Ação rescisória

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Breves considerações


A liberdade de interpretar concedida ao aplicador do direito pelo nosso ordenamento, no tocante à matéria a Ação Rescisória, é limitada pela necessidade de proteção à coisa julgada e por outra via, necessidade de rejulgamento válido. São duas forças antagônicas que convergem para um mesmo fim, as seguranças jurídicas. A proteção à coisa julgada está mais direcionada à estabilidade social, com a presunção de que o julgamento foi válido, verdade formal, mas a necessidade de “rejulgamento”, escopo da rescisória, questiona a validade da decisão protegida sob o manto da coisa julgada e visa um julgamento válido, verdade real.


O legislador praticamente esgotou as hipóteses de fundamental cabimento da rescisória de modo a garantir a autoridade da coisa julgada e a possibilidade de rejulgamento válido, faltou apenas em poucas hipóteses, como o caso da rara admissão de rescisória em decisão sem julgamento de mérito. O movimento hermenêutico não pode ultrapassar os limites impostos pelo ordenamento jurídico e legislativo sob pena de desarmonizar e afetar a estabilidade social. A rescisória é, por natureza, uma excepcionalidade e não cabe ao intérprete alterá-la.


O intérprete terá um mínimo de liberdade para limitar ou estender o cabimento da rescisória em vista da possibilidade ou não de obter-se novo julgamento válido por outro meio. Na hipótese, por exemplo, de citação nula, caberá rescisória por violação a literal disposição de lei processual, no entanto, o intérprete poderá limitar seu cabimento, já que à parte prejudicada poderá alegar tal vício de nulidade absoluta em embargos à execução (art. 741, I, CPC), sem necessitar da rescisória para anular o julgado, que na verdade será nulo. E depois obter novo julgamento válido.


Imperioso deixar consignado que a interpretação dos dispositivos em comento será regida, com o tempo, pelo desenvolvimento ou retrocesso das teorias formalistas, pois quanto mais formalista, maiores serão as presunções e menores as possibilidades de rescindir decisões presumidas válidas, e assim por diante. A melhor posição é a síntese das duas teorias, formalista e não formalista, de modo a proteger tanto a autoridade da coisa julgada, que garante a estabilidade social, quanto à necessidade de julgamento de decisões cabalmente contaminadas de vícios anuláveis, que garante a justiça.


Síntese do presente trabalho


. Abordaremos a seguir as mudanças no código de processo civil sobre a ação rescisória


As recentes reformas introduzidas no Código de Processo Civil pelas Leis 10.352 e 10.358, de 26 e 27 de dezembro de 2001, respectivamente, além de promoverem significativas alterações nos procedimentos específicos por elas objetivados, também culminaram por gerar efeitos igualmente importantes em matérias outras, que não se inseriam em seu objeto primário, especialmente de relação à ação rescisória, em cujas hipóteses de cabimento se passou a inserir nova circunstância fática, para a qual precisam, os operadores do direito estarem bastante atentos.


1. A alteração do código de processo civil brasileiro


Através da sobredita Lei 10.358/01, foi alterada a redação do artigo 253 do Código de Processo Civil, para se determinar à necessidade de distribuição por dependência, não só dos feitos relacionados por conexão ou continência, mas também daqueles em que for reiterado pedido já anteriormente formulado e nos quais se tenha verificado a desistência da parte autora.
 Vale que se observe a atual redação do artigo 253 do Código de Processo Civil, sobretudo de relação ao seu novo inciso “II”:
Art. 253 – “Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza:
I – quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra ajuizada;


II- quando, tendo havido desistência, o pedido for reiterado, mesmo em litisconsórcio com outros autores.


2. Nova definição da competência material


Ao acrescer tal disposição ao artigo 253 do Código de Ritos, o legislador, por via indireta, promoveu significativa modificação na definição da competência do juízo para a apreciação da demanda, especialmente de relação à competência material.


Isto porque, até a introdução de tal dispositivo, a competência material do juízo se fazia definir pela natureza objetiva do feito, ou seja, a matéria efetivamente nele discutida – cível, do consumidor, de família, etc.


Contudo, com a adição deste dispositivo, a competência material sofreu uma divisão, pois que, além da natureza objetiva da matéria, também passou a ser definida pela existência, ou não, de ação contendo pedido idêntico, sobre o qual se tenha operado a desistência.
Surgiu, assim, dentro da classificação da competência material, uma nova modalidade de se a determinar, qual seja através da matéria específica, aquela que, além de observar a natureza genérica da causa, também há de avaliar especificamente o exato pedido que está sendo formulado.


É fundamental se observar que a competência definida pelo inciso “II” do supracitado artigo 253 se faz determinar pela matéria discutida no feito, e não apenas pelas partes envolvidas, sobretudo porque se admite, até mesmo, que a ação tenha sido interposta em litisconsórcio não verificado na ação anterior.  Embora, por óbvio, se faça necessária a identidade, ainda que parcial, dos pólos ativo e passivo da demanda, o fator determinante para a fixação da competência para a nova ação é o pedido nela formulado, da matéria.
Resumidamente, pode-se dizer que, a partir da nova reforma do Código de Processo Civil, a competência material se define com base em dois fatores: (a) a natureza geral da causa (ramo do direito envolvido), que se poderia denominar competência material genérica; e (b) a natureza específica do pedido, avaliada em relação a alguma ação anteriormente interposta e que se poderia denominar competência material específica.
Tratando-se de competência definida em razão da matéria (específica) envolvida no feito, tem-se que tal definição se reveste de caráter absoluto, improrrogável e indeclinável, nos exatos termos do que já preceitua o artigo 111 do Código de Processo Civil.


A alteração promovida no Código de Processo Civil, delimitando a competência em face da matéria específica, a define, assim, de modo absoluto, como sói acontecer de relação a já implementada competência em razão da matéria geral.


3. Refexos na ação rescisória


Ora, se a competência estatuída no multicitado dispositivo legal, porque definida em razão da matéria, se reveste de cunho absoluto, a decisão eventualmente proferida em desrespeito a esta competência o terá sido por juízo absolutamente incompetente, o que enseja a possibilidade de interposição de ação rescisória, conforme disposição do artigo 485, inciso “II” do CPC.


ARTIGO. 485: “A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:


(…)
II – Proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente.


(…)”
Para uma melhor visualização do quanto se aponta, imaginemos a seguinte situação fática hipotética:


– Uma parte ingressa em juízo com uma ação que é distribuída para a décima vara cível da comarca e, antes da citação, ciente de que o respectivo juiz tem posicionamento contrário ao pedido, desiste do feito (como a citação não se chegou a operar, à parte ré não toma conhecimento da causa). Posteriormente, à parte autora reitera o pedido e a ação, desta vez, é distribuída para a quinta vara cível, onde é integralmente processada e o pedido julgado procedente.


No presente caso, o juiz prolator da sentença – da hipotética  1a. Vara cível – se revelava absolutamente incompetente para apreciar o feito, já que, por imposição da nova redação emprestada ao artigo 253 do Código de Processo Civil, a ação deveria ser distribuída por dependência para a mesma 5a. Vara cível, onde se promoveu a anterior desistência.
 Como a parte autora omitira tal circunstância, o feito seguiu seu curso como se de ação nova se tratasse, sendo novamente distribuído por sorteio.
Contudo, se à parte ré, após o trânsito em julgado da decisão, tomar conhecimento da existência da ação anterior, na qual se operou a desistência, poderá perfeitamente, com base na nova redação do inciso “II” do artigo 253, combinado com o artigo 485, “II”, ambos do Código de Ritos, e respeitadas as demais condições do procedimento, pretender seja a decisão rescindida, mediante ação própria (Ação Rescisória).Afinal, tecnicamente tal decisão de mérito foi proferida por “juízo absolutamente incompetente”.


4.Conclusões


Como se infere do quanto brevemente aqui explanado, a reforma introduzida no Código de Processo Civil pela Lei 10.358/01, abriu uma nova possibilidade fática para a interposição de ação rescisória, em face da divisão promovida na determinação da competência material, criando, mesmo, uma competência material, específica.


De modo sucinto, pode-se depreender:


1. A nova redação do artigo 253, inciso “II”, do Código de Processo Civil alterou a definição da competência do juízo;


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2. A competência passou, também, a se definir pela matéria específica discutida no feito, dotada de cunho absoluto;


3. Os feitos em que se operar a desistência, se reiterados, deverão, em face desta nova competência, ser distribuídos por dependência para o mesmo juízo anterior;
4. Caso não se observe esta nova competência, a eventual decisão proferida por novo juízo o terá sido por juízo absolutamente incompetente;


5. Tais decisões serão passíveis de ataque por ação rescisória.


Aos operadores do direito, sobretudo aos causídicos e, mais ainda, aos que patrocinam interesses de quem figura como réu em procedimentos judiciais, resta redobrar as atenções na condução de tais ações, para que se evite a prolação de decisões por juízos incompetentes ou, se assim já se houver procedido, sejam tais decisões alvo de ações rescisórias.


Referências Bibliográficas

1 – Revista eletrônica do Superior Tribunal de Justiça. (www.stj.gov.br)

2 -Revista eletrônica do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e do Territórios (www.tjdft.gov.br)

4 – Código de Processo Civil Brasileiro 33.ª Edição Theotonio Negrão

5 – Curso de Direito Processual Civil, Procedimentos Especiais (Humberto Theodoro Júnior


Informações Sobre o Autor

Cristiano Júlio Silva Xavier

Acadêmico de Direito da UNIP/ Brasília – DF
Assessor Jurídico do Escritório de Advocacia Borges de Resende e Ferreira Advogados Associados S/C.


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