Acepção estrutural e principiológica do direito comercial

Resumo: O presente artigo trata da evolução histórica do Direito Comercial, além de sua autonomia substancial, adstrito a seus princípios estruturantes. Desse modo, a digressão, que abaixo se segue, apresenta a evolução do Direito Comercial em três fases. Na primeira fase é abordada a feição do Direito Comercial enquanto um ramo do Direito adstrito à classe dos comerciantes. Assim, o Direito Comercial, nesse momento histórico, é abordado em seu viés corporativista e apartado do Estado. Na segunda fase há o encampamento do Direito Comercial pelo Estado, sob um viés objetivista, a partir da chamada teoria dos atos de comércio. Finalmente, na terceira fase, ante o esgotamento da teoria dos atos do comércio, vem a lume a teoria da empresa. E, dentro dessa nova feição, no Brasil, com o Código Civil de 2002, há a unificação legislativa do Direito Comercial e do Direito Civil. Tal panorama dá ensejo a questionamentos quanto à ausência de autonomia do Direito Comercial, entendendo, portanto, que a referida unificação legislativa é o sinal advindo da evolução do direito privado, que, por consequência, dá ensejo ao desaparecimento do Direito Comercial, ante a sua incorporação pelo Direito Civil. Desse modo, ao se evocar a autonomia substancial do Direito Comercial, justificando-a sob a evocação das características inerentes a esse ramo do Direito, bem como, a égide de princípios estruturantes, busca-se a refutação de tal entendimento dogmático.

Palavras-chave: Direito Comercial; Conceito de Direito Comercial; Evolução do Direito Comercial; Princípios Estruturantes do Direito Comercial; Autonomia Substancial do Direito Comercial.

Sumário: Introdução; 1. Da acepção conceitual do direito comercial; 2. Do quadro evolutivo do direito comercial; 3. Das bases principiológicas e da autonomia substancial do direito comercial; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O Direito Comercial em uma significação inicialmente corporativa, própria do comerciante, veio a lume com uma roupagem que refletia os anseios dessa classe social.

Nessa primeira acepção, portanto, apartado do Estado, era concebido e moldado buscando dar segurança à atividade mercantil.

Posteriormente, com a onipresença do comércio, o Direito Comercial é apropriado pelo Estado, o qual ao institucionalizá-lo, apresenta-lhe um viés objetivista, de modo a distanciá-lo daquele perfil inicial, que o identificava, indelevelmente, ao comerciante.

Entretanto, a realidade em sua acepção densa e multifacetada não se pode colmatar nos Códigos, de modo que, o Direito Comercial passou a não ter condições de reger a atividade mercantil, em toda a sua abrangência econômica, revelando, portanto, um esgotamento daquele modelo estrutural, concebido a partir de um viés objetivista.

Veio a lume, por tal razão, uma acepção moldada sob a noção de empresa, a qual suspendeu aquele juízo calcado na teoria dos atos de comércio e apresentou um paradigma fundado na figura do empresário.

Tal acepção, no entanto, coloca em cheque, ante unificação do Direito Civil e Comercial em um diploma normativo único, a autonomia desse último ramo do Direito.

Assim, o que em uma primeira análise poderia ser mostrar verossímil, ante a unidade legislativa do Direito Civil e Comercial, de forma mais aprofundada, revela-se equivocado, na medida em que não se apresenta coerente com os elementos constitutivos e identificadores desse ramo do Direito, que em um viés principiológico, permanecem fincados em sua ontologia.

1.DA ACEPÇÃO CONCEITUAL DO DIREITO COMERCIAL

A ideia inicial que se aloja na cabeça daqueles que se debruçam no estudo do Direito Comercial é a de que ele se constitui em um “direito do comércio e, por consequência, o direito dos comerciantes”[1].

Tal premissa, no entanto, se mostra incompleta, em sua melhor acepção, refletindo em sua análise, o processo de amadurecimento histórico que vicejou na acepção jurídica atual do fenômeno mercantil.

Portanto, em uma ponderação inicial, “para melhor compreender porque o Direito Comercial não é apenas o direito do comércio nem o direito dos comerciantes, é necessário descer à análise do conceito econômico de comércio”[2].

E, nesse sentido, ao ser verificar que o Direito Comercial pode ser reconhecido como “uma atividade humana que põe em circulação a riqueza produzida aumentando-lhe a utilidade”[3], de modo a se deixar claro que mais do que a troca, a atividade comercial pretende a aproximação[4].

Nesse sentido, portanto, é preciso asseverar que o comércio apresenta origem anterior ao Direito Comercial, na medida em que é possível vislumbrar-se a atividade comercial em civilizações antigas, como a dos fenícios, v.g..

 Portanto, em que pese estarmos tratando de fenômenos distintos, em apreço à perfeição técnica, o comércio e o Direito Comercial estão relacionados; de modo a se poder volver os olhos ao conceito jurídico de comércio.

Buscou-se, portanto, um conceito jurídico próprio, o qual abrangesse o comércio em toda a sua extensão.

 Desse modo, ao se ponderar sobre o conceito jurídico de comércio, a fim de ser alcançar uma definição ao Direito Comercial, Rubens Requião[5] explica que:

“[…] Vidari formulou uma definição jurídica para o comércio, que a muitos juristas tem agradado, reproduzida nas lições do Prof. Inglez de Souza, que a considera satisfatória. “É o complexo de atos de intromissão”, define o grande italiano, “entre o produtor e o consumidor, que, exercidos habitualmente com fim de lucros, realizam, promovem ou facilitam a circulação dos produtos de natureza e da indústria, para tornar mais fácil e pronta a procura e a oferta”.

Portanto, “ante a ausência de um critério comum e objetivo empregado pelo legislador para o elenco dos atos de comércio”[6], nomes como Alfredo Rocco passaram a formular um conceito científico para atos de comércio, sob a acepção de ser todo ato que realiza ou facilita uma interposição na troca[7].

Em determinado momento histórico, portanto, vislumbrou-se uma situação de esgotamento da ciência jurídica comercialista, em seu viés objetivista, ante a sua impossibilidade de abarcar todas as situações derivadas da atividade mercantil, que deixava de abarcar, por exemplo, “empresas agrícolas e artesanais, mineração, os negócios imobiliários”; apesar de tais atividades estarem compreendidas no conceito econômico de comércio.

Tal situação redundou em uma nova acepção estruturante do Direito Comercial que se refletiu em vários diplomas normativos, a partir do Código Civil Italiano de 1942, passando a definir a figura do empresário.

Portanto, a partir desse momento, a “amplitude do direito comercial passa a ser medida através da identificação da atividade desenvolvida por uma organização empresarial”[8].

Sob tal viés, Waldo Fazzio Júnior explica que o Direito Comercial “apropriou-se do conceito econômico de empresa”[9] e “passa a regular a empresa por meio do empresário”[10].

Portanto, a partir de tal parâmetro, o Direito Comercial pode ser definido como “complexo normativo positivo, que focaliza as relações jurídicas derivadas do exercício da atividade empresarial”[11].

Ainda nesse sentido, Waldo Fazzio Júnior[12] aponta que o Direito Comercial disciplina:

“[…] a solução de pendências entre empresários, bem como os institutos conexos à atividade econômica organizada de produção e circulação de bens (contratos, títulos de crédito, insolvência etc). Tem por objeto a empresa, como unidade serviçal do mercado cuja existência está amarrada ao intuito de lucro.”

Portanto, ao se buscar evidenciar as características do Direito Comercial, que se mostram a partir de seus princípios estruturadores e signos conceituais, cumpre informar que o mesmo se desenvolveu por meio de fases, como reflexamente mencionado, em uma abordagem inicial.

2.DO QUADRO EVOLUTIVO DO DIREITO COMERCIAL

Dentro de um quadro evolutivo, é possível apontar que o Direito Comercial é dividido a partir de três fases.

A primeira fase, surgida no final da Idade Média, ocorre com a compilação dos usos e costumes, essas redigidas pelas Corporações de Ofício Medievais (que se tratavam de grupos de classe dos comerciantes). Assim, por tal derivação, o Direito Comercial surge como um direito consuetudinário.

Portanto, na Idade Antiga, “a despeito de existirem algumas leis esparsas para a disciplina do comércio, ainda não se pode falar na existência de um direito comercial, entendido como um regime jurídico sistematizado com regras e princípios próprios”[13].

Ocorre que com a queda do Império Romano, ante a desagregação do mundo ocidental, como era até então estruturado; os comerciantes conceberam corporações, as quais tinham como missão “ditar normas aplicáveis ao comércio e julgar os possíveis conflitos decorrentes desta aplicação, dando origem a um direito singular: o ius mercatorum, emanado de uma classe social, em vez de se originar do Estado”[14].

Portanto, somente na Idade Média[15], com o desenvolvimento do comércio, esse onipresente nas civilizações de então, foi possível “apontar o surgimento das raízes do direito comercial, ou seja, o surgimento de um regime jurídico específico para a disciplina das relações mercantis”[16].

Em tal fase inicial, pois, o Direito Comercial apresentava-se como um direito de classe, ligado, portanto, aos comerciantes. E nesse momento, e por tal razão, dirigido e aplicado por comerciantes, através da figura do cônsul nas corporações de ofício[17].

Com o tempo, no entanto, a partir do surgimento dos Estados Nacionais, o Direito de matriz consuetudinária e classista, passa a ser incorporado pelo aparato estatal. É, nesse momento, portanto, que o Direito Comercial inaugura a sua segunda fase.

Desse modo, o Direito Comercial consolida-se com a Codificação Napoleônica na França, a partir de 1807, como Direito posto e aplicado pelo Estado. E mais, o Direito Comercial separa-se do Direito Civil, com o Código Civil, em 1804 e o Código Comercial de 1808.

 Interessante notar, como pontua André Luiz Santa Cruz Ramos[18], que:

“O Código Civil napoleônico era, fundamentalmente, um corpo de leis que atendia os interesses da nobreza fundiária, pois estava centrado no direito de propriedade. Já o Código Comercial encarnava o espírito da burguesia comercial e industrial, valorizando a riqueza mobiliária”.

Portanto, nesse momento histórico, o Direito Comercial vem a lume como “um sistema jurídico estatal destinado a disciplinar as relações jurídico-comerciais”[19], autônomo, portanto, em relação o Direito Civil.

Tal acepção dogmática reflete a teoria dos atos de comércio (conjunto de atos relevantes para o Estado, que passaram a ter um tratamento destacado). Tal teoria apresentou-se “como instrumento de objetivação do tratamento jurídico da atividade mercantil”[20].

Desse modo, a teoria dos atos de comércio, em sua matriz francesa, institucionaliza o Direito Comercial. E, em tal paradigma, o Direito Comercial deixa de ser “apenas o direito de uma certa categoria de profissionais, organizadas em corporações próprias, para se tornar a disciplina de um conjunto de atos que, em princípio, poderiam ser praticados por qualquer cidadão”[21].

Ocorre que o código francês não admitia o privilégio de classes. Afeto à noção de igualdade formal, concebia o Direito Comercial como adstrito “a regular a atividade de qualquer indivíduo que viesse a praticar determinados atos, havidos como de comércio, independentemente de quem os praticasse”[22]; no entanto, ao revés, a necessidade de se proteger a atividade mercantil, deu ensejo a um artificialismo, ou seja, a teoria dos atos de comércio.

Desse modo, o Direito Comercial deixa de ser um direito adstrito ao comerciante (burguês) e passa a focar em um conjunto de atos relevantes para o Estado, chamados de atos de comércio, os quais passam a ter um tratamento privilegiado, previsto na lei comercial, superando, portanto, o Oligopólio que marcava a fase anterior do Direito Comercial.

Já a terceira fase, ocorreu com o Código Civil Italiano de 1942. Nesse momento histórico opta-se, ao revés do acima mencionado, por não fender o Direito Privado em duas espécies, como fora feito na França, mas sim unificar o Direito Privado.

Com a percepção de que a da teoria dos atos de comércio era insuficiente para disciplinar o mercado, vem a lume a teoria da empresa.

Explicando: ocorre que com a Revolução Industrial, diversas atividades econômicas emergiram, de modo a evidenciar a insuficiência dogmática da teoria dos atos de comércio para abarcar todos os enunciados derivados da atividade mercantil. Assim, v.g., atividades de grande expressão econômica, como a agricultura, pecuária, negociação imobiliária ou prestação de serviços estavam apartadas da órbita mercantil.

Pela teoria da empresa, o “acento da diferenciação deixa de ser posto no gênero da atividade e passa para a medida de sua importância econômica e não como expressão da unificação dos direitos comerciais e civil”[23].

Por seu turno, enunciado de empresa pode ser extraído da seguinte construção dogmática: “atividade, cuja marca essencial é a obtenção de lucros com o oferecimento ao mercado de bens ou serviços, gerados mediante a organização dos fatos de produção (força de trabalho, matéria-prima, capital e tecnologia)”[24].

Portanto, é partir da noção de atividade econômica organizada[25], que os conceitos nucleares do Direito Comercial irão gravitar. Assim, a noção de empresário, como se pode depreender do art. 966 do Código Civil, ao propugnar que: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a  produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Ou, ainda, a noção de estabelecimento empresarial, como “complexo de bens usado para o exercício de uma atividade econômica organizada, isto é, para o exercício de uma empresa”[26].

Assim, a partir do Código Civil de 2002, as relações mercantis passaram a ser disciplinadas por aquele diploma legal, adotando, em seu teor, a teoria da empresa e o conceito de empresário[27].

Assim, o atual quadro delineado, notadamente no Brasil, afigura a necessidade de se discutir a autonomia do Direito Comercial, de modo a se refutar a tese segundo a qual a unificação legislativa teria comprometido sua integralidade. Desse modo, a “unificação representaria, para os defensores dessa tese, a demonstração inequívoca da evolução do direito privado e da sua adaptação à nova realidade, representando, em definitivo, o fim do direito comercial como um ramo autônomo”[28].

E, nesse sentido, mais que a existência de um diploma normativo próprio, os elementos caracterizadores da autonomia de um ramo do Direito se dá a partir de suas características próprias, seus institutos próprios e uma principiologia própria, como elemento caracterizador por excelência.

3.DAS BASES PRINCIPIOLÓGICAS E DA AUTONOMIA SUBSTANCIAL DO DIREITO COMERCIAL

Singrando por esses mares, a defesa da autonomia do Direito Comercial não remete à uma oposição sistemática ao Direito Civil, visto que ambos apresentam-se perfilhados sob a rubrica direito privado[29].

No entanto, apesar de apresentar institutos afins, como referido; esses dois ramos do Direito não se confundem.

Ocorre que “as atividades econômicas desenvolvidas no mercado possuem características muito peculiares, que fazem do direito empresarial um regime jurídico especial, com regras, princípios e institutos jurídicos próprios”[30].

Assim, a par da autonomia didática, ou seja, a presença de uma cadeira de Direito Comercial nas Faculdades de Direito e formal, representada pela existência de um “corpo legislativo codificado”[31], avulta aos olhos a necessidade de se analisar a autonomia substancial do Direito Comercial, a significar a determinação científica “mediante a verificação de seu conteúdo particular e original, contendo princípios próprios que justificam a construção do ramo autônomo do direito, trazendo consigo um corpo orgânico capaz de sustentar sua existência”[32].

Tal assertiva se embasa na noção de que “independentemente da inexistência de uma autonomia meramente formal, o direito comercial não perde sua autonomia substancial”[33].

Nesse sentido, portanto, quanto às características próprias do Direito Comercial poder-se-á evidenciar, por exemplo, o informalismo, “em função do dinamismo da atividade empresarial”[34]. Assim, ao se proceder ao contraponto entre o Direito Civil e o Direito Comercial, verifica-se que o primeiro é muito mais formal que o segundo.

Ainda, o Direito Comercial tem como característica marcante seu cosmopolitismo, visto “que o comércio, historicamente, foi o fator fundamental de integração entre os povos, razão pela qual o seu desenvolvimento propicia, até os dias de hoje, uma intensa inter-relação entre os países […]”[35]. Portanto, o Direito Comercial sempre esteve sob o signo da uniformização. Vide, portanto, os vários tratados e convenções internacionais adstritos ao esse ramo do Direito. Tal lógica pode ser verificada na Lei Uniforme de Genebra; quanto ao tema adstrito aos Títulos de Crédito, ou mesmo a Convenção da União de Paris, quanto às marcas e patentes. Além disso, ainda, o Direito Comercial caracteriza-se pela onerosidade, “ante o caráter econômico e especulativo das atividades mercantis, o que faz com o intuito de lucro seja intrínseco ao exercício da atividade empresarial”[36][37].

Ainda, nesse sentido, o Direito Comercial é caracterizado pelo fragmentarismo, “pelo fato do direito empresarial possuir uma série de sub-ramos com características específicas (direito falimentar, direito cambiário, direito societário, direito de propriedade industrial etc.)”[38] .

De outra parte, o Direito Comercial apresenta institutos próprios, como, por exemplo, o são a falência ou mesmo a recuperação judicial, adstrito ao signo dos empresários[39]. Tal situação, desse modo, delineia sua autonomia, nesse aspecto.

Quanto aos princípios, esses se apresentam como elementos fundamentais na estruturação do sistema normativo. Assim, os princípios são normas que estabelecem fundamentos para que um mandamento seja encontrado. Funcionam como “fundamento normativo para a tomada de decisão”[40].

Os princípios, portanto, “passam a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia, da sociedade, seus postulados básicos, seus fins”[41]. E mais, o conceito de princípio apresentado de uma forma mais ampla, abarca o seu caráter fundamento e direcionador de qualquer sistema de pensamento.

O Direito Comercial, de sua parte, apresenta princípios informativos, que nessa lógica, apresentam os seus valores estruturantes. Assim, podem ser considerados como princípios gerais do Direito Comercial: o princípio da livre iniciativa, o princípio da livre concorrência, o princípio da propriedade privada dos meios de produção.

A livre iniciativa tem como destinatário imediato o Estado, com previsão no art. 170 da Constituição Federal[42]. Assim, em um Estado que adota modo de produção econômica capitalista, as pessoas são livres para empreender, não podendo aquele criar empecilhos a tal atividade. No entanto, o Estado se coloca como agente regulador da atividade econômica. Portanto, a livre iniciativa não é absoluta, apresentando, ao revés, uma série de mitigações[43].

 Nesse viés, tal ação estatal se justifica a partir do modelo de Estado Intervencionista ou Regulador[44]. Assim, por exemplo, o Estado irá intervir em situações determinadas constitucionalmente no art. 173 da Constituição Federal[45].

Quanto ao princípio da livre concorrência, o mesmo também se apresenta previsto art. 170 da Constituição Federal, mas especificamente em seu inciso IV. Associado à livre iniciativa assegura a queda de preços ao consumidor, além de promover uma maior qualidade aos produtos oferecidos no mercado de consumo. Portanto, tal princípio propugna por um mercado competitivo como benefício ao consumidor[46].

Desse modo, como explica Eros Roberto Grau[47]:

“A livre concorrência é pela Constituição de 1988 erigida à condição de princípio. Como tal contemplada no art. 170, IV, compõe-se, ao lado de outros, no grupo do que tem sido referido como “princípios da ordem econômica”. Trata-se, como já anotei, de princípio constitucional impositivo” (Canotilho).

 Finalmente, o princípio da propriedade privada dos meios de produção, também elencado no art. 170 da Constituição Federal, mais especificamente em seu inciso II; tem como escopo “garantir e defender a propriedade privada dos meios de produção”[48] visto que se trata de “pressuposto fundamental do regime capitalista de livre mercado”[49].

Nesse sentido, Leonardo Vizeu Figueiredo[50] explica que:

“Este princípio é herança direta do liberalismo econômico, cujos postulados ainda influenciam nosso ordenamento constitucional. Propriedade privada é um direito real, exercido por um determinado titular em face dum certo bem, que lhe assegura direito de uso (utilização do bem como melhor lhe aprouver), de fruição (auferir lucro com o bem), de disposição (possibilidade de livre alienação da coisa de acordo com seu livre arbítrio) e de seqüela (direito de persecução do bem, onde quer que esteja). Este princípio assegura aos agentes econômicos direito à propriedade dos fatores de produção e circulação dos bens em seus respectivos ciclos econômicos, como instrumento garantidor da livre iniciativa de empreendimentos privados.”

A importância dos princípios informadores do Direito Comercial reside justamente na eficácia social desse ramo do Direito.

Por tal razão a necessidade de cultivá-los. E, para tanto, é necessário ressignificá-los aos tempos atuais[51].

Nesse sentido, por toda a acepção estrutural e principiológica do Direito Comercial, em cotejo com a sua evolução histórica, a pretender uma significação social desse ramo do Direito, é necessário considerar o que pondera Fábio Ulhoa Coelho[52], ao propugnar que:

 “Em suma, quando afirmo que é necessário recoser os valores do direito comercial, isso significa que urge convencer a sociedade, advogados e magistrados acerca da importância dos princípios jurídicos nele desenvolvidos (tais o da limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, autonomia privada, livre iniciativa e concorrência, importância do investimento em atividade produtiva para toda a sociedade, etc). Somente com a observância desses princípios, com o recoser desses valores, será estabilizado o marco institucional.”

Portanto, a título de fecho, pode-se concluir que a sobrevivência do Direito Comercial reside na ontologia essencial que emana de sua autonomia material, e na fundamentalidade valorativa que provém de seus princípios informadores.

CONCLUSÃO

O Direito Comercial em sua vertente evolutiva, inicialmente, adotou um viés corporativo, adstrito à categoria dos comerciante. Portanto, nessa roupagem, refletia os anseios dessa classe social, sendo essencialmente corporativo.

Posteriormente, ante o desenvolvimento comercial, o Direito Comercial passa a ser disciplinado pelo Estado, que em um viés objetivista, muda o foco até então voltado à classe comerciante (burguesa), mas com o objetivo de proteger a atividade mercantil, categorizada como atividade de relevante interesse estatal, desenvolve a chamada teoria dos atos de comércio.

Tal dogmática, no entanto, esgota-se; ante a impossibilidade de se abarcar normativamente o fenômeno comercial em sua total abrangência econômica.

Sob tal paradigma, vem a lume uma acepção moldada sob a noção de empresa, a qual suspendeu aquele juízo calcado na teoria dos atos de comércio e apresentou um paradigma fundado na figura do empresário.

Desse modo, no Brasil, a partir do Código Civil de 2002, as relações mercantis passaram a ser disciplinadas por aquele diploma legal, adotando, como núcleo conceitual, a teoria da empresa e o conceito de empresário.

A unificação legislativa entre o Direito Civil e o Direito Comercial deu ensejo a questionamentos quanto à autonomia desse último ramo do Direito, fundada na noção de que a evolução do direito privado levaria à extinção do Direito Comercial.

Tais questionamentos, no entanto, perdem força ao se proceder à análise dos elementos constitutivos e identificadores do Direito Comercial, assim como, de seus princípios informadores.

Nesse viés, percebe-se que as atividades econômicas desenvolvidas no mercado possuem características muito peculiares, vicejando em um regime jurídico especial, com regras, princípios e institutos jurídicos próprios, que formatam o Direito Comercial.

Desse modo, apesar do Direito Civil e do Direito Comercial apresentarem similitudes em alguns aspectos de sua ontologia; diferenciam-se, entretanto, em grande medida, visto que se propõe a disciplinar aspectos próprios da natureza humana.

Deriva daí, a importância de se evidenciar a autonomia material do Direito Comercial, valendo-se, para tanto, da essencialidade valorativa de seus princípios informadores.

Por tal razão a necessidade de cultivá-los, ressignificando-os aos tempos atuais, de forma a justificar a autonomia do Direito Comercial, como expressão de maior eficácia social no disciplinamento das ações praticadas pelos agentes econômicos, na consecução do especial fim da mercancia, que tanto destoa, v.g., do disciplinamento civil da teoria geral das obrigações.

 

Referências.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 9ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.
BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos Fundamentais e Direito Privado Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2003.
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FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Direito Econômico Para Concursos. Salvador: Editora Juspodivm, 2011.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
JÚNIOR, Waldo Fazzio. Manual de Direito Comercial. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. 10ª ed. Editora Saraiva, 2013.
RAMOS, André Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.
REQUIÃO. Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.
Notas:
[1] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 03.
[2] REQUIÃO, Rubens. Ibid., p. 3.
[3] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 04.
[4] REQUIÃO, Rubens. Ibid., p. 4.
[5] REQUIÃO, Rubens. Ibid., p. 5.
[6] BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pp. 28 e 29.
[7] BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Ibid., p. 29.
[8] BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Ibid., p. 29.
[9] JÚNIOR, Waldo Fazzio. Manual de Direito Comercial. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 10.
[10] JÚNIOR, Waldo Fazzio. Ibid., p. 10.
[11] JÚNIOR, Waldo Fazzio. Ibid., p. 10.
[12] JÚNIOR, Waldo Fazzio. Ibid., p. 10.
[13] RAMOS, André Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 2.
[14] BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 27.
[15] Há que se ponderar que em Roma, apesar de alguns autores apontarem que lá se deu a origem do Direito Comercial, prepondera a noção de que o mesmo teve origem na Idade Média. No entanto, não se nega a influência do Direito Romano sobre o Direito Comercial, na medida em que vários institutos lá tiveram origem, como, v.g., o instituto da falência, as normas básicas sobre os contratos mercantis, a ação pauliana como forma de reprimir a fraude contra credores, a responsabilidade civil dos banqueiros e o comércio do transporte marítimo, entre outros (BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 27).
[16] RAMOS, André Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 3.
[17] NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa. 10ª ed. Editora Saraiva, 2013, p. 19.
[18] RAMOS, André Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 5.
[19] RAMOS, André Santa Cruz. Ibid., p. 20.
[20] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 12.
[21] COELHO, Fábio Ulhoa. Ibid., p. 12.
[22] BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 27.
[23] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 18.
[24] COELHO, Fábio Ulhoa. Ibid., p. 12.
[25] O que se quer dizer é que o direito possui expressões específicas para se referir à empresa nos seus perfis subjetivo (empresário) e objetivo (estabelecimento comercial), mas não possui uma expressão específica para se referir à empresa no seu perfil funcional. Nesse caso, resta-nos recorrer a um raciocínio tautológico: empresa é empresa. Melhor dizendo, o mais adequado sentido técnico-jurídico para a expressão empresa é aquela que corresponde ao seu perfil funcional, isto é, empresa é uma atividade econômica organizada (RAMOS, André Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 11).
[26] RAMOS, André Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 12.
[27] Unificação legislativa que anteriormente ocorreu na Itália, com o Código Civil de 1942, entre o Direito Civil e o Direito Comercial (BERTOLDI,  Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pp. 30 e 31).
[28] RAMOS, André Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 19.
[29] RAMOS, André Santa Cruz. Ibid., p. 18.
[30] RAMOS, André Santa Cruz. Ibid., p. 19.
[31] BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 39.
[32] BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 39.
[33] BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira, Ibid., p. 41.
[34] RAMOS, André Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013,  p. 20.
[35] RAMOS, André Santa Cruz. Ibid., p. 20.
[36] RAMOS, André Santa Cruz. Ibid., p. 20.
[37] Ainda dentro desse parâmetro, quanto a  onerosidade,  a “ocupação mercantil sempre se caracterizou pelo seu intuito econômico e especulativo” (BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 41).
[38] RAMOS, André Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 20.
[39] Art. 1o Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor (Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005).
[40] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 9ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 35.
[41] BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 329.
[42] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
[43] Aqui interessante aventar a chamada doutrina da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, onde se apresenta as relações de vinculação entre as relações privadas e os direitos fundamentais. Assim, “resulta clara a razão pela qual outros cidadãos são também atingidos e os direitos fundamentais produzem também – de certa forma por uma via indirecta – efeitos em relação a eles: justamente porque também no campo jurídico-privado do Estado, ou a ordem jurídica, estão, em princípio, vinculados a proteger o cidadão perante o outro”. (CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos Fundamentais e Direito Privado Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 58).
[44] Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. FIXAÇÃO PELO PODER EXECUTIVO DOS PREÇOS DOS PRODUTOS DERIVADOS DA CANA-DE-AÇÚCAR ABAIXO DO PREÇO DE CUSTO. DANO MATERIAL. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. 1. A intervenção estatal na economia como instrumento de regulação dos setores econômicos é consagrada pela Carta Magna de 1988. 2. Deveras, a intervenção deve ser exercida com respeito aos princípios e fundamentos da ordem econômica, cuja previsão resta plasmada no art. 170 da Constituição Federal, de modo a não malferir o princípio da livre iniciativa, um dos pilares da república (art. 1º da CF/1988). Nesse sentido, confira-se abalizada doutrina: As atividades econômicas surgem e se desenvolvem por força de suas próprias leis, decorrentes da livre empresa, da livre concorrência e do livre jogo dos mercados. Essa ordem, no entanto, pode ser quebrada ou distorcida em razão de monopólios, oligopólios, cartéis, trustes e outras deformações que caracterizam a concentração do poder econômico nas mãos de um ou de poucos. Essas deformações da ordem econômica acabam, de um lado, por aniquilar qualquer iniciativa, sufocar toda a concorrência e por dominar, em conseqüência, os mercados e, de outro, por desestimular a produção, a pesquisa e o aperfeiçoamento. Em suma, desafiam o próprio Estado, que se vê obrigado a intervir para proteger aqueles valores, consubstanciados nos regimes da livre empresa, da livre concorrência e do livre embate dos mercados, e para manter constante a compatibilização, característica da economia atual, da liberdade de iniciativa e do ganho ou lucro com o interesse social. A intervenção está, substancialmente, consagrada na Constituição Federal nos arts. 173 e 174. Nesse sentido ensina Duciran Van Marsen Farena (RPGE, 32:71) que "O instituto da intervenção, em todas suas modalidades encontra previsão abstrata nos artigos 173 e 174, da Lei Maior. O primeiro desses dispositivos permite ao Estado explorar diretamente a atividade econômica quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. O segundo outorga ao Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica. o poder para exercer, na forma da lei as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo esse determinante para o setor público e indicativo para o privado". Pela intervenção o Estado, com o fito de assegurar a todos uma existência digna, de acordo com os ditames da justiça social (art. 170 da CF), pode restringir, condicionar ou mesmo suprimir a iniciativa privada em certa área da atividade econômica. Não obstante, os atos e medidas que consubstanciam a intervenção hão de respeitar os princípios constitucionais que a conformam com o Estado Democrático de Direito, consignado expressamente em nossa Lei Maior, como é o princípio da livre iniciativa. Lúcia Valle Figueiredo, sempre precisa, alerta a esse respeito que "As balizas da intervenção serão, sempre e sempre, ditadas pela principiologia constitucional, pela declaração expressa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre eles a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa" (DIÓGENES GASPARINI, in Curso de Direito Administrativo, 8ª Edição, Ed. Saraiva, págs. 629/630, cit., p. 64). (…) (RE 648622 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 20/11/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-035 DIVULG 21-02-2013 PUBLIC 22-02-2013)
[45] Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I – sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV – a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
V – os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 2º – As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.
§ 3º – A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.
§ 4º – A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
§ 5º – A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
[46] PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. FARMÁCIA DE MANIPULAÇÃO. RESTRIÇÃO IMPOSTA PELO ARTIGO 29 DA PORTARIA Nº 344/98. SECRETARIA DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE (SVS/MS). PODER DE POLÍCIA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. LIVRE INICIATIVA.
ACÓRDÃO RECORRIDO QUE DECIDIU A CONTROVÉRSIA À LUZ DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL.
1. Fundando-se o Acórdão recorrido em interpretação de matéria eminentemente constitucional, descabe a esta Corte examinar a questão, porquanto reverter o julgado significaria usurpar competência que, por expressa determinação da Carta Maior, pertence ao Colendo STF, e a competência traçada para este Eg. STJ restringe-se unicamente à uniformização da legislação infraconstitucional.
Precedentes jurisprudenciais do STJ: REsp 806592, Relator Min. Luiz Fux, DJ 28.03.2007; RESP 804595/SC, DJ de 14.12.2006 e Ag 794505/SP, DJ de 01.02.2007.
2. In casu, a questão debatida nos autos – razoabilidade e proporcionalidade do ato administrativo emanado da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, consubstanciado pela edição da Portaria n.º 344/98, de 12.05.1998, a qual proíbe a manipulação em farmácias das substâncias constantes da lista "C2" (retinóicas), na preparação de medicamentos de uso sistêmico, e de medicamentos a base das substâncias constantes da lista "C3" (imunossupressoras) – foi examinada pelo Tribunal a quo à luz de aspectos eminentemente constitucionais, consoante se conclui do excerto do voto condutor do acórdão hostilizado às fls. 352/358, verbis: "A meu ver, essas medidas inserem-se perfeitamente no conceito de ação de vigilância sanitária e encontram respaldo direto no artigo 7° da Lei n° 6.360/76. Com efeito, o objetivo da medida foi proibir a venda de produtos contendo as substâncias mencionadas pelas farmácias de manipulação. Por outro lado, não há como se exigir que a lei, em sentido estrito, desça a detalhes para estabelecer a relação de substâncias de uso proibido ou controlado. A exigência de estudos detalhados e a necessidade de maior adaptação ao ritmo dos acontecimentos autorizam que a proibição de comercialização de produto tido como nocivo à saúde pública seja disciplinada em ato administrativo de categoria infralegal. E, verificando que a saúde pública estava suficientemente assegurada pela proibição da manipulação, sem prejuízo da comercialização do produto industrializado, a Administração não desbordou desse poder, pois quem pode proibir toda a comercialização pode também proibir parte dela ao verificar a suficiência dessa medida para atingir os objetivos visados. A interferência na liberdade de comércio é uma decorrência necessária desse dever do Estado. Não se cuida, neste momento, do tema da razoabilidade do ato administrativo, mas apenas de se afirmar a não ofensa ao princípio da legalidade. Superada essa questão, adentro ao tema da razoabilidade do ato administrativo. A ordem econômica no Brasil tem por fim assegurar a todos existência digna. Seus fundamentos são o trabalho humano e a livre iniciativa. A sua compreensão deve ser feita à luz, dentre outros, dos princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor. Não existe, porém, caráter absoluto na aplicação desses princípios. Eles têm caráter relativo e sua incidência, em um caso concreto, deve ser sopesada à luz de todo o ordenamento jurídico.
Como visto acima, os artigos 196, 197 e 200 da Constituição Federal oferecem ao Estado amplo espaço para restrição dos direitos decorrentes da livre iniciativa na área da comercialização de medicamentos. É certo que o Estado deve promover a acessibilidade aos medicamentos e que a proteção dos mecanismos de mercado consistentes na livre concorrência e na defesa do consumidor podem ser instrumentos valiosos nessa ação estatal. Contudo, diante do risco à saúde pública, o Estado tem o dever de regulamentar essa atividade. E, por envolver restrição a princípios fundamentais da ordem econômica e da ordem social, tem o Estado o dever de fundamentar essa intervenção . Trata-se do exercício do poder de polícia.(…) Portanto, a análise da legitimidade do ato administrativo, deve ser feita sob o prisma da razoabilidade, ou seja, do sopesamento da proporcionalidade e da adequação da medida para os fins pretendidos(…)" grifo nosso 3. Recurso Especial não conhecido.
(REsp 625.337/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/12/2008, DJe 15/12/2008)
[47] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constitução de 1988. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, 208.
[48] RAMOS, André Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, p. 20.
[49] RAMOS, André Santa Cruz. Ibid.,  p. 20.
[50]FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Direito Econômico Para Concursos. Salvador: Editora Juspodivm, 2011, p. 49.
[51] Há duzentos anos atrás, um valor caro ao direito comercial – o da liberdade de iniciativa e de competição – estava apto a nortear a superação dos conflitos de interesses na questão da qualidade dos produtos vendidos ao consumidor, por exemplo. Considerava-se, então, que as livres iniciativas e a concorrência criavam as condições para que os consumidores naturalmente optassem pelo melhor produto. O empresário que oferecesse ao mercado produto de baixa qualidade iria à falência. Não se deveria temer o desabastecimento porque sempre haveria alguém que identificaria no oferecimento do produto de melhor qualidade uma alternativa de ganhar dinheiro. A mão invisível do mercado ajustaria as coisas, de modo que os consumidores, no final, ficariam bem atendidos.
Evidentemente, essa forma de ver a questão da qualidade dos produtos oferecidos ao mercado de consumo não consegue mais dar conta da complexidade que hoje em dia a cerca. A liberdade de iniciativa e de concorrência é um valor a ser re-contextualizado pelos comercialistas, para que todos se convençam de sua pertinência e atualidade. Essa re-contextualização será tanto mais frutífera quanto mais se demonstrar o quanto é, no sistema capitalista, diretamente beneficiado pela livre competição a sociedade como um todo. Se os comercialistas não conseguirem fazer essa relação de forma convincente, não recoserão o valor esgarçado. Seu discurso parecerá duzentos anos envelhecido. Ninguém lhes dará ouvidos. (COELHO, Fábio Ulhoa. Os Valores do Direito Comercial e a Autonomia do Judiciário. Disponível em: http://www.ulhoacoelho.com.br/site/pt/artigos/doutrina/52-os-valores-do-direito-comercial-e-a-autonomia-do-judiciario.html. Acesso em 12 jul. 2013).

Informações Sobre o Autor

Alexandre Gazetta Simões

Mestrando em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (UNIVEM). Pós-graduado, com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC). Direito Constitucional (UNISUL). Direito Constitucional (FAESO). Direito Civil e Processo Civil (FACULDADE MARECHAL RONDON). Direito Tributário (UNAMA). graduado em Direito (ITE-BAURU. Analista Judiciário Federal – TRF3. Professor de graduação de Direito na Associação Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Instituto Palatino. Membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas da Faculdade Eduvale Avaré. – Ethos Jus. Co-autor da obra “Ativismo Judicial – Paradigmas Atuais” (2011) Letras Jurídicas. Co-Organizador da obra “Ensaios Sobre a História e a Teoria do Direito Social” (2012) Letras Jurídicas


Equipe Âmbito Jurídico

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