Com grande pressão e influência da mídia, especialmente televisiva, cresce a intenção popular de ver reduzida a menoridade penal, atualmente fixada em dezoito anos.
A previsão vem expressa no Código Penal, especificamente no artigo 27, com a seguinte redação: “Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”, com a redação dada pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984.
Em princípio, portanto, bastaria a edição de uma lei, para alteração do dispositivo do Código Penal, para que viesse a constar “Os menores de 16 (dezesseis) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.”
Poderia, porque existe expressa vedação à intenção imediatista de determinados grupos.
É que a legislação especial à qual faz referência o dispositivo do Código Penal, hipoteticamente alterado acima, é o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
No Estatuto da Criança e do Adolescente estão previstas as normas legais aplicáveis aos casos de marginalidade e criminalidade praticados pelos tutelados, quais sejam, as crianças e os adolescentes.
Quando menores, crianças com apenas 12 anos furtam carros em grandes centros, participam de seqüestros e comandam o tráfico, nada mais oportuno para politiqueiros de plantão que lutar pela diminuição da criminalidade, com redução da idade penal.
Cabe uma reflexão sobre o politiqueiro, aquele que não sabe o que é política ou sociedade. Ao operador do Direito, é imperdoável, ainda mais quando ousa enveredar pelo campo da política.
Mas, voltemos ao tema, para não pugnar pelo aumento de pena aos politiqueiros que praticam crimes.
Devemos definir, então, o que seriam crianças e adolescentes. Pelo que do diploma consta, as pessoas com idade inferior a dezoito anos.
Portanto, conclui-se que qualquer pessoa, em qualquer idade, estaria sujeito às penalidades decorrentes de seus atos, seja por aplicação do Código Penal do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ou quase. Menores de 12 anos não estão sujeitos à tutela de internação.
O que mudaria, é que no Código Penal as penas são variáveis de acordo com o potencial ofensivo do crime, sem limitação concreta de tempo (evidente que o operador do direito pode questionar a limitação penal fundada na concepção constitucional da dignidade da pessoa humana). Aplica-se penas de 20, 30, 100 anos, mas ela não é integralmente cumprida.
Já no Estatuto da Criança e do Adolescente, o prazo máximo de penalização, especificamente tratada de internação (medida sócio-educativa), tem limitação em três anos. E mais: quando o ilícito é cometido por menor, existe expressa limitação inclusive ao prazo de apuração, posto que após o infrator completar 21 anos, independentemente do que fez, não pode o Poder Judiciário atuar de qualquer modo, está prescrita a pretensão punitiva.
Daí a “revolta popular”, impulsionada e influenciada pela grande mídia.
É certo que não existe a tal revolta popular pela redução da menoridade penal, mas a onda de pânico decorrente de uma sensação de impunidade pela violência crescente, especialmente urbana, praticada por menores ou maiores, inimputáveis ou imputáveis.
Mas, o que deve ser considerado mesmo, é que não é tão simples assim reduzir a idade penal. Não se pode concretizar a tal redução com a edição de uma lei, alterando o dispositivo do Código Penal e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Não é a redução da menoridade penal que vai resolver o problema da violência e criminalidade crescente, perpetrada pelos ditos menores, especialmente adolescentes.
Como sabido, a lei tem sempre por escopo manter a harmonia social, tendo no Poder Judiciário o aplicador direto das mesmas, entidade de pacificação social, especialmente de modo a evitar a chamada “justiça pelas próprias mãos”. Necessária a existência de órgão a regular as relações sociais, aplicando-se os dispositivos legais existentes na hipótese para casos em concreto.
Há que ser considerado que a questão da menoridade penal envolve uma situação específica, estatisticamente apontada para uma minoria, uma pequena parcela. Os crimes cometidos pelos menores, representam uma parcela minoritária do quadro criminal pátrio. Pela crescente onda de criminalidade, temos que as pessoas, cada vez mais cedo, estão ingressando na marginalidade, seja social, seja criminal.
A solução, então, seria corretamente aplicar preceitos constitucionais e morais, com a finalidade de excluir do chamado grupo de risco marginal as crianças, interferindo positivamente na formação cada vez mais cedo, ofertando, especialmente, serviços de saúde e educação de qualidade.
E cada vez que um menor praticar um crime, então, deveria haver redução da idade penal? De tal modo, em alguns anos, os recém-nascidos já seriam penalmente imputáveis. Poderiam ser penalmente responsabilizados por eventual morte da mãe no parto? Absurdo.
Mais um pouco, e serão responsabilizados os fetos pelos descontroles e incômodos de algumas gestantes.
Não se pode trabalhar e reverter todo um aparato legislativo a alterar o ordenamento unicamente por uma pequena parcela de menores que são seduzidos pela vida marginal e criminosa. Há que se desenvolver a sociedade pela maioria, questão de preservação da democracia. A respeito, contrário à redução da menoridade penal, brilhantemente faz esclarecimentos sobre o tema o preclaro Doutor Dirceu de Mello, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, frisando que não se pode mudar os rumos da sociedade apenas pela incidência penal de uma pequena parcela de jovens. A maioria absoluta dos jovens está longe da vida criminosa.
Além disso, há que ser considerado que pela forma que está sendo apresentada a questão da redução da menoridade penal, a ela é absolutamente inconstitucional. Impossível reduzir a menoridade penal simplesmente pela edição de uma lei.
A Constituição da República Federativa do Brasil tem expressa previsão de inimputabilidade penal aos menores de dezoito anos, ao prescrever no artigo 228 que “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”
Ora, contrário ao que equivocadamente apresenta e tenta fazer crer a grande mídia, os menores de dezoito anos são sim puníveis, não pelo Código Penal, mas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O que a mídia tenta apresentar é uma questão equivocada, distorcida, sem apresentar os números da criminalidade por parte dos menores.
Inimputável não é impune. Inimputabilidade não é o mesmo que impunidade.
Resta, portanto, a questão legislativa de possibilidade de redução de menoridade penal pela edição de lei. Impossível.
Somente poderia ocorrer a redução de menoridade penal por intermédio de edição de emenda constitucional, ainda assim questionável.
Há expressa previsão constitucional de proteção especial às crianças e adolescentes, com atenção aos artigos 3º, III, 5º, 6º e 204. Também, de modo ainda mais incisivo, o artigo 227 coloca a obrigatoriedade da sociedade em geral, ali incluída família e Estado, a proteção e especial dedicação às crianças e adolescentes. Seria, então, a menoridade penal, um direito fundamental, uma cláusula pétrea?
Assim concebida a previsão temos é impossível a redução da menoridade penal, ainda que por emenda constitucional.
Conclui-se, portanto, que a busca pela redução da menoridade penal por intermédio de edição de lei, mostra-se inconstitucional, já que tal situação somente poderia ser efetivada com a edição de emenda constitucional, passível de discussão em sede de concepção de direito fundamental a questão de inimputabilidade penal aos menores de dezoito anos.
A questão enfrenta vedação na Constituição Federal no que concerne às cláusulas pétreas.
Interpretar a intenção de edição de lei de redução de menoridade penal à luz da Constituição Federal em relação à imutabilidade de cláusula pétrea, encerra qualquer possibilidade de busca pela redução.
A intenção de reduzir a idade penal para satisfazer apenas ao interesse de imediatismo e publicidade barata, não merece prosperar em um estado democrático de direito.
Investir em educação de qualidade, como meio a resolver os problemas de criminalidade, não é de interesse para aqueles que apenas buscam soluções paliativas. Mais vale, a tais, fazer de conta, do que simplesmente fazer.
O volume de ocorrências envolvendo cada vez mais menores, é reflexo de décadas de ausência e omissão estatal, que culminou com o comprometimento da família, sua célula inatingível.
No Brasil, existe um péssimo costume de resolver todo e qualquer problema com lei.
O costume poderia ser tolhido, mas haveria afronta ao processo legislativo e ao estado democrático de direito.
A possível solução para o problema da criminalidade de adolescentes e crianças, seria investir em uma fundação educacional para o procedimento de semi-internação, onde os menores infratores cumpririam suas penas, aí já aumentadas para até 5 anos.
No local, mais que internação, haveria estudo, profissionalização, equipes multi-profissionais (psicólogos, assistentes sociais, advogados, etc.), sempre perto da família, a qual necessariamente participaria do processo de recuperação, com visitas programadas.
Não basta criar um procedimento judicial especial para o menor, que, por vezes, acaba sendo jogado em uma instituição imprópria para a formação e habilitação ao convívio em sociedade.
A principal função do Poder Judiciário é a pacificação social. Na ausência de uma legislação eficiente, alicerçada por um aparato extra-judicial, resta ao menor infrator uma prisão disfarçada.
É certo que existem casos de superação, quando ex-internos vencem os próprios limites, com formação educacional que os levam aos mais altos graus da formação acadêmica.
Mas não é a estes que a lei deve ser observada, mas àqueles que representam efetiva ameaça à plena formação, por estarem na chamada “zona de risco”.
A zona de risco deve sair da estatística e entrar na efetividade da justiça.
Existe o preceito legal de que a família merece especial proteção do Estado, assim como ao menor.
Na prática, o que temos é a conivência geral ao castigo imposto aos menores.
Quando os pais não recebem a formação adequada, é evidente que os filhos também não receberão a devida formação. Ausente a formação, vem a atração pela vida criminosa, pela vida bandida, tão sedutora aos olhos dos incautos.
Diante de tudo quanto exposto, evidente que a busca pela redução da idade penal, apenas para satisfazer a alguns grupos, em nada vai alterar a situação da criminalidade infantil ou dos adolescentes. Não é uma lei que altera, ou deixa de alterar, mas ações de verdade.
Além disso, com a concepção de cláusula pétrea, a intenção de alteração constitui afronta que vicia a pretensão, sendo, portanto, inconstitucional.
Ainda que a redução da idade penal seja aprovada, está claro que os operadores terão que resolver a situação no Poder Judiciário, e uma avalanche de ações terão seu curso obstado pela invocação de inconstitucionalidade, que, inevitavelmente, vai parar no Supremo Tribunal Federal.
A única possibilidade de afastar a inconstitucionalidade, é entender que a previsão constitucional de 18 anos não é cláusula pétrea.
Em verdade, a Constituição Federal é lembrada, mas apenas como mais uma lei. Em momentos de turbulência, em momentos de relevância, por exemplo, quando completa 20 anos, vem mil elogios.
Falta, no entanto, a devida recepção daqueles que mais que todos deveriam guardar sua lição e aplicar o seu comando.
A Constituição Federal completa os seus 20 anos. Em meio aos reclamos eleitorais e eleitoreiros, na chamada “festa da democracia” (ou da demagogia?), temos a plena certeza do que a maioridade ainda está longe, e que muita discussão passará pelos anais da Justiça e do direito, dos estudantes aos pensadores.
Enquanto pensam, refletem e discutem, os menores continuam crescendo, na vida, na idade, e nos crimes.
Advogado
Pós-graduando em Direito Constitucional
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