O estudo da Administração Pública, partindo do conceito jurídico de Estado, compreende, inicialmente, a organização soberana, com a instituição constitucional dos três Poderes que compõem o Governo, na clássica tripartição de Montesquieu, isto é, Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si, com funções precípuas e imanentes do Estado.
Sequencialmente, segue-se a organização da Administração, consistindo na estruturação legal das entidades e órgãos que irão desempenhar as funções, através de agentes públicos e o rol de suas atividades, numa concepção moderna de desenvolvimento e funcionamento dos serviços a serem prestados aos administrados, ou seja, à coletividade, de forma generalizada.
No contexto global da Administração Pública a representação humana se faz através dos agentes públicos, conceituados pelo consagrado Hely Lopes Meirelles: “como pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal”[1]. Ainda, o gênero agente público, comporta as espécies agentes políticos, agentes administrativos, agentes honoríficos e agentes delegados, com algumas sub-espécies, que em outra oportunidade poderão ser objeto de análise mais específica.
Os órgãos públicos, como centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais, têm seus cargos ocupados por pessoas físicas que atuam como seus agentes, com parcelas de seu poder, ou seja, a máquina estatal somente exteriorizará e concretizará sua vontade política através de seus servidores públicos, que ocuparão os cargos existentes e desempenharão, nos limites dos princípios que norteiam a Administração Pública, o serviço pretendido pelo governante, em benefício da sociedade.
Nosso propósito é demonstrar as dificuldades e os problemas que resultam ao Poder Público, consequentemente, à coletividade, quando a figura relevante do agente público pratica, de modo espontâneo ou não, o absenteísmo, culminando na prestação de um serviço de má qualidade ou deficitário, com sérios prejuízos aos seus destinatários.
Absenteísmo, palavra de origem francesa, absentéisme, significa pessoa que falta ao trabalho, ou ainda, ausência no serviço por inúmeros motivos, propositais ou por circunstâncias alheias à vontade do trabalhador.
Trazendo o conceito acima para o serviço público, o Administrador da Coisa Pública, como dirigente e fiscalizador de um órgão estatal, se depara com graves situações concretas com resultados nefastos e jamais pretendidos pelo Estado.
O absenteísmo tem se tornado problema crucial tanto para as organizações particulares como para as estatais e, respectivamente, aos seus administradores, os quais percebem a repercussão no quantitativo de recursos humanos e, por via de conseqüência, o reflexo na qualidade do serviço prestado. Suas causas estão ligadas a múltiplos fatores, tornando-o complexo e de difícil gerenciamento, pois, inúmeras situações pessoais do servidor podem desencadear no seu surgimento, como exemplo problemas de ordem pessoal, biológica, ambiental, social, familiar, financeira, funcional, etc.
Segundo Gaidzinski, que desenvolveu um estudo para dimensionar o quadro de pessoal para os serviços, classificou as ausências em previstas e não previstas. Constituem a primeira classe aquelas permitidas e de direito ao servidor, podendo ser planejadas com antecedência como férias, folgas e feriados. As ausências não previstas são as que efetivamente caracterizam o absenteísmo, pelo seu caráter imprevisível, como faltas abonadas e injustificadas, licenças médicas, acidente de trabalho, licenças maternidade e paternidade, período de nojo, de gala, de cursos de especialização e outras situações que impedirão o servidor ao trabalho. Em quaisquer, das hipóteses, este fenômeno ocasiona não só custos diretos, mas também indiretos, representados pela diminuição da produtividade porque haverá menos servidores em ação, com redução da qualidade do serviço uma vez que um outro funcionário em atividade executará também o serviço do ausente, ocasionando, certamente, a diminuição da eficiência e eficácia nos resultados esperados.
Apesar da possibilidade de rotatividade de pessoal, de modo célere, que a iniciativa privada têm a seu alcance, diante do regime jurídico adotado para a contratação e demissão, nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho, ainda assim é oneroso a qualquer empresa privada, pelas responsabilidades trabalhistas decorrentes de demissão e de admissão de novo empregado, com a respectiva capacitação, mas, de qualquer forma, é sempre bom realçar, em que pese tais encargos, constitui num verdadeiro e autêntico privilégio constitucional, à disposição do empregador, do qual não dispõe o Administrador Público, diante de funcionário ausente por desídia ou necessidade premente, o qual, para submeter-se a um processo disciplinar administrativo, goza de um elenco de situações privilegiadas, que demanda muito tempo a concretizar-se.
É de extrema relevância que o servidor público (que um dia, por critérios de seleção e por meio de concurso público, se destacou entre seus inúmeros pares, foi aprovado e vislumbrou a possibilidade de fazer carreira na atividade de governo, com segurança e estabilidade, características inexistentes na iniciativa privada), atue, de modo perene, com a consciência voltada à importância de seu trabalho assíduo e permanente, para o desenvolvimento de seu país, de seu Estado e de sua cidade, além de seu crescimento interior, dignificando o seu nome e sua atividade laborativa, tanto para conhecimento próprio e servir de exemplo à sua linha ascendente como para sua descendência, destacando-se entre seus pares.
Entretanto, concomitantemente, com a grande massa de servidores que pensam, ajam e atuam de maneira sóbria e responsável, concretizando e materializando os anseios do Poder Central e, reconhecidos como dignos paladinos estatais, temos um insignificante segmento de funcionários, mal contratados e mal formados, despidos de qualquer senso de responsabilidade e respeito para com seus pares e para com sua entidade estatal, os quais absorvem proventos correspondentes, sem prestar uma atividade sequer, sobrecarregando o colega de trabalho e que por meio de subterfúgios legais, arcaicos e absurdos como reiteradas e descabidas licenças médicas, por patologias relativamente simples, conseguem burlar a Administração Pública, de modo a impedi-la de torná-lo readaptado para outra atividade, culminando, por vezes, em permanecer claro o seu cargo, até por décadas, sem, inclusive, a viabilização de uma aposentadoria precoce, o que ensejaria o preenchimento do claro existente naquela carreira, com conseqüências externas, que atingem o público em geral, como menor qualidade e desempenho do serviço prestado.
Por outro lado, o Administrador Público inovador, diante de situações dessa natureza, para a qual não concorreu e sequer deu causa, tem a oportunidade de, também com supedâneo aos princípios informadores do Estado de Direito, fazer uso de sua imaginação, criando ou buscando alternativas permitidas, para sobrepor àquelas carências provocadas pelo absenteísmo e, consequentemente, minimizando o estado de ira e revolta no ambiente de trabalho, promovendo cursos de capacitação, prêmios de incentivo e de valorização profissional, procurando recursos para modernizar o labor e, assim, ofertando melhores meios ao desenvolvimento de qualquer atividade a que está incumbido o Estado.
Informações Sobre o Autor
Luís Fernando Quinteiro de Souza
Delegado Seccional de Polícia de Ourinhos e Professor de Direito Administrativo e Direito Processual Penal nas Faculdades Integradas de Ourinhos