Ações indenizatórias de danos decorrentes de acidente do trabalho

Resumo: Este trabalho se debruça sobre as questões que envolvem a reparação de danos decorrentes de acidentes do trabalho nas ações indenizatórias, de competência da justiça do trabalho após a EC nº 45/2004. Está composto por três capítulos. O primeiro busca conceituar adequadamente as categorias básicas pertinentes ao tema: acidente do trabalho, doença ocupacional, incapacidade laboral, nexo de causalidade, concausas, danos patrimoniais e extrapatrimoniais e a responsabilidade civil. O segundo capítulo trata de algumas questões relativas a este processo específico, tais como: o valor da causa nas ações de reparação de dano moral, transmissibilidade do direito de ação, denunciação à lide nas ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho, dispensa de prova nas ações de reparação por dano extrapatrimonial, licitude das provas, efeitos da coisa julgada na esfera penal sobre as ações de indenização por dano patrimonial e extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho, a prescrição nas ações indenizatórias por acidente de trabalho ou doença ocupacional, o termo inicial do prazo prescricional, e o pronunciamento da prescrição pelo magistrado. O terceiro capítulo dedica-se a examinar os critérios que são adotados na liquidação das indenizações destes danos, inclusive a espinhosa questão da valoração do dano moral. Nas considerações finais é mencionada a inadequação de um sistema tarifário para liquidação da reparação do dano moral, já pacificada na Súmula nº 281 do STJ, mas se reconhece o impasse da sociedade civil ante decisões tão díspares, proferidas em casos muito semelhantes. São propostas algumas medidas para a melhoria da prestação jurisdicional, especificamente para a ação indenizatória de danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, tais como quadro próprio de peritos, implantação de varas do trabalho especializadas, e a criação de um índice escalonado, resultante do cruzamento de variáveis significativas para o cálculo da indenização, que possa objetivar e trazer uma uniformidade básica na reparação do dano extrapatrimonial.[1]

Sumário: Introdução. 1. Conceituação básica. 1.1 A lesão. 1.1.1 Acidente do trabalho típico e equiparados. 1.1.2 As doenças ocupacionais. 1.1.3 Caracterização de acidente do trabalho (incapacidade). 1.2 As causas. 1.2.1 Nexo de causalidade. 1.2.2 Concausas. 1.2.3 Perícia Técnica. 1.2.3.1 NTEP. 1.3 O dano. 1.3.1 Dano patrimonial. 1.3.2 Dano moral ou extrapatrimonial. 1.3.2.1 Conceituação. 1.3.2.1.1 Dano moral subjetivo e dano moral objetivo. 1.3.2.1.2 Dano moral direto e dano moral indireto. 1.3.2.1.3 Dano moral reflexo. 1.3.2.2 Evolução histórica do dano moral. 1.3.2.3 A natureza jurídica da reparação por danos morais. 1.3.2.4 O caráter publicista da reparação por danos morais. 1.3.2.5 Danos extrapatrimoniais decorrentes da relação de trabalho. 1.3.2.6 Dano moral e a pessoa jurídica. 1.3.2.7 Dano moral por perda de chance. 1.4 A responsabilidade. 1.4.1 Evolução da responsabilidade civil. 1.4.2 Teoria dos riscos. 1.4.3 Responsabilidade Subjetiva X Responsabilidade Objetiva. 1.4.4 Excludentes da responsabilidade objetiva do empregador. 1.4.4.1 Culpa exclusiva da vítima. 1.4.4.2 Força maior ou caso fortuito. 1.4.4.3 Excludentes nos acidentes por equiparação. 2. Algumas questões sobre as ações indenizatórias. 2.1 Valor da causa nas ações de reparação de dano extrapatrimonial. 2.2 Transmissibilidade do direito de ação. 2.3 Denunciação à lide nas ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho. 2.4 Dispensa de prova nas ações de reparação por dano extrapatrimonial. 2.5 Licitude das provas. 2.6 Efeitos da coisa julgada na esfera penal sobre as ações de indenização por dano patrimonial e extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho. 2.7 A prescrição nas ações indenizatórias de acidente do trabalho. 2.7.1 Termo inicial do prazo prescricional. 2.7.2 Pronunciamento da prescrição pelo magistrado. 3. O que considerar na indenização/reparação dos danos. 3.1 Indenização de danos patrimoniais. 3.1.1 Evolução histórica. 3.1.2 A indenização. 3.1.2.1 Danos emergentes. 3.1.2.2 Lucros cessantes. 3.1.2.3 Pensionamento. 3.1.2.4 Pensionamento dependentes. 3.1.2.5 Base de cálculo da pensão. 3.1.2.6 Ação revisional do valor da pensão, por alteração na capacidade de trabalho do pensionista. 3.1.3 Coexistência/Cumulação das indenizações acidentária e civil. 3.2 Reparação de danos extrapatrimoniais. 3.2.1 Requisitos para reparabilidade. 3.2.2 Formas de reparação. 3.2.3 Critérios para arbitramento da reparação pecuniária. 3.3 Cumulação das indenizações por danos patrimoniais e extrapatrimoniais. Considerações finais. Referências.

INTRODUÇÃO

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No Brasil ocorreram 717.911 acidentes do trabalho durante o ano de 2013, 559.081 com CAT registrada, 158.830 sem CAT registrada. Deste total, 2.797 acidentes resultaram em morte, e 14.837 em invalidez permanente do trabalhador, segundo dados oficiais do Anuário Estatístico da Previdência Social – AEPS 2013, compilados pelo Desembargador do Trabalho Sebastião Geraldo de Oliveira, um dos gestores do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho, do TST [disponível em http://www.tst.jus.br/documents/1199940/1207004/Estatistica].

Estatísticas estarrecedoras como esta, sobre a incidência de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais no Brasil e também no mundo, segundo dados da OIT, cujos efeitos são considerados por alguns autores como autêntica “pandemia”, além do desafio do arbitramento das indenizações nas condenações por danos morais, em razão da inexistência em nossa legislação de um sistema tarifário ou de critérios numéricos para tal, justificam facilmente a escolha do tema deste trabalho.

Este pequeno estudo bibliográfico se dedica às questões relativas às ações de indenização por danos decorrentes de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, de competência material da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional nº 45/2004, conforme o art. 114, VI, da CF.

As questões são abundantes, com múltiplos aspectos, e serão abordadas nos tópicos a seguir. Sem dúvida, muito mais difícil que introduzir este tema, será responder a todas as indagações. Com toda certeza, redigir as conclusões não será tão simples e evidente quanto esta introdução.

1. CONCEITUAÇÃO BÁSICA

1.1 A lesão

“Cediço que o acidente do trabalho trata-se de um gênero do qual são espécies o acidente laboral em sentido estrito e as doenças ocupacionais. O primeiro é chamado de acidente típico ou acidente tipo, sendo normalmente um fato imprevisível, súbito, que ocorre com o trabalhador no ambiente de trabalho. As doenças ocupacionais, que compreendem as doenças profissionais e do trabalho, são eventos que vão minando a saúde do trabalhador com o passar do tempo, cujos sintomas por vezes são percebidos muito tempo depois de sua aquisição pelo organismo humano” (SILVA, 2014, p. 137, sem grifos no original).

1.1.1 Acidente do trabalho típico e equiparados

A Lei 8.213/91 do Plano de Benefícios da Previdência Social, “[…] que em verdade não é uma lei específica sobre acidente do trabalho, sendo antes uma lei genérica sobre todas as espécies de benefícios previdenciários […]”, em seu artigo 19, define o acidente de trabalho típico (SILVA, 2014, p. 139):

“Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.”

São equiparados ao acidente de trabalho, no art. 21 do mesmo dispositivo legal, os acidentes causados não exclusivamente pelo trabalho, mas com sua contribuição direta.

Segundo classificação de Cláudio Mascarenhas Brandão (2006 apud SILVA, 2014, p. 139-140):

“Acidentes sofridos no local e no horário do trabalho (doenças provocadas por concausa; lesões provocadas por terceiros; danos provocados por agressão, sabotagem ou terrorismo; ofensas físicas intencionais, por causa ligada ao trabalho; acidentes causados por culpa de terceiro; lesões provenientes de pessoa privada do uso da razão; acidentes provocados por força maior)”.

A doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade (art. 21, III), no entendimento de Cláudio Mascarenhas Brandão e José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, é autêntica doença ocupacional, devendo constar, portanto, do art. 20.

“[…] entendo que a doença acidental […] igualmente se trata de doença ocupacional – e não de acidente por equiparação -, porque seu evento caracterizador também ocorre no ambiente de trabalho, de forma direta. Trata-se do contágio, infecção ou doença adquirida pelo empregado de forma imprevista, casual, fortuita, durante a execução de suas tarefas, no local de trabalho e durante sua jornada”

(BRANDÃO apud SILVA, 2014, p. 156, grifo original).

“Sigo, aqui, lição de Cláudio Brandão, para quem essas doenças, embora previstas no art. 21 da lei de regência, são autênticas doenças ocupacionais” (SILVA, 2014, p. 156).

“Acidentes sofridos fora do local e horário de trabalho (na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade do empregador; na prestação de serviço para evitar-lhe prejuízo ou proporcionar proveito; em viagem de serviço; acidente de percurso; nos períodos de refeição e descanso; nos períodos em que o trabalhador estiver satisfazendo às necessidades fisiológicas)” (BRANDÃO apud SILVA, 2014, p. 140).

1.1.2 As doenças ocupacionais

As doenças ocupacionais são consideradas acidentes do trabalho nos termos do art. 20 da Lei 8.213/91.

Segundo Oliveira, citado por Teixeira Júnior (2011, p. 71), “[…] a denominação doenças ocupacionais passou a ser adotada como o gênero” que inclui as duas espécies de doenças relacionadas com o trabalho.

Suas modalidades estão assim definidas:

“As doenças profissionais, peculiares a uma determinada atividade, também conhecidas como “idiopatias, ergopatias, tecnopatias ou doenças profissionais típicas” (SILVA, 2014, p. 152), conforme Teixeira Júnior, citando Claudio Brandão,

“[…] são as doenças próprias e diretamente relacionadas com a profissão. Brandão assevera que essas doenças possuem ‘no trabalho a sua causa única, eficiente, por sua própria natureza, ou seja, insalubridade. São doenças típicas de algumas atividades, peculiares a profissões e reconhecidas pela Previdência Social’” (2006 apud TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p. 70).

São exemplos de doenças profissionais a silicose, o saturnismo, o hidragismo e a asbestose, provocadas pelo contato com o asbesto ou amianto. (SILVA, 2014, p. 152)

“As doenças do trabalho, “também nominadas de mesopatias ou doenças profissionais atípicas” (SILVA, 2014, p. 152),

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“[…] normalmente derivam das condições agressivas no local do trabalho […] Observa Brandão que essas doenças não decorrem diretamente da atividade laborativa, mas são adquiridas em razão das condições em que o trabalho é realizado e não ‘possuem no trabalho a sua causa única ou exclusiva, mas assim são classificadas porque o ambiente de trabalho é o fator que põe a causa mórbida em condições de produzir lesões incapacitantes”’ (2006 apud TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p. 70).

Nos termos do § 1º do art. 20 da Lei mencionada, não são consideradas doenças ocupacionais: as que não produzam incapacidade para o trabalho; as doenças degenerativas; inerentes a grupo etário; e as endêmicas. Ressalva Silva, salvo comprovação de “[…] resultar[em] da exposição ou do contato direto em razão das peculiaridades do trabalho”, hipótese na qual poderão ser enquadradas como acidente do trabalho, nos termos do § 2º do mesmo artigo (2014, p. 184).

1.1.3 Caracterização de acidente do trabalho (incapacidade)

Para efeitos previdenciários restará configurado um acidente do trabalho, incluídas aqui as doenças ocupacionais porque enquadradas conforme art. 20 da mencionada Lei de Benefícios, somente quando houver dano à capacidade para o trabalho, perda ou redução da mesma ou morte do trabalhador.

“[…] a incapacidade laborativa pode ser total e permanente, parcial e permanente, total e temporária e ainda parcial e temporária, embora não haja consenso quanto a esta última” (SILVA, 2014, p. 145).

O Manual de Perícia Médica da Previdência Social classifica a incapacidade para o trabalho, conforme três categorias: quanto ao grau, à duração, e finalmente, quanto à profissão atingida pela mesma (SILVA, 2014, p. 145-146).

Assim, para a Previdência Social, apenas se a lesão/doença resultar em incapacidade para o trabalho, mesmo que temporária, caracterizar-se-á um acidente do trabalho, “[…] para efeito de responsabilidade do empregador não há necessidade de afastamento do trabalho para a configuração do acidente; por isso, a doutrina tem feito críticas ao conceito legal de acidente do trabalho adotado pela Lei nº 8.213/91” (BRANDÃO apud SILVA, 2014, p. 184, sem grifos no original).

1.2 As causas

1.2.1 Nexo de causalidade

“[…] é necessário que se estabeleça o nexo causal entre a conduta do agente e o dano ocasionado”. No dizer de Ribeiro de Oliveira Silva: “A rigor, é a primeira questão a ser enfrentada na solução de qualquer caso acerca de responsabilidade civil, pois antes de se decidir se o agente teve ou não culpa pela ação ou omissão, tem-se de apurar se ele deu causa ao resultado” (2014, p. 241, grifo original).

“Conforme ensinamento de Cavalieri Filho, o nexo causal trata-se de noção aparentemente fácil, mas que, na prática, dá ensejo a algumas perplexidades” (2005 apud SILVA, 2014, p. 241). Um complicador pode ser a existência de várias causas para o evento danoso, “[…] quando ocorrem as hipóteses da chamada causalidade múltipla” (SILVA, 2014, p. 241, grifo original).

No clássico exemplo de Caio Mário, o dono de uma arma a empresta a alguém, que a deixa sobre uma mesa. Um terceiro a encontra e a manuseia, quando uma quarta pessoa entra de súbito, assustando o terceiro, que aciona o gatilho involuntariamente, disparando a arma, e o tiro vai atingir a secretária na sala ao lado (1990 apud SILVA, 2014, p. 242). Quem será o responsável pelo infortúnio?

Os tribunais belgas adotam a teoria da equivalência das condições, “segundo a qual todos os fatos que de certa maneira concorreram para o resultado devem ser considerados como causas, sem a necessidade de se determinar […] qual deles produziu de modo imediato o prejuízo”, e qual a proporção da contribuição de cada uma destas causas concorrentes (SILVA, 2014, p. 242/243, grifo original).

A doutrina francesa desenvolveu a teoria da causalidade adequada “[…] acolhida pelo Direito Civil brasileiro”, segundo Cavalieri Filho, “[…] devendo ser investigada a circunstância que foi a mais apta a produzir concretamente o resultado” (SILVA, 2014, p. 242).

“[…] Dentre os antecedentes do dano, há que destacar aquele que está em condições de necessariamente tê-lo produzido. […] a doutrina que se constrói neste processo técnico se diz da ‘causalidade adequada’, porque faz salientar na multiplicidade de fatores causais, aquele que normalmente pode ser o centro do nexo de causalidade, eliminando os demais” (CAVALIERI FILHO apud SILVA, 2014, p. 242).

Um segundo complicador pode ser a existência de uma condição particular da vítima, subjetiva, tal como síndrome psicológica, fobia, etc, ou objetiva, tal como gravidez, diabetes, alergia, etc. Por exemplo, “[…] num acidente de automóveis, a vítima, conduzida ao hospital, é submetida a um tratamento de emergência e falece por causa de reação decorrente da medicação que lhe é ministrada, porque não poderia tomá-la […]” (PEREIRA apud SILVA, 2014, p. 243).

Um terceiro complicador na determinação do nexo causal, é quando há “[…] repercussão do evento em outras pessoas que são atingidas indiretamente (dano reflexo)” (SILVA, 2014, p. 243, sem grifo no original).

Quando duas ou mais pessoas causam o dano, haverá o nexo causal plúrimo, nesta hipótese se estabelecerá “[…] a responsabilidade solidária de todos os autores da ofensa a direito alheio (art. 1.518 do CC/1916; art. 942 do CC/2002)” (SILVA, 2014, p. 243).

Na hipótese de culpa concorrente, ou seja, “[…] concorrência de culpa ou participação da vítima no evento danoso, caso em que, embora estabelecido o nexo causal, o dano poderia ser de menores dimensões se a vítima não tivesse concorrido para a produção do resultado”, a indenização será fixada proporcionalmente, nos termos do art. 945 do CC. “A aferição da proporcionalidade […] deve ser feita por arbitramento do juiz, de acordo com a equidade e o princípio da razoabilidade”. Exemplo de motociclista sem uso de capacete de proteção durante atropelamento (SILVA, 2014, p. 244, grifo original).

Com relação ao objeto deste estudo, os acidentes do trabalho, “[…] não se pode aplicar rigidamente a teoria da causa adequada (ou única), sendo mais prudente, por uma questão de equidade, aplicar-se a teoria da árvore de causas (multicausalidade) […], ou a teoria da equivalência das condições” (SILVA, 2014, p. 243).

No acidente do trabalho típico há uma cadeia de causalidade, ou “[…] uma tríplice causalidade”: a primeira entre o trabalho exercido e o acidente ocorrido, a causa-trabalho; a segunda entre o acidente e a lesão apresentada pela vítima; e a terceira entre tal lesão e a morte ou incapacidade do trabalhador (NASCIMENTO apud SILVA, 2014, p. 146-147, sem grifo no original).

Se a relação de causa e efeito entre trabalho e acidente, é clara e direta no acidente típico e nas doenças profissionais, nas demais hipóteses a causalidade pode ser indireta ou mesmo fictícia.

Segundo José de Oliveira (1997 apud SILVA, 2014, p. 148) “As doenças [do trabalho] têm causalidade indireta”. Na hipótese destas doenças, decorrentes de múltiplas causas, há que se explicitar o nexo causal com o trabalho exercido pela vítima, e as demais causas extralaborais.

As doenças do trabalho, ou profissionais atípicas, “[…] exigem a comprovação do nexo de causalidade entre elas e o trabalho” (SILVA, 2014, p. 153, grifo original).

Em alguns dos acidentes por equiparação “[…] o nexo causal se dá por ficção da lei, pela simples circunstância de o acidente ter ocorrido durante o curso da atividade laboral” (NASCIMENTO apud SILVA, 2014, p. 147, grifo original).

“As doenças profissionais […] prescindem de comprovação do nexo de causalidade com o trabalho, porquanto há uma relação de sua tipicidade [anexos do Decreto nº 3.048/99], presumindo-se, por lei, que decorrem de determinado trabalho” (SILVA, 2014, p. 152, grifo original).

Como já visto, não são consideradas doenças do trabalho, nos termos do art. 20, § 1º, da Lei da Previdência Social, as doenças degenerativas, doenças inerentes ao grupo etário, doenças endêmicas, e doenças que não produzem incapacidade laboral.

Porém, se presente a causa-trabalho, poderão ser indenizadas como doenças do trabalho. Exemplos, se a doença degenerativa se encontrava em estágio inicial e foi agravada pelas condições de trabalho; presbiacusia, perda auditiva decorrente além da idade avançada, induzida por ruído comprovado no ambiente de trabalho; se a malária foi contraída por um pesquisador em viagem a trabalho na Amazônia etc. (SILVA, 2014, p. 184).

“[…] a doença degenerativa, por si só, não elimina a responsabilidade do empregador pelos danos decorrentes da doença, quando demonstrado que o trabalho contribuiu para o evento, por não ter a empresa propiciado condições seguras de trabalho, levando ao desencadeamento ou agravamento da referida doença”, por exemplo, pelo descumprimento sistemático das Normas Regulamentadoras (NRs) do MTE (SILVA, 2014, p. 195, sem grifo no original).

Da mesma forma, as doenças que não produzem incapacidade laboral, poderão ser indenizadas pelo empregador, se restar configurada a sua responsabilidade, mediante a prova do nexo da morbidade com o trabalho exercido pelo autor da ação de indenização, embora na legislação acidentária não sejam consideradas doenças ocupacionais (SILVA, 2014, p. 184, sem grifo no original).

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Para a adequada elucidação dessas questões relativas ao nexo causal do acidente do trabalho objeto de ação indenizatória, se faz necessário laudo técnico por perito judicial que responda efetivamente ao rol mínimo de questões proposto por Sebastião Geraldo de Oliveira, complementado por José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva, o qual deveria ser adotado por todos os juízos da Justiça do Trabalho para o efetivo desvendamento do nexo causal da morbidade, em razão da profundidade e amplitude desta abordagem na perícia técnica (SILVA, 2014, p. 175-177).

1.2.2 Concausas

Segundo a teoria da multicausalidade, os infortúnios decorrem de múltiplas causas (SILVA, 2014, p. 148-149).

A “[…] concausalidade está prevista no art. 21, inciso I, da Lei nº 8.213/91 […]. Tal dispositivo reconhece que nem sempre o acidente se apresenta como causa única e exclusiva da lesão ou doença, pois pode haver a conjunção de outros fatores (concausas)” (SILVA, 2014, p.185).

Na definição de Cavalieri Filho,

“[…] é outra causa que, juntando-se à principal, concorre para o resultado. Ela não inicia e nem interrompe o processo causal, apenas o reforça […] concausas são circunstâncias que concorrem para o agravamento do dano, mas que não têm a virtude de excluir o nexo causal desencadeado pela conduta principal, nem de, por si sós, produzir o dano” (2008 apud TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p. 71-72).

São as causas concorrentes, denominadas concausas.

A concausa pode ser classificada em “preexistente, superveniente ou simultânea” (MAGANO apud SILVA, 2014, p. 188).

Além do trabalho exercido, é preciso considerar as condições nas quais é realizado. Nas palavras de Ribeiro de Oliveira Silva (2014, p. 196):

“[…] esta ementa […] revela a multicausalidade que pode conduzir ao surgimento e/ou agravamento da doença do trabalhador, como a falta de concessão de pausa adequadas para a recuperação da fadiga muscular, trabalho em ambiente sem a observância das normas sobre ergonomia e, inclusive, a falta de concessão do intervalo intrajornada, de uma hora, imprescindível em trabalhos repetitivos ou que causem fadiga dos músculos.”

Para responsabilização do empregador pela doença do trabalhador, há que se identificar a contribuição das causas-trabalho e das demais causas extralaborais, por perícia técnica.

Bem como o grau de incapacidade laboral da vítima de acidente do trabalho deverá ser aferido em perícia por profissionais de saúde (médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos etc.)

Nos termos do art. 10 da IN nº 31 do INSS, a existência de nexo de qualquer espécie entre o trabalho e o agravo não implica o reconhecimento automático da incapacidade para o trabalho, que deverá ser definida pela perícia médica.

1.2.3 Perícia técnica

A perícia técnica é prevista no “[…] art. 420, parágrafo único, do CPC, aplicável subsidiariamente no processo do trabalho por força do art. 769” da CLT (SILVA, 2014, p. 338).

Por óbvio, na designação de perícias técnicas é preciso considerar, antes de qualquer coisa, a sua necessidade, em respeito aos princípios da economia e celeridade processual, não afrontando o art. 334 do CPC, “[…] segundo o qual não admitem produção de prova os fatos notórios, confessados, admitidos pela parte contrária ou mesmo presumidos” (SILVA, 2014, p. 338).

Assim,

“[…] se o acidente do trabalho é incontroverso – diante de uma CAT emitida pelo próprio empregador ou da falta de impugnação justificada (art. 302 do CPC) -, não há razão alguma para produção de prova sobre esse fato. Restaria espaço para a prova judicial em caso de dúvida objetiva acerca da incapacidade laborativa e da relação de causalidade desta com o acidente, se – de se frisar – devidamente contestadas as afirmações correspondentes.[…]

No caso de acidente típico com visível e manifesta perda da capacidade laboral, a perícia pode ser dispensada, se a prova documental ou testemunhal foi suficiente” (SILVA, 2014, p. 338-339, grifo original).

Ou nos casos de doença ocupacional,

“Não há motivação lógica a exigir designação de perícia para a constatação da doença quando esta não foi sequer impugnada, o que ocorre em boa parte dos casos. Se o trabalhador afirma ter adquirido uma doença no trabalho, narrando-a de modo preciso, por vezes juntando documentos elucidativos da sua existência – exames detalhados, laudos médicos, prescrições do médico que acompanha seu tratamento etc. – e não há negativa expressa, cabal, por parte do empregador, não há qualquer cabimento para a designação de perícia a fim de se constatar a doença, simplesmente porque já admitida. Nessa hipótese, como já mencionado, em havendo impugnação específica sobre o grau de incapacitação e principalmente sobre o nexo causal ou concausal é que surgirá a necessidade de perícia judicial” (SILVA, 2014, p. 338-339).

Silva recomenda a realização de dupla perícia. Além da perícia médica, uma perícia no local de trabalho, “[…] com espeque no art. 431-B do CPC, acrescentado pela Lei nº 10.358/01” (2014, p. 339).

“As condições insalubres do local de trabalho também são condições especiais em que a doença do trabalho pode se desenvolver, necessitando, em igual medida, de demonstração da sua existência, vale dizer, da existência de nexo causal entre a atividade e a doença que acomete o trabalhador. Daí a importância de se determinar, primeiro, a realização de perícia no local de trabalho, por engenheiro – ou fisioterapeuta nos casos de LER/DORT e principalmente de doenças adquiridas por posturas inadequadas -, para depois se realizar a perícia médica para a verificação da incapacidade laboral [naquelas condições concretas de trabalho, identificadas na primeira perícia]” (SILVA, 2014, grifo original).

O autor ressalta que, nos casos de LER/DORT e lombalgias, “[…] o recomendável é que a perícia “ambiental” seja realizada por fisioterapeuta do Trabalho […]. Por isso, não há falar em nulidade de laudo pericial simplesmente porque elaborado por profissional formado em fisioterapia e não por médico do trabalho” (SILVA, 2014, p. 156-157).

Com relação à duração do processo, alongada pela adoção da perícia multiprofissional, Silva defende este paradigma de ao menos duas perícias nos casos mais graves, por considerar na prática judicial o valor da saúde e os efeitos jurídicos de sua perda, argumentando

“[…] que o processo em que há pedidos de indenizações por perda da saúde não poderia, jamais, ser objeto de metas judiciais, por mais que estas sejam desejáveis. Pelo menos, deveria haver metas próprias, totalmente separadas das metas gerais, para esse tipo de processo” (SILVA, 2014, p. 163).

Com relação aos honorários periciais, o autor identifica problemas quanto “[…] ao momento do pagamento e aos baixos valores que vêm sendo pagos”, preconiza o pagamento dos honorários prévios na entrega do laudo pericial pelo expert, no valor de um salário mínimo nacional, advertindo que para o alcance do padrão de boas perícias se faz necessário “[…] o arbitramento de honorários compatíveis com a complexidade do caso e o grau de zelo do profissional de confiança do juízo”. Em decorrência, propõe urgentes alterações na Resolução nº 66/2010 do CSJT, e na OJ nº 98 da SBDI-II, por obstaculizarem a prestação da mais adequada tutela jurisdicional (SILVA, 2014, p. 178-179, sem grifo no original).

Silva (2014, p. 189) aponta uma tendência, infelizmente frequente nos laudos periciais médicos, de se concluir pela inexistência de nexo da doença com o trabalho, sem explicitar/mensurar quais seriam os fatores extralaborais motivadores do adoecimento.

O autor (SILVA, 2014, p. 189) alerta:

“[…] se o trabalhador é admitido, faz exame admissional e é considerado apto para o trabalho, não havendo nos autos nenhuma prova, ou melhor, nenhum indício de que haja uma causa extralaborativa a desencadear a doença diagnosticada, a presunção é a de que o trabalho prestado agiu, no mínimo, como concausa para o surgimento e/ou antecipação da doença [grifos originais].

[…] até na esfera administrativa, para a concessão de benefícios previdenciários, agora se pode presumir a relação de causalidade, invertendo-se o ônus da prova, nos moldes do art. 337 e parágrafos do Decreto nº 3.048/99 […].”

Para o autor (SILVA, 2014, p. 149) a boa perícia deve procurar identificar as concausas, invés de perseguir obsessivamente uma causa única, deve considerar

“[…] os reais contornos dos institutos nexo de causalidade e concausa, sob a ótica da teoria da multicausalidade. Somente assim [os peritos] terão condições de se afastar dessa cultura de exclusão do nexo causal – por falta de nexo direto ou etiológico – e de considerar praticamente todas as doenças adquiridas pelos trabalhadores como sendo degenerativas.”

Chama a atenção ainda para situações concretas nas quais o trabalhador a ser periciado se recusa reiteradamente a comparecer à perícia agendada: “[…] verifica-se sua deslealdade processual, agindo de forma temerária, autorizando a presunção de que não é portador de doença ocupacional ou de que não teve redução da capacidade laborativa” (SILVA, 2014, p.339-340, grifo original).

1.2.3.1 NTEP

O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário está previsto no art. 3º, III, da Instrução Normativa nº 31 do INSS, que trata do Nexo Técnico Previdenciário entre o agravo à saúde do segurado e o trabalho por ele exercido, através da adoção de parâmetros epidemiológicos estabelecidos por metodologia bioestatística.

A aplicação do NTEP facilita, agiliza, fundamenta e esclarece sobremaneira o trabalho da perícia médica sobre a existência ou não do nexo de causalidade da patologia apresentada, com o trabalho exercido pelo periciado.

Infelizmente, raramente é considerado nos laudos periciais médicos dos processos trabalhistas, como constata Silva (2014, p. 170) e pode ser confirmado por quem convive cotidianamente com este processo, seja como magistrado, serventuário ou advogado, apesar da norma clara do Conselho Federal de Medicina, art. 2º, IV, da Resolução nº 1.488/98:

“Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico considerar: (…)

IV -os dados epidemiológicos” (apud SILVA, 2014, p. 170-171).

O nexo é revelado por um índice resultante do cruzamento de duas informações, a Classificação Nacional da Atividade Econômica (CNAE) desenvolvida pelo empregador, e a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) da morbidade da vítima, e configurará a presunção do nexo causal (SILVA, 2014, p. 171).

Apenas como exemplo, “[…] c) CNAE 2910 – Fabricação de automóveis, camionetas e utilitários: enquanto a média geral do CID M60-79 (Transtornos dos tecidos moles) é de 288,57, no CNAE 2910 a média é de 1.748,97, ou seja, 606% superior àquela média” (OLIVEIRA apud SILVA, 2014, p. 174).

A presunção do nexo causal, informada pelo NTEP, somente poderá ser afastada “[…] a partir de prova robusta de que os fatores não ocupacionais têm intensidade superior aos ocupacionais. Por isso, o nexo causal ou concausal somente pode ser afastado quando o perito constatar que o trabalho, de forma alguma, contribuiu para o surgimento/antecipação do agravo à saúde” (SILVA, 2014, p.173, grifo original).

Assim, os peritos judiciais devem considerar esta ferramenta na elaboração dos seus laudos, afirmando ou afastando o nexo causal, “[…] sempre de modo fundamentado” (SILVA, 2014, p.174, grifo original).

1.3 O dano

É o prejuízo a ser reparado. “[…] é a lesão que implica diminuição, deterioração ou destruição de um patrimônio material ou moral de uma pessoa […] pressuposto do pedido de reparação […] o trabalhador somente terá direito à indenização se demonstrar que sofreu dano ou prejuízo” (TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p. 91)

Na clássica definição de Cavalieri Filho, “[…] dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral” (2005 apud CHAMONE, 2008).

“Ao contrário do que ocorre na esfera penal, o dano sempre será elemento essencial na configuração da responsabilidade civil; não há responsabilidade civil por ‘tentativa’, ainda que a conduta tenha sido dolosa” (CHAMONE, 2008, sem grifo no original).

“[…] pondera Caio Mário que o dano é elemento ou requisito essencial na etiologia da responsabilidade civil. […] não há responsabilidade civil sem prejuízo […] Porém adverte a doutrina que nem todo dano é ressarcível, devendo preencher certos requisitos: a) certeza; b) atualidade; c) subsistência” (1990 apud SILVA, 2014, p. 234, grifo original).

1.3.1 Dano patrimonial

”[…] é um prejuízo de bens e/ou direitos que pode ser mensurado financeiramente” (TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p. 115).

“O dano patrimonial pode ser classificado como lucro cessante ou dano emergente – art. 402 do CC; este reflete a diminuição efetiva do patrimônio, enquanto aquele representa a frustração de um ganho” (PESSOA JORGE, 1999 apud CHAMONE, 2008, grifo original).

O “dano emergente ou positivo é aquele que provoca prejuízo atual, concreto, mensurável e proposital ao patrimônio de uma pessoa física ou jurídica” (TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p. 116).

Os lucros cessantes “[…] abrangem o que a vítima razoavelmente deixou de perceber” (SILVA, 2014, p. 336).

“Sergio Cavalieri Filho […] Cita Larenz, para quem o juízo de razoabilidade ‘seria o desenvolvimento normal dos acontecimentos, caso não tivesse ocorrido o fato ilícito gerador da responsabilidade civil’. Com efeito, deve o juiz “mentalmente” eliminar o ato ilícito e indagar se o que está sendo pleiteado a título de lucro cessante ‘seria a consequência do normal desenrolar dos fatos’” (2005 apud SILVA, 2014, p. 311-312).

O art. 404 do CC prevê

“[…] que as perdas e danos serão apurados e o valor correspondente atualizado monetariamente ‘segundo índices oficiais regularmente estabelecidos’, abrangendo, ainda, juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional. E, conforme o parágrafo único deste artigo, se provado que os juros de mora não reparam integralmente o prejuízo, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar, desde que não haja pena convencional” (SILVA, 2014, p. 312, grifo original).

1.3.2 Dano moral ou extrapatrimonial

Neste trabalho adotamos o termo dano extrapatrimonial por acreditar ser a definição mais abrangente e eficiente, incluídos nela os danos moral, estético, à imagem, à honra, à intimidade, à privacidade, ou pessoal, na terminologia proposta por Paulo Eduardo Vieira de Oliveira (2002 apud SILVA, 2014, p. 351), por todos estes constituírem violação de direitos personalíssimos, terem o mesmo tratamento jurídico, a partir dos mesmos pressupostos, totalmente distintos dos aplicados na indenização por danos patrimoniais, comumente chamados danos materiais.

Para os fins deste estudo, usaremos indistintamente as nomenclaturas extrapatrimoniais ou morais em razão da “[…] doutrina sempre menciona[r] a expressão dano moral, razão por que se a utilizará, conquanto incorreta” (SILVA, 2014, p. 351, grifo original).

No mesmo sentido, Schiavi (2011, p. 66), “[…] a denominação dano moral, por já arraigada na doutrina e jurisprudência, terá maior eficácia e também por ser a expressão utilizada na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, inciso X) e no novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), art. 186” [grifo original].

1.3.2.1 Conceituação

Nas palavras de Schiavi (2011, p. 45),

“O ser humano é um fim em si mesmo e, jamais, um meio para atingir determinado fim. O ser humano é um sujeito de direito e não objeto do direito. Além disso, a nosso ver, o ser humano é o fundamento e o fim último do Direito e de toda a ciência humana. Por isso, em toda atividade criativa ou interpretativa do Direito, deve-se sempre adaptar o Direito ao ser humano e não o ser humano ao Direito.”

Nesta concepção fundamenta-se o princípio da dignidade humana.

Flávia Piovesan (2003 apud SCHIAVI, 2011, p.47) alerta:

“O valor da dignidade humana impõe-se como núcleo básico e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional instaurado em 1988. A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.”

Na síntese de José Guido Teixeira Júnior (2011, p. 142, grifos originais):

“A própria CRFB/88 institui a “dignidade da pessoa humana” como fundamento do “Estado Democrático de Direito” e, seguindo, portanto, essa linha de raciocínio, tem-se que o legislador constituinte preceituou que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Para Schiavi (2011, p. 67), “O dano moral é a violação a um direito da personalidade, sem conteúdo econômico, tendo por fundamento e finalidade última a proteção à dignidade da pessoa humana”. Citando Valdir Florindo (2002 apud SCHIAVI, 2011, p. 65), sintetiza: “A verdade é que podemos ser lesados no que somos e não tão somente no que temos”.

No mesmo sentido, as definições de Limongi França (1977 apud SCHIAVI, 2011, p. 65): “[…] aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa física ou jurídica, bem assim a coletividade, sofre no aspecto não econômico dos seus bens jurídicos”; e Caio Mário da Silva Pereira (1996 apud SCHIAVI, 2011, p. 64): “[…] ofensa a direitos de natureza extrapatrimonial – ofensas aos direitos integrantes da personalidade do indivíduo, como também ofensas à honra, ao decoro, à paz interior de cada um, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida, à integridade”.

Assim, resume Schiavi (2011, p. 66), o conceito de dano moral deve abarcar todos os danos que atentam contra a dignidade da pessoa humana, em seus aspectos interiores: honra, intimidade, privacidade; e exteriores: imagem, boa-fama, estética, que não tenham natureza econômica.

1.3.2.1.1 Dano moral subjetivo e dano moral objetivo

Miguel Reale (1992 apud SCHIAVI, 2011, p. 70) estabelece que o dano moral objetivo “[…] atinge a dimensão moral da pessoa no meio social em que vive, envolvendo o (dano) de sua imagem”, e o subjetivo atinge a intimidade psíquica, os valores do ser subjetivo.

1.3.2.1.2 Dano moral direto e dano moral indireto

“O dano moral indireto ocorre quando há uma lesão específica a um bem ou interesse de natureza patrimonial, mas que, de modo reflexo, produz um prejuízo na esfera extrapatrimonial, como é o caso, por exemplo, do furto de um bem com valor afetivo ou, no âmbito do Direito do Trabalho, o rebaixamento funcional ilícito do empregado, que, além do prejuízo financeiro, traz efeitos morais lesivos ao trabalhador” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2003 apud SCHIAVI, 2011, p. 68).

O dano direto se origina diretamente do fato lesivo.

1.3.2.1.3 Dano moral reflexo

Dano moral reflexo ou em ricochete é aquele que também atinge outras pessoas além da que sofreu diretamente o agravo, por ter convivência próxima ou laços afetivos com a vítima.

Segundo Schiavi (2011, p. 68-69), “Alguns autores negam a existência do dano moral em ricochete, sustentando que o terceiro, na verdade, tem direito próprio à reparação do dano […]. A jurisprudência trabalhista vem admitindo o dano moral em ricochete, decorrente do contrato de trabalho”

1.3.2.2 Evolução histórica do dano moral

No código de Hamurabi oriundo do império babilônico na Mesopotâmia do século XVIII a.C, o mais antigo conjunto de leis a que tivemos acesso na íntegra, a reparação de dano causado “[…] consistia numa espécie de vingança privada”, fundamentada no princípio do talião (SCHIAVI, 2011, p. 56).

O código de Manu, da civilização hindu do século XIII a.C, já estabelecia a possibilidade de reparação de danos em pecúnia, inclusive com previsão de multas, em seus arts. 697 e 698 (FILOMENO apud SCHIAVI, 2011, p. 56).

Na Grécia, “O sistema jurídico atingiu pontos culminantes com seus vigorosos pensadores […] A noção de reparação do dano era pecuniária, de acordo com as normas instituídas pelo Estado” (REIS apud SCHIAVI, 2011, p. 57).

A lei romana das XII Tábuas, “[…] redigida entre os anos 303 e 304”, estabelece em um de seus dispositivos: “Se alguém causa um dano premeditadamente, que o repare” (FILOMENO apud SCHIAVI, 2011, p. 57). “A ação era ada tiva e passivamente intransferível aos herdeiros e prescritível em um ano” (REIS apud SCHIAVI, 2011, p. 58).

O autor (SCHIAVI, 2011, p. 58) conclui: “Atualmente, praticamente todas as legislações admitem a reparação pelo dano moral, que existe por si só, independentemente da existência do dano material” [sem grifos no original].

No Brasil, o “[…] Código Civil de 1916 não consagrava a reparação pelo dano moral expressamente, mas também não a vedava [arts. 76 e 159]”. Em 1967, a Lei de Imprensa (5.250/1967) em seu artigo 49, expressa pela primeira vez a possibilidade de reparação de danos morais, decorrentes dos crimes contra a honra previstos na lei, os quais poderiam ensejar prejuízos materiais (SCHIAVI, 2011, p. 59).

Até a Constituição de 1988, a jurisprudência do STF considerava que o dano moral “[…] não seria indenizável […] em si mesmo” (CAHALI apud SCHIAVI, 2011, p. 60).

A nova Constituição consagrou em seu art. 5º, incisos V e X, a “[…] ampla reparabilidade do dano moral, sem qualquer interdependência com o dano material, ou seja, o dano moral puro, que existe por si só”, disposição mantida no art. 186 do CC/2002 (SCHIAVI, 2011, p. 60).

1.3.2.3 A natureza jurídica da reparação por danos morais

Não há como se aquilatar exatamente os danos extrapatrimoniais.

“[…] já que é impossível ressarcir-se ou indenizar-se o que não possui equivalência econômica (a dor, o sofrimento, a aflição, o nome ou a reputação violados) […]” esta reparação não possui natureza indenizatória, mas compensatória (MEDEIROS NETO apud SCHIAVI, 2011, p. 81).

Nas palavras de Schiavi (2011, p. 80-81):

“Acreditamos que a natureza jurídica da reparação por danos morais tem caráter dúplice. Em relação à vítima é compensatória, ou seja, a vítima recebe um valor em pecúnia para abrandar o sofrimento. Com relação ao ofensor, tem natureza sancionatória, ou seja, é uma sanção civil pecuniária ou in natura pelo ato ilícito praticado e também para que ele não volte a ser praticado (caráter inibitóri”o).

1.3.2.4 O caráter publicista da reparação por danos morais

Parece inconteste o caráter publicista, além do caráter privado, da reparação de dano moral como manifestação de proteção da dignidade humana.

Alerta Sérgio Cavalieri Filho (2005 apud SCHIAVI, 2011, p. 78-79) que

“[…] logo no seu primeiro artigo, inciso III, a Constituição Federal consagrou a dignidade humana como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito. Temos hoje o que pode ser chamado de direito subjetivo constitucional à dignidade. Ao assim fazer, a Constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos”.

Nas palavras de Cláudio Antonio Soares Levada (1997 apud SCHIAVI, 2011, p. 79):

“[…] consideramos a indenização por dano moral um misto de compensação à vítima e de punição ao ofensor. Sua inserção como um direito fundamental, previsto no elenco do art. 5º, da Constituição Federal, desloca a análise da questão de uma ótica meramente individualista, em que a única preocupação é com a figura da vítima ou membros de sua família, para uma ótica publicista, um comando que parte do Estado não apenas para os indivíduos, ativa e passivamente, mas também como forma de proteção da comunidade, que é sua essência e razão teleológica da existência.”

E, finalmente, com o mesmo enfoque, Jorge Pinheiro Castelo (2004 apud SCHIAVI, 2011, p. 79):

“[…] o Estado Democrático de Direito está fundado no respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Por isso, consagra-se o princípio do punitive damage, ou seja, que além do valor fixado pelo dano sofrido pela vítima, há o necessário acréscimo na fixação da extensão e valor do dano, cujo objetivo e interesse da sociedade é no sentido de que o agressor não volte a repetir o ato contra qualquer pessoa e não apenas contra a vítima.”

1.3.2.5 Danos extrapatrimoniais decorrentes da relação de trabalho

O estudo sobre este tema se iniciou com o artigo “A reparação do dano moral no direito do trabalho” de Luiz de Pinho Pedreira da Silva, “[…] publicado na Revista LTr, ano 55, maio 1991, p. 552 e ss” (SCHIAVI, 2011, p. 117).

Atualmente, para decisão de casos concretos vale a consulta ao rol de hipóteses bastante detalhado e completo, exemplificado por Mauro Schiavi (2011, cap. IV, p. 120-190), a saber: danos morais pré-contratuais (processo seletivo, atitudes discriminatórias, trabalhador portador do vírus HIV), danos durante a execução do contrato de trabalho (abusos no poder diretivo, monitoramento de e-mail corporativo do empregado, revistas pessoais, assédio moral conceito e jurisprudência, assédio sexual, rebaixamento funcional, descumprimento do pagamento de verbas salariais, não concessão de períodos de descanso e violação do direito ao lazer, meio ambiente e saúde do trabalhador, acidentes do trabalho e o dano moral, dano estético e dano moral, violação da imagem do empregado), na extinção do contrato de trabalho (justa causa, abertura de inquérito policial pelo empregador) e, finalmente, danos morais após a extinção do contrato de trabalho (anotações desabonadoras na CTPS do empregado, listas negras).

O autor (SCHIAVI, 2011, p. 291) denuncia ainda, o assédio processual perpetrado por uma das partes, atingindo as demais e ao próprio poder judiciário, cuja condenação

“[…] deve ser fixada como a reparação por danos morais. […] a indenização pelo dano decorrente do assédio processual poderá ser apurada, liquidada e executada nos próprios autos do processo em que ele eclodiu, inclusive o Juiz do Trabalho, ex officio, poderá determinar a indenização.”

Para Schiavi (2011, p. 290) esta reparação não “[…] se confunde com as cominações de litigância de má-fé e ato atentatório à dignidade da justiça […]”, por resultar de atentado à dignidade da pessoa humana.

Embora este trabalho esteja dedicado apenas à reparação de danos extrapatrimoniais em razão de acidentes do trabalho, vale registrar que a pessoa jurídica também pode ser vítima destes danos, conforme a seguir.

1.3.2.6 Dano moral e a pessoa jurídica

Parte da doutrina, Wilson Melo da Silva (1983 apud SCHIAVI, 2011, p. 67) entre outros autores, entende que as pessoas jurídicas não fazem jus à reparação por danos morais, apenas seus sócios ou administradores poderiam pleitear o ressarcimento, por se tratar de um dano pessoal.

Schiavi (2011, p. 68) argumenta que o conceito de pessoa é jurídico. Com base no art. 52 do novo Código Civil, explicita que a pessoa jurídica pode ter violado sua honra objetiva, seu nome, sua reputação e sua imagem, embora “[…] não tenha a honra subjetiva (dignidade e decoro)”.

O entendimento está pacificado na Súmula 227 do STJ. Assim,

“[…] tanto o empregador pessoa física como pessoa jurídica podem propor, perante a Justiça do Trabalho, ações para reparação de danos morais em face do empregado, ou até em reconvenção, postular tal reparação. O empregador pode sofrer danos morais, na fase pré-contratual, na fase contratual e na fase pós-contratual” (SCHIAVI, 2011, p.189).

Além da obra de Schiavi, podem ser encontrados exemplos de casos concretos de danos extrapatrimoniais sofridos por empregadores, em Enoque Ribeiro dos Santos (2000 apud SCHIAVI, 2011, p. 189) e nos autores Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins (2006 apud SCHIAVI, 2011, p. 189). Estes últimos explicitam que a ofensa pode ser perpetrada por empregado ou por seu sindicato, o qual, no exemplo, divulga calúnias sobre a empresa na imprensa, como forma de pressão para celebração de acordo coletivo que o favoreça (SCHIAVI, 2011, p.190).

1.3.2.7 Dano moral por perda de chance

Já o entendimento de que a perda de uma chance pode gerar dano moral, nos parece incorreto. Acreditamos que a perda de oportunidades futuras será adequadamente compensada na indenização por danos patrimoniais.

O que ocasionou a perda de chance é que pode configurar dano moral além de dano material.

O instituto do dano moral visa compensar a pessoa física ou jurídica, por perdas não materiais efetivamente sofridas. Como veremos, a prova do efeito danoso não é necessária, mas há que restar demonstrado o ilícito cometido, no passado.

Assim, claramente demonstrada a perda de uma chance pela vítima de acidente do trabalho (exemplos de lesionado aprovado em concurso público que não poderá assumir o novo cargo em razão da condição física, empregado prestes a ser promovido etc.), o dano efetivo, por ação ou omissão, ensejador desta perda futura, poderá ser indenizado como moral ou extrapatrimonial, preenchidos os pressupostos necessários já vistos, mas os possíveis prejuízos advindos da perda de uma chance deverão ser avaliados e tratados na indenização de danos patrimoniais.

Neste entendimento, a reparação do dano moral ou extrapatrimonial se dará sobre o que já ocorreu, a perda da saúde/capacidade para o trabalho, e não propriamente sobre o que poderia ter ocorrido.

Comprovada a perda de uma chance, os “prejuízos futuros”, o que poderia ter sido ganho, será objeto da indenização por danos materiais, “[…] segundo um juízo de probabilidade” (SILVA, 2014, p. 316, grifo original).

1.4 A responsabilidade

O ato ilícito (art. 186 do CC) é o “[…] fato gerador da responsabilidade civil […] ato no qual o procedimento da pessoa ofende a ordem jurídica […] é o ato no qual há violação de um dever preexistente […] inobservância de um dever que o agente deveria conhecer e observar” (SILVA, 2014, p. 230, grifo original).

O Código Civil alemão de 1897 “[…] foi o primeiro a abandonar a tradicional classificação romanística de delito e quase delito, erigindo no lugar dessa dicotomia um conceito único: o conceito de ato ilícito”, estabelecendo “[…] os fundamentos científicos da teoria da responsabilidade, tal como se verifica no presente” (CAVALIERI FILHO, 2005 apud SILVA, 2014, p. 230, grifo original).

O “[…] ato ilícito, a fonte mais importante da responsabilidade civil” (SILVA, 2014, p. 228, sem grifo no original), é contrário à lei ou a direito de outrem (SILVA, 2014, 226, sem grifo no original). Pode ser cometido por omissão, negligência, imprudência ou imperícia.

A responsabilidade civil é a “obrigação de reparar o dano, por todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, imprudência, negligência ou imperícia, violar direito ou causar prejuízo a outrem” [embora o autor use a preposição ou, no dispositivo legal consta o termo e, preposição aditiva, ou seja, terá que haver um dano decorrente do ato ilícito, para aplicação do instituto jurídico da responsabilidade civil] (PEREIRA, 2006, p. 81), ou seja, conforme disposto no art. 927, CC, a obrigação gerada por cometimento de ato ilícito lesivo a alguém.

Para Caio Mário são requisitos da responsabilidade civil: “a) uma conduta antijurídica (por comissão ou omissão); b) o dano a um bem jurídico (material ou moral); c) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano” (1992 apud SILVA, 2014, p. 228).

Silva (2014, p. 230-231, grifos originais) aponta que parte da doutrina confunde ilicitude e imputabilidade/culpabilidade, afirmando “[…] que há ato ilícito também na responsabilidade objetiva, […] pois decorre de ato ilícito a responsabilidade objetiva do Estado, do transportador, do fornecedor etc., tendo em vista que a ilicitude provém da violação de um dever jurídico preexistente”, frisando que “[…] os casos de indenização por ato lícito são excepcionalíssimos, tendo lugar apenas nas hipóteses expressamente previstas em lei […]”.

Assim, “[…] no ato ilícito ‘haverá sempre o não cumprimento de uma obrigação originária’” (DIREITO; CAVALIERI FILHO, 2004 apud SILVA, 2014, p. 231).

1.4.1 Evolução da responsabilidade civil

Na doutrina tradicionalmente haveria de restar provado o nexo de causalidade entre a ação/omissão do empregador, mediante dolo ou culpa, e o infortúnio sofrido pelo trabalhador, para a responsabilização de um dano laboral.

Na vigência do Código Civil de 1916,

“[…] a doutrina subjetiva era a regra e a objetiva a exceção. O sistema de responsabilidade subjetiva do Código Civil de 1916 exigia a comprovação de culpa para viabilizar a pretensão de ressarcimento de danos, mostrando-se absolutamente injusto e inadequado, especialmente para os economicamente desfavorecidos. Representava evidente obstáculo ao êxito da demanda, posto se tratar de prova de difícil produção e de complexa análise, o que contribuía, ao lado de diversos outros fatores, para comprometer, ainda mais, o acesso à prestação jurisdicional, gerando séria iniquidade, especialmente para as pessoas necessitadas” (WOLKOFF, 2010, p. 10).

Com o advento do Código Civil de 2002, o art. 927, em seu parágrafo único, prescreve a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade exercida trouxer riscos por sua própria natureza.

Em sua avaliação do desenvolvimento do instituto da responsabilidade civil ao longo do século XX, Alexander Porto Marinho Wolkoff (2010, p. 11) considera este dispositivo legal uma

“[…] profunda modificação nesse campo do direito, ajustando-se à evolução ocorrida ao longo do século passado, institui-se ao lado da responsabilidade civil subjetiva (arts. 186, 187 e 927, caput) a responsabilidade civil objetiva genérica, baseada no risco-criado, pela qual o autor da conduta que produziu o dano fica obrigado a ressarcir a vítima independentemente de comprovação de culpa […]. Não resta dúvida que a grande novidade trazida pelo atual código, em relação à responsabilidade civil, foi a inclusão da responsabilidade objetiva baseada na teoria do risco, em dispositivo legal genérico.”

Elege os autores Raymond Saleilles e Louis Josserand, precursores da responsabilidade civil sem culpa, baseada na teoria da responsabilidade objetiva (2010, p. 12).

No Brasil cita os ilustres juristas Caio Mário da Silva Pereira (2002 apud WOLKOFF, 2010, p. 11), responsável pelas disposições referentes ao art. 927, e seu parágrafo único, o qual introduziu “[…] em nosso ordenamento jurídico um princípio genérico de responsabilidade civil objetiva”, e Sérgio Cavalieri Filho (2003 apud WOLKOFF, 2010, p. 11) que, “[…] após o exame das hipóteses de responsabilidade civil objetiva previstas pelo atual código, chega à conclusão que muito pouco espaço sobrou para a responsabilidade subjetiva”.

Em posição diametralmente oposta, Humberto Theodoro Junior (2003 apud WOLKOFF, 2010, p. 15), entre outros autores civilistas, afima “[…] orientação de prestigiar como principal a responsabilidade derivada da culpa. Deve-se reafirmar que o princípio nuclear da responsabilidade civil aquiliana no novo Código é o da responsabilidade subjetiva, fundada, pois, na culpa (art. 186 e 927, caput)”.

1.4.2 Teoria dos riscos

“A teoria do risco é o embasamento jurídico que os juristas elaboraram ao final do século XIX para justificar a responsabilidade objetiva. Risco nessa acepção jurídica significa perigo, potencialidade de dano, previsibilidade de perda ou de responsabilidade pelo dano, compreendidos os eventos incertos e futuros inesperados, mas, temidos ou receados que possa [sic] trazer perdas ou danos. […] Pode o agente estar sujeito a reparar o prejuízo independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (WOLKOFF, 2010, p. 5).

Esta corrente teórica elaborou diversas concepções de risco:

A teoria do risco integral é a espécie mais extremada, nela exclui-se

“[…] a ideia de culpa, proclama-se que qualquer fato, culposo ou não, deve impor ao agente a reparação, desde que cause um dano, sendo-lhe suficiente, até mesmo quando se dê o rompimento do nexo causal. Assim, esta espécie afasta qualquer hipótese de trabalho com as excludentes de responsabilidade civil” (WOLKOFF, 2010, p. 5).

A modalidade de risco-profissional refere-se à responsabilidade civil

“[…] oriunda da atividade ou profissão exercida pelo lesado, trazendo-lhe diminuição da capacidade produtiva ou privando-o dessa capacidade. Surge obrigação legal de reparar os danos ou perdas resultantes dos acidentes de trabalho que se comete ao empregador, independentemente da existência da culpa por parte deste.

A concepção da modalidade de risco-proveito funda-se no princípio do ubi emolumentum ibi onus – do lucro nasce o encargo. Considera como responsável aquele que tira vantagem econômica do fato. O proveito é avaliado pelo lucro ou vantagem econômica auferida pelos causadores do dano cabendo à vítima tal prova.

O risco-excepcional é uma outra acepção desta teoria, na qual o dever de indenizar surge em conseqüência de uma situação excepcional que foge à atividade comum do agente, mesmo que estranha ao trabalho que normalmente exerça” (WOLKOFF, 2010, p. 5-6, sem grifos no original).

E, finalmente, a concepção expressa no parágrafo único do art. 927 do CC, para o ilustre doutrinador Caio Mário da Silva Pereira (2001 apud WOLKOFF, 2010, p. 6):

“[…] a modalidade de risco-criado, independentemente da culpa, e dos casos especificados em lei, haverá obrigação de reparar o dano quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do fato danoso implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Esta acepção compreende a reparação de todos os fatos prejudiciais decorrentes de uma atividade exercida em proveito do causador do dano, isento apenas por ocasião da prova de que este tomou todas as medidas prudentes para evitá-lo. Esta concepção é considerada por alguns autores como de maior abrangência que a do risco-proveito” [sem grifo no original].

O autor classifica todas estas modalidades em dois gêneros de riscos, o risco-integral e o risco-criado, este último abrangeria as espécies risco-profissional, risco-proveito e risco-excepcional, de mesma matriz teórica.

Assim

“[…] teríamos dentro da doutrina do risco, aquela corrente que preceitua ser indispensável a definição do nexo-causal para caracterizar-se a responsabilidade objetiva – teoria do risco-criado e, paralelamente, uma outra corrente que afirma ser possível a caracterização da responsabilidade, até mesmo nos casos de inexistência do nexo causal – teoria do risco-integral. Esta última concepção não firmou bases em nosso ordenamento jurídico na área do direito privado, pois, mesmo na responsabilidade objetiva, a doutrina pátria e alienígena mostra-se unânime na indispensabilidade da relação de causalidade.

Contudo, essa última teoria subsiste no direito público, mais precisamente na responsabilidade civil do Estado. A Constituição Federal de 1988 ao estabelecer em seu art. 37, § 6º, que o Estado responde pelos danos causados ao particular com direito de regresso contra o servidor, em caso de procedimento culposo, adotou a doutrina do risco integral” (WOLKOFF, 2010, p. 18, sem grifos no original).

Como bem explicita Wolkoff (2010, p. 8) “[…] a verdadeira essência das causas do surgimento das teorias que embasam as diversas espécies de riscos” é a constatação “[…] que não podem ficar sem a respectiva reparação pelo simples fato da impossibilidade material da aferição da culpa pelas vítimas, como querem os adeptos da teoria subjetiva, as quais se mostram hipossuficientes nesta relação jurídica”.

1.4.3 Responsabilidade Subjetiva X Responsabilidade Objetiva

“Constatamos, assim, que a responsabilidade civil, no atual sistema, tem dois fundamentos genéricos: o ato ilícito, do qual a culpa é o elemento básico, e o risco, fundamento da responsabilidade objetiva. Fica claro que esse sistema manteve a linha clássica no sentido em que o ato ilícito tem como um de seus elementos a culpa e, quando se refere à responsabilidade civil objetiva, o fundamento não é o ilícito, mas sim, o risco” (WOLKOFF, 2010, p. 13).

No escopo deste pequeno trabalho o interesse específico é descrever a natureza e os fundamentos que têm sidos adotados na responsabilização civil por acidente do trabalho, incluídas as doenças ocupacionais nesta categoria por força de lei, como já visto.

Alexandre Demetrius Pereira (2006, p. 87) acredita necessária a prova de culpa para responsabilização do empregador, nos termos do art. 7º, XXVIII, da CF.

Tereza Aparecida Asta Gemignani (2006, p. 23-24) acredita insuficiente a

“[…] teoria subjetiva, para balizar a responsabilização do empregador em caso de acidente de trabalho e doença profissional. A promulgação do novo Código Civil, trouxe para o ordenamento jurídico o necessário respaldo legal, para a aplicação da teoria objetiva, baseada no risco criado pela atividade do empregador. Entretanto, tal não implica na exclusão de uma pela outra, nem em colisão do disposto no parágrafo único do artigo 927 do NCC/2002, com a diretriz exposada pelo inciso XXVIII do artigo 7º da CF/88. Compreendem órbitas de atuação distintas, restando insustentável a interpretação ampliativa [do primeiro].”

Colocando-se, portanto, referida autora, entre os que adotam a teoria conciliadora, aplicando ora a responsabilidade subjetiva ora a objetiva, conforme o caso concreto e respectivo enquadramento legal.

“Ocorrido o dano, é preciso que alguém o suporte. Não há culpa positiva de nenhum deles. Qual seria, então, o critério de imputação do risco?”. Este é o problema que move os autores dedicados à teoria da responsabilidade civil objetiva (DIAS, 1995 apud SILVA, 2014, p. 247).

A resposta proposta é a substituição da prova de culpa do empregador, pela causalidade, pela demonstração do nexo causal do dano a ser reparado, com o infortúnio sofrido, acidente ou adoecimento, e deste com a atividade profissional exercida pela vítima. Com presunção legal da responsabilidade do réu, e inversão do ônus da prova de culpa exclusiva da vítima:

“Quanto às presunções de culpa, Aguiar Dias, com base nas lições de Josserand, enfatiza que:

‘No sistema das presunções legais, a jurisprudência alivia a vítima do oneroso encargo da prova e, às vezes até o suprime. À dura exigência da culpa provada e efetiva, substitui-se a culpa presumida e problemática: os pais, os professores, os patrões, aqueles a quem cabe a guarda presumem-se culpados, uma vez ocorrido o fato danoso. A presunção, aí, é absoluta. Importa dizer: não se admite que alguma dessas pessoas ofereça prova de que não praticou ato culposo. Este, em face daquela presunção, é irremissivelmente dado como provado. Em contrário, só é possível prova de força maior ou de culpa da vítima. De forma que a vítima só tem de demonstrar que o dano foi causado pela pessoa ou coisa sob a guarda do réu. A este compete provar – e só se escusa por esta via – a culpa da vítima ou a força maior”’ (1995 apud SILVA, 2014, p. 250).

“[…] Josserand, já na década de 1930, indagava se não seria mais conveniente ‘ir mais longe, abandonando essa noção de culpa, tão desacreditada, para admitir que somos responsáveis não somente pelos atos culposos, mas pelos nossos atos, pura e simplesmente’” (DIAS apud SILVA, 2014, p.250, grifo original).

“[…] a maior preocupação dos doutrinadores e principalmente dos juízes que construíram a teoria da responsabilidade objetiva foi a de sempre facilitar a produção da prova por parte da vítima do dano” (SILVA, 2014, p. 249, grifo original).

José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva (2014, p. 251) adota a “teoria da responsabilidade contratual”, afirmando que

“[…] essa noção de responsabilidade contratual objetiva deve ser aplicada sem rodeios no campo do direito do trabalho, para a proteção da saúde do trabalhador, tendo em vista a imensa dificuldade de produção da prova da culpa do empregador na ocorrência de acidente do trabalho e doença ocupacional” [grifo original].

As únicas hipóteses excludentes da responsabilidade objetiva do empregador nos acidentes do trabalho, as quais, segundo esta concepção, teriam que ser provadas pelos réus, serão apresentadas a seguir.

1.4.4 Excludentes da responsabilidade objetiva do empregador

1.4.4.1 Culpa exclusiva da vítima

“Se ela [a vítima] pratica o ato [inseguro] com intenção ou, pelo menos, consciência de que o resultado danoso pode advir, tem-se a hipótese de dolo […]. Nenhuma responsabilidade haverá para o empregador em tal hipótese ‘desde que fique cabalmente comprovado o dolo do trabalhador que se autolesionou’ [com o objetivo de obter vantagens financeiras, afastamento do trabalho etc.], sendo que a prova do dolo é obviamente, do empregador” (MELO apud SILVA, 2014, p. 301).

Excepcionando-se o dolo, segundo a teoria francesa da árvore de causas (ADC), desenvolvida na década de 1970, os acidentes são fenômenos multicausais. (SILVA, 2014, p. 148). Para exclusão integral da responsabilidade do empregador, deverá restar provada a culpa exclusiva, também chamada ato ou fato exclusivo da vítima, o que pode ser raro ou mesmo inexistente (SILVA, 2014, p. 303, sem grifos no original).

Na maioria das vezes, o que se considera ato exclusivo da vítima tem em sua origem outros motivos. Assim, não sendo causa exclusiva da vítima, o empregador poderia ter reduzida sua responsabilidade no sinistro, mas não anulada.

O mestre Raimundo Simão de Melo relaciona algumas questões fundamentais que devem ser consideradas antes de configurar um infortúnio, fato exclusivo da vítima:

“É preciso que se examine em que situação e circunstâncias foi praticado o ato que levou ao acidente; se o trabalhador agiu consciente ou inconscientemente; se estava usando equipamentos de proteção adequados; se os recebeu e se os mesmos estavam dentro do tempo de vida útil; qual o ritmo do trabalho; quais as exigências de produção por parte da empresa; se o trabalhador tinha capacitação técnica para a atividade e, se não a tinha, se recebeu autorização superior para tanto; se estava devidamente instruído para executar a tarefa que levou ao evento; se estava em jornada normal de trabalho ou se cumpria sobrejornada excessiva; se estava trabalhando sob algum tipo de pressão psicológica ou econômica; se estava cumprindo aviso-prévio etc.” (2004 apud SILVA, 2014, p. 301-302).

SILVA aprofunda a questão, trazendo à tona elementos psicossociais a serem avaliados, tais como: “[…] exigências de produtividade superiores à capacidade física e mental do empregado, […] tratamento por demais rigoroso” por parte dos superiores hierárquicos; geradores de estresse que interferem diretamente na perfomance no trabalho (2014, p. 302).

“Em suma, o ato inseguro – culpa exclusiva da vítima – somente estará caracterizado quando for a única causa do evento, excluindo-se todas as demais possibilidades, sendo, em regra, um fato único, determinante e imprevisível” (SILVA, 2014, p. 303, grifo original).

1.4.4.2 Força maior ou caso fortuito

Embora haja divergências entre os doutrinadores na definição destes conceitos, razoável considerar força maior os eventos decorrentes da natureza, tais como terremoto, maremoto, raio, granizo, enchente etc., e caso fortuito fato alheio derivado de força externa invencível, tais como greve, guerra, motim, ordens de autoridades etc., impeditivos do cumprimento da obrigação pelo empregador.

Apenas a hipótese de força maior está prevista na CLT em seu art. 501, § 1º. (SILVA, 2014, p. 304).

Pode-se afastar a responsabilidade objetiva do empregador também nos acidentes decorrentes de desabamento, inundação, incêndio “[…] oriundos de autêntica força maior [por causas externas] à esfera de ação do empregador” (SILVA, 2014, p. 308, grifo original).

1.4.4.3 Excludentes nos acidentes por equiparação

Segundo Silva: “Somente não haverá responsabilidade objetiva se o acidente ocorrer no lapso do intervalo, mas fora do estabelecimento empresarial, ainda que o trabalhador esteja tomando refeição ou satisfazendo suas necessidades fisiológicas” (2014, p. 310, sem grifo no original).

“Se o empregador responde objetivamente por atos de seus empregados perante terceiros (art. 932, III, do CC/2002), por que deveria ser diferente em relação aos próprios empregados quanto aos atos ou fatos praticados por terceiros, inclusive companheiros de trabalho? Cabe ao empregador ajuizar ação de regresso contra o causador do dano, como expressamente previsto para o contrato de transporte (art. 735 do Código Civil de 2002). Ou, no mínimo, provar que o acidente, ou a agressão, deu-se por provocação da vítima, por dolo de sua parte etc. [nas hipóteses das alíneas a, b, c e d, inciso II do art. 21 da Lei nº 8.213/91]” (SILVA, 2014, p. 305-306).

Também deverá responder objetivamente, o tomador de serviços

“[…] pelos danos ocorridos em relação aos empregados de empresas terceirizadas, colocadas a seu serviço, em seu estabelecimento empresarial […]. A responsabilidade do tomador de serviços pelos danos decorrentes de acidente do trabalho e/ou doença ocupacional é objetiva e solidária em relação à empresa prestadora dos serviços, sendo nula qualquer cláusula contratual que preveja em sentido contrário” (SILVA, 2014, p. 306, grifo original).

Nos acidentes em viagens para estudo, mesmo que financiadas “[…] pelo empregador para a melhor capacitação de sua mão de obra […]”, e nos acidentes in itinere ou de trajeto, não está caracterizada a responsabilidade objetiva do empregador, por não ocorrerem no ambiente de trabalho ou por ocasião da prestação de serviços. Se estes acidentes forem causados por más condições do veículo fornecido pelo empregador, o mesmo poderá ser responsabilizado subjetivamente. Se causados por imprudência do motorista da empresa, a mesma responderá objetivamente, nos termos do art. 932, III, do CC (SILVA, 2014, p. 308).

2 ALGUMAS QUESTÕES SOBRE AS AÇÕES INDENIZATÓRIAS

2.1 Valor da causa nas ações de reparação de dano extrapatrimonial

Em razão do dano extrapatrimonial não ter quantificação numérica, alguns autores dispensam a atribuição do valor da causa nas ações reparatórias destes danos. Outros até mesmo “[…] asseveram que o valor do dano moral deve ficar ao exclusivo arbítrio do juiz” (SCHIAVI, 2011, p. 264).

Schiavi (2011, p. 264) pondera que na Justiça do Trabalho, após a Lei nº 9.957/2000, “[…] a declinação do valor da causa é obrigatória, para qualquer espécie de rito, pois o valor da causa determina o rito processual”.

O art. 258 do CPC preconiza que A toda causa será atribuído um valor certo ainda que não tenha conteúdo econômico.

O autor (SCHIAVI, 2011, p. 265, sem grifo no original) considera que,

“[…] ninguém melhor que o lesado para declinar ao juiz o valor de seu dano e, em tese, o preço da sua dor”, destaca porém que “uma vez indicado o valor da causa na inicial, o juiz não poderá excedê-lo ao fixar o valor da reparação (arts. 128 e 460 do CPC), embora possa fixá-lo em valor inferior ao postulado.”

2.2 Transmissibilidade do direito de ação

Vale a transcrição da citação de José de Aguiar Dias (1995 apud SCHIAVI, 2011, p. 266):

“A ação de indenização se transmite como qualquer outra ação ou direito aos sucessores da vítima. Não se distingue, tampouco, se a ação se funda em dano moral ou patrimonial. A ação que se transmite aos sucessores supõe o prejuízo causado em vida da vítima.”

2.3 Denunciação à lide nas ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho

Na denunciação à lide uma das partes, comumente o réu, denuncia um terceiro com o objetivo de assegurar seu direito de regresso contra este denunciado.

“Ensina Renato Saraiva […] ‘serão julgadas tanto a demanda entre as partes primitivas quanto a lide decorrente da denunciação (art. 76 do CPC), possuindo a sentença, portanto, dupla finalidade’” (2006 apud SCHIAVI, 2011, p. 267).

O instituto é regrado no art. 70 do CPC, mas apenas o inciso III pode ser aplicado ao processo trabalhista, aplicação vedada pela OJ nº 227 do TST, até a EC 45/2004.

Em razão da ampliação da competência da justiça do trabalho, esta OJ foi cancelada em 2005:

“A jurisprudência trabalhista tem admitido […] a intervenção de terceiros no Processo do Trabalho para o fim de fixação de responsabilidade ao terceiro, tendo por objetivo assegurar a garantia da solvabilidade do crédito trabalhista e maior efetividade da jurisdição trabalhista” (SCHIAVI, 2011, p. 270).

Há que se analisar cada caso concreto nas ações de indenização por dano patrimonial e extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho. Schiavi (2011, p. 269) antecipa a compatibilidade da denunciação à lide nestas ações, fornecendo alguns exemplos:

“[…] podendo o empregador […] denunciar à lide a seguradora, em eventual ação de reparação de dano oriundo de acidente de trabalho, ou em caso de responsabilidade do empregador por ato de seu preposto ou empregado, denunciar à lide o empregado que causou diretamente o dano (arts. 932, III, 933 e 942, ambos [sic] do Código Civil).”

2.4 Dispensa de prova nas ações de reparação por dano extrapatrimonial

Como vimos, para configuração de dano extrapatrimonial ou moral basta a demonstração do ilícito e do nexo de causalidade.

“A prova se destina à comprovação da verdade dos fatos […] basta que a vítima comprove o fato lesivo, sendo o dano moral presumido de forma absoluta” (SCHIAVI, 2011, p. 250-251, sem grifo no original).

Alguns autores entendem que esta presunção é relativa, admitindo portanto, prova em contrário, posição que nos devolve à questão da impossibilidade de provas no campo dos danos extrapatrimoniais.

Se há concordância que para a condenação basta a presunção do dano moral com base no padrão da sociedade, mais a prova do fato ilícito, devemos concluir que esta presunção será absoluta, sob pena de andarmos em círculos, como cachorros em busca do próprio rabo.

O contraditório será assegurado ao réu, na comprovação dos fatos ensejadores do dano extrapatrimonial. E, “[…] uma vez negado o fato lesivo apto a gerar o dano moral pelo agressor, o ônus da prova incumbe ao ofendido (arts. 818, da CLT, e 333, I, do CPC), por ser fato constitutivo do direito” (SCHIAVI, 2011, p. 251).

Conforme decisão do TST (TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p. 156):

“Assim, inviável exigir-se a prova do sofrimento daquele que suporta o citado dano, pois, nesse caso, estar-se-ia impondo o ônus de demonstrar algo que não se concretiza no mundo dos fatos, mas, tão somente, no âmbito psicológico do lesado. A doutrina e a jurisprudência têm entendido que o dano moral é damnum in re ipsa, sendo, no caso, suficiente para fins de atribuição de responsabilidade, a demonstração do evento, doença profissional, e fixado o nexo de causalidade”.

Sintetiza José Antonio Ribeiro de Oliveira Silva (2014, p.352):

“Sobre o dano moral, não há exigir-se prova cabal de sua existência, tampouco perícia para sua constatação. A configuração do dano moral dá-se na análise das circunstâncias em que ocorreu a agressão à saúde, ou seja, à integridade física ou psíquica do trabalhador, na ocorrência de acidente do trabalho ou de doença ocupacional. Nem mesmo há necessidade de repercussão social do fato, ou seja, de que outras pessoas atestem a dor moral, que é íntima, intrínseca à pessoa. Tal repercussão é aferível apenas no que se relaciona ao arbitramento da indenização do dano, na averiguação do requisito gravidade do fato” [grifos originais].

2.5 Licitude das provas

Schiavi (2011, p. 258) relata que, “[…] muitas vezes em juízo, o Juiz do Trabalho se depara com a produção de provas […] obtidas por meio ilícito pelas partes”, vedadas pela Constituição.

Haverá “[…] ilicitude formal quando a prova violar regra de Direito Processual e ilicitude material, quando violar regra de Direito Material” (SCHIAVI, 2011, p. 258).

O autor (SCHIAVI, 2011, p. 259) identifica “[…] na doutrina e jurisprudência três correntes sobre a proibição da prova ilícita no processo”:

A primeira veda toda e qualquer prova ilícita no processo.

Para a segunda corrente, “[…] desde que o conteúdo da prova seja lícito, ela pode ser utilizada, mesmo que tenha sido obtida por meio ilícito. Essa vertente de interpretação prestigia o caráter publicista do processo, o acesso à justiça e a busca da verdade real” (SCHIAVI, 2011, p. 260).

E, finalmente, a terceira corrente propõe a aplicação do princípio da proporcionalidade para decidir a admissão no processo, de prova obtida por meio ilícito. “Para essa vertente de interpretação, o juiz valorará, no caso concreto, segundo critérios axiológicos, qual princípio deverá ser prestigiado e qual deve ser sacrificado em prol da justiça da decisão e efetividade do processo” (SCHIAVI, 2011, p. 261).

“[…] deve o Juiz do Trabalho, ao apreciar a prova obtida por meio ilícito, ter bastante cautela, pois ao admitir essa prova por uma das partes, pode estar violando um direito fundamental da parte contrária e até causar danos de ordem moral a esta última […] ao analisar a pertinência ou não da produção da prova obtida por meio ilícito […] deve tomar as seguintes cautelas: a) sopesar a lealdade e boa-fé da parte que pretende a produção da prova ilícita; b) observar a seriedade e verossimilhança da alegação; c) avaliar o custo benefício na produção da prova; d) aplicar o princípio da proporcionalidade, prestigiando o direito que merece maior proteção; e) observar a efetiva proteção à dignidade da pessoa humana; f) valorar não só o interesse da parte, mas também o interesse público.”

2.6 Efeitos da coisa julgada na esfera penal sobre as ações de indenização por dano patrimonial e extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho

Com base no art. 935 do CPC, Schiavi (2011, p. 273) afirma “[…] se restarem decididas no crime a existência do fato ou sobre quem seja o seu autor, estes fatos fazem coisa julgada nas esferas civil e trabalhista”.

Como exemplo, quando no processo trabalhista a causa de pedir é rescisão do contrato de trabalho por justa causa, frequentemente coexiste ação penal discutindo as mesmas questões, por exemplo, casos de delitos de furto, improbidade de gerentes etc.

Porém, “[…] somente haverá vinculação do juízo trabalhista quando o fato discutido no juízo criminal for idêntico ao discutido na Justiça do Trabalho […] deverá ter havido o trânsito em julgado material da sentença penal” (SCHIAVI, 2011, p. 273, sem grifo no original).

Assim, desnecessária ação trabalhista para discutir danos patrimoniais e extrapatrimoniais

“[…] se a responsabilidade do empregador já foi dirimida no crime […] a sentença penal condenatória em que houve o trânsito em julgado será executada diretamente na Justiça do Trabalho, procedendo-se a liquidação por artigos, uma vez que haverá necessidade de se provar fato novo, qual seja o valor dos danos morais ou patrimoniais, mas não haverá discussão de serem devidos ou não tais espécies de danos” (SCHIAVI, 2011, p. 275).

Havendo absolvição no processo penal, apenas a hipótese prevista no inciso I do art. 386 do CPP, vinculará o juízo trabalhista. “[…] o Juiz do Trabalho não poderá determinar a produção de provas, se o juízo criminal, após análise da prova, disser que o fato inexistiu. Os demais incisos do art. 386 do CPP não vinculam o Juiz do Trabalho” (SCHIAVI, 2011, p. 274).

2.7 A prescrição nas ações indenizatórias de acidente do trabalho

“A prescrição sintetiza a convivência possível entre dois valores fundamentais do direito: o ideal de justiça e a segurança jurídica”, na definição de Sebastião Geraldo de Oliveira (2006, p. 54).

Na controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre a matéria, o autor identifica duas correntes: uma delas defende a prescrição prevista no art. 206, § 3º, inc. V, do Código Civil de 2002, ainda que o julgamento seja proferido pela Justiça do Trabalho. Entre outros autores, Helder Martinez Dal Col, Jorge Luiz Souto Maior e Raimundo Simão de Melo argumentam

“[…] que o acidente representa uma ocorrência extraordinária, alheia à expectativa normal do empregado e à execução regular do contrato de trabalho. Assim, a vítima estará postulando a reparação dos danos pessoais sofridos e não créditos trabalhistas propriamente ditos” (OLIVEIRA, 2006, p. 55).

A outra corrente por entender “[…] que a indenização por acidente do trabalho é também um direito de natureza trabalhista”, constante do inciso XXVIII, art. 7º da CF, adota a prescrição prevista no inciso XXIX do mesmo artigo, de cinco ou dois anos (OLIVEIRA, ano, p. 55).

O autor alia-se à segunda corrente, justificando sua conclusão: “O instituto da responsabilidade civil não se aplica exclusivamente no âmbito do Direito Civil, uma vez que a ilicitude no sentido amplo, que gera a obrigação de indenizar, pode ocorrer em qualquer ramo do Direito” (OLIVEIRA, 2006, p. 56).

Exemplifica:

“Um mesmo trabalhador pode acionar seu empregador postulando indenização por danos sofridos tendo por base relações jurídicas diversas, atraindo, em conseqüência, aplicação de regramentos legais diferenciados. Vejam o caso de um empregado que durante suas férias, por mero acaso, venha a sofrer acidente de trânsito provocado por veículo do empregador, mas sem qualquer nexo causal com o cumprimento do seu contrato laboral. Nessa circunstância a reparação dos danos terá como base o Código de Trânsito conjugado com o Código Civil, aplicando-se a prescrição civil. Numa outra hipótese, esse mesmo trabalhador pode adquirir um produto fabricado pela empresa, e ser vítima de um acidente de consumo na sua residência por fato do produto. A reparação dos danos terá como base as normas do Direito do Consumidor, aplicando-se a prescrição qüinqüenal prevista no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. Poderá ainda aquele empregado sofrer acidente do trabalho por culpa do empregador, decorrente de violação das normas de segurança previstas na CLT, hipótese em que a prescrição aplicável será a trabalhista” (OLIVEIRA, 2006, p. 57).

Cita ainda decisão do STF no Conflito de Competência nº 7.204/MG:

“Ora, um acidente de trabalho é fato ínsito à interação trabalhador/empregador. A causa e seu efeito. Porque sem o vínculo trabalhista o infortúnio não se configuraria; ou seja, o acidente só é acidente de trabalho se ocorre no próprio âmago da relação laboral. A possibilitar a deflagração de efeitos morais e patrimoniais imputáveis à responsabilidade do empregador, em regra, ora por conduta comissiva, ora por comportamento omissivo. […] Vale dizer, o direito à indenização em caso de acidente de trabalho, quando o empregador incorrer em dolo ou culpa, vem enumerado no art. 7º da Lei Maior como autêntico direito trabalhista. E como todo direito trabalhista, é de ser tutelado pela Justiça especial, até porque desfrutável às custas do empregador (nos expressos dizeres da Constituição)” (OLIVEIRA, 2006, p. 58).

Oliveira (2006, p. 59) constata que “[…] há um raciocínio quase automático que vincula a questão da competência ao prazo da prescrição”, porém José Antonio Ribeiro de Oliveira Silva (2014, p. 376) argumenta que “[…] prescrição é instituto de direito material e não de processo, razão pela qual não se deve confundir o prazo prescricional aplicável com a competência para o julgamento da causa”.

Com relação à primeira corrente, Silva (2014, p. 376) objeta que a reparação civil do inciso V do § 3º do art. 206 do CC, “[…] é a de dano ao patrimônio material da vítima, não abrangendo os danos provocados diretamente à sua pessoa (dano físico ou funcional), ainda que se mencione dano “material”, tanto na doutrina quanto na jurisprudência” [grifo original].

Quanto à segunda corrente, argumenta que o inciso XXIX do art. 7º da CF, assim como o art. 11 da CLT, disciplinam sobre créditos decorrentes da prestação de serviços em si, e não o prazo prescricional da pretensão à reparação de danos pessoais. Porém, mesmo que se considere a indenização por acidente do trabalho e equiparado, crédito trabalhista, estas normas não regulam todos os créditos trabalhistas, a exemplo das ações relativas ao FGTS (Súmula nº 362 do TST).

Apesar da pacificação desta matéria pelo TST em 2009, conforme a segunda corrente, o autor (SILVA, 2014, p. 376) apresenta um terceiro entendimento, ao qual se filia, de que a reparação dos danos pessoais, incluídos os patrimoniais e extrapatrimoniais, decorre de violação a direito fundamental, não tendo, portanto, natureza apenas trabalhista ou civil, e de que a prescrição aplicável seria a do art. 205 do CC.

2.7.1 Termo inicial do prazo prescricional

O princípio da actio nata, adotado pelo direito brasileiro, norteou, entre outros dispositivos, o art. 189 do CC, e

“[…] consolidou o entendimento doutrinário de que a fluência do prazo prescricional só tem início quando a vítima fica ciente do dano e pode aquilatar sua real extensão, ou seja, quando pode veicular com segurança sua pretensão reparatória” (OLIVEIRA, 2006, p. 66).

Oliveira (2006, p. 69) sintetiza com propriedade:

“[…] o termo a quo da contagem do prazo prescricional nas doenças ocupacionais não está vinculado à data da extinção do contrato de trabalho, ou do aparecimento da doença ou do diagnóstico, ou mesmo do afastamento. Não se pode exigir da vítima o ajuizamento precoce da ação quando ainda persistam questionamentos sobre a doença, sua extensão e grau de comprometimento, a possibilidade de recuperação ou mesmo de agravamento, dentre outros. A lesão só fica mesmo caracterizada quando o empregado toma conhecimento, sem margem a dúvidas, da consolidação da doença e da estabilização dos seus efeitos na capacidade laborativa ou, como diz a Súmula 278 do STJ, quando ele tem “ciência inequívoca da incapacidade laboral” [sem grifos no original].

O autor conclui que o posicionamento dos tribunais superiores já está bem sedimentado com relação a esta questão da contagem inicial do prazo prescricional nas ações de reparação dos danos acidentários ajuizadas em face do empregador, mencionando as Súmulas 230 do STF, de 1963; a Súmula 278 do STJ, de 2003; e a Súmula 160 do TST nos casos de suspensão do contrato do trabalho (OLIVEIRA, 2006, p. 68-69).

José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva (2014, p. 380-381) explicita:

“A tal ciência inequívoca ocorre, em regra, quando da última alta médica, em que se verifica a consolidação das lesões. […] de modo que o termo a quo pode ser definido durante a suspensão ou até mesmo depois da extinção do contrato de trabalho, quando da última alta médica, decorrente da perícia que atesta, de forma definitiva, a incapacidade permanente (total ou parcial) ou o fim da incapacidade (temporária). […]

Vale dizer, é na data da concessão da aposentadoria por invalidez que se constata a incapacidade total e permanente do obreiro para o exercício de qualquer atividade laborativa, não se podendo falar em prescrição antes disso” [grifos originais].

Reproduzimos a seguir, trechos do Acórdão RR nº 28500-84.2008.5.15.0024, publicado em 14/02/14, transcrito por Silva (2014, p. 382-383):

“[…] a jurisprudência trabalhista tem adotado como parâmetro para fixação do marco inicial da prescrição o critério consagrado pela Súmula nº 278 do STJ, a qual dispõe que o direito a pleitear essa indenização, em todos os seus contornos, somente surge para o segurado na data em que ele tiver ciência inequívoca da sua incapacidade laboral, em toda a sua extensão […].

Não é possível, então, admitir que a ciência inequívoca coincida com a expedição da CAT, o diagnóstico ou o início da concessão do auxílio-doença, porquanto, no curso do afastamento para tratamento, o empregado poderá se deparar com o abrandamento da doença ou com seu agravamento, culminando com o retorno ao trabalho ou com a aposentadoria por invalidez, respectivamente” [sem grifo no original].

O autor (SILVA, 2014, p. 384) detalha ainda que, a prescrição para o pedido de ressarcimento de danos materiais com despesas de tratamento e outras, deve ser “[…] contada a partir do efetivo dispêndio do numerário”.

Finalmente, conclui pela aplicação dos arts. 198, I, 199, I e 200 do CC nas causas de impedimento ou de suspensão do prazo prescricional.

2.7.2 Pronunciamento da prescrição pelo magistrado

A alteração do § 5º do art. 219 do CPC, pela Lei nº 11.280/2006, determina que o juiz pronuncie a prescrição, ainda que não alegada pela parte.

Por aplicação subsidiária (arts. 8º e 769 da CLT), Sebastião Geraldo de Oliveira (2006, p. 71) entende que esta nova norma “[…] é compatível com o processo o trabalho”. Ressalva porém,

“[…] como a prescrição é uma forma de extinção da pretensão, gerando o “atrofiamento” do direito, esse novo dispositivo comporta aplicação restritiva e cuidadosa, pelo que, na dúvida, a interpretação deve ser contra a prescrição, ou a favor do direito da vítima. Com apoio no escólio de Washington de Barros Monteiro, em matéria de prescrição “as disposições são sempre de aplicação estrita, não comportando interpretação extensiva, nem analogia; a exegese será sempre restritiva. Na dúvida, deve julgar-se contra a prescrição, meio talvez antipático de extinguir-se a obrigação”.

Para o pronunciamento da prescrição ex officio, o autor (OLIVEIRA, 2006, p. 71-72) frisa a necessidade imperiosa de uma análise preliminar,

“[…] também de ofício, se não teria ocorrido alguma causa que impede, suspende ou interrompe a prescrição, tais como:

1. O autor ou alguns dos autores pode ser menor (Art. 198 do Código Civil e 440 da CLT);

2. A vítima do acidente ou doença pode ter-se tornado incapaz, perdendo o discernimento necessário para promover o ajuizamento da ação, mesmo que transitoriamente (Arts. 3º e 198 do Código Civil);

3. A ciência inequívoca do dano ou do nexo causal (actio nata) só ocorreu muito tempo depois da extinção do contrato de trabalho, não havendo anteriormente fluência do prazo da prescrição, especialmente nos casos de doenças ocupacionais;

4. O autor pode ter ajuizado ação anterior, mesmo que tenha sido arquivada, produzindo o efeito da interrupção do prazo prescricional em curso (Art. 202 do Código Civil e Súmula 268/TST);

5. O reclamado pode ter renunciado à prescrição, expressa ou tacitamente, ao praticar atos incompatíveis com a prescrição (art. 191 do Código Civil);

6. O reclamado pode ter praticado algum ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito do autor (Art. 202, VI, do Código Civil).

[…] De qualquer forma prevalece, porque ainda compatível com a sistemática do processo do trabalho, o entendimento da Súmula 114 do TST, que concluiu ser inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente.”

3 O QUE CONSIDERAR NA INDENIZAÇÃO/REPARAÇÃO DOS DANOS

O art. 944 do CC prevê que a indenização deverá ser proporcional à extensão do dano, em observância ao princípio da reparação integral.

3.1 Indenização de danos patrimoniais

O parágrafo único do art. 944 do CC admite porém que, “[…] em havendo excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização do dano material” (SILVA, 2014, p. 312, grifo original).

Silva (2014, p. 313) pondera que, ao se adotar

“[…] a responsabilidade objetiva do empregador pelos danos decorrentes de acidente do trabalho […] não há que se investigar desproporção excessiva entre a gravidade do fato e o dano daí advindo. Em outras palavras, a indenização do dano material proveniente de acidente do trabalho deve ser integral, não se podendo falar em redução equitativa, exceto nas hipóteses de concausalidade” [grifo original].

Como exemplo, na hipótese da própria vítima ter “[…] concorrido com culpa para o evento” (SILVA, 2014, p. 313), previsto no art. 945 do CC, a indenização deverá ser fixada proporcionalmente ao grau de culpa do autor do dano.

O art. 946 do CC confere ao juiz o arbitramento do valor da indenização do dano, quando “[…] não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente […] na forma que a lei processual determinar” (SILVA, 2014, p. 313).

3.1.1 Evolução histórica

A criação do seguro obrigatório teve como objetivo “[…] assegurar o pagamento da indenização de danos decorrentes de acidentes do trabalho, prevenindo-se contra a insolvência do empregador”, criado pela primeira vez na Alemanha, “[…] como parte da política social de Bismark” (SILVA, 2014, p. 270).

Citando a obra clássica de Evaristo de Moraes, Apontamentos de direito operário, primeiro livro de Direito do Trabalho publicado no Brasil, em 1905, Silva (2014, p. 270) relata a história da legislação que disciplinou sobre o tema, a qual iniciou-se na segunda metada do século XIX, em decorrência da nova realidade trazida pela revolução industrial:

“[…] a lei francesa de 9 de abril de 1898; a lei inglesa de 6 de agosto de 1897 – por ele considerada a mais importante, por adotar o princípio do risco profissional -, segundo a qual só o caso de culpa grave do operário poderia excluir seu direito à indenização; a lei austríaca de 28 de dezembro de 1887, melhorada e ampliada em 1888, 1891, 1893 e 1894; a lei italiana de 17 de maio de 1898, a lei dinamarquesa de 1891 (modificada em 1898), e a lei espanhola de 30 de janeiro de 1900, a qual consagrava o princípio do risco profissional e resolvia todas as questões teóricas acerca dos acidentes do trabalho. Entrementes, a primeira legislação sobre indenização por acidentes do trabalho foi publicada na Alemanha, já em 7 de junho de 1871. Posteriormente, a lei de 6 de julho de 1884 instituiu, além de outras providências favoráveis ao empregado, a obrigação patronal do seguro contra risco de acidente” [grifos originais].

No Brasil o art. 12 do Decreto-Lei nº 24.637 de 1934 exonerava “[…] o empregador de pagar à vítima, pelo mesmo acidente, qualquer outra indenização de direito comum” (SILVA, 2014, p. 272).

Até 1944 “[…] o entendimento doutrinário era o de que a contratação do seguro obrigatório por parte do empregador seria suficiente para outorgar ao trabalhador e à sua família a garantia necessária contra os riscos do trabalho, inclusive quanto ao acidente laboral”, quando o art. 31 do Decreto-Lei nº 7.036/44 admitiu a coexistência da indenização de direito comum com a indenização criada na legislação acidentária, nos casos de dolo do empregador (SILVA, 2014, p. 272).

A interpretação jurisprudencial incluiu a hipótese da culpa grave como fundamento desta indenização, em 1963 o STF editou a Súmula 229 equiparando a culpa grave ao dolo. Com o avanço da jurisprudência na Justiça comum estadual, passou-se a admitir casos de mera culpa para responsabilização do empregador e esta Súmula foi superada pela Lei nº 6.367/76, confirmada posteriormente na CF de 1988, em seu art. 7º, XXVIII (SILVA, 2014, p. 273).

3.1.2 A indenização

Os art. 402 e 949 do CC prevêem que a indenização de danos e perdas abranja o que o credor efetivamente perdeu, como o que deixou de auferir. Como visto anteriormente, os danos emergentes e os lucros cessantes.

3.1.2.1 Danos emergentes

Não há maiores desafios para o arbitramento da indenização dos danos emergentes, resultante da comprovação dos gastos pelo autor da ação, mediante notas fiscais ou recibos. José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva (2014, p. 336) frisa que “[…] tais danos devem ser ressarcidos de uma só vez, para recompor o mais breve possível o patrimônio da vítima”.

É importante ressaltar que o ressarcimento destas despesas, efetuadas pelo trabalhador com vistas à sua convalescença, os chamados danos emergentes, tem cabimento legal, independentemente de ter havido ou não afastamento do trabalho. (OLIVEIRA apud SILVA, 2014, p. 348).

Nos casos nos quais o infortúnio causou a morte do acidentado, hipótese tratada no inciso I do art. 948 do CC, a indenização dos danos emergentes incluirá as despesas com tratamento da vítima, funeral e luto da família, e deverá ser paga de imediato, em parcela única, “[…] para recompor o mais breve possível o patrimônio das pessoas prejudicadas […]. Todas essas despesas […] devem ser comprovadas mediante recibos ou notas fiscais […]. Na falta de comprovação documental das despesas com o funeral, a jurisprudência tem arbitrado uma verba de até cinco salários mínimos, entendendo tratar-se de despesa inevitável” (SILVA, 2014, p. 315).

Sebastião Geraldo de Oliveira (2005 apud SILVA, 2014, p. 315) detalha: “[…] devendo-se apurar todos os valores efetivamente dispendidos, com apoio no princípio básico da restitutio in integrum”, e “[…] o titular do direito à reparação é aquele que efetivamente arcou com as despesas, não necessariamente os dependentes diretos do trabalhador acidentado”. O autor (OLIVEIRA apud SILVA, 2014, p.314) assevera que as despesas são referidas no dispositivo legal supra mencionado, de forma exemplificativa, não exaustiva, “[…] ou seja, qualquer prejuízo que restar comprovado, decorrente do acidente, é passível de reparação”.

Com relação às despesas futuras, “[…] relacionadas a sequelas duradouras de acidente do trabalho, que exijam tratamento contínuo e prolongado”, Silva (2014, p. 336) afirma

“[…] que o melhor caminho é o de se consolidar jurisprudência conforme o princípio da actio nata, em matéria de prescrição, entendendo-se que a pretensão ressarcitória de tais despesas nasce quando de seu efetivo desembolso ou necessidade, de acordo com o art. 189 do Código Civil. É o mesmo raciocínio jurídico utilizado para as ações nas quais se pleiteia complementação de aposentadoria, cuja pretensão nasce somente quando da inobservância da (re)composição do valor respectivo.

Assim, não haveria preocupação do acidentado com a possível prescrição de sua pretensão ao reembolso das despesas supervenientes e, por outro lado, não haveria sentença incerta, tendo em vista que o prazo prescricional fluiria a partir da ciência da lesão ao direito, e não do acidente. Mesmo porque o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência no sentido de que não há necessidade de ajuizamento de novas ações para a exigência de indenização [destas] despesas” [grifos originais].

3.1.2.2 Lucros cessantes

Para a adequada reparação dos lucros cessantes há que se considerar algumas variáveis e questões complexas podem surgir no trajeto.

Por princípio, durante o período de afastamento do trabalho, pós-acidente ou acometimento por doença ocupacional, a incapacidade é patente e “[…] total, a indenização deve corresponder à remuneração integral da vítima” (SILVA, 2014, p. 344, sem grifo no original).

“O pagamento será integral até a data da obtenção da alta médica” definitiva (SILVA, 2014, p. 345).

Cabe ressaltar, porém, que nos casos nos quais o afastamento for inferior a 15 dias, “[…] não há falar em reparação a título de lucros cessantes, porquanto o acidentado continuará recebendo normalmente sua remuneração, de acordo com o art. 60, § 3º, da Lei 8.213/91” (SILVA, 2014, p. 348).

“Isso porque os 15 primeiros dias de afastamento caracterizam interrupção contratual (sendo considerados como dias trabalhados, pois vigentes todas as obrigações contratuais). Durante esse lapso temporal, a empresa deve pagar ao empregado o salário integral, a teor do § 3º do art. 60 da Lei nº 8.213/91. A partir do 16º dia de afastamento há suspensão contratual (sustação da execução do contrato, não há prestação de serviço nem pagamento de salários), sendo devido ao segurado empregado o auxílio-doença, na forma do caput do art. 60 do mesmo diploma, que dispõe sobre os benefícios previdenciários. É importante registrar que durante todo o período de afastamento decorrente de acidente do trabalho o depósito na conta vinculada do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) é obrigatório, nos termos do art. 28 do Decreto nº 99.684/90” (TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p. 133).

Nos demais afastamentos do trabalho, superiores a 15 dias, a base de cálculo da indenização será a remuneração habitualmente recebida pelo trabalhador, acrescida do décimo terceiro salário e do terço de férias (apenas o terço, já que o pagamento das férias estará incluído nas doze parcelas do ano), do 16º dia do seu afastamento até a alta por autoridade médica da Previdência Social, ou seja, pelo período em que recebeu o benefício do seguro social em substituição ao seu salário (SILVA, 2014, p. 317).

Após a alta, completamente recuperado o trabalhador, ou seja, na hipótese de incapacidade total temporária, não há mais falar em indenização por dano material além das mencionadas: por danos emergentes e lucros cessantes.

Se, inversamente, adquiriu sequelas, nas hipóteses de incapacidade permanente, total ou parcial, faz-se necessária a definição do grau de redução da capacidade laborativa, consequente do infortúnio, para indenização na mesma proporção: o pagamento de pensão, nos termos do art. 950 do CC (SILVA, 2014, p. 344).

Vale repetir, após a alta médica definitiva, até então “[…] a indenização deve corresponder à remuneração integral da vítima”, em razão de sua incapacidade total, mesmo que temporária (SILVA, 2014, p. 345).

A incapacidade temporária é prevista no art. 949 do CC, e a permanente, total ou parcial, no art. 950 (SILVA, 2014, p. 337).

Como visto anteriormente, há que restar provada no processo a incapacidade permanente do trabalhador e o seu grau correspondente.

Apurado o grau de incapacidade total permanente, arbitra-se a pensão em 100% da remuneração, portanto o mesmo quantum da indenização vigente durante o afastamento do trabalho.

Já nos casos nos quais as sequelas geraram a incapacidade parcial do trabalhador, há que se estabelecer em que medida ocorreu, o grau de redução de sua capacidade.

E aqui surgem grandes desafios no trajeto até a mais adequada reparação dos danos sofridos, repleto de questões controversas de difícil enfrentamento pela maior parte dos operadores do Direito.

“Na Justiça do Trabalho não existe lei, tabelas, índices ou parâmetros oficiais para indicar o grau ou a percentagem de perda da capacidade de trabalho sofrida pela vítima […]. Somente nos campos previdenciários e dos seguros privados há regulamentação sobre a matéria” (TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p.120).

A Tabela para Cálculo da Indenização em Caso de Invalidez Permanente da SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, estabelece percentuais mínimos por órgão ou membro lesado, e na falta de indicação do percentual de invalidez, informado o grau de redução funcional em máximo, médio e mínimo, adota as seguintes porcentagens, 75%, 50% e 25%, respectivamente.

Autores dedicados à questão da indenização dos danos decorrentes de acidentes do trabalho alertam para a insuficiência da aplicação exclusiva desta Tabela para arbitramento da indenização, sem considerar a atividade exercida pelo trabalhador.

Exemplifica José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva (2014, p. 342, grifos originais):

“Note-se que, pela referida tabela […] a perda total de um dos dedos mínimos ou de um dos dedos médios apenas 12%. Ocorre que, a título meramente exemplificativo, se um pianista perde o movimento de um dos dedos mínimos, já não poderá mais exercer o seu ofício ou sua profissão… a verificação do percentual da invalidez permanente, total ou parcial, deverá ser feita em cada caso concreto, de acordo com suas circunstâncias, levando-se em conta a profissão ou ofício do trabalhador […]”.

Nas palavras de Teixeira Júnior (2011, p. 120, sem grifo no original), “[…] o percentual de redução, previsto na tabela da SUSEP, […] pode ser majorado para efeito de indenização conforme a atividade exercida pela vítima”.

“Na hipótese de um acidente provocar perda total do uso de uma das mãos da pessoa, a tabela da SUSEP enquadra o evento danoso como invalidez parcial no percentual de 60%, entretanto, o cortador de cana precisa das duas mãos para sua atividade: uma para empunhar o facão ou podão e a outra para segurar as hastes das plantas […]. Consequentemente, inaplicável a tabela da SUSEP […] pois a perda de uma das mãos provoca a invalidez total e permanente do trabalhador canavieiro” (TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p.127).

Assim, o autor (TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p.121) adota também outros parâmetros, como a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da OMS, o laudo da perícia do INSS, além da perícia do juízo, a qual privilegia.

Silva (2014, p. 343, grifos originais) ressalta que “[…] não se deve exigir do perito que apresente um percentual preciso, fixo, da redução da capacidade laborativa, mas, apenas, que aponte, com segurança, a sua existência e o grau em que se deu, vale dizer, se mínima, média ou máxima”.

3.1.2.3 Pensionamento

Nos casos nos quais o acidente do trabalho resultou em redução permanente da capacidade laborativa, total ou mesmo parcial, além do ressarcimento dos danos emergentes, é devido ao trabalhador o pagamento de uma pensão após a alta médica. Esta pensão deverá corresponder ao salário do trabalho para o qual a vítima se inabilitou completa ou parcialmente, mediante avaliação por laudo pericial.

Assim o pensionamento vitalício suprirá a indenização por lucros cessantes, proporcionalmente ao grau de incapacidade apurado por especialistas e comprovado no processo. Como sintetiza Oliveira, “[…] a indenização dos lucros cessantes passará a ser paga a título de pensão vitalícia, porém com a redução fixada em razão da parcial incapacidade” (2005 apud TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p. 120).

Silva (2014, p. 344) adverte que esta pensão deverá ser paga “[…] enquanto a vítima viver, de acordo com o critério da ‘longevidade real’, segundo jurisprudência do STJ” e do C. TST. Propõe que se considere para este cálculo, “[…] o tempo de vida provável da vítima, de acordo com a tábua completa de mortalidade divulgada pelo IBGE” (2014, p. 346).

O art. 950 do CC em seu parágrafo único, confere ao prejudicado o direito de exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

Silva pondera “[…] que o empregador pode não ter condições econômicas de pagar de uma vez só a indenização total”, menciona o Enunciado nº 48 do CJF que entende necessária a consideração da situação econômica do ofensor para o deferimento desta exigência.

A mesma preocupação é expressa por Sebastião Geraldo de Oliveira, citado por Teixeira Júnior (2011, p. 131):

“[…] o juiz […] pode indeferir a pretensão, pois, em muitas ocasiões, ‘considerando o valor maior da segurança jurídica e as condições econômicas do devedor, o mais prudente será mesmo deferir o pensionamento na forma tradicional, com a devida garantia do pagamento mensal na forma prevista no art. 475-Q do CPC’.”

Na impossibilidade do arbitramento da indenização em uma única parcela, parece haver entre os autores unanimidade sobre a necessidade de constituição de patrimônio que garanta o adimplemento da pensão, matéria já pacificada na Súmula nº 313 do STJ: “[…] necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado” (Teixeira Júnior, 2011, p. 133).

Afirma Silva (2014, p. 332): “[…] se trata de dever funcional do juiz a condenação à constituição do capital, a qual independe de pedido específico” [grifo original].

O art. 475-Q constante do capítulo X do CPC, que trata do cumprimento da sentença, define que o capital a ser constituído pelo devedor para garantia do pagamento mensal da pensão a que foi condenado, poderá incluir imóveis, títulos de dívida pública e aplicações financeiras em bancos oficiais, inalienáveis e impenhoráveis enquanto durar a obrigação; o valor da prestação poderá ser expresso em salário-mínimo; cessada a obrigação, o capital será liberado, encerrado o desconto em folha ou canceladas as garantias, mediante ordem judicial. Isto porque a constituição de capital poderá ser substituída pela inclusão do beneficiário na folha de pagamento de pessoa jurídica de direito público ou privado de notória capacidade econômica, ou por fiança bancária ou garantia real no valor arbitrado pelo juízo.

“Tratando-se de capital constituído por imóveis, por títulos da dívida pública ou aplicações financeiras em banco oficial, será inalienável e impenhorável enquanto durar a obrigação, nos moldes do § 1º do artigo citado” [sem grifos no original]. Silva (2014, p. 333) assinala ainda que, no caso de imóveis, deverá “[…] ser expedido mandado de registro ao cartório de imóveis, para efetiva garantia do pagamento da pensão” [grifo original] e, com relação à inclusão do valor da pensão na folha de pagamento do devedor, pondera que esta opção só deverá ser deferida para os entes de direito público, isentos do risco de insolvabilidade.

3.1.2.4 Pensionamento dependentes

Quando o infortúnio sofrido resultar em óbito do trabalhador, se aplicará por analogia o art. 948 do CC, que trata de homicídios, em razão dos arts. 949 e 950 contemplarem apenas lesões corporais e ofensas à saúde.

A propósito, José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva (2014, p. 314) defende a edição urgente de “[…] normas trabalhistas específicas para os casos de morte, lesões ou pertubações funcionais, consequências de acidente do trabalho” [grifo original].

Assim como nos acidentes sem óbitos, tratados anteriormente, a indenização dos óbitos decorrentes do exercício do trabalho, incluirá os danos emergentes; os lucros cessantes, desde o 16º dia de afastamento do trabalho ou da data do “[…] óbito (o que ocorrer primeiro), até a data em que o juiz arbitra o valor da pensão, sendo que a somatória desse longo período deve ser paga de uma única vez” (SILVA, 2014, p. 316); e o pensionamento, nesse caso dos beneficiários da vítima a serem definidos na condenação.

A indenização dos lucros cessantes e o pensionamento dos dependentes são tratados no inciso II do art. 948 do CC.

Com relação ao pensionamento dos dependentes por óbito do trabalhador, leciona José de Aguiar Dias (1995 apud SILVA, 2014, p. 315): “O que se procura, com a indenização, é restabelecer o statu quo anterior ao dano. A indenização não empobrece nem enriquece. O responsável é obrigado a repor os beneficiários da vítima na situação em que estariam, sem o dano”.

Na definição de Clóvis Bevilacqua, “[…] beneficiários são as pessoas ‘a quem o falecido teria de prestá-los se fosse vivo’” (apud SILVA, 2014, p. 326).

Segundo Rui Stoco, “[…] só o parentesco sem a prova da dependência material não enseja o direito” ( 2007 apud SILVA, 2014, p. 327).

O montante da pensão deverá ser rateado entre eles, mas “[…] se houver prova insofismável de que um dos beneficiários recebia um aporte financeiro muito mais elevado do que o recebido pelos demais, isso deverá ser levado em conta pelo julgador” (SILVA, 2014, p. 328).

“Em suma, parentes, sobretudo se na linha ascendente ou descendente, que compunham o núcleo familiar “básico” do trabalhador falecido, morando na mesma residência, não necessitam comprovar a dependência econômica em relação a ele, que é presumida. Outros parentes ou pessoas estranhas ao vínculo de parentesco com a vítima terão de demonstrar, cabalmente, por prova documental e/ou testemunhal – de preferência – que suas necessidades básicas (ou parte delas) eram custeadas pelo falecido” (SILVA, 2014, p. 328).

O termo final do pagamento da pensão para o cônjuge, companheiro, ou concubino será o término da expectativa de sobrevida da vítima; para os filhos será quando completarem 25 anos, por emancipação ou casamento; para os pais o pagamento da pensão (2/3 da remuneração da vítima) será integral até a data na qual o filho falecido completaria 25 anos, após será reduzida à metade, devida até a data na qual o filho faria 65 anos de idade (SILVA, 2014, p. 328-329).

Para a definição da sobrevida

“[…] em caso de acidente ou doença ocupacional que leve à morte do trabalhador, [necessário] verificar a que gênero ele pertencia e depois disso identificar, no ano de sua morte, qual era sua expectativa de sobrevida, em conformidade com a tábua de mortalidade do IBGE” (SILVA, 2014, p. 326).

Por fim, têm em comum a pensão a ser paga aos beneficiários do trabalhador morto em acidente, e a pensão a ser paga ao trabalhador que adquiriu incapacidade permanente, é que ambas deverão ser pagas diretamente a eles, e não por depósito judicial, para eliminar a necessidade de despacho para liberação e emissão da respectiva guia para retirada do mesmo, a cada mês, até o cumprimento integral da obrigação (SILVA, 2014, p. 321).

Porém, diversamente do pensionamento a ser pago diretamente ao trabalhador por incapacidade permanente, no qual se admite prestação em uma única parcela, a pensão a ser paga aos beneficiários deverá ser paga mensalmente “[…] porque o objetivo do seu pagamento é a recomposição do valor do salário da vítima” (SILVA, 2014, p.334).

3.1.2.5 Base de cálculo da pensão

Segundo Cavalieri Filho, “[…] a pensão deverá ser fixada com base nos ganhos da vítima, devidamente comprovados, e durante sua sobrevida provável” (2005 apud SILVA, 2014, p. 317).

Será calculada sobre o valor líquido da remuneração habitualmente recebida pelo acidentado, já descontados a contribuição previdenciária e o imposto de renda, incluídos adicionais de horas extras, insalubridade, periculosidade, noturno, de transferência etc., décimo terceiro salário e o terço de férias. Apenas o terço, porque o pagamento correspondente às férias já constará das doze mensalidades da pensão a cada ano (SILVA, 2014, p. 317-318, sem grifos no original).

“Apurado o valor total do pensionamento, dele [do pensionamento para os dependentes, em caso de óbito do trabalhador] será deduzido o valor correspondente a um terço, diante das presumíveis despesas pessoais da vítima, segundo jurisprudência pacífica, inclusive do Supremo Tribunal Federal. […] porquanto este despendia parte dos rendimentos com o seu próprio sustento e despesas pessoais” (SILVA, 2014, p. 318, grifo original).

O pensionamento “[…] tem natureza jurídica de indenização, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico” (2014, p. 334, grifo original).

Assim, incabível qualquer dedução no seu montante, dos “[…] valores recebidos da Previdência Social pelos dependentes, a título de pensão por morte, por se tratarem de créditos de natureza distinta, consoante a Súmula nº 229 do STF, de 1963, o art. 7º, XXVIII, da CF/88 e o art. 121 da Lei nº 8.213/91” (SILVA, 2014, p. 318).

3.1.2.6 Ação revisional do valor da pensão, por alteração na capacidade de trabalho do pensionista

Ao longo do tempo há que se considerar também a possibilidade de significativa alteração no estado de incapacidade do indenizado, por seu agravamento até a total incapacidade ou, inversamente, pela melhora em sua condição, com redução da incapacidade para o trabalho.

Assim, na hipótese “[…] de mudança na capacidade residual de trabalho”, Silva (2014, p. 349, grifo original) propõe a ação revisional com base no art. 471, I, do CPC, a ser ajuizada no fórum competente da ação principal indenizatória,

“[…] distribuída por dependência ao Juízo que proferiu a sentença no processo anterior e haverá, necessariamente, a formação do contraditório. […] pela vítima – agravamento das lesões, da doença, majorando o grau de incapacidade, que poderá se tornar total – quanto pelo condenado ao pagamento da pensão, na situação inversa. […] mediante petição inicial [que] formule pedido de revisão, com requerimento de nova perícia cujo escopo será a verificação do atual quadro da lesão e incapacitação do trabalhador, vítima de acidente do trabalho ou doença ocupacional.”

3.1.3 Coexistência/Cumulação das indenizações acidentária e civil

Como vimos, desde a década de 40 há na legislação brasileira a possibilidade de cumulação da indenização acidentária e da indenização por responsabilidade civil do empregador. Inicialmente, nos casos de dolo deste, posteriormente incluíram-se as hipóteses de culpa grave, e em seguida “[…] a prova da culpa, ainda que leve” (SILVA, 2014, p. 273, grifo original).

A cumulação da indenização do direito comum com o benefício previdenciário tem entendimento pacificado na jurisprudência.

Pereira (2006, p. 74) aponta a natureza diversa destas reparações:

“Referidas responsabilidades, portanto, são autônomas e estanques, não havendo influência ou compensação de quantias pagas. Assim, não é lícito ao empregador abater da indenização que deve ao empregado pelo infortúnio ocorrido o montante recebido por este último dos órgãos de Previdência. […]

Além disso, a responsabilidade do empregador abrange a indenização por aquilo que o trabalhador perdeu com o acidente (dano emergente), bem como por aquilo que deixou de ganhar (lucro cessante), além de outras verbas (danos morais, estéticos, etc), não havendo qualquer teto ou limite para seu valor, salvo o montante do dano sofrido.

Já o INSS não presta ao obreiro uma reparação de danos, mas sim um benefício acidentário (auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez, etc) que não visa à manutenção do padrão remuneratório percebido pelo trabalhador, mas sim a garantir-lhe um mínimo para que possa sobreviver dignamente, tendo seu valor limitado a patamares definidos na legislação.

A indenização devida pela empresa não pressupõe incapacidade do obreiro, mas sim a comprovação do dano, o que é conceitualmente distinto. Já o pagamento de benefício previdenciário pressupõe a incapacitação do trabalhador” [sem grifo no original].

O autor (PEREIRA, 2006, p. 75) resume as distinções em um quadro-síntese que adaptamos às concepções de responsabilidade civil apresentadas neste trabalho, conforme a seguir:

(*) Auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez, pensão por morte.

Por fim, sintetiza Silva (2014, p. 273), “[…] o acidente do trabalho pode gerar direito a uma dupla indenização […] Demais, a indenização previdenciária é alimentar, ao passo que a cobrada do empregador tem natureza reparatória” [grifo original].

3.2 Reparação de danos extrapatrimoniais

3.2.1 Requisitos para reparabilidade

Schiavi cita os argumentos de Zulmira Pires de Lima (1940 apud SCHIAVI, 2011, p. 71), representante da corrente contrária à reparabilidade do dano moral:

“1º Falta de um efeito penoso durável; 2º A incerteza nesta espécie de danos, de um verdadeiro direito violado; 3º A dificuldade de descobrir a existência do dano; 4º A indeterminação do número de pessoas lesadas; 5º A impossibilidade de uma rigorosa avaliação em dinheiro; 6º A imoralidade de compensar uma dor com dinheiro; 7º O ilimitado poder que tem de conferir-se ao juiz; 8º A impossibilidade jurídica de admitir-se tal reparação”.

A teoria favorável à reparação, a qual o autor se filia, contra-argumenta que “[…] basta comprovar a existência do nexo de causalidade entre o evento danoso e a ação que o produziu” (BULOS apud SCHIAVI, 2011, p. 73); confirma José Affonso Dallegrave Neto (2005 apud SCHIAVI, 2011, p. 73-74), o dano é presumido; frisa Claudio Antonio Soares Levada (1997 apud SCHIAVI, 2011, p. 74) “[…] basta o fato em si para caracterizar o dano moral e a necessidade de sua reparação”.

Além disso,

“Deve-se destacar que não só em dinheiro se repara o dano moral. Embora não sejam comuns pedidos de reparação in natura do dano moral, nossa legislação prevê a reparação dos danos morais com outras modalidades de obrigações que não sejam pecuniárias, como o direito de resposta, pedido de desculpas, retratações públicas, etc., as quais, muitas vezes, são mais eficazes que a reparação pecuniária […] (SCHIAVI, 2011, p. 72)

Diante do exposto, a reparabilidade do dano moral se justifica pelos seguintes argumentos:

a) proteção efetiva à dignidade da pessoa humana;

b) sanção ao causador do dano;

c) satisfação para a vítima que, com uma reparação pecuniária ou in natura, pode ter uma compensação que neutralize ou amenize o sofrimento;

d) proteção da sociedade como um todo, já que há interesse social na proteção dos direitos da personalidade” (SCHIAVI, 2011, p. 77).

A questão foi pacificada na Súmula nº 37 do STJ.

Porém, os atos ensejadores de danos extrapatrimoniais não podem ser confundidos com os aborrecimentos cotidianos da vida. O autor (SCHIAVI, 2011, p. 77-78) relaciona os requisitos para a reparabilidade do dano moral:

“a) a violação a um direito da personalidade que seja potencialmente lesivo e causar sofrimento, considerando-se não só as circunstâncias do fato, mas também o padrão médio da sociedade. O sofrimento natural decorrente da violação a um bem patrimonial não é apto a gerar a reparação por danos morais. Os aborrecimentos normais da vida não geram a reparação por danos morais, até mesmo porque o ser humano é suscetível de altos e baixos.

b) que haja nexo causal entre a ação ou omissão do causador e a violação do direito de personalidade; culpa (culpa estricto sensu ou dolo) do causador (art. 186 do CC) ou ausência de culpa nas hipóteses de responsabilidade objetiva do agente (art. 927, parágrafo único, do CC);

c) não há necessidade de prova da dor, da angústia e dos sentimentos negativos por parte da vítima;

d) não há necessidade de publicidade do fato ou que outra pessoa tenha conhecimento da lesão, que não a vítima.

e) mesmo as pessoas que são incapazes de entender o fato lesivo e de sentir os sofrimentos, também fazem jus à reparação por danos morais”.

“[…] como já mencionado alhures, independe da publicidade para ser caracterizado. A publicidade somente influirá no valor da indenização (SCHIAVI, 2011, p. 182, sem grifo no original).

3.2.2 Formas de reparação

Como já mencionado, há duas formas de reparar um dano moral, em pecúnia ou in natura, não excludentes entre si.

Schiavi (2011, p. 83-84) pondera

“Em razão da reparação por dano moral ter caráter publicista e social, acreditamos que o juiz tenha maior flexibilidade em deferir a tutela que melhor repare esta espécie de dano […] o juiz, em hipóteses excepcionais, à vista do interesse público, máxime quando se tratar do dano moral coletivo, pode converter o pedido de reparação em dinheiro em reparação in natura. Além disso, como a reparação do dano moral não é tarifada, cumpre ao juiz valorar as circunstâncias do caso concreto, a extensão do dano e escolher a melhor forma de neutralização do dano para o fim de pacificação social”.

O autor (SCHIAVI, 2011, p. 84) cita alguns exemplos de reparação in natura no processo trabalhista, podendo inclusive ser propostos pelo juiz na conciliação:

“a) retratação do empregador quando há alguma acusação que atente contra a honra do empregado;

b) direito de resposta do empregado;

c) reintegração no emprego, quando a dispensa for discriminatória;

d) fornecimento de carta de referência do empregado;

e) fixação de obrigação pelo empregador, de arrumar emprego para o empregado em outra empresa, quando tal providência for possível; […]”

Ao deferir estas e outras obrigações de fazer ou não fazer, deve o magistrado fixar multa diária para o caso de descumprimento da ordem judicial, a qual deve ser fixada em valor razoável para a efetividade da tutela (art. 461 do CPC).

3.2.3 Critérios para arbitramento da reparação pecuniária

O dano extrapatrimonial não pode ser aferido numericamente, mas haverá que se atribuir valor à sua reparação.

“[…] como bem observou De Page, a dificuldade de avaliar não apaga a realidade do dano e, por conseguinte, não dispensa da obrigação de repará-lo” (SCHIAVI, 2011, p.275).

A inexistência de tarifação para indenização de danos extrapatrimoniais está pacificada pela Súmula nº 281 do STJ.

Schiavi (2011, p. 278-279) pondera que a ausência de um sistema tarifário é inerente à natureza do dano moral, devendo sua reparação ser arbitrada pelo juízo mediante o caso concreto, pautado pelos seguintes critérios:

“a) reconhecer que o dano moral não pode ser valorado economicamente; b) valorar o dano no caso concreto, segundo as características de tempo e lugar onde ocorreu; c) analisar o perfil da vítima e do ofensor; d) analisar se a conduta do ofensor foi dolosa ou culposa, bem como a intensidade da culpa; e) considerar não só os danos atuais, mas também os prejuízos futuros, como a perda de uma chance; f) guiar-se o juiz pela razoabilidade, equidade e justiça; g) considerar a efetiva proteção à dignidade da pessoa humana; h) considerar o tempo de serviço do trabalhador, sua remuneração; i) atender à função social do contrato de trabalho, da propriedade e função social da empresa; j) inibir que o ilícito se repita; k) chegar ao acertamento mais próximo da reparação, mesmo sabendo que é impossível conhecer a dimensão do dano. Por isso, deve apreciar não só os danos atuais como os futuros (perda de uma chance); l) considerar a situação econômica do País e o custo de vida da região em que reside o lesado.”

Em nossa legislação não há dispositivo que estabeleça critérios e parâmetros para fixação da reparação de dano moral decorrente de acidente do trabalho/doença ocupacional. Como sabemos, o quantum indenizatório é arbitrado caso a caso pelo juízo competente.

Dallegrave Neto (2005 apud TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p. 150) propõe uma diretriz básica:

“Não há dúvida que o melhor critério para arbitrar o dano moral é aquele em que o magistrado coloca-se no lugar da vítima, supondo que o acidente do trabalho tenha ocorrido com ele próprio ou, se isso não for possível (diante das circunstâncias relativas ao sexo e à idade da vítima), o julgador deve imaginar que o acidente tenha ocorrido com alguém muito próximo como, por exemplo, o seu pai, filho ou cônjuge. Somente assim, aplicando-se o princípio da investidura fática, é que o valor arbitrado será justo e razoável.”

Os autores Luiz Eduardo Gunther e Sebastião Geraldo de Oliveira apontam critérios básicos a serem considerados nesta valoração:

O autor Gunther (2008 apud TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p. 148)

“[…] leciona que o magistrado, com equilíbrio e moderação, deve considerar os seguintes pressupostos: a) o grau de culpa e a intensidade do dolo do ofensor (a dimensão da culpa);

b) a situação econômica do agente;

c) a natureza, a gravidade e a repercussão da ofensa (a amplitude do dano);

d) as condições pessoais da vítima (posição social, política e econômica);

e) por fim, a intensidade de seu sofrimento.”

Na liquidação da condenação por dano extrapatrimonial, Oliveira (2009 apud TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p. 148-149) considera as seguintes variáveis:

“a) a fixação do valor indenizatório submete-se a dois propósitos: compensar a dor e o constrangimento da vítima e, pedagogicamente, combater a impunidade;

b) na finalidade compensatória da indenização, o exame deve focalizar a pessoa da vítima, enquanto na função punitiva a análise estará centralizada na pessoa do ofensor;

c) é indispensável levar em conta o grau de culpa do empregador e a gravidade dos efeitos para a vítima do acidente ou da doença ocupacional;

d) o importe indenizatório pode ser sobrecarregado ou atenuado em decorrência das singularidades da condição pessoal do lesado;

e) a importância monetária arbitrada não tem como objetivo enriquecer a vítima, nem causar a ruína para o empregador;

f) o arbitramento da indenização deve ser procedido com a devida prudência, mas temperado com a imprescindível coragem, evitando os extremos, com valores irrisórios ou montantes excessivos;

g) deve-se ter em conta a situação econômica das partes;

h) e, ainda que a vítima tenha resistido ou aguentado bem a ofensa, perdura a necessidade da condenação, pois a indenização pelo dano moral também tem uma finalidade pedagógica.”

Pondera Teixeira Júnior (2011, p. 150),

“[…] o juiz deve avaliar os seguintes critérios para a fixação do valor a ser pago como indenização por danos morais: a) a gravidade, a consequência e a repercussão do dano; b) a intensidade do sofrimento da vítima; c) o grau de culpa do agente; d) a condição pessoal do trabalhador; e) e a situação econômica do ofensor.”

Raimundo Simão de Melo (2008 apud TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p. 150-151) objetiva alguns critérios para esta valoração:

“a) a fixação do importe deve tomar por base a multa penal aplicável ao réu no crime de injúria, que no seu valor mínimo atinge 720 dias-multa do salário mínimo e no máximo a 3.600 dias-multa;

b) a indenização deve ser calculada tomando-se como parâmetro o sistema de indenização que era previsto na CLT, na base de um mês de remuneração para cada ano de trabalho da vítima ou fração superior a seis meses;

c) o valor deve ser atribuído com base nos arts. 944 e 953 do Código Civil e nas leis de Telecomunicações (Lei nº 4.177/62) e de Imprensa (Lei nº 5.250/76), levando-se em conta a posição social do agente ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade da repercussão da lesão, a intensidade do sofrimento e a posição social da vítima”.

Reis (1998 apud TEIXEIRA JÚNIOR, 2011, p. 151) propõe a aplicação do código penal no arbitramento da reparação dos danos extrapatrimoniais,

“[…] segundo o autor, a multa máxima do Código Penal para qualquer delito será de 5.400 salários mínimos. Assim, mediante diferentes níveis de danos extrapatrimoniais, esse seria o limite máximo para arbitramento da indenização em caso de acidentes do trabalho.”

Alguns autores aplicam o art. 84, do Código de Telecomunicação.

No processo trabalhista, parte da jurisprudência e da doutrina aplica por analogia, o art. 478, da CLT, “[…] sendo a indenização por danos morais um salário por ano de serviço”, valor que, obviamente, pode ser demasiadamente módico em alguns casos, e excessivo em outros (SCHIAVI, 2011, p. 277).

Assim, apenas como um balizamento essencial para este desafio da quantificação adequada da reparação por dano moral, devemos considerar a voz comum na doutrina e na jurisprudência, de que o valor arbitrado seja significativo “[…] de forma a causar impacto suficiente para dissuadir o infrator a um novo atentado à honra e à dignidade do trabalhador”, mas não tão alto a ponto de promover enriquecimento sem causa do autor da ação indenizatória (SCHIAVI, 2011, p. 276 e 279-280).

Também predominante, é o entendimento de que a sentença de condenação por dano moral deva ser líquida, ao menos com relação a este item, estando descartadas “[…] as liquidações por cálculo ou por artigo […] por não ser possível provar o prejuízo moral” (SCHIAVI, 2011, p. 276).

3.3 Cumulação das indenizações por danos patrimoniais e extrapatrimoniais

“[…] um mesmo fato pode gerar danos de ordem moral e patrimonial, aliás, como já até pacificado pela Súmula nº 37 do C. STJ” (SCHIAVI, 2011, p. 159).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De início, não se pode ignorar o aparente descaso do nosso Executivo e também das entidades sindicais, com a grave situação da segurança no trabalho em nosso país, haja vista a alarmante incidência, brevemente apontada na Introdução, dos acidentes do trabalho típicos e das doenças ocupacionais, incluídas na categoria acidente do trabalho, nos termos da legislação previdenciária.

A dificuldade parece ser a mesma, comum senão a todas as políticas públicas no Brasil, certamente à maioria delas, independentemente da área a que se destinam: mais do que escassez de recursos e/ou normatização adequada, há uma insuficiência de planejamento, administração e gestão dos serviços. Especificamente com relação à segurança do trabalho, falha fiscalização do cumprimento das normas por insuficiência de recursos humanos e materiais.

Nossa legislação de segurança do trabalho compõe-se das normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, leis complementares, portarias, decretos e as convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho das quais o Brasil é signatário.

Nenhum dos autores consultados apontou deficiência na normatização brasileira sobre higiene e segurança do trabalho, a qual vem sendo constantemente atualizada frente às inovações tecnológicas e às novas formas de organização do trabalho.

O elo fraco na cadeia de iniciativas necessárias para a redução da incidência de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, certamente está no descumprimento das normas, decorrente de falta de conscientização dos responsáveis diretos e indiretos, e de fiscalização insuficiente.

Ante as estatísticas apresentadas parece incrível, mas é verdade, na atualidade o único programa oficial de prevenção de acidentes do trabalho em curso no Brasil, é o Programa Trabalho Seguro de iniciativa do Tribunal Superior do Trabalho, do Judiciário portanto, que precipuamente tem a função de julgar as ações indenizatórias dos danos decorrentes dos acidentes do trabalho, além disso tem desenvolvido, através deste Programa, ações educativas voltadas para sensibilização e adoção de medidas preventivas pela sociedade civil.

Feitas estas observações iniciais sobre os antecedentes dos acidentes do trabalho, as condições gerais em nosso país que originam estes acidentes, passo ao objeto propriamente dito deste trabalho, as consequências dos acidentes do trabalho, mas especificamente as ações judiciais indenizatórias dos danos decorrentes destes infortúnios.

Como visto, no processo do trabalho a mais adequada reparação dos danos decorrentes de acidentes do trabalho, em sua concepção ampla, incluídas as doenças ocupacionais, depara-se com muitos desafios, questões de ordem teórica e prática.

A questão teórica central diz respeito ao fundamento da responsabilidade civil do empregador por estes danos, a qual tem sido trabalhada por doutrinadores e juristas em dois sentidos, segundo os critérios de culpa ou da causalidade.

Entre as questões materiais tais como a prescrição, questões processuais tais como as relativas ao ônus probatório, estas diretamente afetadas pela concepção de responsabilização civil adotada, se subjetiva ou objetiva, entre todas as questões analisadas a mais desafiante certamente é o arbitramento do valor da reparação por danos extrapatrimoniais ou morais.

Observando todas as variáveis envolvidas no dano extrapatrimonial a serem consideradas na fixação do quantum indenizatório, conforme visto anteriormente (item 3.2.2), certamente não é o caso de se propor uma tabela de tarifas por tipo de agravo cometido, ou seja, a proposição de um montante que considere apenas uma variável, independentemente da importância que esta detenha, desprezando a interferência de todas as demais no cálculo de uma indenização justa.

Mesmo para o cálculo do percentual de redução da capacidade laborativa da vítima de acidente/doença ocupacional, que é um dado bem mais objetivo do que o dano extrapatrimonial, a tabela simples da SUSEP com apenas uma variável (a lesão sofrida) não é suficiente para o cálculo adequado do grau de incapacidade, ao deixar de considerar ao menos mais uma variável, a profissão exercida, conforme constatado no item 3.1.2.2.

Todos os autores consultados neste pequeno trabalho afirmam a completa inadequação de um sistema tarifário para a reparação do dano moral, a consideração de apenas uma variável (o agravo sofrido) do caso concreto poderia cometer profundas injustiças ao tratar da mesma forma, com o mesmo enquadramento, situações muito desiguais; postulam, à falta de previsão legal específica, que a fixação do valor da indenização deva ser arbitrado pelo juiz de forma discricionária.

Por outro lado, a condenação a indenizações muito distintas por arbitramento de juízos diversos, mesmo em processos semelhantes, muitas vezes com idêntico réu e situações assemelhadas, configuram a chamada “jurisprudência lotérica”, assim referida pelos advogados, e afetam a credibilidade do judiciário perante a sociedade civil, atingindo a segurança jurídica mínima desejada.

Assim, desejável o estabelecimento de parâmetros eficientes e pertinentes que possam trazer alguma uniformidade e racionalidade à árdua tarefa de quantificar/arbitrar indenizações justas à reparação de danos extrapatrimoniais.

Como resolver este impasse?

Acredito que uma boa solução seria criar um modelo estatístico a partir de um levantamento inicial por amostragem, talvez dos cinco anos anteriores, das condenações por dano moral, ao menos as de maior incidência, uma matriz que elencasse estas ocorrências, cruzando cada uma delas com pelo menos três variáveis significativas para o cálculo do quantum indenizatório, a serem eleitas entre as propostas na doutrina e na jurisprudência (item 3.2.2), tais como capacidade econômica dos envolvidos (lucro mensal da empresa, salário do trabalhador), gravidade da ofensa/perda sofrida, intensidade da culpa (cada uma destas variáveis escalonadas de 1 a 5, ou de 1 a 10, pontuação a ser atribuída pelo Juízo conforme sua avaliação) etc. O cruzamento destas informações, traduzidas em números, resultaria em um índice a ser expresso em salário-mínimo nacional, escalonado com uma variação máxima de 1 para 3 (como exemplo, se o índice 1, no caso concreto, equivalesse a 3 salários-mínimos, o índice 2 equivaleria a 6 salários e, obviamente, o índice 3 corresponderia a 9 salários-mínimos).

Desta forma o juiz poderia adequar ao caso concreto, considerando as demais características não contempladas na matriz/modelo proposto (que trataria de apenas quatro variáveis, a primeira o tipo do agravo sofrido, e mais três a serem eleitas entre as mais significativas na determinação do valor da indenização por dano moral), condenando à indenização mínima, média ou máxima.

Poderia-se ainda, construir um modelo bem completo a ser normatizado para aplicação pelos juízes, uma matriz maior com as dez ou doze variáveis mais significativas no arbitramento da reparação de dano extrapatrimonial, a serem eleitas pelos legisladores e juristas. Da mesma forma, a pontuação/medição de cada variável seria atribuição do Juízo, preenchidos estes dados a matriz previamente formulada calcularia o índice final, em salário-mínimo nacional, correspondente àquela indenização.

Não é demais frisar que, por mais que um modelo teórico esteja completo, jamais suprirá todas as eventualidades do caso concreto. Por óbvio, a realidade é sempre maior que qualquer teorização que dela se faça. Na adoção pela legislação do uso de uma matriz como esta, há que se deixar espaço para a equidade, prerrogativa do juízo.

De qualquer forma, ao se adotar uma ferramenta estatística como esta, o julgador não ficaria restrito à aplicação de uma tarifa, arbitraria o montante da condenação a partir de critérios pré-objetivados, podendo ainda ponderar as especificidades do caso concreto, mas ao mesmo tempo atingindo boa uniformidade nas decisões de casos semelhantes, cujas condenações variariam, nesta proposta, no máximo de 1 para 3.

Evidentemente, este modelo proposto que poderia ser valioso no arbitramento da reparação do dano extrapatrimonial, teria que ser construído a partir de metodologia estatística avançada, já disponível em vários campos do conhecimento, como por exemplo, nas pesquisas de mercado e eleitorais.

E, finalmente, as dificuldades de ordem prática nas ações indenizatórias de danos decorrentes de acidentes do trabalho, entre outras, dizem respeito às perícias técnicas necessárias para identificação do nexo causal e das concausas quando a causa trabalho não for a única do acidente ou adoecimento, quanto à adequada formação e remuneração dos peritos.

José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva aponta o despreparo da maioria dos peritos e advogados para lidarem com esta temática, e o desconhecimento por estes atores, de instrumentos básicos como a NR-17 e o NTEP. Este autor defende a criação de um quadro próprio de peritos judiciais concursados no judiciário, o que poderia resolver a questão da remuneração adequada do trabalho pericial, além de uma formação teórico-técnica básica, comum a todos eles (2014, p. 174-175).

O CSJT em sua Resolução nº 63/2010, § 2º, incluído pela Resolução nº 93/2012, prevê a criação de varas do trabalho especializadas em acidentes do trabalho, se efetivamente implementadas de forma sistemática em todo o território nacional, será indubitavelmente muito produtivo para a qualidade da tutela preventiva e reparatória dos danos à saúde dos trabalhadores, como assevera Silva (2014, p. 180-182).

Por fim, para conclusões mais inovadoras e propostas mais precisas, embasadas na experiência, acredito seria muito enriquecedor o prosseguimento deste estudo com uma análise de direito comparado, de como as democracias mais avançadas em direitos sociais têm tratado o tema em suas legislações.

Referências
CHAMONE, M. A. O dano na responsabilidade civil. JUS navegandi. Publicado em: 06/2008. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/11365/o-dano-na-responsabilidade-civil. Acesso em: 11 nov. 2014.
GEMIGNANI, T. A. A. Responsabilidade do empregador por dano decorrente de acidente do trabalho/doença profissional: subjetiva ou objetiva? Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região: TRT15, Campinas, nº 28, p. 19-24, 2006.
OLIVEIRA, S. G. Prescrição nas ações indenizatórias decorrentes de acidente do trabalho ou doença ocupacional. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região: TRT15, Campinas, nº 28, p. 53-72, 2006.
PEREIRA, A. D. Novos aspectos jurídicos da responsabilidade civil por acidente ou doença do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região: TRT15, Campinas, nº 28, p. 73-87, 2006.
SCHIAVI, M. Ações de reparação por danos morais decorrentes da relação de trabalho. 4ª ed. São Paulo, Ltr, 2011.
SILVA, J. A. R. O. Acidente do trabalho responsabilidade objetiva do empregador. 3ª ed. São Paulo, Ltr, 2014.
TEIXEIRA JÚNIOR, J. G. Quantificação dos danos morais e materiais e o acidente do trabalho no setor sucroalcooleiro, São Paulo, Ltr, 2011.
WOLKOFF, A. P. M. A Teoria do Risco e a Responsabilidade Civil Objetiva do Empreendedor. Revista de Direito nº 81: TJRJ, Rio de Janeiro, Disponibilizado pelo Serviço de Estruturação do Conhecimento – (DGCON/SEESC) em 21 de junho de 2010. Disponível em: http://portaltj.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=ae2e5cc8-fa16-4af2-a11f-c79a97cc881d&groupId=10136. Acesso em: 10 nov. 2014.

Nota:
[1] Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Educação São Luís, como exigência parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação Lato Sensu, em nível de Especialização, em Direito Processual do Trabalho. Orientador: Prof. Waldomiro Camilotti Neto

Informações Sobre o Autor

Maria Beatriz Moreira Pinheiro

Socióloga, Servidora do TRT15 atuando na Escola Judicial EJud15

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