Resumo: O presente artigo busca discorrer acerca de um fato cotidiano de interesse público e, ao mesmo tempo, jurídico, que preocupa motoristas, ciclistas e pedestres: O acidente decorrente de via pública urbana danificada. A partir de uma análise do disposto no Código Civil, na doutrina e na jurisprudência, buscar-se-á discutir sobre a atribuição da responsabilidade civil ao município nos casos onde há danos ocasionados direta ou indiretamente por buracos, pedregulhos soltos e má sinalização das vias urbanas. Pretende-se, a partir dessa abordagem, unir material e informações que contribuam na divulgação sobre esse tema para o cidadão que ainda não sabe como agir e quais são os seus direitos quando prejudicado.[I]
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Buracos. Acidente. Município.
Abstract: This article seeks to talk about a daily fact of public and legal interest which worries motorist, cyclists and pedestrians: The accident caused by urban road damaged. From an analysis of the provisions of the Brazilian Civil Code, doctrine and jurisprudence, is expected to discuss the allocation of civil liability to the municipality in the cases where there is direct or indirect damage caused by holes, loose rocks and bad signs of urban roads. It is intended, from this approach, uniting material and information to assist in the publicizing on this topic for citizens who do not know how to act and what are their rights when they are affected.
Keywords: Civil Liability. Holes. Accident. Municipality.
Sumário: 1. Introdução; 2. Buracos e Lacunas; 3. Raízes e Galhos da Responsabilidade Civil; 4. Casos concretos no “concreto” desgastado; 5. Considerações finais; Referências Bibliográficas.
Vias públicas mal conservadas têm ocasionado transtornos aos cidadãos que sofrem com o desgaste do asfalto, buracos, pedregulhos soltos, bueiros abertos e falta de sinalização que os alerte sobre esses problemas. Além de prestar atenção no trânsito que em muitas cidades brasileiras tem estado cada vez mais caótico, motoristas e pedestres devem manter-se em estado de alerta quanto à estrutura física da via na qual se locomovem.
O que deveria ser assegurado pela administração pública, e que é financiado a partir dos impostos pagos pelo cidadão, é muitas vezes negligenciado, como se pode observar no caso da manutenção das vias públicas. Quando o transtorno causado pela falta dessa manutenção e sinalização transcende a questão de apenas “estado de alerta” para o pedestre ou motorista e evolui para acidente com prejuízos deste decorrente, cria-se uma situação onde quem sofreu o dano material e/ou moral merece ressarcimento da parte responsável pela causa desses.
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, como reza o art. 186 do Código Civil de 2002. Compreende-se que ato ilícito é conduta que fere direitos subjetivos privados, estando em desacordo com a ordem jurídica e causando dano a alguém. Dessa forma, a responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar um preceito normativo que regule a vida.
A pesquisa científica, ora proposta, realizou-se através do método exegético jurídico, tendo com base o estudo teórico na doutrina abalizada, consulta a artigos, revistas, legislação pertinente, jurisprudência pátria e análise de dados observados diante da análise de casos reais, para o levantamento de indicadores consistentes sobre a situação atual da capitulação de responsabilidade civil da Administração Pública em face da ocorrência de acidentes em vias públicas urbanas danificadas.
Percebe-se que uma maior divulgação e reflexão acerca desse tema são de extrema importância para o cidadão que sofre danos decorrentes da atual e deficitária infraestrutura das vias públicas urbanas e não sabe como agir após tal situação, muitas vezes arcando sozinho com os gastos decorrentes de algo que teoricamente é direito seu e dever do município assegurar.
A erosão é um processo de deslocamento de terra ou de rochas de uma superfície podendo ser causada por ação da natureza ou do homem. O desgaste do asfalto e a abertura de crateras em vias pavimentadas, ou não pavimentadas, são eventos comuns, mas nem por isso devem ser de convivência aceitável.
Rachaduras, pedregulhos soltos, bueiros abertos e buracos podem se tornar grandes inconvenientes a pedestres, motoristas e ciclistas. Segundo o Ministério da Saúde[II], os acidentes de trânsito estão entre as cinco principais causas de morte no Brasil e configuram-se como a segunda causa de morte no conjunto das causas externas, representado 28% deste total, atrás somente das agressões. Assim, além de ter que se preocupar com o caótico e perigoso trânsito presente na maioria das cidades com mais de 50 mil habitantes, o povo deve prestar atenção também nas condições físicas das vias por onde circula.
A atenção excessiva direcionada as condições do solo poderia ser atenuada se o poder público cumprisse com sua obrigação de manter e sinalizar as ruas e avenidas. O município é o responsável pela manutenção, conservação e fiscalização das condições do passeio público, de forma a garantir a segurança e integridade física da população ou, ao menos, na sinalização, alertando a existência de irregularidades evitando, assim, acidentes.
Como defende o Desembargador (RJ) Nagib Slaibi Filho[III], compete ao município zelar pela regularidade do tráfego, inclusive gerenciando a atividade das agências governamentais cujas atividades possam repercutir na utilização das vias públicas, como decorre do disposto nos arts. 29 e 30 da Constituição sobre a sua autonomia no que diz respeito ao interesse local.
No mesmo sentido, os ensinamentos de Yussef Cahali[IV]:
“A conservação e fiscalização das ruas, estradas, rodovias e logradouros públicos inserem-se no âmbito dos deveres jurídicos da Administração razoavelmente exigíveis, cumprindo-lhe proporcionar as necessárias condições de segurança e incolumidade às pessoas e aos veículos que transitam pelas mesmas; a omissão no cumprimento desse dever jurídico, quando razoavelmente exigível, e identificada como causa do evento danoso sofrido pelo particular, induz, em princípio, a responsabilidade indenizatória do Estado.”
Entretanto, o que pode ser observado é que, na proporção que se abrem rachaduras e buracos, surgem lacunas na administração pública que peca na sinalização e manutenção deixando de cumprir com sua obrigação de “organizar e prestar serviços públicos de interesse local” (CF. Art. 30, Inciso V).
Quando as vias públicas urbanas danificadas são as causas de acidentes, e destes decorrem danos materiais e/ou morais, a parte que sofreu os danos merece indenização que possa ressarcir todos os prejuízos, daí cabe a discussão acerca da responsabilidade civil, sua caracterização e pressupostos.
3. RAÍZES E GALHOS DA RESPONSABILIDE CIVIL
A responsabilidade civil é o dever de indenizar o prejuízo patrimonial ou moral causado a outrem que se impõe ao agente causador do dano. Acidentes decorrentes de vias públicas urbanas danificadas podem ocasionar danos materiais, estéticos e até mesmo morais. A imputação da responsabilidade nestes casos tem merecido atenção especial por parte dos operadores do Direito e deve obedecer a critérios normativos, bem como ser analisada sob uma ótica que busque garantir a díade fundamental: justiça e segurança jurídica.
Para discorrer sobre como tem sido o entendimento desses operadores e as justificações doutrinárias sobre esse tema específico, dever-se-á, primeiramente, abordar o tema responsabilidade civil de forma ampla.
O Art. 186 do Código Civil de 2002 dispõe que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Assim, “o caráter antijurídico da conduta e o seu resultado danoso constituem o perfil do ato ilícito[V]”. Como afirma Maria Helena Diniz[VI]:
“O ato ilícito é o praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica, destinada a proteger interesses alheios; é o que viola direito subjetivo individual, causando prejuízo a outrem, criando o dever de reparar tal lesão”
Havendo a lesão de direitos mais o dano, surge como consequência a obrigação de indenização. A contrariedade ao direito – ou ilicitude -, o dano e o nexo de causalidade são requisitos essenciais para que se impute a responsabilidade civil. Entretanto, se há legítima defesa, o exercício regular do direito e o estado de necessidade, pode ser excluída a ilicitude, logo, nestes específicos casos não se imputa responsabilidade civil.
É da natureza humana a busca pela reparação dos danos sofridos. Historicamente, pode-se observar que o ser humano sempre buscou formas de retaliação, utilizando-se muitas vezes da violência. Entretanto, a evolução das relações sociais e o consequente aprimoramento do Direito normatizaram as questões referentes à responsabilidade buscando garantir a ordem e a justiça, por mais que subjetivos ainda sejam os conceitos destas.
A responsabilidade civil passou por uma grande revolução ao longo do século XX, segundo Sérgio Cavallieri Filho, “foi, sem dúvida, a área do direito que sofreu maiores mudanças”. Muitas concepções foram reformuladas e novas teorias surgiram para ajudar na efetividade desse instituto jurídico. Rui Stoco[VII] afirma:
“[…] Tal desenvolvimento inclui o repensar de muitas concepções até então tidas como inabaláveis, ressaltando-se o entendimento –Hoje superado- de Von Lhering, de que não poderia haver responsabilidade civil sem culpa”.
Diz-se ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa, sendo esta um pressuposto necessário do dano indenizável. Entretanto, com o avanço no qual Rui Stoco refere-se, a teoria “da culpa” deixou de ser exclusiva. Atualmente, a lei impõe a certas pessoas em determinadas situações a reparação do dano cometido sem culpa, essa teoria é denominada objetiva ou do risco e, segundo Agostinho Alvim, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independente de culpa, ressalvando-se as exceções previstas em lei.
Discorrendo também acerca da teoria do risco, Carlos Roberto Gonçalves[VIII] afirma que:
“Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigado a repará-lo ainda que sua condição seja isenta de culpa.”
O Supremo Tribunal Federal também já se pronunciou sobre o risco administrativo:
“A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional.” (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 – RTJ 71/99 – RTJ 91/377 – RTJ 99/1155 – RTJ 131/417). (RE 109.615, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 02/08/96)
Percebe-se que a imputação da responsabilidade civil tem como elemento indispensável à relação de causalidade, e não necessariamente a culpa. Nos casos de serviços públicos, ou de utilidade pública, prestados diretamente pela Administração centralizada, responde a entidade pública prestadora pelos danos causados, independentemente da prova de culpa de seus agentes ou operadores. Pode-se observar no art. 37, §6º da Constituição Federal:
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
O Código Civil também discorre sobre o assunto no seu art. 43:
“As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.”
Nos casos de acidentes em estradas causados por defeitos na pista, como buracos, grandes rachaduras e depressões, sem a devida sinalização destes incidentes, respondem os departamentos, empreiteiras contratadas para a execução de obras e manutenção nas rodovias, ou o próprio Poder Público diretamente. Segundo Carlos Roberto Gonçalves, essa responsabilidade dos entes citados é objetiva, pois, como já foi abordado, independe de culpa.
Quando os defeitos e os consequentes acidentes e danos materiais e/ou morais ocorrem em vias públicas urbanas, como tenta frisar este trabalho, a responsabilidade é da Municipalidade. Confira-se:
“Acidente de trânsito. Automóvel que colide com monte de pedras britadas em via pública. Fato ocorrido à noite. Inexistência de sinalização. Responsabilidade da Prefeitura.
É responsável pelas consequências de eventual acidente a Prefeitura Municipal que, executando reparos no leito carroçável de via pública, deixa no local, por prepostos seus, montes de pedras britadas sem desviar o trânsito dos veículos ou alertar de maneira segura os motoristas que por ali conduzem seu veículo” (RT, 582:117).
“Acidente de trânsito. Queda em Buraco, aberto por empreiteira, em plena via pública. Inexistência de sinalização adequada. Responsabilidade da Municipalidade e da empreiteira reconhecida. Indenizatória procedente” (RT, 106:47).
“Acidente de trânsito. Evento ocasionado em razão de deficiência de sinalização em obras executadas em via pública. Indenização devida pelo Município e pela Empresa que realizou as obras na pista de rolamento – Inteligência dos arts. 30, III E VIII, e 37, §6º, da CF.” (RT, 782:323).
A teoria objetiva, apesar de ser mais um dispositivo que reforce e tente assegurar a imputação da responsabilidade civil ao Município e a consequente indenização a quem sofreu os danos ocasionados por vias públicas urbanas danificadas, não tem sido a única a ser aplicada. É entendimento doutrinário e de alguns tribunais que a teoria subjetiva já seria suficiente para associar a responsabilidade civil ao município nesses casos. Como se pode observar:
“DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO. BURACO EM RODOVIA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. FALTA DO SERVIÇO. Apesar da regra de que a responsabilidade civil do estado é de natureza objetiva (art. 37, § 6º, da cf/88), nas situações em que o dano ocorre em virtude de ato omissivo, deve ser aplicada a teoria da responsabilidade subjetiva, que exige a demonstração de culpa ou dolo da administração, quanto à adoção de medidas para impedir o evento lesivo. (2ª turma Cível- DF, 2007)” (Grifo nosso).
A própria omissão caracterizaria a culpa, elemento essencial da responsabilidade civil subjetiva, assim a ausência do serviço obrigacional é a condição do dano proporcionando sua ocorrência. Conforme entendimento do STF:
“A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público pelos atos ilícitos causados por seus agentes é objetiva, com base no risco administrativo, ou seja, pode ser abrandada ou excluída diante da culpa da vítima, mas em se tratando de ato omissivo do Poder Público, a responsabilidade passa a ser subjetiva, exigindo dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imprudência ou imperícia, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la”. (RT, 753:156) (Grifo nosso)
A negligência, a imprudência ou a imperícia imputam a culpa a Administração Pública. Portanto, as pessoas jurídicas de direito público podem causar danos por ato comissivo ou omissivo, sendo neste a sua responsabilidade subjetiva e naquele a responsabilidade objetiva caso decorra de atuação de seus agentes. Rui Stoco[IX] afirma ainda:
“[…] Deve-se esclarecer que a responsabilidade desenvolveu-se em dois planos distintos: aquele que decorre da obrigação de reparar por força da teoria do risco administrativo, de sorte que basta a ação, o nexo causalidade e o resultado lesivo para nascer a obrigação de reparar, tendo em vista a necessidade do estado de tutelar o cidadão; e o que decorre da omissão, de sua má atuação, das falhas do serviço e, então, nestes casos, o Estado se equipara a qualquer outra pessoa e responderá subjetivamente se atuou mediante culpa.”
Independente do tipo de caracterização da responsabilidade civil, o fato é que compete ao Município indenizar quem sofreu danos devido a falhas na prestação de serviço público. Brilhantemente, o jusfilófoso Miguel Reale colocou: “Responsabilidade subjetiva, ou responsabilidade objetiva? Não há que fazer essa alternativa. Na realidade, as duas formas se conjugam e se dinamizam”. Esses dois galhos da responsabilidade civil, embora cada um tenha peculiaridades próprias, buscam um objetivo comum que é assegurar que a responsabilidade seja atribuída de forma mais justa e capaz de ressarcir os danos de quem foi prejudicado. Se a via pública urbana encontra-se danificada em virtude da omissão do município, a responsabilidade pelos prejuízos causados por esse desgaste será subjetiva. Se os danos das vias foram causados por funcionários a serviço do município, a responsabilidade da administração pública será objetiva.
4. CASOS CONCRETOS NO “CONCRETO” DESGASTADO
A falta de informação e o receio de passar meses, ou até mesmo anos, envolvido em um processo judicial fazem com que as pessoas deixem de lutar pelos seus direitos e acabem sendo duplamente prejudicadas.
Apesar de haver grande parcela da população desinformada ou temerosa quando se trata da busca pelo ressarcimento dos prejuízos causados por acidentes decorrentes de vias públicas danificadas, há um grande acervo judicial sobre o assunto.
De acordo com o Processo Nº 001.06.008461-9, uma cidadã do município do Natal, no Rio Grande do Norte, acidentou-se em decorrência de um buraco no bairro de Igapó. O juiz Luiz Alberto Dantas Filho, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Natal, explicou na sentença que, se o Município, na sua função administrativa de preservação do passeio público, não agiu adequadamente ou o fez com deficiência, responde pela incúria, negligência ou precariedade, que traduzem em ilícito civil, causador de dano físico e psíquico à cidadã administrada, que será reparada pecuniariamente como forma de amenizar a dor sofrida.
Assim, configurada a omissão do Município por negligência e preenchidos os requisitos necessários, entende como caracterizada a responsabilidade deste, devendo reparar pelos danos causados à autora. A indenização ficou fixada no valor de 20 mil reais.
Ainda no Estado do Rio Grande do Norte, em junho de 2009, o Juiz André Melo Gomes Pereira, condenou a Prefeitura Municipal de Caicó a indenizar um moto-taxista devido a um acidente provocado por um buraco.
Segundo os autos do processo julgado, o moto-taxista estava trabalhando quando, na Rua Joaquim Gorgônio, bairro Acampamento, na tentativa de desviar de um buraco ali existente, perdeu o controle da moto e veio a colidir frontalmente com um poste de proteção em frente a uma residência na mesma rua. O autor disse que não havia nenhuma sinalização.
Observa-se a decisão do Juiz:
“ADV: ALBERTO CLEMENTE DE ARAÚJO (OAB 5282/RN), MARIA DA PENHA BATISTA DE ARAÚJO (OAB 578A/RN) -Processo 0003174-27.2010.8.20.0101 – Procedimento Ordinário – Indenização por Dano Moral – Autor: Otonildo Lins de Oliveira – Réu: Município de Caicó (Prefeitura Municipal) -Diante do exposto, julgo procedente em parte o pedido inicial, para condenar o Município de Caicó a pagar ao Sr. Otonildo Lins de Oliveira: A) a título de danos morais, o valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), o qual deverá ser acrescido de juros de mora de 1% a.m. (art. 406, caput, do CC c/c art. 161, §1º, do CTN), desde o evento danoso (data da cirurgia/súmula 54 do STJ e art. 398 do CC/02), bem como correção monetária a partir deste arbitramento (súmula 362/STJ); e B) pensão mensal vitalícia, no valor de um salário mínimo, a contar da data do evento danoso, devendo os valores atrasados serem atualizados monetariamente pelo IGP-M e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos desde o evento danoso. Sem condenação em custas processuais, em face da isenção legal de que goza o réu. Condeno o réu ao pagamento de honorários sucumbenciais, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, com base no art. 20, § 3°, do CPC. Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatória. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Caicó/RN, 12 de maio de 2011. André Melo Gomes Pereira Juiz de direito.” (Processo Nº 001.06.008461-9)
Em outro caso, tratando-se de danos ao automóvel, observa-se a sentença publicada no Diário da Justiça de 03 de julho de 2010, onde Juiz de direito Virgílio Fernandes de Macedo Júnior condenou o município do Natal a reparar os danos causados ao Autor da Ação Indenizatória no valor de R$ 1.112,00, pelos danos materiais e R$ 2.000,00, a título de indenização por dano moral, totalizando R$ 3.112,00. De acordo com o Processo nº 001.08.010536-0, o autor informou que trafegava com o veículo Uno Mille, pela Avenida Walfredo Gurgel, quando por volta de 00h30min foi surpreendido com um enorme buraco na via pública.
O autor teve o carro danificado, a ponto de interromper o deslocamento ao destino e aguardou quarenta minutos até a chegada do guincho, em situação de iminente perigo, dado o risco de violência no local. Além do prejuízo material no valor de R$ 2.951,68, ele ficou três meses sem utilizar o automóvel, tendo que contar com a ajuda de terceiros ou do transporte urbano público para se deslocar.
De acordo com o site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte[X]:
“Para o juiz, no caso dos autos não seria necessária sequer uma análise mais apurada dos documentos que instruíram os autos, para se perceber comprovado o evento lesivo, o dano sofrido pela vítima e a relação de causa e efeito existente entre o evento e sua atuação como ente Público, tudo a gerar a conseguinte responsabilidade de indenizar, que no caso independe de culpa.”
A partir dos casos citados, pode-se observar o quão lesiva pode ser a falha da administração pública quando não cumpre com sua obrigação de conservar as vias públicas. Sem a omissão do Município o evento danoso não ocorreria, logo, observa-se o intenso nexo causal e a consequente responsabilidade civil do estado em ressarcir os danos sofridos por quem foi vítima de acidentes provocados por bueiros abertos, buracos, pedregulhos soltos, rachaduras, acúmulo de terra e má sinalização destes eventos nas ruas, ruelas e avenidas.
Como foi visto, os danos podem variar de prejuízos materiais, como despesas com hospital e conserto do automóvel, até questões mais complexas que envolvem impossibilidade física e lucros cessantes, podendo ser qualificado também o dano moral. Fotos, testemunhas e, principalmente, o orçamento de oficinas, hospitais e de todos os demais gastos decorrentes do acidente provocado pela via pública urbana danificada são de extrema importância para o processo.
Vias públicas danificadas podem ocasionar tragédias que ferem, matam e incapacitam, gerando danos sociais gravíssimos além de representarem uma violência à integridade física e moral dos cidadãos. As vítimas devem lembrar que, se preferirem permanecer inertes, elas podem fazer com que aquele buraco, rachadura, pedra solta e bueiro aberto mal sinalizados, permaneçam nas vias e causem mais acidentes. Nas belas palavras de Von Ihering[XI], “O Direito é um trabalho incessante não somente dos poderes públicos, mas ainda, de uma nação inteira”.
Assim, além de buscar o ressarcimento dos prejuízos, a ação da vítima estará ajudando a denunciar a existência do desgaste da via e mostrando o perigo que ela pode causar a todos. O município quando julgado pela sua omissão poderá tomar mais cuidado e desempenhar melhor sua função de manter e sinalizar as vias públicas.
Em uma análise tridimensional dessa importante questão de interesse público e jurídico, é possível observar que os casos concretos e o perigo notoriamente visível nas vias públicas desgastadas e na necessidade excessiva de atenção por parte dos pedestres, motoristas e ciclistas pelas condições físicas do lugar por onde se locomovem, caracterizam o lado fatídico da questão; a vontade e luta pela Justiça, através da busca pela reparação dos danos sofridos, constituem a vertente axiológica; e a aplicação do disposto no ordenamento jurídico de forma a tentar garantir a justa aplicação das leis e assegurar o direito constitui o lado normativo, completando, assim, o prisma tridimensional do direito, que a partir da correlação do fato, do valor e da norma atinge-se uma eficiente interpretação que servirá de base para a aplicação do direito de forma mais eficaz e efetiva possível, bem como garantir a díade jurídica fundamental, como defende Miguel Reale[XII], justiça e segurança.
Circular em vias públicas bem conservadas e seguras é direito do cidadão que, através do pagamento de impostos, financia o que a administração pública deve assegurar. Quando esta se omite, e dessa negligência surge danos, caberá a ela suportar as consequências do seu procedimento, bem como, de forma objetiva, se o erro foi de seu funcionário, ressalvadas as exceções previstas em lei.
Discorrer sobre a Responsabilidade Civil é essencial para a divulgação desse importante tema jurídico para quem ainda não sabe como agir e quais são os seus direitos quando prejudicados. Desta forma, buscou-se nessa pesquisa científica limitar esse vasto ramo a um assunto que, infelizmente, é cotidiano e preocupa a todos: os acidentes decorrentes das vias públicas urbanas danificadas. Espera-se poder transpor o ato de divulgar e poder também mudar a realidade do descaso dos Municípios quanto à conservação das suas ruas e avenidas, relembrando os seus deveres e a responsabilidade de ressarcir a todos que se prejudicarem caso os entes públicos não cumpram com suas obrigações.
Para serem asseguradas as garantias previstas em lei e no desejo comum de justiça é preciso que a população também não se omita e lute pelos seus direitos a partir de gestos simples, como: votar conscientemente; fiscalizar a administração pública através dos meios que a tecnologia trouxe ao cidadão e das notícias veiculadas pela imprensa confiável; buscar conhecer o básico do ordenamento jurídico brasileiro e, consequentemente, saber seus direitos e deveres.
Com uma população consciente, as lacunas do poder público poderão ser preenchidas através da cobrança, não necessariamente judicial, mas também direta do cidadão. Assim, consequentemente, preenchidos, os buracos nas vias públicas também serão.
Informações Sobre os Autores
Lênora Santos Peixoto
Acadêmica de Direito da UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Aurélia Carla Queiroga da Silva
Mestre em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação da UFRN. Especialista em Direito Processual Civil pela UFCG. Professora de Direito Civil e da Área Propedêutica na UERN