Ações coletivas: interesse de agir e legitimação

Resumo: O presente texto cuida de analisar as Condições da Ação nas Ações Coletivas, mas especificamente a questão da Legitimidade e do interesse de agir. Realizado através de pesquisa bibliográfica, analisa inicialmente os conceitos tradicionais Legitimidade e Interesse, para depois observar a adaptação dessas categorias jurídicas aos direitos difusos e coletivos, finalizando com a análise das figuras legitimadas para a defesa de interesses difusos e coletivos no processo civil brasileiro.

Palavras-chave: Ações Coletivas; Direitos Difusos; Legitimidade; Interesse; Processo Civil;

Riassunto: Questo testo si occupa di analizzare le condizioni di azione sulle azioni collettive, ma in particolare la questione di legittimità e di interesse ad agire. Eseguita attraverso una revisione della letteratura, Legittimità analisi inizialmente tradizionali concetti e interessi, e quindi osservare l'adattamento di queste categorie giuridiche dei diritti diffusi e collettivi, per finire con l'analisi dei dati relativi alla legittima difesa degli interessi diffusi e collettivi in Brasile processo civile.

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Parole-chiave: Azioni di Classe; Diritti Diffuse, Legittimità, Interessi; Processo Civile;

Sumário: 1.Introdução; 2. Legitimação e Interesse nas Ações Coletivas; 3. Condições da Ação; 4. Interesse Processual; 5. Legitimação para agir, 5.1 Legitimação Difusa, 5.2 Legitimação restrita a grupos sociais, 5.3 Legitimação de órgãos e agências governamentais especializadas, 5.4 Legitimação do Ministério Público, 6. Conclusão; 7. Referências;

1. Introdução.

Inegáveis são as transformações que o Advento das Ações coletivas tem promovido na Ciência Processual. A preocupação com a defesa dos interesses difusos vem vertiginosamente ganhando força a partir da segunda metade do século passado e criando a consciência em todo mundo da necessidade de instrumentos eficazes a tutelá-los, papel que será desempenhado em parte pelas chamadas Ações coletivas. No entanto, o direito processual, acostumado a relação linear, própria do Direito Privado, tem grandes dificuldades em se adaptar e desempenhar seu papel, como meio eficaz do exercício da jurisdição, 0 que vem motivando as transformações da Ciência Processual.

Um dos pontos interessantes dessas transformações, trata-se das condições da ação na tutela dos interesses difusos, o que o presente trabalho propõe-se a analisar.

Trata-se de uma questão importante, já que quando tratamos de interesses difusos, objeto da tutela das ações coletivas, não se pode encaixá-los dentro da relação jurídica intersubjetiva tradicional, sendo que, quanto as condições da ação, as ações que versem sobre eles também receberão tratamento diferenciado.

2. – A Legitimação e Interesse nas Ações Coletivas.

São inegáveis as transformações por que passou a ciência processual nos últimos anos, muitas delas decorrentes das próprias transformações sofridas pelo Estado organizado.

A infeliz experiência dos regimes autoritários, ou mesmo antes o omisso Estado Liberal burguês, levaram os países que se reconstitucionalizaram nos últimos anos a restaurar suas democracias sobre bases humanistas, elegendo a dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais como valores máximos dessas sociedades, sobrepondo-os até a própria soberania popular. Tal acontecimento traz uma série de conseqüências para a relação da sociedade civil para com o Estado.

Leonardo Greco (1988, 7) informa algumas dessas conseqüências. A primeira é a instituição de mecanismos de controle cívico do arbítrio estatal, como a figura do ombudsman, as Ações Populares, a extensão do controle dos atos da administração e a ampliação do acesso ao contencioso constitucional. A outra conseqüência é o fortalecimento do espírito associativo, munindo os grupos sociais de meios de defesa dos interesses de seus associados, como pressuposto para concretizar, substanciar e dar eficácia imediata às liberdades fundamentais garantidas ao cidadão. Esse fenômeno também decorre da massificação da sociedade pós-revolução industrial, já que os valores individualistas do séc XIX sucumbiram sob o peso da sociedade de massa. Nessa sociedade não há lugar para o homem enquanto indivíduo isolado; ele termina por ser absorvido por grandes grupos de que se compõe e que atuarão na sociedade.

As novas democracias deixariam de lado o paternalismo elegendo como seus valores o pluralismo ideológico, político, social e econômico, a oponibilidade dos direitos fundamentais tanto ao Estado quanto aos demais cidadãos, bem como a interferência do Estado para asseguram o necessário equilíbrio das relações sociais, de tal modo que todos os cidadãos possam desenvolver plenamente a sua personalidade e as liberdades que a lei lhes garante.

A própria Democracia passa a ter um novo sentido, extrapolando a idéia de sufrágio para depender da idéia de participação cotidiana dos cidadãos, enquanto destinatários, na formação da vontade estatal, sejam estes grupos ou indivíduos.

Ainda dentro dessa idéia, o Estado é autolimitado, passa a desenvolver um papel bem definido, seus poderes são limitados, e regulados por lei, sob a vigilância da coletividade, vigilância essa será eficaz na medida da capacidade articulação e agrupamento dos cidadãos.

Frente a essas mudanças, e a esses novos paradigmas propostos pela humanização, o direito processual também evoluiu, uma vez que é o processo/meio através do qual os cidadãos buscarão a eficácia imediata dos seus direitos individuais. Sendo assim, várias mudanças ocorreram na ciência processual, sendo que a extensão da legitimatio ad causam supra individualmente é um dos exemplos mais claros dessas mudanças.

A legitimação ordinária, primado do Estado Liberal Burguês onde somente ao titular do direito dizia respeito o seu patrimônio não sendo permitido ingerências na sua vida privada, abre espaço para a legitimação extraordinária, que, vem conferir o acesso à jurisdição a sujeitos que estejam em condições de provocá-la, independente de condições econômicas e sociais, para que o direito de ação não seja uma mera garantia teórica. Assim, ocorreu um alargamento ou a criação de figuras de legitimação extraordinária: a substituição processual legal, a substituição processual voluntária, as ações populares, a legitimação por categoria, as ações de grupo, e o Ministério Público como agente.

No entanto, cumpre-se destacar que a legitimação extraordinária, não deve servir para tolher a liberdade individual ou criar novos mecanismos de sujeição em prejuízo da dignidade e liberdade dos cidadãos, através da interferência pela iniciativa processual de sujeitos estranhos aquela relação de direito material, e sim, garantir o acesso à Justiça, independente de suas eventuais hipossuficiências, garantindo ao mesmo a sua capacidade de dispor tanto do direito material quanto do direito ao processo.

3. – Condições da Ação


Condições da ação são, nos dizeres de Leonardo Greco, “requisitos da existência de direito ao exercício da função jurisdicional sobre determinada pretensão de direito material. Sem elas, as partes não devem ter direito à jurisdição, a um provimento jurisdicional que possa vir assenhoreá-las do bem da vida postulado” (2003, 18). São assim, as condições da ação, requisitos indispensáveis para que se possa exercer o direito à jurisdição com vistas a obter um determinado bem da vida. Funcionam como uma espécie de filtro garantidor dos direitos do cidadão, uma vez que visa garantir que a jurisdição só se exercerá através de uma ação validamente propor, e não qualquer ação. Conforme o referido autor assevera, as condições são necessidades resultantes “das garantias fundamentais do Estado de Direito, que se impõe o dever de assegurar a eficácia concreta dos direitos dos cidadãos. Essa eficácia estará completamente comprometida se o titular do direito puder ser molestado, sem qualquer limite, no seu pleno gozo, por ações temerárias ou manifestamente infundadas contra ele propostas” (GRECO, 2003, 21).

A questão das condições da ação é particularmente interessante no tocante as ações coletivas, uma vez que fica mais evidente a dificuldade do processo civil tradicional para tratar essas ações. Mancuso afirma que “a concepção ‘clássica’, pela qual o processo civil é o receptáculo natural das controvérsias intersubjetivas, sendo ele, em princípio, refratário a servir como veículo de litígios supraindividuais, da mesma forma que lhe é estranho o mero controle da legalidade e, mais ainda, o papel de instrumento de consultações jurídicas” (MANCUSO, 1997, 130-131). O processo civil, sob essa visão tradicional, apresenta-se como um instrumento a serviço dos direitos subjetivos, conquanto estes possam ser exercidos individualmente ou coletivamente. Aqui está-se a se referir ao caso das ações de mero exercício coletivo, conquanto os interesses a que visa continuam a ser privados, diferentemente da Ação coletiva propriamente dita, que visa o interesse social ou interesses difusos, não importando se que seja posta por um indivíduo ou por um agrupamento.

Assim, para que se possa falar das ações coletivas dentro da ciência processual civil, é necessário se pensar a evolução dessa ciência, com a mudança de determinadas sentenças e de conteúdos. Reza o processo civil brasileiro que “para se propor uma ação é necessário interesse e legitimidade”, no entanto conteúdo semântico  e teleológico dessa expressão evolui constantemente, pelo trabalho da jurisprudência e da doutrina, em face das novas realidades, necessidades sociais e problemas que se apresentam ao mundo do direito, obrigando a que se dê novos sentidos a “interesse” e “legitimação”, capazes de comportar ou apresentar soluções para esses problemas.

4. – Interesse Processual.

Interesse processual é a necessidade fundada e verossímil de se recorrer a jurisdição para se alcançar um determinado bem da vida, ou, conforme afirma Leonardo Greco, “é a necessidade de recorrer à jurisdição para alcançar um bem jurídico com base numa pretensão jurídica suficientemente fundamentada em fatos verossímeis, cuja prova pré-constituida disponível seja desde logo apresentada” (GRECO, 2003, 40). A prova nesse caso, servirá para o exame da própria existência das condições da ação.

Contemporaneamente, o interesse processual é observado sobre o tríplice aspecto:

a)    A necessidade da ação judicial para a obtenção do bem da vida pretendido e que não poderia ser obtido por outra via;

b)    O oferecimento de utilidade prática ao autor pela ação, seja acrescentando algo à sua situação jurídica pré-processual ou removendo algum óbice.

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c)    Apresentação da ação de forma adequada aos objetivos perseguido em juízo (pedido imediato e mediato).

Dessa o interesse processual visa oferecer uma necessária vinculação ou agregação do processo a uma realidade material, evitando que a ação torne-se uma entidade em si mesma, sem qualquer finalidade prática, afastada da sua finalidade original que é a de servir de meio à atuação da norma de Direito Objetivo. Aliás, essa preocupação sempre se mostrou presente na doutrina, desde a desvinculação do direito processual do direito material, mostrando-se aquela temerosa do excesso de abstracionismo provocando um distanciamento indesejável do processo.

A doutrina francesa contemporânea desloca o âmago da questão do interesse processual para a situação de vantagem, ou do benefício perseguido em juízo. Nesse sentido entende-se que três são os identificadores, ou elementos essenciais do interesse processual: o primeiro é a certeza, no sentido de que o interesse processual deve ser atual e concreto. O segundo é a individualização apontando que ele deve ser determinado e  ligado a um titular. E, finalmente, que esse interesse, não seja simplesmente qualquer interesse, mas um interesse legítimo.

Essa visão apresenta dois aspectos bastante questionáveis. O primeiro, é que ela já invadiria o campo da Legitimidade pra agir, na medida em que tratar-se-ia de quem pode pedir a tutela jurisdicional.  E em segundo é que, a partir do momento em que se exige a ligação entre o titular da pretensão de direito material e o autor, surge um sério obstáculo, quando se pleiteia uma tutela que por mais relevante que seja, por natureza, não possa ser afetada a um titular, como no caso dos interesses difusos. Volta-se aqui ao problema da visão tradicional do processo civil teimar em se prender ao caráter privatista original da ação, pois na questão das pretensões de natureza supraindividual, que dizem respeito não a um interesse individual mas de toda a coletividade, ou pelo menos de um agrupamento de indivíduos não definível, careceriam dessa concreção.

Ora, os interesses difusos apresentam um grau de coletivização desagregado, que cria uma situação de indeterminação de sujeitos, apesar da relevância social. Quando falamos dos direitos subjetivos, no esquema tradicional estes guardam uma relação necessária com o seu titular, da qual vai depender a tutela estatal, pois só estes são qualificados com sanção no caso de desrespeito. A partir do momento que os interesses difusos não podem ser referíveis a um conjunto determinado ou determinado de pessoas, chocam-se com esse critério da tutela baseado na titularidade. Destarte, a relevância jurídica do interesse não virá mais de sua afetação a um titular, mas sim, do fato que é próprio dele pertencer a uma pluralidade de sujeitos.

É próprio dos interesses difusos a “indeterminação de sujeitos”, visto não haver um vínculo jurídico a agregar os indivíduos a que dizem respeito esses interesses. Eles se agregam ocasionalmente em virtude de acontecimentos que identifica seu interesses em um mesmo grupo de pessoas. Os sujeitos são agregados no caso por fato que é o denominador comum e de relevância social. O fato de habitarem a mesma região, de terem adquirido um mesmo produto, de fazerem uso de um mesmo serviço, de pertencerem a uma mesma comunidade, de pertencerem a um mesmo agrupamento social, étnico, etc.

Como se resolver então o problema do interesse de agir quando disser respeito a interesses difusos?

MANCUSO (1997, 136), discorre sobre duas soluções. A primeira delas seria alargar o conceito de direito subjetivo, admitindo que ele comporta não só as situações por ele pressupostas, como também as outras que com ele não sejam conflitantes. A outra seria admitir que existem valores além dos direitos subjetivos merecedores de tutela jurisdicional.

Examine-se cada uma dessas hipóteses.

A primeira delas advém do entendimento de que a outorga de tutela jurisdicional apenas aos chamados direitos subjetivos representa uma postura restritiva e elitista, de cunho patrimonialista, restando sem guarida valores maiores, atinentes à coletividade, de cunho social. Paulatinamente, no entanto, vem crescendo a idéia de se não forem esses interesses direitos subjetivos, são ao menos, interesses legítimos, no sentido de serem compatíveis com o sistema jurídico e socialmente relevantes. Conforme relata MANCUSO (1997, 137-138), no âmbito processual, essa idéia gerou também seus efeitos, com o reconhecimento de certos interesses supraindividuais, dignos de tutela, embora de forma tímida: o interesse a probidade administrativa (normalmente tutelado através das ações populares), a existência de certas massas de interesses (concernentes a uma determinada profissão ou a uma determinada categoria), entre outros.

A idéia da personificação de um interesse, que o torna afetado a um titular vai aos pouco cedendo espaço para um novo tipo de interesse processual, o chamado interesse legítimo. Dessa forma, a ação passaria a ser um meio de fazer valer em juízo aquilo que é legítimo, pela sua relevância social, desprezada a circunstância de ser ou não o interesse passível de ser agregado a um sujeito determinado.

A segunda solução seria a admissão da existência dos direitos difusos como um novo gênero de direitos, cuja tutela se justificaria no fato de se tratar de interesses legítimos e relevantes, ao invés de se tentar a conversão de interesses difusos em direitos subjetivos.

Conforme já visto retro, no que tange ao interesse processual, o eixo que girava em torno da titularidade do direito material, onde o necessidade da tutela jurisdicional se originava do aspecto patrimonial-individual do interesse, desloca-se para a questão da relevância social do interesse. Se é socialmente relevante, é digno de proteção jurisdicional, não importa se é determinado o seu titular. O próprio conceito de jurisdição se altera, deixando de ser um meio de resolução de questões individuais para ser um meio de resolução efetiva da ordem jurídica, nessa compreendido tudo que é justo, ético e legítimo.

Sob essa ótica, é inconcebível que não se tutele os interesses de certos agrupamentos, como por exemplo um grupo de consumidores, ou um grupo de moradores de determinada região afetada por um dano ambiental pelo simples fato de que não é possível individualizar os titulares desses interesses.

Assim, o que se propõe é uma revolução na função da ação judicial. Que ela não seja apenas um meio de consecução de direitos subjetivos, mas um verdadeiro canal de comunicação entre as reivindicações e os anseios da comunidade, mesmo que tais aspirações não se encaixem no conceito de direitos subjetivos.

O conceito de interesse processual sob essa ótica, é buscado na relevância da pretensão que se objetiva em juízo, independente dela se tratar de um direito subjetivo material. A ação continuará a ser um direito subjetivo, mas o interesse que a fundará não terá como elemento a personificação do interesse. No entanto, é importante se ressaltar aqui, que o fato de se desconsiderar se o titular é determinado ou não, não quer dizer que o interesse não deva se apresentar à jurisdição sem um portador adequado.

5. – Legitimação para agir.

 Legitimação para agir diz respeito a identidade subjetiva da ação com o titular do direito subjetivo. “A ação somente pode ser proposta pelo sujeito que tenha o direito subjetivo de exigir do Estado a prestação jurisdicional sobre a demanda” (GRECO, 2003, 40).

Conforme aponta Mancuso, para alguns autores, a legitimação para agir corresponder ao aspecto pessoal e direito do interesse de agir, e, assim, estaria ela, em verdade, subsumida na compreensão desta última categoria (MANCUSO, 1997, 144-145). A origem dessa idéia, estaria no fato de que a legitimidade, embora se tratando de uma categoria processual, extrai seu conteúdo a partir da situação jurídica de Direito Material que lhe é subjacente. No entanto, vários são os casos em que se revela a autonomia desses conceitos, como na hipótese de que, existindo vários interessados, outorga a uma delas o poder de agir.

O problema que surge quando se levanta a questão da legitimidade para agir nos conflitos supraindividuais é que, mesmo que se supere o obstáculo do interesse de agir, entendendo que é dispensável a afetação desse a um titular determinado, sendo o interesse é legítimo e relevante, resta saber quem é idôneo, adequado para reclamar em juízo a tutela desses interesses que não podem ser afetados a sujeitos determinados.

No caso dos interesses difusos, os mesmos não comportam agregamento definitivo, tanto pela indeterminação dos sujeitos ou pela fluidez de seu objeto, que muitas vezes pode ser ocasional ou efêmero, não se podendo exigir que se apresentem organizados.

Assim, a questão que se coloca é se é possível reconhecer o poder de agir a um cidadão ou a um grupo social, que se pretendem portadores de interesses que não podem ser ligados a um titular exclusivo e a que título e como exercerão esse poder, se é possível na estrutura processual atual, o exercício desse poder.

Em função dessas peculiaridades dos interesses difusos, são propostas algumas alternativas para a determinação dos legitimados na tutela dos interesses difusos, que passa-se a analisar.

5.1 – Legitimação Difusa.

 Tratando-se de interesses difusos, o ideal seria que a legitimação fosse também difusa, isto é, aberta a todos os interessados, servindo assim à participação popular através da justiça. Essa legitimação seria disjuntiva ou concorrente, na medida em que pudesse ser exercida por em separado ou simultaneamente, individualmente ou por sujeitos articulados.

No entanto, correria se o risco de a ação ser mal usada, utilizada com fins de emulação, retaliação ou simplesmente se molestar outrem, onde a alegada proteção do interesse público apareceria como mero pretexto. Ou ainda a possibilidade da ação ser usada indevidamente objetivando uma sentença de improcedência e se sepultar o assunto.

No Brasil, que adota essa legitimação difusa, concorrente e disjuntiva em várias ações, são adotados alguns mecanismos na sistemática da ação popular no sentido de coibir esses comportamentos. Assim, o Ministério Público é legitimado a prosseguir a ação em caso de desistência e a ele também cabe fazer a produção das provas; nos casos de improcedência da ação em razão da precariedade probatória, não se opera o efeito da coisa julgada material, aplicando-se aí a teoria da coisa julgada secundum eventus litis; nos casos de ações propostas temerariamente, o autor é condenado ao décuplo das custas, sem prejuízo de responsabilidade residual, civil e penal, conforme o caso.[1]

O autor popular age por legitimação ordinária, visto que ele exerce o direito primário decorrente da soberania popular, de que ele é titular como todo cidadão. Age então em nome próprio, na defesa de interesse próprio (sua quota parte enquanto cidadão à defesa do patrimônio público, ou à uma administração proba, ou seu direito subjetivo público à participação na gestão da coisa pública). Essa legitimação é concorrente ou disjuntiva, já que os cidadãos podem agir isolada ou simultaneamente.

Outra solução dada para se resolver a questão da legitimação difusa é o da Legitimação por categoria, que conforme informa que acontece nas class actions do Direito norte-americano, onde o sujeito interessado pode provocar o exercício da jurisdição pelo simples fato de pertencer a uma categoria social, apresentando-se como seu “representante ideológico”.

A legitimação não é buscada na coincidência entre o titular do direito material e o ator da ação, mas por um critério objetivo que é o da adequacy representation, isto é, busca-se saber se a parte presente em juízo, reúne as condições para representar aquela categoria social. Essa verificação é importante porque, a partir do momento que se verifica que se trata de uma class action e que a representação é adequada, a sentença gerará efeitos erga omnes, para todos os representantes daquela categoria, independente de estarem presentes na ação.

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Cabe perquirir se o sistema brasileiro permite o controle da legitimação por via desse sistema de representatividade adequada.

Ada Pellegrini Grinover (2002, 5) levanta essa questão ante os problemas práticos surgido pelo manejo de ações coletivas por parte de associações que, embora obedeçam o critério legal, não apresentam a credibilidade, a seriedade e a idoneidade adequada, além do próprio do fato de muitas vezes o Ministério Público estar atuando sem o verdadeiro respaldo dos interesses que se diz portador, ou até em sentido contrário a esses.

Para casos como esses, seria bastante interessante reconhecer ao juiz o controle sobre a legitimação em cada caso concreto, de modo a possibilitar a inadmissibilidade da defesa dos interesses difusos por via da ação coletiva, quando a representação se apresentar “inadequada”.

Assim a referida autora extrai a possibilidade do sistema de “representatividade adequada”, do fato da mesma não se mostrar incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro e ainda do art. 82, § 2.º do Código de Defesa do Consumidor que permite ao juiz dispensar a associação do requisito da pré-constituição há pelo menos um ano, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. A prerrogativa do juiz nesse caso, de analisar o caso concreto para o reconhecimento da legitimação, está muito próxima do exame da “representatividade adequada”, podendo o juiz negar a legitimação quando não entender presentes os requisitos de adequação.

Consoante com essas idéias, defende a autora, se porta a jurisprudência brasileira, na medida que a mesma tem se firmado no sentido de somente reconhecer a legitimação do Ministério Público nas ações em defesa de direitos individuais homogêneos, somente na hipótese do juiz reconhecer a relevância social dos interesses.

Assim, entende ser possível a adoção no Brasil, do sistema de controle pelo juiz da “representatividade adequada” na ausência de norma impeditiva.

5.2 – Legitimação restrita a grupos sociais.

No caso da Legitimação restrita a determinados grupos sociais diversos, essa se apresenta de forma menos clara, visto que é preciso saber quem está legitimado e como.

Quanto às associações regularmente constituídas e reconhecidas pelo poder público, muitas vezes elas representam um papel quase público, como verdadeiras auxiliares do Ministério Público. Estando elas como portadoras de interesses difusos, é possível identificar dois sistemas. Em alguns casos, a lei se encarrega de conferir poder de agir a uma determinada associação, para a defesa dos interesses difusos que ela representa. Em outro, o legislador, um pouco mais comedido, aponta requisitos que uma associação deve preencher para se beneficiar daquele poder. Em ambos os casos, parece que esses grupos teriam legitimação ordinária, visto que a própria lei que reconhece à associação o poder de representar certa massa de interesses em nome próprio, assim, existe a coincidência entre a titularidade da pretensão e o sujeito agente.

Uma questão bastante delicada é quando se trata de interesses difusos que dizem respeito a uma certa agrupamento que não está organizado em torno de uma personalidade jurídica.

Conforme já dito retro, os interesses difusos tem como característica não ser suscetível de agregação definitiva em grupos sociais pré-determinados. A difusão vem justamente de que a legitimidade surge da simples relevância desses interesses para um grupo indeterminado de indivíduos e da característica de seu objeto não ser passível de fruição exclusiva. Nesse caso, seria uma aberração que qualquer grupo recebe a outorga exclusiva de sua titularidade, ou mesmo um rigor formal na constituição de grupos que se pretendem portadores desses interesses.

Outro aspecto desses interesses é a sua rápida mutação no tempo. Muitas vezes eles tem que ser exercidos prontamente, não havendo tempo hábil para atendimento a rigorismos formais na constituição do grupo interessado, pois até que as formalidades sejam cumpridas, é possível e até provável que uma lesão tenha acontecido. Ora, os interesses difusos são sustentáveis também por grupos ocasionais, espontâneos, surgidos ao influxo de situações emergenciais da vida em sociedade. Isso impossibilita a prévia organização formal bem como a rápida articulação para essa organização na eminência de uma situação perigo para esses interesses.

O fato é que se não se reconhecer a esses grupos não personificados a legitimidade para agir de alguma forma em defesa de eventuais interesses difusos, o Estado Democrático de Direito estará em cheque, uma vez que não estaria realizando sua função jurisdicional para efetivar a ordem jurídica.

O que se argumente em contrário a essas idéias é que o acesso a justiça de grupos não-organizados, não-personificados, cuja personalidade e seria investigada re conhecida em cada caso pelo juiz, poderia gerar abusos, em função de um superdimensionamento do poder discricionário do juiz. No entanto, é verdade que o próprio legislador tem como prevenir ou remediar esse superdimensionamento, inserindo na lei critérios que deverão nortear o legislador investigar a “representatividade adequada” do grupo no caso concreto.

Mancuso (1997, 183) insiste que ainda nesse caso, “não é relevante a questão da personalidade jurídica, recaindo a tônica na importância social do interesse  (sua legitimidade) e narepresentatividade do grupo, como elementos objetivos ensejadores da legitimação para agir. Quanto aos temores do Estado acerca de que grupos formados no influxo de contingências sociais, persigam objetivos carentes de seriedade, a como se prevenir ou remediar tais riscos, instituindo-se sanções para os caso de ações temerárias, ou com objetivos de colusão ou emulação.

Ainda afirma o referido autor que no caso de grupos ocasionais, seria ainda a legitimação do tipo ordinária, visto que a ação do grupo e os interesses difusos nela veiculados tornam-se de tal modo indissociáveis, que se pode dizer que o grupo age em nome próprio, por direito próprio.

5.3 – Legitimação de órgãos e agências governamentais especializadas.

 Em vários países, a tutela dos interesses difusos, sobretudo no que concerne aos consumidores e à ecologia, é cometida a órgãos ou agências especialmente criados para esse fim, como é o caso do Ombudsman escandinavo. A tutela de interesses difusos por via desses órgãos apresenta, basicamente, uma vantagem, ao lado de alguns inconvenientes. A vantagem reside no quesito especialização, uma vez que atuando em uma determinada área adquirem uma notável especialização. No entanto, também apresenta algumas desvantagens como, a tendência a se burocratizar e a se transformar em meras repartições públicas incapazes de apresentar a celeridade que muitos casos exigem. Outra vantagem seria a sobrecarga que esses órgãos poderiam provocar ao aparelho estatal, tornando-o mais lento e mais pesado do que já é, sem resolver os problemas que se apresentam.

A resposta que se apresenta ao problema é a legitimação de entes públicos institucionais sem, no entanto, excluir as associações representativas dos interesses difusos ocorrentes no caso concreto, optando pela legitimação concorrente e disjuntiva, como ocorre no Brasil, no caso da Lei n.º 7.345/85 que permite às associações, tanto quanto à União, aos Estados, aos Municípios e ao Ministério Público intentar a “ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direito de valor artístico, estético, histórico e paisagístico”, numa legitimação disjuntiva e concorrente.

5.4 – Legitimação do Ministério Público.

Resta, finalmente, examinar a questão da legitimação do Ministério Público, para agir em termo de interesses difusos.

Algumas críticas são posicionadas quanto à legitimação do Ministério Público. Enumeremo-las. Em primeiro, o fato de que o MP é uma instituição naturalmente voltada à persecução de delitos “tradicionais”, mostrando pouca vocação quando se trata de delitos de natureza econômica ou coletiva. Também é colocado que o Ministério Público está estrutural e funcionalmente muito conexo ou subjacente à estrutura do poder estatal, para que se possa esperar a necessária autonomia e combatividade para tratar da tutela de interesses supraindividuais. E finalmente, que falta ao Ministério Público o aparelhamento e infra-estrutura indispensáveis à tutela desses interesses “especiais”.

A propósito Mancuso (1997, 198) trás uma série de apontamentos que trazem soluções para esses óbices ou que jogam por terra possível pretensão de exclusão do Ministério Público quanto a legitimação para agir em matéria de interesses difusos. Tratando-se, primordialmente, de tutela jurisdicional do bem comum, não se justificaria que ficasse alheio esse órgão que atuando junto ao Judiciário e que tem por escopo a defesa/representação do interesse público e a fiscalização do cumprimento da lei. Legalmente o Ministério Público já atua nas causas “em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou pela qualidade da parte” (art. 82, III, do CPC), o mesmo ocorrendo em sede de instrumentos específicos de controle jurisdicional da legalidade dos atos normativos como no caso do Mandado de Segurança e a Ação Popular. O outro ponto que se coloca é que se carece o Ministério Público de aparelhamento para conduzir a tutela dos interesses difusos, a solução racional que se apresenta é dotar o Ministério Público de dos meios necessários a que ele possa eficazmente atuar em prol da tutela daqueles interesses.

Por outro lado, em função da própria natureza dos interesses difusos, e para que a veiculação obrigatória e exclusiva por determinados órgãos não pudesse arrefecer o processo de reivindicação desse interesses, a atribuição exclusiva ao Ministério Público também não é interessante. Por essa razão mais uma vez, tem-se aqui um ponto em favor da legitimação concorrente e disjuntiva, entre o MP e os cidadãos, individualmente ou agrupados em associações, bem como os órgãos públicos que tenham interesse ratione materiae.

Aliás, a solução da legitimação disjuntiva e concorrente é mesmo a mais adequada, já que é a mais conveniente, pois permite de forma democrática e pluralista, que os interesses difusos sejam conduzidos ao Judiciário, com maior celeridade e transparência, permitindo inclusive a junção de esforços dos vários legitimados, na defesa de interesses que até pouco tempo, não tinham espaço no mundo jurídico. Vale lembrar ainda que, esse sistema permite inclusive a vigilância entre os legitimados, contra possíveis falhas ou ardis.

Esse sistema foi a solução adotada pela Constituição Brasileira ao estabelecer que a Legitimação do MP nas ações civis que lhe são atribuídas, não exclui que terceiros, nas mesmas hipóteses, as proponham segundo a própria constituição ou a lei (CF, art. 129, § 1.º).

6. – Conclusão.

Constitui uma questão importante no que tange aos interesses difusos, a Legitimação para agir e o interesse, enquanto condições da ação coletiva. Em primeiro lugar porque dentro dos conceitos tradicionais do Direito Processual, não seria possível se enquadrá-los dentro da relação intersubjetiva tradicional. Por outro lado, é absolutamente normal a atuação de grupos dentro da sociedade contemporânea, a chamada sociedade de massa, onde pessoas se reúnem em grupos propiciando a canalização em um único feixe, por isso mais forte, de seus interesses. Também como surgiram situações em que se fazia necessária a tutela pelo Estado a bens da vida que não se enquadram dentro do conceito tradicional de direito subjetivo, bens que não se pode atribuir ou vincular a um único indivíduo ou muitas vezes, a um grupo individualizável, mas de grande relevância social, e que qualquer Estado Democrático de Direito não poderia deixar de dar uma resposta aos seus cidadãos.

É nesse contexto que deve ser analisado interesse e legitimidade no que tange aos interesses difusos, pois os mesmos necessitam da tutela estatal, mesmo não cabendo nos conceitos tradicionais do direito subjetivo. É inadmissível que o Estado Democrático de Direito não dê uma resposta, pois, se o povo não a tiver do Estado, certamente irá buscar em outros lugares. No entanto, as condições da ação tem sua função, que diga-se de passagem, é fundamental dentro do sistema processual de um Estado Democrático de Direito. E elas deverão manter essa função de “filtro garantístico”, quando se tratar de ação para a tutela de interesses difusos, para se evitar, também nesse caso, ações temerárias, desprovidas de seriedade, ou com a finalidade processual desvirtuada.

Assim, é necessário que se crie meios, para que, as condições da ação possam continuar fazendo essa “filtragem”, sem no entanto, que elas não se somem as dificuldades que obstam a atuação do poder judiciário na defesa desses interesses que, tem-se mostrado tão relevantes.

 

Referências.
BRASIL. Lei Nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de processo civil. In: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm. Acesso em 21-16-2006.
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MANCUSO, Rodolfo Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
 
Notas:
 
[1] Cumpre-se um parêntese aqui para salientar que, a legitimação para agir em tema de interesses difusos no Brasil não se limita tão somente à ação popular, mas, dependendo do caso concreto, da ação civil pública, da ação declaratória de inconstitucionalidade e da ação cominatória.


Informações Sobre o Autor

João Emilio de Assis Reis

Mestre em Direito Privado pela UNIFLU-RJ, Doutorando em Direito pela PUC-SP, Professor de Direito Civil no UNASP-SP


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