Quase imprescindível para a prática da investigação das organizações criminosas, a ação controlada não foi devidamente regulamentada na nossa legislação, que perdeu ótima oportunidade de fazê-lo, estabelecendo limites e parâmetros de sua aplicação. Resta ao intérprete, com base na sistemática jurídica vigente no País, o trabalho de sua aplicação. Consiste no retardamento e espera do melhor momento para a atuação policial repressiva contra os criminosos integrantes da Organização.
Concede-se à Polícia o direito de aguardar a oportunidade mais eficiente para atuar, seja – prender, surpreender, ou agir de, de qualquer forma, de modo que no momento oportuno – segundo a interpretação dos agentes que participam da operação – a situação seja mais favorável para a obtenção de provas. Pode ser praticada, no que couber, em forma de flagrante esperado (admitido pela jurisprudência), na medida em que a Polícia não só recebe a notícia da prática de um crime para então aguardá-lo, de campana, ou também na observação a distância dos passos de integrantes da organização criminosa, monitorando-os com eventual escuta telefônica e outros expedientes investigatórios, para então agir no momento considerado mais oportuno.
Termo Inicial: Sua operacionalização e escolha do momento da ação deve ficar a cargo do Delegado de Polícia responsável pela equipe, após saber do Promotor de Justiça a necessidade probatória – qualitativa e quantitativamente adequadas para a propositura da ação penal. Haverá situações em que o material probatório colhido poderá consistir em verdadeira prova a ser utilizada também durante o processo. Sempre imprescindível, nos termos da Lei, a autorização judicial, até para que esta não se revele “ação descontrolada”. Será portanto a autorização judicial que determinará o “termo inicial” da sua prática. Em caso de não comunicação prévia acompanhada da autorização, a ação controlada estaria vedada pelo policial e a sua eventual participação/atuação em organização criminosa não terá, até prova em contrário, o possível acobertamento da excludente de antijuridicidade, o estrito cumprimento do dever legal. Assim, com a autorização judicial a excludente torna-se mais visível, ao passo que sem ela a presunção toma sentido contrário, de que o policial tenha atuado criminosamente; a não ser que ele, policial, demonstre o contrário, como por exemplo, a inafastável necessidade de sua atuação de emergência, sem tempo hábil ao devido requerimento judicial. Em vários Países da Europa, exige-se previamente um comunicado da Polícia ao Promotor de Justiça a respeito da sua operação, recebendo a correspondente autorização do Parquet para atuar.
Controle do Crime: Como a Lei silencia a respeito de importantes fatores que certamente envolverão a prática da ação controlada, ao intérprete incumbe a sua análise, a partir dos conceitos do ordenamento jurídico em vigência. A ação controlada funciona, aliás, como referido, de forma imediata pela Polícia e mediata pelo Ministério Público, em muitos outros Países onde esse mecanismo é previsto em Lei. Ada Pellegrini GRINOVER, comentando a legislação italiana anti-máfia esclarece: Nas disposições processuais da Lei, autoriza-se o retardamento, pelo Ministério Público e pela Polícia Judiciária, de medidas cautelares de sua competência, nos casos de extorsão, de “reciclagem” e de emprego de dinheiro, bens e utilidades de procedência ilícita. Essa solução seria a melhor, já que ao Ministério Público deve incumbir o ônus da prova e da acusação nas ações penais públicas, e a atuação de ação controlada destina-se à produção de provas. Além do mais, ideologicamente é o Ministério Público que deve trabalhar ao lado da Polícia, resguardando-se o Poder Judiciário exclusivamente, durante a fase de investigação pré-processual, para a observação dos direitos e garantias individuais das pessoas investigadas, somente quando invocado pelas partes, funcionando como verdadeiro "Juiz de Garantias".
Risco de perda das provas (critério objetivo): Admitida a infiltração do agente, uma vez inserido no âmbito da organização criminosa, será preciso que ele mantenha contato diário com o seu superior hierárquico policial, e este com o Promotor de Justiça do caso. Será preciso avaliar a quantidade e qualidade das informações obtidas para determinar o momento mais oportuno de fazê-la cessar. Trata-se portanto de situação puramente objetiva – probatória, com necessária harmonia de comunicação entre o agente policial infiltrado, o Delegado de Polícia e o Promotor de Justiça. Evidentemente que em determinadas situações isto será impossível, e então o policial decidirá segundo critérios pré-estabelecidos peculiares do caso concreto. Deverá questionar-se: Seguindo a infiltração, haverá risco de perda da prova – ou do material de informação já obtido? Haverá tempo hábil para que essa consulta seja feita ao Ministério Público, ou, ao menos, ao Delegado de Polícia? Não há necessidade de autorização judicial prévia à cessação do controle da ação, mas, decidindo-se pela sua interrupção, esta deverá ser imediatamente comunicada ao Juiz que a autorizou, mediante relatório pormenorizado das evidências obtidas. Isto para que o Juiz detenha o controle da medida obtida mediante o seu deferimento.
A prática de crimes: Inafastável a distinção: Uma coisa é o “controle da atuação” – permitindo-se a prática de crimes como agente passivo ou expectador. Outra coisa é a atuação do policial infiltrado com prática de crimes, caracterizando-se pela atuação de comissão. Enquanto a primeira retrata a “omissão” – controlada, esta significa a “comissão”. Objetivamente, a ação controlada, já pela sua própria peculiaridade, não pode ser considerada criminosa, pois a sua previsão legal afasta desde logo a antijuridicidade. Não há portanto que se falar em eventual crime de prevaricação, por exemplo, dos policiais que, inseridos no âmbito da organização criminosa, aguardam, observam e monitoram a atuação dos criminosos para agir na melhor oportunidade. Mas, e a eventual execução de crimes, os quais, em razão de determinadas circunstâncias peculiares de cada caso, possam ou devam ser praticados pelos policiais, por segurança pessoal do agente ou por garantia do material probatório coletado?
Informações Sobre o Autor
Marcelo Batlouni Mendroni
Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia