Resumo: O Estado
impõe sua auto-limitação na prestação jurisdicional, determinando aos
particulares a competência para a iniciativa da ação penal privada, a qual
analisaremos a sua importância na sociedade, demonstrando as suas
peculiaridades, embora seja concebida por parte da doutrina como um retorno da
vingança privada.
Sumário: Introdução;
1. A
vingança privada e o jus puniendi do
Estado; 2. Peculiaridades da ação penal privada; 3. Ação penal privada: o
retorno da vingança privada?; 4.
A importância da ação penal privada na sociedade; 5.
Motivos e conseqüências da ação penal privada subsidiária; Conclusão; Notas;
Bibliografia.
Introdução
Entre as manifestações da soberania do Estado há o jus puniendi, o direito estatal de impor
a sanctio juris a quem infringir as
normas penais.
Todavia, em determinados casos, em virtude de bens ou interesses
tutelados pelos dispositivos penais, de cuja natureza referem-se
predominantemente particular, não cabe ao ente estatal a iniciativa da busca da
prestação jurisdicional.
Nestes casos, é indispensável a participação da vítima ou de seu
representante legal para a imposição das medidas punitivas ao agente delituoso.
A legitimidade da submissão supra-mencionada da prestação
jurisdicional do Estado é contestada por alguns doutrinadores, de modo que há
ordenamentos jurídicos em que não estabelecem esta modalidade de ação penal.
1. A vingança privada e o jus
puniendi do Estado
Nos períodos remotos da humanidade,
na ocorrência de alguma conduta considerada delituosa, não havia Estado para
impor uma determinada punição ao infrator.
A vítima era quem deveria punir o
agente delituoso, tendo em vista que nesta época aquele era considerado
legítimo a agir e, se preciso, inclusive com o amparo da sua família e até do
seu grupo.
Entre as penas impostas, haviam o
banimento, caso o agressor fosse membro da mesma tribo, e se fossem membros de
grupos distintos, poderiam resultar em um conflito entre suas tribos.
Em conseqüência da evolução social, o
Estado surge para regulamentar as condutas
dos cidadãos, estabelecendo os seus deveres, além dos seus direitos.
Caso o indivíduo venha a desobedecer
as normas estatais, estará sujeito à coação do Estado, em face da lesão ao
direito de outrem. Não cabe mais ao ofendido punir o agressor, e sim ao Estado.
Portanto, quando a conservação da ordem jurídica encontra-se ameaçada, este irá
intervir na vida individual, mediante diversos meios.
Em face da ineficácia dos outros
mecanismos, como a sanção civil e a administrativa, o Estado utilizará o jus puniendi, o direito de punir os
infratores, considerado uma das expressões da soberania. O jus liberatis perante a vida individual deixa de ser inabalável,
mediante a ação estatal em impor ao transgressor uma pena em face da sua
conduta inadequada.
Entretanto, a imposição penal não é a
solução para todas as transgressões. Em determinadas situações a tutela extrapenal alcança maior
eficiência que os dispositivos penais.
Diante das condutas indesejadas
socialmente, encontram-se as que, por violarem os bens ou interesses
devidamente tutelados pelo Estado em face da sua relevância, são gravemente
punidas, mediante as infrações penais.
No momento em que alguém pratica
alguma conduta tipificada como delituosa, o jus
puniendi perde o seu aspecto abstrato para tornar-se concreto, através da
pretensão punitiva.
Todavia, o que torna o Estado
legítimo para a aplicação da sanção penal?
O Estado surgiu para suprir as
necessidades advindas do convívio social. Diante de condutas que venham a
ameaçar a ordem pública, os bens ou interesses devidamente tutelados pelo
Estado, a este compete o direito de prevenir, e se preciso, reprimir tais atos
indesejados.
A partir do momento em que o direito
subjetivo do Estado de aplicar a sanctio
juris for resistido pelo jus
libertatis do hipotético autor do delito, surge a lide penal.
Para solucionar o conflito de
interesses, ou seja, compor o litígio, o Estado utiliza a sua função
jurisdicional mediante o processo. Todavia, a atuação estatal não é através de
sentimento vingativo, como ocorre na vingança privada. Há uma submissão aos
preceitos legais da mesma resultando, sem dúvida, em uma conquista democrática.
A auto-limitação do poder punitivo, justifica-se pelo repúdio do emprego de
força, ou seja, a mesma fundamentação que impede o ofendido de utilizar os seus
próprios meios para reprimir o infrator.
Embora o Estado seja o titular do
direito de punir, há determinadas condutas ilícitas em que o início da ação
penal fica totalmente a disposição do ofendido. Trata-se da ação penal privada,
um tema criticado em face da limitação do poder estatal de punir, privilegiando
a vontade do particular em detrimento da deliberação do próprio Estado.
2.
Peculiaridades da ação penal privada
Visando uma maior compreensão sobre o
referido tema, se torna necessário um breve estudo sobre a particularidade
desta ação penal, como o exercício do direito de queixa e a fundamentação dos
seus princípios norteadores.
Tendo em vista que os bens e
interesses tutelados pela ação penal privada são predominantemente de natureza
individual, a prestação jurisdicional encontra-se limitada pela participação do
particular. Todavia, o direito de queixa será exercido somente pelo ofendido?
Segundo o art. 30 do Código de
Processo Penal, como também o § 2º do art. 100 do Código Penal, a ação penal
privada será promovida pelo ofendido ou por quem tenha qualidade para
representá-lo.
Vale salientar também a importância do acesso à
justiça a quem não possui condições financeiras de arcar com honorários
advocatícios sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento e a
sua família, pois o juiz nomeará advogado para promover a ação penal privada,
em caso de requerimento da parte que comprovar a sua pobreza, como consta o
caput do art. 32, dispositivo relevante em face da insuficiência da Defensoria
Pública no atendimento à população carente.
O Código de Processo Penal estipulou
alguns requisitos sobre a legitimidade da competência do exercício do direito
de queixa.
O ofendido maior de 18 anos e menor
de 21 anos pode promover a referida ação, como também o seu representante
legal, conforme o art. 34 do supra-mencionado código. Visando a uma maior
repressão às condutas delituosas, o legislador, sabiamente, autoriza a qualquer
um deles a ajuizar com a ação penal privada, mesmo ocorrendo a oposição do
outro.
O menor de 18 anos, ou mentalmente
enfermo, ou retardado mental, todavia, não são capazes de promover a ação, de
modo que o seu referido direito poderá ser exercido pelo seu representante
legal. Caso não o tenha, ou se ocorrer divergências de interesses, o juiz
nomeará um curador especial, que lhe competirá a necessidade ou não de
ingressar com a queixa, conforme o art. 33 do código em questão.
Na morte do ofendido ou na sua
declaração de ausência judicial, conforme o art. 31 do diploma processual
penal, o direito de queixa será transferido ao cônjuge, ascendente, descendente
ou irmão.
Caso
compareça mais de uma pessoa com direito de queixa, a ordem de preferência
inicia-se com o cônjuge, e posteriormente ao parente mais próximo na ordem
determinada no art. 31. Entretanto, se o querelante desistir da instância ou
abandonar, qualquer pessoa na ordem de preferência poderá prosseguir na ação,
segundo determina o art. 36 do referido código processual.
Segundo o seu art. 35, a mulher casada somente
exercerá o direito de queixa com o consentimento do marido, a não ser que
esteja separada dele e que a ação em questão tenha como agressor o seu cônjuge.
E no caso deste recusar, o juiz poderá suprir o seu consentimento.
Entretanto, diante dos direitos
igualitários estipulados na Constituição Federal de 1988, tal dispositivo não
foi recepcionado pela norma constitucional.
O direito de queixa pode ser exercido
também por pessoas jurídicas, conforme o art. 37 do diploma em questão, sendo,
todavia, representados por quem os respectivos contratos ou estatutos
designarem ou, na omissão destes dispositivos, pelos seus diretores ou
sócios-gerentes.
Diante das
restrições impostas para o Estado exercer o jus puniendi, o oferecimento
da queixa possui prazo decadencial de 6 meses, a contar da data em que tiver
ciência da autoria do delito, ou em caso de ação penal privada subsidiária, do
dia em que se esgotar o prazo para oferecimento de denúncia, conforme dispõe
art. 38 do CPP.
Ademais, o representante do Ministério
Público possui o prazo de 3 dias para aditar a queixa, a partir da data em que
receber os autos. Caso não se pronuncie, será dado prosseguimento ao feito,
como consta no §2º do art. 46 do código em questão.
É notório que a procedência de uma queixa
depende da observância dos dispositivos referentes ao exercício do jus
puniendi. Portanto, será rejeitada, assim como em caso de denúncia, segundo
determina o art. 43 do CPP, quando o fato narrado evidentemente não constituir
crime; em caso de extinção de punibilidade e, por fim, de manifesta
ilegitimidade da parte ou falta de condição exigida legalmente para o exercício
da ação penal, salientando ainda, no último caso mencionado, a possibilidade de
impetrar novamente desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a
condição.
Segundo o
art. 44, a
queixa poderá ser impetrada por procurador com poderes especiais, desde que
constem no instrumento procuratório o nome do querelado e a menção ao fato
criminoso, salvo quando depender de diligências que devem ser previamente
requeridas judicialmente.
Da mesma forma que compete ao
ofendido o direito de promover a ação penal privada, aquele também poderá
renunciar este direito. Tal ocorrência encontra-se devidamente protegida pelos
princípios da conveniência e o da disponibilidade que regem esta modalidade de
ação penal. Por diversos motivos, pode o ofendido não desejar a prestação
jurisdicional, de modo que é perfeitamente aceitável a sua renúncia, seja de
forma expressa ou tácita.
Entretanto, vale salientar que a
renúncia do seu direito de buscar a proteção jurídica deve abranger todos os
infratores. É o que consta no art. 49 do diploma processual penal.
Outro método de extinção é o perdão
do ofendido, em que poderá ocorrer após iniciado a ação penal privada
exclusiva, desde que a sentença condenatória não tenha transitado em julgado. Caso a
vítima promova a queixa e posteriormente venha a se arrepender, seria
inconveniente a continuação do processo penal, tendo em vista que a ausência do
litígio.
Assim como a renúncia, o perdão
abrange todos os infratores. Entretanto, conforme o art. 58 do supra-mencionado
diploma, para que este ocorra é necessário que o agente infrator o aceite, de
modo que o seu silêncio resulta na aceitação tácita.
Além disto, o ofendido poderá
abandonar a causa, segundo o art. 60, inciso I e III, do código em
questão.
Diante do exposto acima, nota-se
algumas distinções entre a ação penal privada e a pública. Basicamente, a
principal diferença refere-se a sua
legitimidade. Desta forma, se for pública, o representante do Ministério
Público deverá atuar, enquanto que, se for privada, caberá ao ofendido ou quem
legalmente o represente o direito de promovê-la ou não.
Esta distinção ocorre em virtude dos
princípios que regem estas ações. Na ação penal privada, há o princípio da
disponibilidade e o da oportunidade ou conveniência, competindo
facultativamente ao particular invocar a prestação jurisdicional. E, mesmo que
a promova, poderá tanto perdoar o agressor como também abandonar a lide. Por
sua vez, na pública isto não ocorre. O órgão do Parquet deverá promovê-la, não cabendo em hipótese alguma, dispor a
referida ação, em conformidade com o princípio da indisponibilidade.
A ação penal privada também é regida
pelo princípio da indivisibilidade, se tratando da impossibilidade da queixa
referir-se a apenas um ou alguns infratores, quando o delito for cometido por
mais agentes. Mesmo assim, caso o ofendido não cumpra o referido princípio, o
representante do Ministério Público, segundo o art. 48 do diploma processual
penal, interferirá, aditando a queixa.
Há divergências sobre a conseqüência
e amplitude do mencionado princípio. Alguns doutrinadores afirmam que a ação
penal pública também é regida por este preceito geral. Todavia, há o entendimento
contrário, como o seguinte posicionamento jurisprudencial:
“Não
há que se falar em nulidade pelo fato de não ter sido incluído na denúncia
outro agressor da vítima, vez que o princípio da indivisibilidade se aplica às
ações penais de iniciativa privada”.
1
Na ação penal pública, caso o
Promotor de Justiça deixe de denunciar todos os infratores, a denúncia poderá
ser aditada posteriormente, após a apuração dos fatos.
Por fim, há também o princípio da
intranscedência, cuja amplitude abrange tanto a ação penal privada como também
a pública. Trata-se pela limitação da ação em penalizar apenas o infrator.
3.
Ação penal privada: o retorno da vingança privada?
A função punitiva estatal deve ser
exercida visando a regeneração do autor do delito, como também a proteção
social.
Temendo uma depreciação da finalidade
da aplicação do jus puniendi,
diversos doutrinadores repudiam a ação penal privada.
Vários ordenamentos jurídicos
consideram a referida intervenção do particular no processo penal como uma regressão
à vingança privada.
Além do direito francês e o mexicano,
o sistema italiano também não reconhece tal instituto, embora seja admitida em
alguns delitos que a ação penal seja, de certa forma, subordinada ao ofendido,
podendo inclusive, este extinguir o processo mediante o perdão.
Seguindo o entendimento dos
doutrinadores que rejeitam a ação penal privada, o Direito Penal, por possuir
natureza pública, e de evidente e notório interesse social, não deve se
submeter à vontade do particular. Esta, que foi bastante empregada
anteriormente, desempenhada por meios vingativos, sem o menor interesse na
reeducação do infrator, deve ser totalmente irrelevante.
É inconcebível que, após toda a
evolução socio-jurídica, o Estado venha a permitir o retorno da vingança privada,
sob a dissimulação de uma ação penal.
O Direito Penal é um dos ramos
jurídicos de direito público, de extrema importância social. O seu exercício
deve ocorrer somente nos casos em que os demais meios de coação mais brandas,
como as civis e administrativas, são ineficazes. Portanto, a intervenção mínima
do direito penal comprova sua importância na sociedade, de modo que deve ser
repelida qualquer submissão do poder estatal em favor de interesse particular.
Prosseguindo este posicionamento, a
ação penal privada é inviável, tendo em vista a limitação resultante do jus puniendi, expressão da soberania
estatal.
Ocorre que tais pensamentos estão
incoerentes. Em determinadas condutas ilícitas, em face das suas
características, não cabe ao Estado a busca pela punição ao infrator, e sim ao
particular.
Tal fato não se trata de uma
regressão do convívio social, que consagra ao Estado o jus puniendi. Resulta pelas circunstâncias peculiares de
determinados bens e interesses tutelados, que ocasionariam conseqüências
desagradáveis aos seus titulares na publicidade dos fatos.
Desta forma, em face da predominância
do interesse particular sobre o social, o Estado permite ao cidadão o direito
de invocar a prestação jurisdicional.
A ação penal, em momento algum,
deixará de ser pública, tendo em vista que somente a iniciativa será
particular, como ensina o prof. MARCOS DE HOLANDA:
“Antes
de mais nada, devemos esclarecer que, de espírito, toda ação é pública, pois
sob o encargo do Estado. A iniciativa da ação aqui ora estudada é que é privada. Não
é o particular quem irá fazê-la. Pelo contrário, ele pede ao Estado-juiz sua
procedência”.2
É totalmente inadequada a comparação
da vingança privada com a ação penal privada. Naquela, a própria vítima, e em
alguns casos, com o auxílio da sua tribo, irá executar a pena que lhe convier.
Nesta, o particular requer do Estado-juiz a prestação jurisdicional, de
conformidade com os dispositivos legais. Na vingança privada.
Além disto, o representante do
Ministério Público acompanhará a lide, embora a sua participação limite-se a sua função
de fiscal da lei, visando o
interesse estatal em
solucionar os litígios apresentados em juízo. Segundo o art. 45 do Código de Processo
Penal, o representante do Parquet, aditará a queixa e, se preciso,
irá intervir no processo.
4. A
importância da ação penal privada na sociedade
Como vimos, a ação penal privada
refere-se a condutas ilícitas que afetam predominantemente interesses
individuais, de modo que cabe ao ofendido ou seu representante legal iniciar o
processo penal, em busca da prestação jurisdicional.
Nesta modalidade de ação penal, o
direito de punir permanece ao Estado. O ofendido possui apenas a concessão do
direito de promover a inicial que irá desencadear a prestação jurisdicional, que
no caso, chama-se queixa crime ou simplesmente queixa.
Tendo em vista que as partes da lide
são os diretamente interessados, é evidente a necessidade da participação do
ofendido ou de seu representante legal nas ações referentes a delitos
caracterizados pela predominância dos danos oriundos de natureza particular.
Isto não significa que tais delitos
sejam irrelevantes ao Estado, abandonando o seu direito de buscar o jus puniendi.
Ocorre que tais condutas delituosas
resultam em um escasso dano a sociedade comparado-se aos danos ao indivíduo.
Além disto, a publicidade dos delitos como ocorreria nas ações penais públicas,
sem o consentimento da vítima, resultaria certamente em um constrangimento,
tais até em alguns casos, de maior intensidade do que a própria conduta
delituosa.
Caso o jus puniendi do Estado em relação a estes delitos dependessem
somente da atuação do representante do Ministério Público, assim como ocorre
nas ações penais públicas, certamente iria resultar em uma intensa redução no
exercício da prestação jurisdicional do Direito Penal. Ora, estes delitos são
praticados geralmente de forma obscura, além de violar predominantemente bens e
interesses individuais, como o adultério e estupro.
Torna-se necessária uma análise sobre
os delitos estipulados pelo nosso ordenamento jurídico cujo jus persequendi in judicio compete ao
indivíduo, para analisarmos a legitimidade da participação do particular na
prestação jurisdicional.
Segundo o Código Penal Brasileiro, as
ações provenientes de queixa do ofendido são referentes aos delitos que tenham
nas suas disposições, seguinte expressão: “Somente
se procede mediante queixa”.
Desta forma, são os seguintes
delitos:
a) Dos crimes
contra a honra: calúnia, difamação e injúria, arts. 138 a 145, obedecendo as restrições
estabelecidas neste último artigo;
b) Dos crimes da usurpação: os de alteração de
limites, usurpação de águas e esbulho possessório, art. 161, §1º, I e II, desde
que não haja violência e se refira a propriedade particular.
c) Dos crimes de
dano: quando há destruição, inutilização ou deterioração de coisa alheia, com
por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima, como também na
introdução ou no abandono de animais em propriedade alheia, art. 163, caput, parágrafo único, IV e 164 c/c o
art. 167.
d) Do estelionato
e outras fraudes: na fraude à execução, art. 179 e parágrafo único.
e) Dos crimes
contra a propriedade intelectual: os de violação ao direito autoral, usurpação
de nome ou pseudônimo alheio, salvo quando praticados em prejuízo de entidades
de direito, arts. 184 a
186.
f) Dos crimes
contra a propriedade industrial: contra as patentes, desenhos industriais,
marcas, crimes cometidos por meio de marcas, e outros, contidos nos arts. 183 a 190 e 192 a 195 da lei nº 9.279/96,
tendo em vista que tais delitos eram anteriormente estipulados no Código Penal,
nos arts. 187 a
196.
g) Dos crimes
contra a liberdade sexual: estupro, atentado violento ao pudor, este mediante
violência ou fraude, posse sexual mediante fraude, sedução, corrupção de
menores e rapto, arts. 213 a
225, obedecendo as restrições do § 1º, I e II do último artigo.
h) Dos crimes
contra o casamento: induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento para fins
matrimoniais e o adultério, arts. 236 e parágrafo único e art. 240. Estes delitos
são os estipulados pelo nosso sistema como os de natureza privada
personalíssima, em que somente o ofendido exercerá o direito de queixa. E mesmo
na morte ou declaração judicial de
ausência da vítima, este direito não poderá ser exercido, resultando na
extinção da punibilidade.
Portanto, diante dos delitos
supramencionados, é evidente e notório o predomínio do interesse particular,
tendo em vista que tais condutas criminosas realmente atingem especialmente
bens e interesses individuais.
5.
Motivos e conseqüências da ação penal privada subsidiária
Conforme o ordenamento jurídico
brasileiro, a ação penal privada divide-se em: propriamente dita ou
exclusivamente privada, personalíssima e privada subsidiária da pública, a qual
analisaremos adiante em face da sua singularidade.
As demais ações penais privadas
limitam-se aos delitos devidamente consagrados desta natureza, ou seja, aqueles
em que a sua ocorrência violam os bens e interesses individuais,
predominando-os em relação aos da comunidade. Mas, nesta ação, o seu alcance é
bem mais amplo, abrangendo qualquer delito cuja iniciativa da ação penal é de
competência do representante do Ministério Público, caso este negligencie na
sua função de promover a denúncia, ultrapassando os prazos, geralmente os estabelecidos
no art. 46 do Código de Processo Penal.
Desta forma, ultrapassado o prazo,
caso o indiciado estiver solto, o prazo será de 15 dias e será de 5 dias, se
preso, o ofendido ou eu representante legal poderá promover a queixa,
competente a substituir a denúncia do representante do Parquet que não cumpriu o
seu dever no período determinado.
Na realidade, a substituição
refere-se não somente a omissão do Ministério Público em denunciar no prazo
previsto e sim a ausência da sua manifestação.
Desta forma, a finalidade da referida
ação é impedir que a prestação jurisdicional seja prejudicada pela omissão da
participação do representante do Parquet,
e não da ausência da denúncia. É o que estabelece o seguinte entendimento
jurisprudencial:
“Quando
o titular da ação pede e obtém decisão judicial de arquivamento da
representação, não há lugar para a ação privada subsidiária, pois inexistente
omissão do Ministério Público”3.
A autorização da ação penal privada
nos delitos de ação penal pública encontra-se amplamente estabelecida no
ordenamento jurídico brasileiro, constando no art. 5º, inciso LVI, da
Constituição Federal de 1988, art. 29 do Código de Processo Penal e no art.
100, §3º do Código Penal.
Todavia, há intensas críticas sobre
os termos utilizados pelos legisladores constitucional e infra-constitucional.
METON CÉSAR DE VASCONCELOS, citado
por MARCOS DE HOLANDA é um dos doutrinadores que afirmam o emprego inadequado
da linguagem nestes dispositivos.4
Conforme o referido artigo
constitucional, na omissão do representante do Ministério Público em se
manifestar no prazo estabelecido, será admitida ação penal privada nos crimes
de ação pública.
Ocorre que a interpretação gramatical
deste dispositivo constitucional resulta em um acontecimento inconcebível, posto
que, conforme analisado acima, as ações penais privadas e públicas
distinguem-se principalmente em virtude dos seus princípios, geralmente
incompatíveis entre si, sendo impossível a alteração destes princípios somente
pela omissão do representante do Parquet.
Entre as finalidades da diferença
entre estes preceitos gerais resultam pelas conseqüências oriundas dos seus
determinados delitos: enquanto que na ação penal privada há o predomínio da
violação dos interesses e bens individuais, na pública a sociedade é
diretamente interessada, tendo em vista que o delito a atinge drasticamente, de
modo que os órgãos competentes do Estado deverão agir imediatamente.
Todavia, mediante a interpretação
teleológica compreende-se que o legislador refere-se ao sentido formal,
adjetivo da expressão ação penal privada,
ou seja, o instrumento que irá iniciar a ação, e não ao sentido substantivo, o
direito em si da ação.
Dando continuidade ao posicionamento
do doutrinador supra-mencionado, a ocorrência desta alteração da natureza
intrínseca da ação, conforme encontra-se no dispositivo, seria o mesmo absurdo
que a iniciativa da ação pena privada pudesse ser exercida pelo órgão do
Ministério Público.
Portanto, após o suprimento da
omissão do Ministério Público em se manifestar no prazo estabelecido, mediante
a participação do ofendido ou de seu representante legal, a ação obviamente não
perde a sua natureza pública.
Conclusão
É inconveniente o entendimento
doutrinário que estipula o repúdio da ação penal privada, concebendo-a como um
retorno a vingança privada.
Estes delitos violam
predominantemente bens ou interesses individuais, devem depender da
participação do ofendido ou seu representante legal. A lesão oriunda da conduta
criminosa na sociedade é bem mais atenuada do que em relação as conseqüências
ao ofendido. Além disso, a publicidade do fato delituoso iria constranger a
vitima, inclusive atingindo-a na mesma, ou até com maior intensidade de que o
próprio delito
A prestação jurisdicional do Estado
nesta modalidade da ação penal não terá iniciativa com a atuação dos órgãos
estatais competentes, e sim, ao particular. Todavia, este não irá julgará,
impondo a punição e muito menos a executará, como ocorre na vingança privada. A
iniciativa será exercida pelo particular, que irá requerer ao Estado o
julgamento da conduta que considera delituosa, e este irá deliberar a lide
conforme o estabelecido nos dispositivos legais.
Bibliografia
HOLANDA, Marcos de. Processo Penal para universitários. São
Paulo: Malheiros, 1996.
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. V.1, São Paulo: Saraiva,
1998.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 10 ed., São Paulo:
Atlas, 2000.
REIS, Alexandre Cebrian Araújo,
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Processo
Penal: Parte Geral. Volume 14, 3 ed. rev., São Paulo: Saraiva, 2000
(Coleção sinopses jurídicas).
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 20 ed., São Paulo:
Saraiva, 1998.
Notas
1. (Ac. un., de 20.6.1988, em Décima
Primeira Câmara do TACRIM-SP, Apelação nº 517.153/2, de
Jales, Relator Juiz GONÇALVES NOGUEIRA).
2. HOLANDA, Marcos de. Processo Penal para universitários. São
Paulo: Malheiros, 1996, pág. 124.
3. (Rec. Esp. nº 657 – SP – Sexta
Turma – j. 17.10.89 – Relator Ministro Dias Trindade – DJU 6.11.89).
4. VASCONCELOS, Meton César de. “A iniciativa do ofendido ou de seu
representante legal…”(art. publ. às pp. 61”usque” 66 da Revista da Faculdade de Direito, vol.
30, n 2, jul/dez. 1989), apud HOLANDA, Marcos de. ob. cit, pág. 126 a 128.
Informações Sobre o Autor
George Aguiar Dias
acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará-UFC .