Ação controlada na investigação criminal: entre a normatividade e a factibilidade

De acordo com o artigo 301, CPP, a prisão em flagrante pela Autoridade Policial ou seus agentes é obrigatória, configurando infração administrativa e ilícito penal (prevaricação) a sua não realização quando possível. Ocorre que há casos em que a atuação da Autoridade ou seus agentes, prendendo em flagrante em certas circunstâncias especiais pode levar a um prejuízo na melhor apuração das condutas criminosas envolvidas, conduzindo à prisão de pessoas de menor importância num grupo criminoso e deixando livres indivíduos de maior relevância. Também pode prejudicar a devida recuperação de produtos, apreensão de objetos, documentos, instrumentos ou substâncias ou mesmo a liberação de reféns, conforme o caso.


Com vistas a esta realidade fática o legislador erigiu o chamado “flagrante prorrogado, postergado, diferido, protelado, adiado ou retardado ou ação controlada”, que nada mais é do que a autorização legal para que as Autoridades Policiais e seus agentes possam protelar uma prisão com o fim de uma melhor apuração criminal.


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A figura do flagrante protelado é prevista em dois diplomas legais: a Lei de combate ao Crime Organizado (Lei 9.034/95) em seu artigo 2º., II e a Lei de Drogas (Lei 11.343/06) em seu artigo 53, II.  [1]


A doutrina tem apontado que essa prática policial somente é viável no tráfico de drogas e nas organizações criminosas, inclusive, mesmo no tráfico, em havendo situação que permita concluir pela existência de uma organização criminosa. [2]


Não obstante os judiciosos entendimentos neste sentido, considera-se que quando a Autoridade Policial ou seus agentes, em qualquer caso, independentemente de previsão legal, vislumbrar situação de fato que aconselhe o retraimento inicial em relação a uma abordagem para depois atuar com maior eficácia, deve assim agir, sob pena de atuar de forma pouco inteligente e hábil em seus misteres. Um exemplo pode aclarar:


Considere-se que um indivíduo esteja sendo vigiado por suspeita da prática de cárcere privado em relação a uma determinada pessoa. Em meio à vigilância, estando ele na via pública, percebe-se que está portando um revólver na cintura, possivelmente infringindo o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03, artigo 14 ou 16). Entretanto, não se sabe onde está a pessoa encarcerada, sendo necessária a localização para sua liberação, a qual possivelmente será prejudicada pela detenção do agente. Deveria a Autoridade Policial agir como um autômato teleguiado pelo artigo 301, CPP e pela Lei 10.826/03 e, numa atitude de estultice, prender o suspeito em flagrante por porte ilegal de arma, deixando a vítima sob o risco de jamais ser localizada no cativeiro, podendo até perecer naquele local, agora abandonada até mesmo por seu algoz, que, utilizando de seu direito constitucional ao silêncio, simplesmente pode nada informar às autoridades? Não se tratando de tráfico de drogas ou de organização criminosa, estaria a Autoridade Policial obrigada a agir como incompetente? Isso certamente seria o mesmo que tornar a expressão “inteligência policial” contraditória!!! Haveria uma lei obrigando os policiais a serem incompetentes e tolos!


 O correto seria continuar o monitoramento e somente prender o suspeito em momento oportuno, por exemplo, quando ele se dirigisse para uma residência ou local suspeito de ser o cativeiro, possibilitando a apuração de ambos os crimes (porte ilegal de arma e cárcere privado), bem como, principalmente, liberando a vítima.


Mas, o que fazer com a infração administrativa que determina o cumprimento das normas legais e regulamentares e o crime de prevaricação? Obviamente que tais infrações não se perfazem em casos como este. Não há qualquer atuação dolosa e nem mesmo culposa atribuível à Autoridade que age com competência em sua função, procurando, ao reverso, cumprir as normas legais e regulamentares em seu máximo alcance. Também, muito menos, há prevaricação, pois a inação momentânea não se dá para satisfação de qualquer interesse ou sentimento pessoal, mas com vistas ao interesse público e à preservação máxima possível dos bens jurídicos em jogo (inteligência do artigo 319, CP).


Assim sendo as previsões da Lei 9.034/95 e da Lei 11.343/06 não são taxativas, inobstante as respeitáveis opiniões em contrário. O necessário é uma avaliação do caso concreto em que se possa detectar justa causa para o protelamento da Prisão em Flagrante com vistas à maior eficácia da atividade repressivo – investigatória.


Neste sentido manifesta-se Silva na doutrina especializada:


“Em que pese o tratamento legal específico para apuração do crime organizado, o emprego da ação controlada visando apurar a prática de conduta que não tenha relação com a criminalidade organizada pode ser resolvido no campo do direito material. Assim é que o agente policial que retarda sua intervenção para aguardar o momento mais adequado para cumprir com seu dever funcional de interromper o crime em curso não age com o dolo específico de ‘satisfação de interesse ou sentimento pessoal’ exigido pelo legislador penal, mas com a finalidade de aguardar o melhor momento para surpreender o autor do delito. E, assim, não pratica crime de prevaricação, por ausência do elemento subjetivo do tipo”. [3]


Outro aspecto que se julga importante sobre a chamada “ação controlada” na dicção do artigo 2º., II, da Lei 9034/95 é que naquele diploma não é feita a exigência de prévia ordem judicial para a adoção desse procedimento pela Autoridade Policial. [4] Isso é visível pela falta de menção no dispositivo e pelo fato de que, por exemplo, nos incisos IV e V a lei faz menção expressa à necessidade dessa autorização prévia, demonstrando que não o exige no inciso II. É claro que também não o diz no inciso III, embora nele seja induvidosa a necessidade de ordem judicial para o acesso de dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais. Mas, nesse caso o legislador não precisava mesmo mencionar porque tais quebras de sigilo são reguladas por leis especiais que já exigem a ordem judicial. O inciso IV exige a menção expressa sobre ordem judicial porque a captação ambiental de sinais, sons e imagens não é regulada por outra legislação, nem mesmo na Lei de Interceptações Telefônicas (Lei 9.296/96). Assim também ocorre com a infiltração de agentes, somente prevista na época na própria Lei de combate ao Crime Organizado e hoje prevista também na Lei de Drogas (artigo 53, inciso I, também com exigência de ordem judicial prévia).


A “ação controlada” não era também prevista em outra legislação que exigisse ordem judicial para sua adoção, de modo que ao regulá-la sem essa exigência o legislador dispensou tal ordem.  Acontece que posteriormente o mesmo instituto é previsto na Lei de Drogas (Lei 11.343/06, artigo 53, II), onde se determina que haja necessidade de ordem judicial e inclusive prévia oitiva do Ministério Público.


Nessa situação três interpretações podem surgir:


-A Lei 11.343/06 (posterior) teria derrogado a Lei 9034/95 (anterior) [5], passando a haver necessidade de ordem judicial para a ação controlada em qualquer caso, envolvendo drogas ou não;


-Cada diploma legal teria sua aplicação separada, não havendo necessidade de ordem judicial prévia para a apuração de crime organizado, mediante ação controlada dos órgãos policiais, desde que não se verse sobre tráfico de drogas, quando, devido à especialidade, a ordem judicial e oitiva prévia do Ministério Público são impostas por lei. [6]


-Nos casos de crime organizado (Lei 9.034/95) não é necessária ordem judicial prévia, mesmo em se tratando de tráfico de drogas. Apenas será necessária ordem judicial prévia para apurações referentes a tráfico de drogas que não envolvam organização criminosa. [7]


Entende-se que o terceiro posicionamento é o mais correto, mas não é compreensível a razão de tratamento tão desigual. Também não é inteligível a motivação do legislador em condicionar a ação controlada ou o flagrante diferido no caso de drogas à prévia ordem judicial e oitiva ministerial. Isso, de acordo com a experiência, torna essa atividade praticamente inviável. Em primeiro lugar, arrasta o Juiz para uma atuação tipicamente investigatória, o que não é recomendável no sistema acusatório. Além disso, a decisão sobre um retardamento na ação policial é tomada em campo, no momento de ação e deve ser imediata. Não se vislumbra possibilidade prática de que a Autoridade Policial possa representar formalmente e por escrito ao Juiz, aguardando a manifestação ministerial e uma ordem posterior. A formalidade, nesse caso, imiscui-se onde não é chamada, onde é mesmo impraticável. Imagine-se que uma Autoridade Policial depare com um caminhão carregado de cocaína durante investigações e tenha condições de interceptá-lo de imediato, isso em torno das 03 h da manhã. No entanto, sabe que tal caminhão se dirige a um depósito muito maior de drogas e onde estariam homiziados os principais agentes do grupo criminoso. Deveria a Autoridade se contentar em prender imediatamente o mero motorista? Ou então, teria que retornar à Delegacia para elaborar uma representação e protocolar no Fórum, aguardando novas orientações do Judiciário e Ministério Público? Ora, é isso que a lei manda fazer!!! Sinceramente trata-se de algo totalmente apartado da realidade, uma conformação legal produzida claramente por pessoas que não têm qualquer vivência do cotidiano criminal. [8] A ação controlada deveria ser algo muito informal, como o é toda atividade investigatória pré – processual, sob pena de tornar-se impraticável. Deve caber a decisão sobre o protelar do flagrante ou a ação controlada, somente à Autoridade Policial, devendo tudo ser narrado com pormenores nos autos de investigação e posteriormente sim avaliada jurisdicionalmente a correção ou não desse procedimento. Mas, ao menos no caso das drogas, há exigência legal de ordem judicial prévia e de anterior manifestação do Ministério Público. Pensa-se que nesses casos a Autoridade Policial deve agir com base no Direito Material, ciente de que não prevarica nem descumpre deveres funcionais, de modo que sua atuação é lícita e, consequentemente lícitas a provas obtidas, pois que a formalidade torna-se estéril e impraticável, razão pela qual inexigível. Além disso, envolvendo o caso organização criminosa, ainda que referente ao tráfico de drogas, pode-se aplicar os dispositivos especiais da Lei 9.034/95 que dispensam a ordem judicial prévia, conforme entendimento do STJ.


Por derradeiro é importante lembrar que também a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98), prevê uma espécie de “ação controlada” no seu artigo 4º., § 4º., que assim dispõe:


“A ordem de prisão de pessoas ou da apreensão ou sequestro de bens, direitos ou valores, poderá ser suspensa pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata possa comprometer as investigações”.


Certamente, como vislumbra Mendonça [9], esse dispositivo pode abranger mais uma modalidade de “flagrante retardado”. No entanto, é preciso notar que o instituto ali desenvolvido é muito mais abrangente, referindo-se também a prisões por ordem judicial (v.g. temporárias ou preventivas) e a outras cautelares reais, tais como apreensões e sequestros de bens, direitos e valores. Por isso a deliberação neste texto de tratamento apartado dessa espécie de “ação controlada”.


A Lei 9613/98 também prevê necessidade de prévia ordem judicial e oitiva do Ministério Público para a realização dessas espécies de ações controladas. Não se discute a oportunidade e conveniência da ordem judicial como pré – requisito nos casos de prisões derivadas de mandados de prisão judiciais, bem como ordens judiciais de apreensão ou sequestro. Ora, sem uma prévia determinação judicial não caberia a qualquer Autoridade postergar, seja por que motivo for uma determinação oriunda do Judiciário. Por isso imprescindível realmente a ordem prévia para tanto. No que tange à Prisão em Flagrante, que parece de menor incidência nos casos de Lavagem de Dinheiro, valem os comentários anteriormente despendidos, com fulcro na Lei de combate ao Crime Organizado e no Direito Material, a afastarem, em certos casos a necessidade de ordem judicial prévia. Também releva destacar que essa ação controlada prevista na Lei 9.613/98 é passível de utilização em quaisquer casos de lavagem de dinheiro e não somente naqueles que envolvam organizações criminosas, pois que se trata de uma estratégia por demais útil nessa espécie de investigação, permitindo uma atuação mais adequada e no momento mais propício. Conforme bem destacam Márcia Monassi Mougenot Bonfim e Edílson Mougenot Bonfim em obra especializada:


“A detenção de um ‘operário’ ou ‘avião’ de uma organização criminosa, por exemplo, pode causar mais prejuízos do que benefícios à investigação. Melhor retardar a diligência e agir em momento mais oportuno, depois de identificar os demais envolvidos ou após apurar a origem delitiva de outros bens ou valores”. [10]


Percebe-se que a ação controlada é um instrumento altamente útil na investigação referente à denominada “macrocriminalidade”, embora seu tratamento legal deixe um pouco a desejar, sendo necessário seu complemento por aplicação cuidadosa da razoabilidade e do bom senso, para além dos regramentos formais (processuais) da matéria. É preciso atentar para a instrumentalidade das formas e, especialmente, para o Direito Material envolvido, que afasta infrações administrativas e/ou penais quando a Autoridade Policial atua com o fito de buscar a melhor apuração possível dos fatos, agindo de forma inteligente e emprestando o maior grau de proteção possível aos bens jurídicos em jogo, bem como dando o máximo de eficácia às normas legais envolvidas.


A personagem Sabina criada por Kundera em seu romance é uma pintora que produz quadros onde predomina em um plano frontal um estilo realista, mas deixando sempre ao fundo alguma imagem misteriosa ou abstrata. Nas palavras da personagem: “Na frente estava a mentira inteligível, e atrás a incompreensível verdade”. [11]


Por vezes também o legislador age como Sabina: apresenta-nos a lei concreta, palpável, ideal e clara, coloca-a à nossa frente,  deixando bem ao fundo em pinceladas tênues, quase imperceptíveis a realidade do mundo da vida, a qual precisamos perscrutar com sensibilidade para além da mera exegese confortável e fácil, desvelando uma verdade que nesse nível primário (pura exegese) seria inalcançável, incompreensível mesmo. Mas, sem acesso à qual jamais se poderia distinguir entre normatividade e factibilidade.


 


Referências:

BONFIM, Edílson Mougenot. Reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2011.

BONFIM, Márcia Monassi Mougenot, BONFIM, Edílson Mougenot. Lavagem de Dinheiro. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

ESPÍNOLA, Eduardo, ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Volume 1. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

GOMES, Luiz Flávio (coord.). Nova Lei de Drogas comentada. São Paulo: RT, 2006.

KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. Trad. Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

MARCÃO, Renato. Prisões Cautelares, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Restritivas. São Paulo: Saraiva, 2011.

MENDONÇA, Andrey Borges de. Prisão e outras medidas cautelares pessoais. Rio de Janeiro: Forense, 2011.  

MUCCIO, Hidejalma. Curso de Processo Penal. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

SILVA, Eduardo Araújo. Crime Organizado. São Paulo: Atlas, 2003.


Notas:


[1] Esse tem sido o entendimento em geral. Discorda do pensamento predominante Marcão, afirmando que a hipótese da Lei 11.343/06 não trataria de flagrante protelado, mas de ação controlada diversa daquela prevista na Lei 9.034/95, esta sim criadora do flagrante postergado. Cf. MARCÃO, Renato. Prisões Cautelares, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Restritivas. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 82 – 83. Entende-se que o pensamento predominante está com a razão no caso específico, pois que não se enxerga diferença de natureza entre os dispositivos correlatos da Lei de Drogas e da Lei de Combate ao Crime Organizado. No sentido predominante: BONFIM, Edílson Mougenot. Reforma do Código de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 70. MENDONÇA, Andrey Borges de. Prisão e outras medidas cautelares pessoais. Rio de Janeiro: Forense, 2011., p. 168. 

[2] Neste sentido Muccio, trazendo ainda as lições de Fernando Capez e Luiz Flávio Gomes. MUCCIO, Hidejalma. Curso de Processo Penal. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011., p. 1.131 – 1132. Ver também no mesmo sentido: MARCÃO, Renato. Op. Cit. , p. 82.

[3] SILVA, Eduardo Araújo. Crime Organizado. São Paulo: Atlas, 2003, p. 93 – 94.

[4] Cf. SILVA, Eduardo Araújo. Op. Cit., p. 94. Também assim se posiciona Mendonça: MENDONÇA, Andrey Borges de. Op. Cit., p. 168. O autor arrola inclusive “decisum” do STJ a respeito: “Organização criminosa. Ação policial controlada. Artigo 2º., inciso II, da Lei  9.034/95. Prévia autorização judicial. Ausência de previsão legal. Constrangimento ilegal não evidenciado. Ordem denegada. 1. Da mesma forma, à míngua de previsão legal, não há como reputar nulo o procedimento investigatório levado a cabo na hipótese em apreço, tendo em vista que o artigo 2º., inciso II, da Lei 9.034/95 não exige prévia autorização judicial para a realização  da chamada ‘ação policial controlada’, a qual in casu, culminou na apreensão de cerca de  450 kg  (quatrocentos e cinquenta quilos) de cocaína. 2. Ademais, não há falar-se na possibilidade dos agentes policiais virem a incidir na prática do crime de prevaricação, pois o ordenamento jurídico não pode proibir aquilo que ordena e incentiva. 3. Ordem denegada. (HC 119.205/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª. Turma, julgado em 29.09.2009, DJe de 16.11.2009)”.  Observe-se que o julgado do STJ permite a ação controlada independentemente de ordem judicial, mesmo em caso de tráfico de drogas, desde que envolvendo organização criminosa. 

[5] Seria caso de revogação tácita em que a lei posterior é incompatível com a lei anterior, o que não parece razoável, já que cada diploma pode ter sua área de aplicação própria. Conforme lecionam Espínola e Espínola Filho, a revogação da lei anterior pela posterior somente se dá por incompatibilidade “absoluta”, de modo que as duas normas não possam conviver harmonicamente no mesmo ordenamento jurídico. Sendo “duvidosa a incompatibilidade”, impõe-se uma interpretação capaz de conjugar ambas as normas, fazendo “desaparecer a antinomia”. Ademais, alertam os autores que, conforme escólio de Stolfi “nem sempre a lei especial derroga a geral, podendo perfeitamente acontecer que introduza, a lei especial, uma exceção ao princípio geral, que deve coexistir ao lado deste”. Pode-se dizer que “a lei especial só revoga a geral, quando a ela se referir, ou ao seu assunto, e exclusivamente no ponto em que a altera ou a exclui explicitamente ou implicitamente, o que, aliás, é o caso mais freqüente”. ESPÍNOLA, Eduardo, ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Volume 1. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 63 – 70. Observe-se que atualmente a antiga “Lei de Introdução ao Código Civil” passou a denominar-se “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”, por força da Lei 12.376/10. Anote-se ainda que no caso enfocado a lei posterior, ainda que considerada especial não toca no tema de revogação da Lei 9.034/95 e pode perfeitamente coexistir com esta, aplicando-se tão somente aos casos de tráfico de drogas, inclusive somente àqueles que não envolvam organização criminosa. Não há, em suma, incompatibilidade absoluta entre as normas em referência.

[6] SILVA, Eduardo Araújo da.  Op. Cit., p. 94.

[7] Vide teor da decisão do STJ em nota de rodapé anterior, referente ao HC 119.205/MS.

[8] Inobstante isso, a adoção da ordem judicial e oitiva prévia do Ministério Público têm sido aplaudidas como inovações corretas da Lei 11.343/06 em relação à Lei 9034/95. Ver por todos: GOMES, Luiz Flávio (coord.). Nova Lei de Drogas comentada. São Paulo: RT, 2006, p. 230.  Entende-se que falta, nesse passo, uma maior reflexão prática sobre o tema. Além disso, há a menção à legislação estrangeira como um dos argumentos favoráveis à prévia ordem judicial ou mesmo ministerial, olvidando-se as diferenças enormes entre a organização judicial, ministerial e policial brasileira e a de outros países em que, por exemplo, Ministério Público e Polícia ou o Juízo de Instrução e a Polícia atuam praticamente em conjunto harmônico, constituindo quase que uma mesma instituição. Isso nada tem a ver com a realidade brasileira!

[9] MENDONÇA, Andrey Borges de. Op. Cit., p. 168.

[10] Lavagem de Dinheiro. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 78.

[11] KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. Trad. Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 65.


Informações Sobre o Autor

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Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado com especialização em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal Especial e Criminologia na graduação e na pós – graduação da Unisal e Membro do Grupo de pesquisa em bioética e biodireito do programa de mestrado da Unisal.


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