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Abuso de autoridade – afronta ao Princípio Fundamental da Dignidade Humana

Palavras-chave: abuso – dignidade – revista íntima – responsabilidade do Estado.


Sumário: 1. O abuso 2. A dignidade humana 3. Os ilícitos 4. A positivação de direitos    5. O legislativo e a proibição da revista.


“O direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, do que o do mais alto dos poderes. Rui Barbosa, em “Oração aos moços.”


1. O abuso


Recentemente a imprensa noticiou o abuso de autoridades policiais, que, em trabalhos de investigação, arrancaram à força e em público, as vestes e a calcinha de uma escrivã de polícia, imobilizada ao solo –por suspeita de corrupção -, para em revista íntima apreender cédulas de dinheiro. E os agentes, todos delegados de Polícia e como tal necessariamente portadores de formação jurídica, registraram em vídeo a violência, sendo as imagens do desnudamento publicadas em jornal de grande circulação. [1] Esse vídeo, no mês de dezembro do ano findo, foi recebido pelo Secretário de Segurança Pública, das mãos do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de São Paulo, e incontinenti entregue à Corregedoria da Polícia Civil, a cujo órgão, por notável coincidência, pertenciam os quatro delegados envolvidos no constrangimento imposto à mulher.


2. A dignidade humana


Com relação a casos análogos, de manifesta ilegitimidade, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou ao reafirmar que a Constituição da República (art. 5º, inciso III, parte final) assegura que ninguém será submetido a tratamento degradante, e, no inciso X, protege o direito à imagem e à honra das pessoas.  De todas as pessoas, seja realçado. Não há, para o direito, pessoas de categorias variadas. O ser humano é um e a ele deve ser garantido o conjunto dos direitos fundamentais. As prescrições haverão de ser impostas e cumpridas, igualmente, por todos que se encontrem em iguais condições, na forma da lei (RHC 89.429-STF).


3. Os ilícitos


No caso descrito, os atos praticados pelos agentes do Estado e levados a público pela imprensa com fartura de detalhes, -fotos que por si só testemunham o abuso – pode-se concluir que eles, facilmente, se ajustam aos tipos penais descritos na lei do  abuso de autoridade (4898/65) e no Código Penal, além da violações que avançam o campo civil e administrativo; por elas também esses agentes deverão responder, juntamente com o Estado-administrador, em razão da responsabilidade civil objetiva. Por isso, o texto constitucional (art.37 § 6º) instituiu, no preceito, a responsabilidade sem culpa, isto é, objetiva, consagrando a teoria do risco administrativo. Dessa forma, o preceito propicia ao particular a oportunidade de provar que o Estado estava, através de seus agentes, no exercício de suas funções públicas quando o dano foi causado. Nesse aspecto, a reparação prescinde de prova de culpa por parte de quem o ensejou, ou seja, os agentes públicos a serviço do ente estatal, cabendo à Administração ressarcir o dano moral sofrido, assegurado seu direito de regresso contra os servidores responsáveis pelos atos.


4. A positivação de direitos


A constitucionalização dos direitos humanos fundamentais não significa mera enunciação formal de princípios, mas a plena positivação de direitos, com base nos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela perante o Poder Judiciário, para a concretização da democracia. A proteção judicial é absolutamente indispensável para tornar efetiva a aplicabilidade e o respeito aos direitos humanos fundamentais previstos na Constituição federal e no ordenamento jurídico em geral. (Alexandre de Moraes, p.167).[2]


5. O Legislativo e a proibição da revista


E, com base nesses direitos, é que a Câmara Federal aprovou o projeto de lei 583/2007, dispondo sobre a proibição de revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho, tratando também da revista em ambientes prisionais, e a aplicação das penas pelas violações, E nos casos previstos em ambientes prisionais e sob investigação policial, a revista será unicamente realizada por servidores femininos (art.3º). E o inciso II, ao art. 2º, além de prever multa pecuniária, estabelece a indenização por danos morais e materiais, além de sanções de ordem penal. Esse projeto, no dia 15 transato, foi encaminhado ao Senado Federal, nos termos do artigo 65 da Carta Política. Convém lembrar que o princípio constitucional tem plena eficácia, independendo de lei posterior para sua imediata aplicabilidade.


Como fecho, é imperativo e juridicamente correto concluir que os agentes policiais, na procura de prova na incriminação da servidora suspeita, cometeram constrangimento irreparável, utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo legal. Para CRETELLA JUNIOR, “se as barreiras assinaladas para o campo do exercício do poder de polícia são ultrapassadas, temos o desvio, o abuso ou o excesso de poder. [3]


Notas:                                                                                                                             

[1] Leia a “Folha de São Paulo”, edição de 25/2/2011, Caderno Cotidiano.

[2] “A Constituição do Brasil Interpretada”, Atlas, 4ª Ed. 2004.

[3] “Polícia e Poder de Polícia”, in RT 608/7.

Informações Sobre o Autor

Sergio Miranda Amaral

Advogado (OAB 34438/SP) Procurador do Município (aposentado)


Equipe Âmbito Jurídico

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