Acórdão: Responsabilidade objetiva do empregador. Acidente de trabalho. Construção civil pesada. Lesões graves. Mutilação do membro inferior.

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Acórdão


0032300-19.2009.5.04.0404 RO


EMENTA: RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO EMPREGADOR. ACIDENTE DE TRABALHO. CONSTRUÇÃO CIVIL PESADA. LESÕES GRAVES. MUTILAÇÃO DO MEMBRO INFERIOR. Adota-se o entendimento de que a responsabilidade da empregadora é objetiva, especialmente nos casos em que a atividade atrai risco acentuado, como na construção civil pesada. No caso, o acidente ocorreu em obra onde eram realizadas explosões para escavação da rocha, e no momento da retirada dos equipamentos e empregados para o procedimento de detonação, uma máquina deslizou nas pedras, prensando o reclamante contra a rocha. As lesões são graves, atingindo ambos os membros inferiores, inclusive com amputação da perna esquerda e necessidade de órtese na direita, importando em redução da capacidade de trabalho fixada em 70%. Impõe-se o dever de indenizar danos morais e materiais, a teor dos artigos 186 e 927 do Código Civil, e art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal. Recurso da reclamada parcialmente provido para reduzir as indenizações fixadas na origem em observância aos princípios da equidade e da razoabilidade.


VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pelo MM. Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul, sendo recorrente TB S.A. e recorrido  SAM.


Inconformada com a sentença proferida pelo Juiz do Trabalho Rui Ferreira dos Santos às fls. 669/699 (e decisão de embargos de declaração da fl. 707), recorre a reclamada. Pretende o exame da sentença em relação aos limites da lide, e sua absolvição da multa por litigância de má fé. Postula sua reforma quanto às indenizações por danos morais, materiais, despesas médicas e honorários advocatícios. Busca seja apreciada impugnação ao valor da causa. Pretende a devolução das custas já recolhidas e autorização para proceder aos descontos fiscais (fls. 710/726).


Intimado, o reclamante apresenta contrarrazões às fls. 736/763.


Distribuídos, vêm os autos conclusos para julgamento.


É o relatório.


Isto posto:


I- Recurso ordinário da reclamada.


Preliminarmente.


Conhecimento.


Tempestivo o apelo (fls. 709 e 710), regular a representação (fl. 222), custas processuais recolhidas (fl. 728) e depósito recursal realizado (fl. 727), encontram-se preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso.


1. Limites da lide. Sentença extra petita.


Afirma a reclamada que a sentença é nula, porque defere direitos sem que tenham sido formulados os pedidos pertinentes, extrapolando os limites da lide. Refere ter sido condenada em danos materiais para pagamento em parcela única, quando não há requerimento na exordial. Aponta o deferimento de diferenças entre o valor percebido a título de benefício previdenciário (auxílio doença por acidente do trabalho) e a média mensal da remuneração, para pagamento de imediato, independentemente do trânsito em julgado da sentença, sem que tenha havido pedido neste sentido, quanto às diferenças em si, e quanto à imediaticidade do pagamento. Assevera não haver postulação no que se relaciona ao imediato fornecimento da prótese indicada, tendo o julgador extrapolado novamente os limites ao determinar o cumprimento da obrigação no prazo de trinta dias, a contar da intimação da sentença, sob pena de multa de 1/30 da remuneração mensal da vítima. Entende que o pedido de letra “a” deveria ter sido extinto sem julgamento de mérito, pois todas as despesas decorrentes do acidente foram suportadas pela ora recorrente; os de letras “b” e “d” deveriam seguir a mesma sorte, porque o art. 7º, IV da Constituição Federal veda expressamente a vinculação do salário mínimo para qualquer fim; e o pedido de letra “e”, merece a extinção, por ser bis in idem dos pedidos contidos nas letras “b” e “c”. Conclui ser defeso ao juiz conhecer de questões não suscitadas, e vedada a modificação do pedido ou causa de pedir após a citação, a teor do art. 264, do CPC.


Parcialmente com razão.


A teor do art. 950 do Código Civil, danos materiais compreendem o ressarcimento de despesas médicas e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluindo pensão correspondente à importância do trabalho para o qual se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Em outras palavras, o dano material compreende o que a vítima perdeu e o que razoavelmente deixou de ganhar.


Assim, verifica-se que o pedido sob alínea “a” de pagamento de indenização por danos materiais pela perda da perna esquerda e perda parcial da perna e pé direito parcial tem o mesmo fundamento jurídico (art. 950 do Código Civil) e mesma causa de pedir dos pedidos da letra “d” pensão alimentícia vitalícia, com termo inicial retroativo a partir do afastamento – 16/09/09, no valor mensal de 12 (doze) salários mínimos nacional, devido ter sido demonstrado na instrução que a invalidez do autor é permanente, incluindo-se as horas extras, os adicionais, o 13º salário, devendo a pensão ser corrigida no tempo, sendo que as prestações vencidas, até o seu efetivo pagamento, deverão ser acrescidas dos juros legais (…), e letra “l”, pagamento de todas as despesas com tratamento médico (…).


A intenção do legislador ao impor a obrigação de indenizar danos materiais não foi de reparar a perda do membro em si, não sendo a perna direita ou esquerda o bem juridicamente protegido, mas o restabelecimento do status quo ante da vítima do acidente, determinando o pagamento de danos emergentes e lucros cessantes, além das despesas médicas que se fizerem necessárias até a convalescença.


Desta forma, a reparação se dá pela extensão do dano, no caso, o impacto das lesões na vida do trabalhador, e não o membro em si, e esta é a razão da dificuldade em quantificar danos.


Portanto, outra não pode ser a conclusão a não ser a de que o pedido de letra “d” está abrangido pelo pedido de letra “a”. O juízo de origem deu provimento ao pedido de letra “a”, que é mais amplo, condenando a reclamada em danos materiais em parcela única no importe de R$ 1.136.000,00, negando provimento ao pedido de letra “d”, pensão mensal vitalícia, ressalvando a diferença entre o valor percebido pelo reclamante a título de benefício previdenciário e a remuneração desde o afastamento, que serão abatidos do valor da parcela única por ocasião do pagamento.


Os fundamentos utilizados pelo julgador para justificar a condenação em danos materiais demonstram ter ele deferido, na verdade, pensão mensal vitalícia para pagamento em parcela única, conforme o cálculo apresentado na sentença, percentual de comprometimento incidindo sobre a remuneração, multiplicado pelo número de meses conforme a expectativa de vida da vítima (fl. 692).


Tem razão a reclamada quanto a inexistir pedido de indenização por danos materiais representados por pensão mensal vitalícia em parcela única. A teor do parágrafo único do art. 950, do Código Civil, a parcela única é prerrogativa da parte autora nas ações acidentárias. Não havendo pedido expresso na inicial, cabe ao julgador deferir o pagamento em prestações mensais, preservando a natureza do instituto, de recomposição da renda perdida em razão da redução da capacidade de trabalho.


Contudo, inviável extinguir o pedido de letra “a”, quando não há provimento ao pedido de letra “d”, porque a condenação não representa bis in idem, não sendo o caso de nulidade da sentença. Remete-se ao mérito do recurso a apreciação do valor da condenação em danos materiais e quanto ao deferimento de diferença entre o valor percebido pelo autor de benefício previdenciário (auxílio doença por acidente do trabalho) e a média mensal de remuneração do reclamante, tendo em vista que a reclamada investe de forma específica contra os valores deferidos.


Nos limites do contido no ordenamento jurídico e na jurisprudência majoritária, as indenizações são cumuláveis, não havendo óbice para o seu deferimento de forma distinta, no que se relaciona a danos morais e estéticos, a teor dos artigos 948 e 949 do Código Civil, que concretizam  o princípio da reparação integral.


Não se acolhe a tese de que o pedido de letra “e” mereça ser extinto, por representar bis in idem com os de alínea “b” e “c”, verificando-se que a causa de pedir é distinta. A sentença condena em danos morais lato sensu, aqui incluída indenização em razão de eventuais dificuldades a ser enfrentadas para retorno e ascensão profissional, razão porque não há falar em bis in idem.


Não há amparo legal para extinção do pedido pela mera utilização do salário mínimo como indexador do quantum pretendido, pois a vinculação é apenas a forma que a parte dispõe para manter a pretensão imune à perda de valor da moeda ao longo do tempo, não objetivando a vedação contida no art. 7º, IV da Constituição Federal inibir o uso do salário mínimo como indexador de valores meramente indicativos de uma pretensão.


Nega-se provimento, no tópico, remetendo-se, contudo, a apreciação quanto a não existir pedido de pensão mensal vitalícia em parcela única e quanto à inexistência de pedidos em antecipação de tutela ao mérito do recurso.


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2. Acidente do trabalho. Culpa exclusiva da vítima. Culpa concorrente.


O juízo de origem entende estar provado nos autos não ter a reclamada observado as normas de segurança mínimas exigidas pela legislação em vigor, em desrespeito ao art. 157, I, da CLT. Afirma ter a demandada delegado aos empregados a execução das tarefas, em que pese o risco da atividade e as condições inseguras do local, assumindo o risco da sua conduta, sendo imperiosa sua responsabilização pelo infortúnio, devendo reparar os danos sofridos, considerando que o reclamante está inapto para o trabalho. 


A reclamada alega ato inseguro e culpa exclusiva da vítima como fatores determinantes para a ocorrência do acidente do trabalho. Relata ter o reclamante pleno conhecimento do processo para carregamento de fogo, quanto à retirada dos equipamentos e evacuação dos empregados do local e, posteriormente, a detonação. Refere que o operador L. procedia a retirada da máquina de ré, olhando para trás, não tendo percebido que o reclamante havia retornado para frente do equipamento manitu, que deslizou na pedra, atingindo-o e provocando o  esmagamento de suas pernas contra a rocha. Destaca também ter sido o deslizamento do equipamento o causador do acidente, e não, erro no procedimento adotado por L., o que também afasta qualquer culpa da empregadora em responder pelos atos de seus prepostos. Aponta a testemunha JAS, que informa ter o reclamante recebido treinamento adequado, e o fato de a obra contar com DDS – Diálogo Diário de Segurança, procedimento realizado antes do início do turno, objetivando a prevenção de acidentes. Alega ter contraditado a testemunha OSA, entendendo inexistir isenção de ânimo para depor, pois foi dispensado por justa causa, e ainda, assim, o julgador acolheu seu depoimento. Relata ter sido a testemunha TL agredida na saída do prédio da Justiça do Trabalho, e ameaçada de morte pela parte adversa, conforme boletim de ocorrência. Denuncia ter o julgador desconsiderado por completo o depoimento de Luciano, sem que haja qualquer prova de suspeição, ferindo o contraditório e a ampla defesa, pois caberia à parte autora a prova quanto à falta de isenção da testemunha. Caso não entenda a Turma tenha o acidente ocorrido por culpa exclusiva da vítima, pretende seja acolhida a tese de culpa concorrente da vítima, em maior grau do que a da empregadora, sendo reformada a sentença para que a condenação seja fixada proporcional ao grau de culpa de cada participante no evento, a teor do art. 945, do CPC.


Sem razão.


O reclamante trabalha para a reclamada desde 01.06.07, tendo iniciado como servente, passando a marteleteiro e, a partir de 01.07.08, como detonador, percebendo salário hora de R$ 4,40, em regime de 180 horas mensais, resultando em salário básico de R$ 792,00 (defesa, fls. 238/239). Possuía 22 anos à época do infortúnio (nascido em 24.08.1986). Sofreu acidente típico do trabalho em 16.09.08, às 00:40 horas, na obra de X, no Túnel Y, em Z, quando preparava rabicho de detonação. Ao ser atingido por máquina manitu que deslizou nas pedras, foi prensado contra a rocha (CAT, fl. 289). O reclamante foi retirado com fratura exposta na perna esquerda, e transportado ao HP em Z.


Segundo o laudo médico, foi submetido a cirurgia de laparotomia exploratória devido à perfuração intestinal, e no mesmo dia, tratamento cirúrgico de extensa lesão do membro inferior esquerdo, fatura cominutiva exposta, com lesão vascular e perda importante de tecidos moles, sendo submetido à amputação da perna esquerda. Posteriormente, apresentou síndrome compartimental do membro inferior direito. Permaneceu hospitalizado por 63 dias, com curativos frequentes e procedimentos de cirurgia plástica para recobrir o coto de amputação. Atualmente, não faz uso de medicação. Até a data da perícia, não tinha sido reabilitado pelo INSS e também não estava aposentado. Prossegue em tratamento médico em Porto Alegre para a utilização de prótese, custeado pela reclamada e não está em tratamento psicológico (fl. 606).


Incontroverso o dano e o acidente sofrido, restando controvertidas as  causas do infortúnio. O reclamante afirma ter sido em razão de que empregado sem habilitação para a operação teria resolvido tentar retirar a máquina manitu do atolamento, em marcha ré, mas o equipamento  deslizou para a frente, prensando-o contra a rocha.


 A reclamada relata ter o reclamante descumprido os procedimentos de segurança para carregamento de fogo. Narra ter o operador da manipuladora solicitado que todos os trabalhadores se retirassem da frente do túnel para que pudesse remover a máquina com segurança; o operador iniciou a retirada da máquina de marcha ré do local, em um aclive acentuado para locomoção de marcha ré e declive para frente do equipamento;  neste momento, o operador olhava para trás do equipamento e não viu que o reclamante retornou para frente do túnel, e como o piso era escorregadio, a máquina derrapou e deslizou para frente, momento em que atingiu a vítima. Assim, a reclamada pretende o reconhecimento de que o acidente aconteceu por culpa exclusiva da vítima, que é excludente do nexo de causalidade, não autorizando o acolhimento da responsabilidade civil patronal e o deferimento de indenizações.


Contudo, esta Turma adota o entendimento de que a responsabilidade da empregadora é objetiva, especialmente nos casos em que a atividade atrai risco acentuado, maior do que o comum ao trabalhador, que não pode ficar desamparado. É o caso das empresas que se dedicam à construção civil pesada, como túneis, terraplenagens, barragens e pavimentações, mormente, no caso, em que o trabalho era realizado à noite em escavação subterrânea. Com efeito, a doutrina tem caminhado nesse sentido. Leciona Sebastião Geraldo de Oliveira (in Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, LTr, 2008, fl. 119), verbis:   


“A indenização baseada no rigor da culpa está cedendo espaço para o objetivo maior de reparar os danos, buscando amparar as vítimas dos infortúnios, mesmo sem a presença da culpa comprovada, em harmonia com o objetivo fundamental de construir uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e da marginalização, conforme exposto no art. 3º da Constituição da República. Desse modo, o instrumental jurídico está deslocando seu foco de atenção dos danos causados para os danos sofridos.”         


E nesse mesmo sentido, julgado do C. TST, de relatoria do Exmo. Ministro Mauricio Godinho Delgado, verbis:   


“RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, CC). INEXISTÊNCIA DE -CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA- (FATO DA VÍTIMA). A regra geral do ordenamento jurídico, no tocante à responsabilidade civil do autor do dano, mantém-se com a noção da responsabilidade subjetiva (arts. 186 e 927, caput, CC). Contudo, tratando-se de atividade empresarial, ou de dinâmica laborativa (independentemente da atividade da empresa), fixadoras de risco acentuado para os trabalhadores envolvidos, desponta a exceção ressaltada pelo parágrafo único do art. 927 do CC, tornando objetiva a responsabilidade empresarial por danos acidentários (responsabilidade em face do risco). Noutro norte, a caracterização da culpa exclusiva da vítima é fator de exclusão do elemento do nexo causal para efeito de inexistência de reparação civil no âmbito laboral quando o infortúnio ocorre por causa única decorrente da conduta do trabalhador, sem qualquer ligação com o descumprimento das normas legais, contratuais, convencionais, regulamentares, técnicas ou do dever geral de cautela por parte do empregador. Se, com base nos fatos relatados pelo Regional, se conclui que a conduta da vítima do acidente não se revelou como causa única do infortúnio, afasta-se a hipótese excludente da responsabilização da empregadora pelo dano causado. Recurso conhecido e provido”.- (RR-850/2004-021-12-40.0, 6ª Turma, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, DJ-12/06/2009) 


Ainda que assim não fosse, no caso, resta provada a culpa da reclamada. A testemunha convidada pelo reclamante, OSA, afirma que durante o dia, havia dois técnicos em segurança, e, na noite do acidente, não havia nenhum técnico em segurança no local, tampouco ambulância ou enfermeiro. Relata que era L. quem estava retirando a máquina manitu do local, que patinava; a testemunha disse a L. que a máquina não iria sair sem auxílio e decidiram que iriam buscar o cabo de aço. Refere a testemunha que L. não chegou a dar a ordem de evacuação do túnel (fl. 643). (Manitou é marca de fabricação de uma gama variada de equipamentos, tais como escavadeiras, retroescavadeiras, tratores e etc).


A testemunha JAS estava no local, dentro do túnel, e ajudava o reclamante a amarrar os fios para a detonação. Relata que a máquina manitu estava atolada, distante três metros atrás de J.. O reclamante estava terminando de fazer a preparação para a detonação e J. estava pegando o material para retirar de dentro do túnel e nesse momento, J. teria falado para L. parar de “fuçar” na máquina porque iria resvalar para a frente, como de fato aconteceu. J. estava de frente para a máquina e “tirou o corpo fora”, mas o reclamante estava de costas e foi atingido. Informa que L. não deu ordens para que todos saíssem do túnel e que a máquina manitu não saía do lugar, pois havia um declive acentuado e a máquina ia apenas para frente e não para trás. Em razão disto, tiveram que buscar um cabo e uma retroescavadeira para puxar o equipamento.


A prova testemunhal produzida pela reclamada não autoriza o acolhimento de suas pretensões, quanto a ter o acidente ocorrido por culpa exclusiva da vítima ou culpa concorrente. O empregado Luciano, ouvido por carta precatória, era quem operava a máquina que provocou o acidente (fls. 595/597). Em depoimento, não comprova ter habilitação para operação dos equipamentos, referindo ter realizado o treinamento em empresa no Ceará, denominada M, mas que perdeu o certificado em razão de inúmeras mudanças. Afirma, também, que, no momento do acidente, havia três técnicos de segurança na obra, mas que não recorda seus nomes. Desta forma, dois aspectos importantes quanto ao cumprimento das normas de segurança não foram provados, a habilitação do condutor do equipamento e o acompanhamento das manobras por técnico em segurança do trabalho.


A análise dos depoimentos permite concluir que todos os empregados presentes estavam treinados e conheciam os procedimentos passo a passo para detonação. Contudo, no momento do acidente, L. era o encarregado da frente de trabalho, e estava ocupado pessoalmente com as manobras para remoção da máquina, sem ter um olhar atento quanto a movimentação dos demais, destacando-se que o acidente ocorreu no período da noite, em torno de 00:40 horas. Não resta provado tenha L. dado ordem de evacuação do túnel aos empregados, que aparentemente, ainda removiam os materiais, tanto é assim que Jorge também estava na frente do túnel, não tendo sido atingido porque viu a máquina vindo na sua direção e, como ele menciona, “tirou o corpo fora”. A prova é no sentido de que o procedimento de manobra da máquina manitou era inseguro, pois ocorria simultaneamente à retirada dos demais materiais pelos empregados, que circulavam pela área.


Assim, correta a sentença que condena a reclamada em danos morais e materiais em decorrência do acidente sofrido, a teor do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, tendo sido provada a culpa da empresa para o infortúnio.


Nega-se provimento ao recurso.


3. Litigância de má fé.


O julgador de origem entende que as alegações contidas na defesa suplantam a boa fé processual, mormente quando a reclamada afirma não possuir o reclamante redução em sua capacidade laborativa, podendo retornar as suas atividades anteriores. Refere que o amplo direito de defesa e o contraditório não enfeixa poderes ilimitados a ponto de sustentar tese notadamente fora da realidade fática e contrária à prova técnica dos autos e fatos incontroversos. Condena em multa equivalente a 1% sobre o valor da causa, e mais honorários advocatícios em equivalente a 20% sobre a mesma base, nos termos do art. 18 do CPC. Destaca que esses honorários não se confundem com os decorrentes da assistência judiciária, não se compensando.


A reclamada assevera não poder se conformar com a condenação por litigância de má fé. Afirma não ter cometido qualquer ato no decorrer da instrução processual que enseje punição em valor tão expressivo, R$ 924.000,00 (multa de 1% + honorários de 20% sobre o valor da causa de R$ 4.400.000,00). Transcreve manifestação sobre o laudo médico, onde expressa ter o reclamante evidentes limitações, mas permanecer capaz para o trabalho, repisando que o acidente não o tornou inválido, considerando que indivíduos com perdas anatômicas ou protetizados podem ser reabilitados e retornar ao mercado de trabalho. Em relação aos honorários advocatícios, diz que são acessórios do principal, não podendo o valor do acessório ser superior ao do principal. Assim, os honorários deveriam incidir sobre o valor da multa (R$ 44.000,00), e não sobre o valor da causa (R$ 4.400.000,00), que ultrapassa inclusive o valor de condenação. Sustenta, ainda, que, na Justiça do Trabalho, o percentual deferido não pode ultrapassar 15%, e a condenação somente se justificaria caso a parte preenchesse os requisitos das Súmulas 219 e 329 do C. TST, o que não ocorre, no caso.


Com razão.


Em que pese ser incontroverso o acidente do trabalho de graves proporções sofrido pelo reclamante, entende-se que a reclamada não se utilizou de artifícios ou ardis para se eximir de sua responsabilidade. Dentro dos limites que a lei processual lhe permite, buscou demonstrar suas teses, ora atribuindo culpa exclusiva à vítima, ora pretendendo o reconhecimento da culpa concorrente. Não se verifica tenha a reclamada faltado com a verdade ou dificultado a produção de provas ao longo da instrução.


Não tendo havido abuso, não se considera temerária a defesa, não se identificando incidente manifestamente infundado. Não é o caso, portanto, de aplicação dos arts. 16 e 17 do Código de Processo Civil. 


Ademais, o comportamento da reclamada extra autos, tendo voluntariamente suportado todas as despesas médicas, e outras necessárias ao conforto ao paciente, assim como providenciado assistência à família, propiciando o acompanhamento da convalescença do reclamante, inicialmente com hospedagem em hotel na cidade de Caxias do Sul e, posteriormente, em apartamento locado pela empresa, com todas as despesas pagas, tais como alimentação, telefone, veículo à disposição, inclusive para viagens a Porto Alegre e retorno à Caxias do Sul, demonstram ter a empresa agido com zelo e compromisso com a saúde do trabalhador. É o que comprova a farta documentação acostada com a defesa (fls. 349/399 e fls. 402/496).


Dá-se provimento ao recurso ordinário, no tópico, para absolver a reclamada da multa de 1% e honorários advocatícios à razão de 20%, em face da litigância de má fé (alínea “g” do dispositivo).


4. Dano material.


O juízo de origem condena em danos materiais, representados por pensão mensal vitalícia, a ser paga em parcela única de R$ 1.136.000,00, autorizada a compensação do valor recebido a título de seguro de vida em grupo de R$ 13.305,00.


A reclamada investe contra o julgado, repisando a ausência do pedido quanto ao pagamento em parcela única, entendendo ser defeso ao juiz deferir pedido fora dos limites da lide, a teor do art. 460, do CPC. Cita o art. 20, § 5º, do CPC, que autoriza a inclusão de parcelas vincendas na folha de pagamento da empresa devedora. Aduz inexistir pedido também quanto à determinação de que a base de cálculo da pensão mensal seja a média salarial dos últimos seis meses, merecendo reforma a sentença no aspecto. Insurge-se, quanto ao critério adotado pelo julgador para base de cálculo da pensão, de média salarial dos últimos seis meses, entendendo que o parâmetro deva ser a média dos últimos doze meses ou o valor apurado pela Previdência Social (doc. da fl. 55, que informa o valor de R$ 1.337,43), pois no período de apuração o reclamante trabalhou em condições especiais, percebendo adicionais pagos somente quando ocorre o fato gerador (trabalho em subsolo), sendo essas últimas remunerações as mais altas percebidas na duração do contrato de trabalho. Destaca que o critério adotado fere a equidade, pois o décimo terceiro salário é calculado com base na remuneração auferida no ano civil, as férias guardam relação com os valores recebidos durante o período aquisitivo, e o aviso prévio, por sua vez, na remuneração dos últimos doze meses (art. 487, § 3º, da CLT). Denuncia ensejar tal montante o enriquecimento sem causa da parte, pois o valor, depositado em caderneta de poupança, a juros de 6% ao ano, e projetando correção monetária de 4%, resultaria em renda anual de R$ 136.000,00, ou R$ 11.333,33 mensais, o que é superior ao devido, caso fosse pago em parcelas mensais. Sustenta ser o dano causado a medida da reparação, a luz do art. 944 do Código Civil, e, no caso, a indenização é muito superior e desproporcional. Refere ter o perito mencionado grau de comprometimento em relação à perda dos membros (no total 70%, sendo 50% da perna esquerda e 20% da direita), e não à capacidade laborativa, entendendo que a amputação dos membros inferiores não impede o estudo, a qualificação profissional e a readaptação para outras funções. Aduz ter o expert ressalvado a hipótese de recuperação do membro inferior direito, observando que o lapso de tempo entre a perícia e a sentença, mais de um ano, impõe a conclusão de que a perda hoje é zero, ou pelo menos, inferior a 20%, pretendendo que o reclamante se submeta a nova revisão médica para aferimento do comprometimento atual. Frisa estar o contrato de trabalho do reclamante suspenso, e quando ele retornar ao trabalho, na mesma função, ou em outra para a qual seja reabilitado, a perda material poderá cessar por inteiro ou parcialmente, entendendo que a sentença deva ser reformada para absolvê-la de todo e qualquer pagamento após a alta previdenciária, sob pena de bis in idem. Por fim, entende que há dupla penalização, quanto à condenação em pensão mensal e a vantagem deferida na letra “b” do dispositivo.


Parcialmente com razão.


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Inicialmente, não há falar em dupla penalização diante da condenação nos itens ‘a” e “b” da sentença, pois está autorizada a dedução dos valores pagos na forma do item “b” (diferença entre a média de remuneração e o benefício previdenciário), de imediato, do valor fixado como danos materiais (item “a”).


No item 1 desta decisão, foi reconhecido que o pedido de letra “a” possui mesma causa de pedir e fundamento jurídico do pedido expresso na letra “d”, a teor do art. 950 do Código Civil. Contudo, a sentença acolhe o pedido de letra “a”, condenando a reclamada em danos materiais para pagamento em parcela única, e nega provimento ao pedido de letra “d”, pensão mensal vitalícia, ressalvando apenas as diferenças quanto ao período de fruição do benefício previdenciário.


O reclamante faz jus à pensão mensal vitalícia em razão de lesões permanentes decorrentes do acidente do trabalho sofrido, e que determinam a redução de sua capacidade de trabalho conforme exposto no item 2.


Da mesma forma, foi reconhecido no item 1, ter razão a reclamada quanto a inexistir pedido de indenização por danos materiais representados por pensão mensal vitalícia em parcela única, cabendo ao julgador deferir o pagamento em prestações mensais.


Além disso, o deferimento de pensão mensal vitalícia preserva a natureza do instituto, de recomposição da renda perdida em razão da redução da capacidade de trabalho. O recebimento de soma vultosa em uma única parcela não impede que o trabalhador venha a ficar sem os recursos que seriam destinados a sua subsistência futuramente.


A Turma entende justo o percentual de redução fixado em 70%, não se acolhendo a tese da reclamada quanto à necessidade de submissão do reclamante a nova inspeção médica, tendo em vista que as limitações funcionais da perna direita são severas (fl. 611). O perito médico examinou o reclamante quase um ano após o acidente (perícia realizada em 29.07.09), concluindo que a recuperação total do membro inferior direito é uma possibilidade (laudo, fl. 653). Ademais, o reclamante não poderá retornar às suas atividades anteriores, sendo necessária a sua reabilitação para outras tarefas.


Quanto à base de cálculo da pensão, acolho a insurgência da reclamada, devendo ser utilizada a média das parcelas salariais dos últimos doze meses, utilizando-se para cálculo o documento da fl. 55, Carta de Concessão – Memória de Cálculo, fornecido pela Previdência Social. Somando-se os últimos doze salários corrigidos, obtém-se a renda anual de R$ 22.791,17, que resulta em média mensal de R$ 1.899,26, acrescentando-se 1/12 pela integração do décimo terceiro salário, soma R$ 2.057,53. Incidindo o percentual de 70% fixado como de redução da capacidade laboral, tem-se o valor de R$ 1.440,27.


Não há falar que salário auferido com o retorno ao trabalho representará bis in idem com a condenação em pensão mensal vitalícia, pois a reparação é devida pela depreciação que a vítima sofreu a teor do art. 950 do Código Civil.


Determina-se que a reclamada constitua capital que assegure as prestações devidas ao reclamante de forma vitalícia, com fundamento na norma contida no art. 475-Q do CPC. Neste mesmo sentido, a Súmula 313 do STJ: 


“Em ação de indenização, procedente o pedido, é necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da pensão, independentemente da situação financeira do demandado.”


Dá-se provimento parcial ao recurso ordinário da reclamada para absolvê-la do pagamento do dano material de R$ 1.136.000,00 em parcela única, e determinar o pagamento de pensão mensal vitalícia no valor de R$ 1.440,27, devida desde a data do acidente, 16.09.08, devendo ser corrigida a partir de então pelo INPC. Determina-se que a reclamada constitua capital que assegure as prestações mensais vitalícias devidas ao reclamante. Autoriza-se a dedução do valor de R$ 13.305,00, recebido a título de seguro de vida, dos valores das parcelas vencidas, assim como das diferenças entre o benefício previdenciário e a remuneração média mensal, eventualmente já alcançadas ao reclamante em tutela antecipada. Caso o valor a ser abatido supere a soma das parcelas da pensão mensal já vencidas, o saldo será abatido em prestações mensais limitadas a 30% do valor da pensão, tantas quanto necessárias para quitação dos valores pagos antecipadamente.


5. Danos morais e estéticos.


A sentença condena em pagamento de R$ 250.000,00 por danos morais e mais R$ 250.000,00 por danos estéticos.


A reclamada não se conforma, repisando que o pedido de danos morais em equivalente a 1.500 salários mínimos nacionais afronta o art. 7º, IV, da Constituição Federal, que veda expressamente a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, devendo ser extinto. Afirma presente o cerceamento de defesa, ferindo o contraditório e a ampla defesa, em contrariedade ao art. 295, parágrafos único e terceiro do CPC. Pretende seja revista a condenação com  base nos argumentos já expendidos, de culpa exclusiva da vítima e culpa concorrente. Não vingando tais teses, entende que os valores são excessivos e desproporcionais a julgados anteriores, transcrevendo jurisprudência. Sustenta estar o dano estético já contemplado nos pedidos de danos materiais e morais, buscando sua absolvição no tópico.


Com parcial razão.


Não cabe mais discutir a responsabilidade civil da empregadora em razão em razão do acidente do trabalho sofrido, e sua culpa por não observar o contido no art. 157, I, da CLT, matéria amplamente discutida no item próprio. Restringe-se a discussão apenas quanto aos valores fixados a título de danos morais e estéticos.


O dano moral surte efeitos na órbita interna do ser humano,  causando-lhe uma dor, uma tristeza ou qualquer outro sentimento capaz de lhe afetar o lado psicológico, atingindo a esfera íntima e valorativa do lesado. Consiste na afronta ao código de ética de cada indivíduo, com repercussão na ordem social.    


Desta forma, quando o litígio versar sobre direito moral, o autor não precisa comprovar que se sentiu ofendido ou humilhado com a atitude do agressor. A presunção sana a impossibilidade da prova da lesão de direito personalíssimo sofrida pela pessoa natural de direito em razão de ato ou omissão ilícita de outrem.


Tanto a doutrina quanto a jurisprudência exigem a prova inequívoca do fato e do nexo causal entre a ação do ofensor e o dano causado ao ofendido, o que restou plenamente caracterizado no caso concreto.


Constata-se que o reclamante sentiu a dor emocional alegada, e que os fatos em análise enquadram-se nas hipóteses previstas nas normas dos arts. 186 e 927 do Código Civil, motivo da condenação da recorrida. 


Não havendo norma que atribua valores para reparação a título de dano moral, incumbe ao juiz sua fixação segundo critérios de eqüidade, observando a situação financeira dos litigantes, a gravidade do ato e da culpa, o caráter pedagógico da punição, entre outros.


O valor deve ser fixado objetivando a reparação da dor da vítima, ainda que nunca se alcance a reparação integral, sendo impossível a pretensão de se restituir à pessoa o seu estado anterior. Paralelamente, o valor deve ser significativo de modo a desestimular a conduta do ofensor.


Contudo, entende-se que o valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) se mostra elevado, destoando dos valores usualmente fixados. Se mantido, caracterizaria condenação sem precedentes nesta Turma Julgadora e, quiçá, no Regional. Cita-se, como exemplo, acórdão nos autos do processo de nº 0047200-67,2006.5.04.0030, da lavra da Exma. Desa. Maria Inês Cunha Dornelles, julgado em 05.11.08, que retrata acidente semelhante, com lesões graves, perda de ambos os membros inferiores, cuja indenizações foram fixadas em R$ 110.200,00 por danos morais, e pensão mensal vitalícia de R$ 551,00. Adota-se como parâmetro também acórdão do processo de nº 0105800-90.2006.5.04.0221, da lavra do Exmo. Des. Hugo Carlos Scheuermann, julgado em 04.06.09, com amputação do antebraço direito, perda da capacidade laborativa em 60%, e aposentadoria por invalidez, tendo sido fixados danos morais em R$ 100.000,00 e danos materiais em R$ 200.000,00 (parcela única). 


Com base nos julgados anteriores, e atendendo aos princípios da equidade e da razoabilidade, fixa-se a indenização por danos morais no valor de R$ 125.000,00 (Cento e vinte e cinco mil reais).


O dano estético é espécie do gênero dano moral, e faz jus a vítima de acidente, sempre que o resultado for lesão que altere ou comprometa a sua harmonia física, possuindo portanto pressupostos distintos do dano moral. Enquanto o dano moral pretende reparar a dor, o sofrimento e a angústia vivenciados, o dano estético objetiva indenizar a deformidade resultante do infortúnio. Não há óbice para que sejam arbitrados de forma cumulada. O prejuízo estético do reclamante é evidente.


Considerando elevado o valor fixado pelo dano estético, em R$ 250.000,00, reduz-se o valor para R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).


 Dá-se provimento parcial ao recurso ordinário do reclamante para reduzir o valor da indenização por danos morais, fixando-o em R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais) e danos estéticos, também reduzidos para R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais). Os valores são atualizados até a data da publicação da decisão. Juros serão computados a contar do ajuizamento da ação.


6. Pensão alimentícia vitalícia.


Afirma a reclamada que o pedido de letra “d”, pagamento de pensão alimentícia vitalícia, com termo inicial retroativo a partir do afastamento 16.09.09, no valor mensal de doze salário mínimos nacionais, era certo e determinado, não comportando o pagamento de diferenças entre o valor percebido pelo reclamante a título de benefício previdenciário e a média salarial reconhecida (R$ 2.498,15), de imediato, independentemente do trânsito em julgado da decisão. Repisa a violação aos artigos 7º, IV, e 5º, LV, da Constituição Federal, assim como o art. 460 do CPC. Alega que a condenação viola a coisa julgada, pois ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença.


Com razão.


Tendo esta Turma reformado a sentença para excluir da condenação a indenização por dano material em parcela única e deferido pensão mensal vitalícia, a ser paga desde o acidente do trabalho ocorrido em 16.09.08, o deferimento de diferenças entre o benefício e a remuneração representa bis in idem.


Dá-se provimento ao recurso ordinário para excluir da condenação diferenças entre o valor percebido pelo reclamante a título de benefício previdenciário e a média salarial reconhecida


7. Despesas com tratamento médico e cirúrgico.


O julgador defere o pagamento de despesas com tratamento médico e cirúrgico decorrentes do acidente do trabalho, mediante comprovação nos autos por meio do respectivo recibo, onde deverá constar o procedimento realizado, com identificação do profissional ou laboratório, bem assim quando se tratar de medicamentos da respectiva receita médica, sempre relacionados ao tratamento decorrente do acidente.


A reclamada se rebela, dizendo ter suportado todas as despesas médicas relacionadas, desde o momento do acidente, como comprovam os documentos de fls. 224/496, 520 e 556 dos autos, totalizando o valor de R$ 79.761,15. Destaca ter pago a última cirurgia que foi necessária no membro inferior direito quando já tramitava o processo, tendo realizado os depósitos judiciais de fls. 520 e 556, e os valores levantados pelo reclamante através de alvarás judiciais. Pretende sua absolvição, entendendo já ter pago todas as despesas médicas relacionadas ao acidente do trabalho.


Sem razão.


Nos termos do art. 949 do Código Civil, deverá o ofensor arcar com as despesas de tratamento médico que se fizerem necessárias até a convalescença da vítima.


Considerando que até o momento não há notícias de que o reclamante obteve alta do benefício previdenciário, permanecendo em processo de adaptação à prótese e reabilitação, deverá a reclamada arcar com as despesas que o reclamante realizar e que comprovadamente guardem relação com o infortúnio sofrido.


Nega-se provimento.


8. Prótese.


O juízo de origem afirma evidente que a prótese de fibra de carbono se torna mais adequada à recuperação do reclamante e, diante da gravidade das lesões, determina o pagamento de uma indenização por danos materiais no valor equivalente às despesas que se fizerem necessárias para aquisição e adaptação, conforme orçamento da fl. 648, procedimento que deverá ser efetivado de imediato, independentemente do trânsito em julgado.


O reclamante pretende lhe seja fornecida prótese para amputação transfemural de membro inferior esquerdo, com encaixe laminado em fibra de carbono, joelho computadorizado C-Leg e pé em fibra de carbono com resposta dinâmica, com valor a vista de R$ 123.000,00 (fl. 648).


A reclamada relata ter sido o reclamante encaminhado à CRS Ltda., onde realizou avaliação, fisioterapia e colocação de prótese (docs. fls. 339/347), com todas as despesas pagas pela ora recorrente. Alega ter fornecido prótese ao reclamante no valor de R$ 26.000,00, que foi tida como adequada pelo perito médico. Aponta o documento da fl. 347, onde a citada clínica médica declara ter o reclamante abandonado o trabalho de reabilitação antes mesmo de sua conclusão. Sustenta não haver pedido para fornecimento da prótese de imediato, devendo ser reformada a sentença no tópico, a luz do art. 460 do CPC.


À análise.


Incontroverso ter a reclamada fornecido prótese para amputação transfemural de membro inferior esquerdo, com encaixe laminado em fibra de carbono, joelho hidráulico rotativo e pé em fibra de carbono com resposta dinâmica no valor de R$ 26.000,00 (fl. 339).


Em ação cautelar, apensada a estes autos, este Relator concedeu efeito suspensivo ao recurso ordinário da reclamada para fornecimento de nova prótese, independentemente do trânsito em julgado, no prazo de trinta dias contados da cientificação da sentença para cumprimento da obrigação, sob pena de multa diária.


Considerando  o exposto no item anterior, a vítima de acidente do trabalho faz jus ao pagamento de todas as despesas necessárias para sua reabilitação. Tem-se que a prótese indicada a fl. 648 proporcionará ao reclamante conforto e autonomia para o seu deslocamento, destacando-se que ele possui comprometimento funcional importante do membro inferior remanescente.


Apesar de não haver pedido na inicial, o fornecimento imediato da prótese, antes mesmo do trânsito em julgado da decisão, é medida que se impõe para garantir a eficácia do provimento, nos termos do art. 273, I, do CPC.


Nega-se provimento ao recurso ordinário da reclamada.


9. Honorários advocatícios.


O juízo de origem determina o pagamento de honorários advocatícios à razão de 15% sobre o valor da condenação, diante da previsão constitucional de assistência judiciária gratuita aos necessitados, a luz do art. 5º, LXXIV da Constituição Federal.


A reclamada postula sua absolvição, pois ausentes os requisitos da Lei 5.584/70, não havendo credencial do sindicato da categoria profissional do reclamante nos autos, afrontando a decisão as Súmulas 219 e 329 do C. TST. Afirma estar a condenação em duplicidade, uma vez que foram deferidos honorários em 20% sobre o valor da causa com escopo na litigância de má fé, e, posteriormente, em 15% sobre o valor da condenação. Aponta merecer reforma a sentença que determina a condenação sobre o total das parcelas, desconsiderando que os honorários advocatícios incidem sobre as parcelas vencidas e mais doze parcelas vincendas. 


Sem razão.


Inicialmente, importa referir ter sido a reclamada absolvida da condenação em honorários em equivalente a 20% sobre o valor da causa em razão da litigância de má fé.


 Nos termos do artigo 5º da Instrução Normativa nº 27, que dispõe acerca das normas procedimentais aplicáveis ao processo do trabalho em decorrência da ampliação da competência da Justiça do Trabalho promovida pela EC 45/2004 do TST: 


“Exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência.”


A discussão destes autos envolve a indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho. Assim, consumada a sucumbência da reclamada, conforme exposto no primeiro item, são devidos honorários assistenciais na forma da sentença.


Provimento negado.


10. Valor da causa.


Entende a reclamada que o valor da causa deve ser reduzido, pois não atende aos requisitos do art. 259 do CPC. Não obstante tenha apresentado tal impugnação em defesa, não houve apreciação pelo julgador de origem na sentença, pretendendo sua apreciação nesta instância julgadora.


Sem razão.


O julgador de origem não se manifesta a respeito da impugnação ao valor da causa apresentada em defesa na fl. 278. Não havendo manifestação na sentença, e não apresentando a parte embargos de declaração quanto ao aspecto, entende-se estar preclusa a discussão quanto ao valor dado à causa.


Nega-se provimento.


11. Custas judiciais.


Informa a reclamada ter sido instada a recolher R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) de custas judiciais para fins de recebimento de recurso ordinário. Postula a devolução dos valores, ou sua compensação com outros tributos federais, confiando no acolhimento de suas razões e absolvição ou redução do valor de condenação.


Sem razão.


Incabível a pretensão de devolução das custas, por se tratar de pressuposto de admissibilidade do recurso, nos termos do artigo 789, § 1º, da CLT. De qualquer forma, não é da competência da Justiça do Trabalho a devolução de valores já recolhidos aos cofres da União.


Nega-se provimento.


12. Descontos fiscais.


Pretende sejam autorizados os descontos fiscais quanto às parcelas pertinentes à pensão mensal e honorários advocatícios.


Indeferem-se os descontos fiscais em relação aos honorários advocatícios, porque o ajuste entre os valores percebidos pelo profissional e o limite de isenção será realizado quando da declaração de renda do ano-base relativo à percepção dos créditos.


Em relação à pensão mensal, a teor do art. 6º, inciso IV, da Lei 7.713/88, as indenizações decorrentes de acidente de trabalho não sofrem a incidência do imposto de renda. No mesmo sentido, a disposição do art. 39, XVII do Decreto nº 3000/99, que isenta de imposto de renda toda e qualquer indenização por acidente de trabalho, entendendo-se estar abrangida a pensão mensal vitalícia.


Nega-se provimento.


II- Ação cautelar inominada nº 0000116-87.2011.5.04.0000. Em apenso.


A requerente pretendeu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto contra a sentença nos tópicos em que o julgador determina o pagamento de imediato, independentemente do trânsito em julgado da decisão. Assim, buscou sobrestar o pagamento de imediato da indenização por danos materiais no valor equivalente às despesas que se fizerem necessárias para aquisição e adaptação à prótese computadorizada (alínea “f” do dispositivo), bem como o pagamento da diferença entre o valor percebido pelo autor a título de benefício previdenciário (auxílio doença por acidente do trabalho) e a média mensal reconhecida de R$ 2.498,15 (alínea “b” do dispositivo).


Em decisão monocrática, este Relator acolheu parcialmente a pretensão liminar, determinando ao juízo da 4ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul, observe o efeito suspensivo concedido ao recurso ordinário interposto, no que se refere à concessão de nova prótese ao requerido (fls. 346/347 dos autos da cautelar em apenso).


Sobrevindo o presente julgamento do recurso ordinário, a Turma resolve absolver a reclamada quanto ao pagamento das diferenças entre o valor percebido pelo autor a título de benefício previdenciário (auxílio doença por acidente do trabalho) e a média mensal reconhecida de R$ 2.498,15,  razão pela qual a cautelar resta sem objeto. Confirma, contudo, a sentença quanto ao fornecimento da nova prótese de imediato.


Desta forma, julga-se improcedente a ação cautelar, cassando-se o efeito suspensivo anteriormente concedido ao recurso ordinário, no que tange à concessão de nova prótese ao requerido.


III – Prequestionamento.


Não se entende presente violação aos artigos eventualmente apontados, admitindo-se como prequestionados, mesmo quando não foram expressamente mencionados no acórdão, a teor da Súmula 297 do TST.


Ante o exposto,


ACORDAM os Magistrados integrantes da 3ª TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por maioria, vencido o Des. Ricardo Carvalho Fraga quanto ao dano moral e pagamento em parcela única da pensão, dar provimento parcial ao recurso ordinário da reclamada para: (a) absolver da multa de 1% e honorários advocatícios à razão de 20% sobre o valor da causa em face da litigância de má fé; (b) absolver do pagamento do dano material no valor de R$ 1.136.000,00 em parcela única, e determinar o pagamento de pensão mensal vitalícia no valor de R$ 1.440,27, devida desde a data do acidente, 16.09.08, devendo ser corrigida a partir de então pelo INPC, determinando-se que a reclamada constitua capital que assegure o pagamento das prestações; (c) reduzir o valor da indenização por danos morais, fixando-o em R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais) e danos estéticos, arbitrados em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), valores atualizados até esta data e juros serão computados a contar do ajuizamento da ação; (d) absolver da condenação em diferenças entre o valor percebido pelo reclamante a título de benefício previdenciário e a média salarial reconhecida.


Autoriza-se a dedução do valor de R$ 13.305,00, recebido a título de seguro de vida, dos valores das parcelas da pensão mensal vencidas, assim como das diferenças entre o benefício previdenciário e a remuneração média mensal, eventualmente já alcançadas ao reclamante em tutela antecipada. Caso o valor a ser abatido supere a soma das parcelas da pensão mensal já vencidas, o saldo será abatido em prestações mensais limitadas a 30% do valor da pensão, tantas quanto necessárias para quitação dos valores pagos antecipadamente.


À unanimidade, julgar improcedente a ação cautelar sob nº 0000116-87.2011.5.04.0000, em apenso, cassando-se o efeito suspensivo anteriormente concedido ao recurso ordinário, no que tange à concessão de nova prótese ao requerido.


Valor da condenação que se reduz para R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais).


Custas de R$ 40,00 (quarenta reais) sobre o valor dado a causa na ação cautelar de R$ 2.000,00 (dois mil reais), pela reclamada.


Intimem-se.


Porto Alegre, 1º de junho de 2011.


JOÃO GHISLENI FILHO


Relator



Informações Sobre o Autor

João Ghisleni Filho

Desembargador do TRT4


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