Abuso de posição dominante no direito brasileiro

Resumo: O objetivo é definir em breves linhas o que seja Abuso de Posição Dominante dentro do Direito Concorrencial Brasileiro, analisando o que relatam sobre o assunto a Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 8.884/94 (legislação brasileira antitruste). Pretende-se também mostrar algumas lacunas existentes sobre o tema dentro da legislação pátria.


Palavras-chave: concorrência, abuso posição dominante, antitruste.


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Abstract: The aim is to briefly define Abuse of Dominant Position within Brazilian Antitrust Law, by analyzing the Brazilian Federal Constitution and law nº 8.884/94. We also intend to show the gaps on the topic within Brazilian law.


Keywords: antitrust, abuse dominant position


Sumário: 1. Introdução 2. Intervenção do Estado no Domínio Econômico 2.1 Estado liberal 2.2 Estado interventor 3. Poder Econômico 4. Definição de Posição Dominante 5. Definição de Abuso de Posição Econômico 6. CADE 7. Lacunas na legislação 8. Conclusão 9. Referências bibliográficas


1. Introdução


O direito à concorrência é um dos pilares do sistema capitalista. Na atual conjuntura da globalização, é um direito do moderno estado liberal, principalmente em relação à economia de mercado. Em um estado liberal, temos como princípios fundamentais: a não-intervenção estatal no domínio econômico; a liberdade de concorrência; e principalmente a liberdade de iniciativa, ou seja, qualquer indivíduo ou empresa tem o direito de ingressar no mercado de bens ou serviços nacional ou internacional.


Embora o Estado encoraje a livre iniciativa e a concorrência de mercado, cabe a este mesmo Estado estabelecer regras, normas e limites que garantam ao consumidor, parte mais vulnerável da relação, uma legislação antitruste mais segura, coesa e clara, principalmente no que tange o abuso de posição dominante.


2. Intervenção do Estado no domínio econômico


2.1 Estado liberal


O Estado liberal, dentro de seus princípios basilares, entende que as pessoas devam ser livres para atuarem dentro de um campo comercial, mas sem a influência do mesmo. Neste sentido vale ressaltar o pensamento de Adam Smith[1], em A Riqueza das Nações: a regulação da economia se daria por uma “mão invisível”, ou seja, as leis se adequariam ao próprio mercado. Sendo assim, a oferta se regularia com a procura e o mercado sofreria auto-regulação, organizando a sua própria economia e agradando à sociedade mercantil.


Para o Prof. Eros Grau[2] a não intervenção estatal na economia não pode ser entendida em termos absolutos, tendo o Estado sempre atuado de alguma forma no campo econômico.


A realidade nos dias atuais é bem diferente do modelo proposto por Adam Smith, tanto no que se refere à concentração empresarial quanto a um forte desequilíbrio econômico e social, principalmente entre países ricos e pobres.


2.2 Estado interventor


A intervenção do Estado no domínio econômico tem como objetivos a regulação e a interposição estatal na economia. O estado pode intervir ou regular diretamente a ordem econômica, porém sempre respeitando a livre iniciativa e livre concorrência, princípios fundamentais do mercado.


De acordo com o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello em sua classificação da intervenção do Estado no domínio econômico, este atuaria em três categorias: a) como sujeito ativo, assumindo participação direta nas atividades econômicas; b) na qualidade de agente regulador, disciplinando os comportamentos dos particulares, por intermédio do seu poder de polícia e c) através de ação fomentadora, propiciando estímulos e benefícios à atividade privada[3].


A livre iniciativa, exposta no artigo 170 da Constituição Federal[4] como fundamento da Ordem Econômica, é condição imprescindível para a formação de um Estado liberal e democrático. Mostra desta forma que o nosso sistema econômico é o capitalista, ao instituir que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência a ao aumento arbitrário dos lucros e em relação à livre concorrência (inciso IV). No parágrafo único do referido artigo é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica.


3. Poder econômico


Diz a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 173, §4°:


“A lei reprimirá o abuso de poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência a ao aumento arbitrário dos lucros.”


O princípio constitucional da livre concorrência prevê o livre-arbítrio para o poder econômico privado, desde que as normas e leis reguladoras do mercado sejam obedecidas. Este princípio constitucional refere-se a uma empresa, conjunto de empresas ou intervenção de mercado, seja em grande ou pequena escala. O abuso do poder econômico de determinada empresa ou empresas dentro de certa área, pode acarretar enormes prejuízos para outras, mesmo que tenham serviços e produtos semelhantes.


Em virtude da competição de mercado e do livre comércio, conclui-se que o poder econômico existe de fato, e é aceito no ordenamento jurídico, como a própria Constituição Federal evidencia. O que deve ser repudiado é a sua abusividade, que tem como objetivo o ganho econômico por parte de empresas interessadas em maiores lucros e aumentos injustificados.


Ressalta-se que o artigo 173, §4°, possui natureza exemplificativa, determinando o núcleo essencial da lei reguladora do abuso de poder econômico. Por conseguinte, pode o legislador descrever como abusivos outros comportamentos não previstos no mencionado artigo da Constituição, desde que consistam em abuso de poder econômico[5].(5)


4. Definição de posição dominante


Entende-se por posição dominante a situação fática que uma ou mais empresas possua(m) em determinado mercado relevante, permitindo – que atue(m) independentemente, sem ter em conta as outras empresas, e – que influencie(m) o comportamento das demais e/ou dos consumidores.[6]


De acordo com a Lei n°8.884/94, em seu artigo 54, §3°X, uma empresa é dominante quando detém 20% do mercado em questão, ou se qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto ou anual no último balanço equivalente a R$400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais). Entretanto, em relação a esta porcentagem, não haveria problema nenhum, tratando-se principalmente de uma empresa de grande porte, em vista de uma procura em demasia por parte de certa parte de consumidores. O ato ilícito estaria no domínio, ou seja, as empresas que são influenciadas pela empresa dominante, com isto acarretando assim, a posição dominante.


Deve ser frisado que não é uma tarefa fácil identificar se uma empresa é dominante ou não, em virtude de diversos fatores, principalmente a diferença entre mercado concentrado e mercado competitivo, ou seja, a estrutura do mercado e seu comportamento dentro da área de atuação. Deve-se então fazer uma análise extremamente criteriosa em relação a este constatação.


5. Definição de abuso de posição dominante


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A definição do que seja abuso de posição dominante não está descrita na Lei 8.884/94, esta apresenta apenas um rol de exemplos de comportamentos abusivos. Fica claro a necessidade de uma interpretação jurídica mais direta sobre o texto da lei, para que assim a letra da lei não fique esparsa, mas sim, delimitada e esclarecedora no seu conteúdo.


O abuso de posição dominante pode ser interpretado de duas formas de acordo com a lei: existência de lesão, ou a possibilidade de lesão à concorrência.


O nexo de causalidade entre o comportamento da empresa e o efeito nocivo dele decorre se comprova através de observação das condições fáticas do mercado. Em se tratando de hipótese em que não exista dano efetivo, o efeito negativo potencial do comportamento poderá ser determinado, levando-se em consideração as conseqüências normalmente advindas em situações semelhantes.[7]


6. CADE


O CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica é uma autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, e que atua à luz da Lei n° 8.884, de 11 de junho de 1994, chamada de Lei Antitruste Brasileira ou Lei de Defesa da Concorrência. A Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), vinculada ao Ministério da Fazenda e a Secretaria de Direito Econômico (SDE), vinculada ao Ministério da Justiça são os órgãos encarregados da instrução processual e cabe ao CADE ser a instância judicante administrativa.


O CADE tem por função julgar os atos de concentração, manifestar-se sobre consultas realizadas por empresas e julgar também processos relativos às condutas.


Entre as críticas que se faz ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência está a sua morosidade, ou seja, a demora que se faz das análises, esta seria a principal crítica e poderíamos acrescentar ainda no mesmo caminho, a demora também dos julgamentos, a burocratização dos processos e por fim a falta de estrutura administrativa por parte dos órgãos do SBDC.


O principal problema desse tipo de política no Brasil reside no excesso de burocracia, demora e fragmentação para a tomada de decisão e conseqüente insegurança jurídica. As empresas que promovem uma operação de aquisição ou fusão podem esperar a autorização por mais de um ano depois de a transação ter sido realizada e de uma série de providências, envolvendo contratos com fornecedores, clientes e trabalhadores, terem gerado efeitos sobre o mercado. Isso eleva o risco de uma operação anticompetitiva, bem como os custos associados a sua eventual proibição, muito tempo depois de sua ocorrência.[8]


7. Lacunas na legislação


De acordo com o artigo 20, §1°, da Lei n8.884/94, a conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II.


Uma das dificuldades encontradas na lei é a definição do momento no qual o suposto agente econômico passaria do ato lícito para o ilícito, adentrando na abusividade do direito. A questão a ser debatida é qual seria esta fronteira ultrapassada, qual o limite indicador da infração. O poder econômico em si não é ilícito, ao contrário, gera uma circulação de riquezas por parte da sociedade. Cabe então à lei, com legisladores mais técnicos no assunto, especificar mais detalhadamente esta lacuna.


Outro ponto a ser questionado é o próprio abuso de posição dominante. A Lei n°8.884/94 expõe os atos que causem ou possam causar no futuro abuso de posição dominante, mas a própria legislação não define o que seja posição dominante, muito menos o que seja abuso da mesma. Fica a critério da jurisprudência e dos doutrinadores estabelecerem esta lacuna, algo que não deveria acontecer, caberia sim ao legislador descrever o que seja este abuso, para que não haja dúvidas em relação a esta questão.


8. Conclusão


O Estado impõe limites e regula a concorrência através da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 173, §4° e também da Lei n°8.884/94, a chamada Lei Antitruste Brasileira. Os atos que demonstram abuso de poder econômico deverão ser punidos, entre os quais, o abuso de posição dominante.


A posição dominante em si, dependendo da situação, é lícita, e até reconhecida dentro do nosso ordenamento jurídico pátrio, o que seria ilícito é a sua abusividade.


A Lei n° 8.884/94 deixa claro que existe abuso de poder quando certos fatores levam à dominação do mercado, com o objetivo de influenciar e alcançar controle de preços e usar de subterfúgios para este fim.


Por fim, a legislação antitruste brasileira não define o que seja abuso de posição dominante, deixando vaga esta descrição tão importante. O mais perto que se possa chegar reconhecidamente, seria o abuso ao direito, em função de uma empresa causar ou poder causar lesão ao mercado, independentemente de culpa, como explana a própria lei.


 


Notas

[1] Smith, Adam. Uma Investigação sobre a Natureza e Causas da Riqueza das Nações. Trad. Norberto de Paula Lima. Rio de Janeiro: Ediouro, p. 13.

[2] GRAU, Eros. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p.46.

[3] Mello, Celso Antônio Bandeira de. O Estado e a Ordem Econômica. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 62, 1982, p. 34.

[4] Constituição da República Federativa do Brasil. 44ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 135.

[5] Cuéllar, Leila e Moreira, Egon Bockmann. Estudos de Direito Econômico. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, p. 41.

[6] Vade Mecum. 9ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 1540.

[7] Processo administrativo n° 20/91, de 17 de junho de 1992, do CADE (FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga, Introdução ao Direito da Concorrência, Malheiros, 1996, págs. 334-335.

[8] OLIVEIRA, Gesner. Perspectivas da defesa da concorrência no Brasil. Folha de São Paulo: 1997. Disponível em ˂http//www1.folha.uol.com.br/folha/gesneroliveira˃. Acesso em 10/11/2002.


Informações Sobre o Autor

Rogério Dourado Furtado

Advogado em São Paulo. Mestre e doutorando em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC de São Paulo. Especialista em Direito Empresarial pela PUC/SP e Direito Tributário pelo IBET/SP


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