor que a grávida, em tais circunstâncias, conduza a gestação até o seu termo final, sem que lhe seja propiciada a escolha, redunda, nos termos da tese ora defendida, em fulminar diretamente a dignidade da pessoa humana, o qual é sabidamente acobertada pelo manto constitucional.
Neste panorama, de um lado, apresenta-se, na visão mais otimista, a proteção à vida de um feto condenado e, de outro, não se pode olvidar da integridade física e psíquia de uma mãe já indubitavelmente abalada. Discute-se, até mesmo, se o feto em questão pode realmente ser considerado vivo, ante à classificação de parte da doutrina médico-jurídica como “natimorto cerebral”.
E mais, nosso ordenamento jurídico permite o chamado “aborto sentimental”, situação em que nem se cogita de nenhuma averiguação a respeito das condições de desenvolvimento normal do feto. É dada à gestante a autonomia da vontade (liberdade de escolha, contemplando-se seu direito à liberdade sexual e reprodutiva), ou seja, cabe a ela decidir levar a gestação proveniente de estupro adiante ou não.
Destarte, seria um contra-senso permitir um aborto onde o feto tem condições de pleno desenvolvimento e, de outra sorte, vedar o aborto de um feto que, infelizmente, já está condenado ou mesmo morto.
Da forma apresentada pelo nosso ordenamento, não fossem posições como a exarada no julgado central objeto de análise, teríamos, em nosso país, duas mães grávidas recebendo tratamentos totalmente distintos, apesar do incontestável sofrimento existente em ambos os casos. Seria flagrante a ofensa à isonomia constitucionalmente protegida, se dispensados tratamentos distintos.
Neste esteio, possibilitar que a gravidez de feto com anencefalia seja abreviada vai ao encontro da proteção à integridade mental/física da mãe, dando-lhe um tratamento condizente com a ordem constitucional; é prestigiar a dignidade da pessoa humana no seu mais amplo espectro.
Por fim, impende salientar que, na busca da solução, sabiamente, o julgado alude ao critério da morte encefálica, fato que ganhou espaço com o advento da chamada “ Lei de Transplantes”.
Vislumbra-se, portanto, total coerência na tese adotada pelo TJ/MG quando do julgamento da Apelação Cível nº. 1.0079.07.343179-7/001, cujo julgamento foi prolatado aos 31 de maio de 2007.
Referências bibliográficas
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de Barros; aulas de Direito Penal Especial ministradas no curso FMB, São Paulo, 2005.
CONCI, Luiz Guilherme Arcaro; texto enviado em aula do módulo de Direitos Humanos Fundamentais do curso de pós-gradução da Escola Superior de Direito Constitucional – São Paulo/SP (setembro de 2009).
COSTA, Sérgio Ibiapina Ferreira et al; Iniciação à Bioética; Brasília: Conselho Federal de Medicina; 1998, p. 126.
DINIZ, Maria Helena; O Estado Atual do Biodireito; São Paulo: Saraiva; 2009, 6ª. ed., p. 14/16.
FERNANDES, Maíra Costa; Nos limites da vida; Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, coord. Daniel Sarmento e Flávia Piovesan, p. 114.
MIRABETE, Julio Fabbrini; Código Penal Interpretado; São Paulo: Atlas, 1999, p. 685.
MORAES, Alexandre de; Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral; São Paulo: Atlas, 2000, 3ª ed.; pp. 23/24.
SARMENTO, Daniel; Nos limites da vida; Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, coord. Daniel Sarmento e Flávia Piovesan, p. 6.
PIOVESAN, Flávia; Código de Direito Internacional dos Direitos Humanos Anotado; São Paulo: DPJ Editora, 2008; coordenação geral: Flávia Piovesan, p. 13.
Tartuce, Flávio; Direito Civil 1 – Lei de Introdução e Parte Geral; Ed. Método, 2009.
Legislação de apoio:
CF/88;
CC/02;
Lei 9434/97;
Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica);
Resolução 1480/97;
Código Penal Brasileiro;
Resolução CFM.
Sites de apoio:
www.anencephalie-info.org (acesso em 14.9.2009)
www.prt7.mpt.gov.br/mptnamídia (acesso aos 14.09.2009)
www.portaldafamilia.org.br/artigos (acesso aos 14.09.2009)
www.stf.jus.br (acesso aos 07.12.09)
ww.tjrs.jus.br (acesso aos 07.10.2009)
www.tjmg.jus.br (acesso aos 07.10.2009 e aos 08.12.2009)
www.who.int (acesso aos 07.12.09)
Nota:
[i] O artigo foi tema de paper apresentado pelas autoras, quando alunas da Pós-Gradução Lato Sensu em Direito de Família e Sucessões, no ano de 2009, na Escola Paulista de Direito (módulo terceiro: Direito de FAMÍLIA E SISTEMA: UMA ANÁLISE UNITÁRIA DO FENÔMENO JURÍDICO. DIREITO DE FAMÍLIA E SOCIEDADE: PLANEJAMENTO E ENFRENTAMENTO DAS PATOLOGIAS. A FAMÍLIA NO SISTEMA INTERNACIONAL: REFLEXOS NO SISTEMA). O curso teve coordenação da Profª Drª Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e do Prof. Dr. Flávio Tartuce, o qual também foi orientador das autoras na monografia apresentada no término do curso, sendo cada qual de tema diverso do ora apresentado.
Informações Sobre os Autores
Flávia Tondella Fraga Teixeira de Carvalho
Advogada, Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito
Cristina Fraga Teixeira de Carvalho Young
Advogada, com título de especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola Paulista de Direito