Resumo: O presente trabalho monográfico busca investigar as atividades exercidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, bem como a sua importância por ser um ente administrativo com capacidade de intervenção estatal na economia, com poderes de regulação, normatização, controle e fiscalização no setor da saúde suplementar. A ANS e as demais agências reguladoras foram criadas há pouco mais de oito anos, sendo instituições novas que derivaram da reforma do Estado brasileiro e do processo de desestatização, onde tivemos a redução das atribuições do Estado, e pudemos observar a comprovação de que o Estado, ao desenvolver diretamente atividades econômicas de produção de bens e utilidades, se torna muito menos eficiente que os particulares. Justifica-se, portanto, a redução da prestação de serviços pelo Estado, mas com a criação da regulação das atividades desenvolvidas pelos particulares, caracterizando uma intervenção indireta do Estado nos setores regulados. Essa intervenção ocorre através das agências reguladoras, entidades autárquicas de natureza especial com poderes de regulação de um determinado setor, entre elas a ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar. A ANS tem a missão de promover a defesa do interesse público na assistência à saúde, regular as operadoras setoriais, inclusive nas relações destas com os consumidores e contribuir para o desenvolvimento da saúde no País. Assim, a ANS é um importante meio de intervenção estatal, pois busca a qualificação das empresas, dos agentes atuantes na produção de saúde, visando uma melhor prestação do serviço no interesse dos consumidores. Através de uma pesquisa essencialmente bibliográfica, trataremos destas questões, por meio de um estudo sobre a evolução do poder de intervenção do Estado, o surgimento das agências reguladoras, e especialmente sobre a Agência Nacional de Saúde Suplementar, analisando sua atuação e os limites que se impõem ao exercício do poder regulador.[1]
Palavras-chave: Intervenção estatal. Regulação. ANS.
Sumário: Introdução. 1. O poder de intervenção do estado no setor privado. 1.1. Abordagem Histórica. 1.2. Intervenção do Estado Brasileiro na Atividade Privada. 2. Agências reguladoras. 2.1. Origem. 2.2. As Agências Reguladoras no Brasil. 2.3. Natureza Jurídica. 2.4. Autonomia das Agências Reguladoras. 2.4.1 Autonomia administrativa. 2.4.2 Autonomia financeira. 2.4.3 Autonomia técnica. 2.5. O Poder Regulador. 2.6. O Poder Fiscalizador e Sancionador. 2.7. O Controle Exercido Sobre Sua Atuação. 2.7.1 Controle administrativo. 2.7.2 Controle pelo Tribunal de Contas. 2.7.3 Controle pelo Poder Legislativo. 2.7.4 Controle pelo Poder Judiciário. 2.7.5 Controle pelo Ministério Público. 2.7.6 Controle social. 3. A atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar. 3.1. O Direito à Saúde e a Atuação da Iniciativa Privada. 3.2. A Agência Nacional de Saúde Suplementar. 3.3. Amplitudes e Limites à Atuação da ANS. 3.2.1 Contrato de gestão. 3.2.2 Condições de entrada, permanência e saída. 3.2.3 Relações com o SUS. 3.2.4 Desafios do setor. 3.2.5 Controle e avaliação. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico tem como objeto de estudo a atuação das agências reguladoras, mais precisamente da Agência Nacional de Saúde Suplementar, a partir de sua atuação no setor de saúde suplementar, analisando-a e buscando mostrar diversos aspectos de sua atuação.
No decorrer da história moderna, o papel desempenhado pelos Estados no domínio econômico variou consideravelmente, passando do mais completo abstencionismo (liberalismo) a exagerada intervenção (welfare state).
No período do liberalismo, desenvolveu-se o modelo econômico baseado na livre iniciativa, na livre concorrência e na regulação privada, onde o Estado se limitava a garantir as condições necessárias para o funcionamento do mercado. Esse excesso de neutralidade, aliado a acontecimentos de ordem histórica como as duas grandes guerras mundiais e a crise econômica de 1929, redundou na derrocada do sistema liberal clássico, na segunda década do século XX, e no surgimento do Estado do Bem-estar Social.
O Estado Social, modelo político-econômico, que vigorou por boa parte do século XX, foi concebido com a finalidade de corrigir os desequilíbrios gerados pelo modelo liberal. Nesse modelo estatal o Poder Público abandona a postura de mero coadjuvante e assume diretamente diversos papéis no processo de desenvolvimento econômico, assumindo a responsabilidade pela execução de inúmeros serviços.
Ocorre que justamente por estar sobrecarregado com infindáveis atribuições, o Estado torna-se incapaz de desempenhar satisfatoriamente o seu papel na vida econômica e social e acaba mergulhando em uma crise profunda. Como reação, busca reduzir as suas estruturas de intervenção na ordem econômica e devolve para a iniciativa privada a execução de boa parte das atividades que, embora tenha tomado para si, historicamente foram desenvolvidas pelos particulares. Em síntese, o antigo Estado-produtor cede espaço para o atual Estado-regulador.
É nesse contexto que surgem as agências reguladoras. Neste novo cenário, em que predomina a atividade reguladora. O Estado brasileiro busca inspiração no modelo norte-americano e vem, paralelamente ao processo de desestatização, criando, por meio de lei, autarquias especiais incumbidas da função de disciplinar, normativamente, quer a atividade econômica propriamente dita, em setores estratégicos definidos pela Constituição e pela Lei, quer o serviço público, quando prestado em regime de concessão, permissão ou autorização.
A instituição das agências reguladoras no ordenamento jurídico brasileiro teve por premissa a criação de uma entidade jurídica técnica, especializada em determinado setor e independente de poderes políticos, caracterizada pelo vínculo existente com os Ministérios supervisores, integrantes da Administração Pública, que gozem de uma elevada autonomia e poderes específicos.
Dentre as agências criadas no sistema nacional, analisaremos a Agência Nacional de Saúde Suplementar, buscando apresentar a função da regulação no campo da saúde suplementar, enfocando a regulação da atividade econômica das operadoras de planos de saúde.
Por permissão constitucional, a iniciativa privada pode atuar na área da saúde, complementando o serviço público. A atuação privada ocorre pelo oferecimento de planos e seguros de assistência à saúde, que garantem o acesso dos consumidores aos médicos, clínicas, hospitais e laboratórios particulares.
A procura por contratos de planos e seguros de saúde privados tornou-se crescente, em face do sucateamento dos serviços prestados pelo Estado e o conseqüente sentimento de insegurança da população, relacionado à proteção da saúde. Como resultado, as pessoas tornaram-se dependentes dos planos privados, e passaram a uma situação de fragilidade e impotência, por isso necessitaram da atuação estatal, regulando e fiscalizando o funcionamento das operadoras de planos privados de saúde.
Em relação à metodologia utilizada na elaboração deste trabalho monográfico, do ponto de vista da abordagem do problema, segue uma abordagem qualitativa, pois verifica a atuação da ANS como forma de viabilizar seu poder regulatório, acarretando implicações de ordem prática na sociedade.
Com relação ao método jurídico de interpretação, foi utilizado o dedutivo, método próprio das Ciências Jurídicas, partindo-se de uma análise geral do tema, para uma particular, visando a obtenção do embasamento teórico necessário para o desenvolvimento do estudo proposto nessa pesquisa, pois primeiramente mostrou-se um histórico da intervenção do Estado no setor privado, em seguida, realizou-se um estudo geral das entidades reguladoras existentes no direito brasileiro, para, passada essa etapa, abarcar a atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar.
No que concerne à classificação da pesquisa com relação aos seus objetivos, realizamos uma pesquisa exploratória, pois o trabalho foi desenvolvido com a intenção de proporcionar uma reflexão acerca da atuação da ANS, tentando esclarecer as principais problemáticas advindas da sua atuação.
No tocante aos procedimentos técnicos, o estudo desse trabalho se realizou através de uma pesquisa essencialmente bibliográfica, pois foram consultadas diversas obras que apresentam uma interpretação do assunto, podendo-se citar os livros doutrinários, os artigos científicos, dicionários, artigos da internet e as publicações periódicas.
No que tange à divisão do trabalho, foi utilizada a seguinte divisão.
No primeiro capítulo, será feito um estudo acerca da evolução do papel intervencionista do Estado, enfatizando as peculiaridades do Estado brasileiro. Faremos algumas considerações sobre o Estado regulador, bem como uma análise do processo de reforma administrativa que culminou com a criação das agências reguladoras.
No desenvolver do segundo capítulo, realizaremos um amplo exame das agências reguladoras, destacando as questões mais importantes sobre essas entidades, a exemplo de sua origem, natureza, características, poderes e formas de controle.
No terceiro e último capítulo, que constitui o mais importante para que se concretize o objetivo principal desta pesquisa, abordamos a Agência Nacional de Saúde Suplementar, analisando suas características, o exercício do poder regulador que lhe é atribuído, buscando uma melhor compreensão do setor, das atividades desempenhadas pela entidade e os limites a sua atuação.
1. O PODER DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NO SETOR PRIVADO
1.1. Abordagem Histórica
Durante a Idade Moderna, nos tempos do Absolutismo, não eram reconhecidas as funções sociais do Estado. A sociedade moderna era dividida em classe dominante e classe trabalhadora, estruturada em uma ordem hierárquica que implicava na desigualdade entre os indivíduos, condicionada a uma diferenciação pelo nascimento.
O Estado Absolutista defendia a concentração do poder em uma pessoa, geralmente um Monarca, que exercia esse poder de maneira exclusiva e independente. O Soberano estava acima dos outros órgãos, quando existiam, ou concentrava todo o poder em si mesmo. Sua vontade era a lei, a que obedeciam todos os cidadãos. Ele também não podia ser submetido aos tribunais, pois os seus atos estavam acima de qualquer ordenamento jurídico.
A doutrina Mercantilista era a orientadora do Estado Absoluto, e se caracterizava por ser um conjunto de práticas econômicas desenvolvidas pelos Estados, entre elas a acumulação de metais preciosos, como ouro e prata, a alta cobrança de impostos, conjuntamente com o avanço das exportações e a restrição das importações, para obtenção de uma balança comercial favorável[2].
A partir dessa orientação, o Estado passou a ter um papel intervencionista na economia, implantando políticas econômicas protecionistas, com o objetivo de favorecer as atividades internas em face da concorrência estrangeira, contribuindo também para a criação dos monopólios estatais.
Essa situação despertou nos homens a insatisfação com as políticas adotadas pelos Estados e os incentivou a lutarem pelos seus direitos contra a intervenção do Estado na vida dos particulares em favor da economia nacional.
Despontaram como defensores da liberdade econômica e contra os ideais mercantilistas François Quesnay, Adam Smith, David Ricardo, entre outros. Buscavam liberdade para que os indivíduos pudessem agir sem a interferência do Estado. Surge como expressão dos liberalistas a máxima laissez-faire, laissez passer (deixem fazer, deixem passar), mostrando que o mercado deve funcionar sem interferência[3].
No ano de 1776 é publicado o livro A Riqueza das Nações, de Adam Smith, que traz uma investigação sobre a natureza e a causa das riquezas das nações, além de analisar as sociedades comerciais e os problemas na repartição do trabalho, na distribuição de renda e no acúmulo de capital[4]. Defendia Smith que o Estado só deveria atuar na economia quando a iniciativa privada não tivesse interesse em desenvolver a atividade, ou quando fosse impossível a prestação do serviço em regime concorrencial, sendo inevitável o monopólio estatal[5].
Neste mesmo ano acontece a Revolução Americana contra a política mercantilista da Inglaterra, que buscava acumular cada vez mais riquezas através da exploração das colônias, pela aplicação de medidas protecionistas. A Revolução acaba culminando na Declaração de Independência assinada em 4 de Julho.
O crescimento da atividade comercial, a expansão do capitalismo e da economia e a exploração de metais preciosos pelo mercantilismo proporcionaram um ambiente favorável para eclosão da revolução liberal, onde a burguesia, uma nova classe social, ganhava mais força e fazia frente à nobreza, que estava desprestigiada e descapitalizada.
Com as mudanças políticas e sociais que se processavam, a burguesia, em um momento ascendente, passa a ser uma classe dominante, e os seus reclamos por igualdade servem de base para o nascimento da ideologia liberal, criada pelo Iluminismo.
A Revolução Francesa de 1789, apontada como a maior conquista do liberalismo, traduziu a vitória da burguesia sobre a nobreza, e proporcionou a criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, e veio a figurar como a base da renovação estatal, propondo mudanças econômicas, políticas, sociais e filosóficas[6].
Consolidaram-se as idéias de que todos deveriam subordinar-se à lei, pois todos são iguais perante ela, e que o Estado deveria ficar de fora da iniciativa privada, sem interferir na economia, e incentivar a livre concorrência. Todos estes fatores contribuíram para o fortalecimento da burguesia, grande beneficiada com o novo modelo estatal.
Os ideais liberais serviram, portanto, para rejeitar os preceitos que conduziam os sistemas de governo da época, como o corporativismo, o feudalismo, o poder divino dos reis e o absolutismo, e incluíram o reconhecimento dos direitos individuais civis, a exemplo do direito à vida, à liberdade, à propriedade. Além disso, o liberalismo foi a primeira ideologia a reconhecer a economia como ciência, defendendo a livre concorrência, a lei da oferta e da procura, a economia de mercado e o trabalho.
O fim do Estado Absolutista é a primeira grande conquista do Liberalismo para o Direito, pois as idéias liberais serão, posteriormente, incorporadas nas constituições dos séculos XVIII e XIX, consagrando a defesa dos direitos à liberdade e à cidadania, e a atuação do Estado na limitação do poder econômico, para defesa da economia de mercado.
Como característica do Estado Liberal podemos notar que o mesmo era mínimo, não intervinha na economia, para confirmar a liberdade do mercado, estimulando o funcionamento livre da economia, sem a interferência estatal. O Estado era responsável por desenvolver atividades referentes à segurança, justiça e a prestação de serviços ditos essenciais. No dizer de Maria D’Assunção Menezello[7]:
“No século XIX acreditava-se que o Estado deveria abster-se de intervir no mercado, cuidando apenas dos direitos consagrados à pessoa humana distribuindo a justiça, preservando a propriedade e a ordem pública. Não havia, àquele tempo, a interferência direta do Estado na economia – ou no direito -, porque ambos seguiam diferentes caminhos, certos de que o Estado Liberal deveria afastar-se de qualquer intervencionismo.”
No entanto, observamos que o mercado era controlado pelos detentores de capital, os burgueses, controladores do poder, que, na luta pela liberdade, impunham à classe trabalhadora novas desigualdades sociais. Apesar da criação de institutos jurídicos, como o princípio da legalidade, propriedade privada, liberdade contratual, separação de poderes, voto censitário, todos com o objetivo de assegurar a liberdade dos indivíduos contra as práticas abusivas do Estado, o modelo liberal passa a não ter capacidade de responder aos apelos sociais.
O Capitalismo, sistema econômico no qual os proprietários dos meios de produção permitem que os seus produtos sejam comercializados em mercado, geralmente de natureza monetária, veio a se estabelecer como sistema predominante no desenvolvimento dos Estados Liberais e ocasionou a Revolução Industrial, causando um impacto no processo produtivo através das mudanças tecnológicas.
A agricultura foi superada, o trabalho humano substituído pelas máquinas, que intensificaram o processo de produção e fizeram surgir o fenômeno da produção em massa, mudando a relação entre o capital e o trabalho. Essas alterações acabaram tornando os conflitos sociais inevitáveis, pois os detentores de capital impunham aos trabalhadores a miséria, com péssimas condições de trabalho e baixas remunerações, já que a oferta de mão-de-obra era maior que a necessária para a produção industrial.
O Estado não tinha como proteger a classe trabalhadora das novas desigualdades sociais criadas pelo rápido crescimento econômico. Verificou-se, então, o aumento da injustiça social. Indignados com esta situação, os trabalhadores começaram a se associar para exigir melhores condições de trabalho.
Em face disto, surgiram os movimentos socialistas, que propunham a apropriação dos meios de produção pela coletividade e a abolição da propriedade privada, como forma de reduzir as desigualdades sociais e ter uma distribuição de renda eqüitativa. Neste sentido, preleciona D’Assunção Menezello[8]:
“em decorrência dos movimentos sociais resultantes do desenvolvimento industrial, começa a ser incorporada ao Estado outra tarefa: zelar pelas relações contratuais, para que fossem minimizadas as desigualdades entre as partes contratantes. Assim, torna-se visível a intervenção do Estado, resultando na ação política de tentar equilibrar as forças sociais.”
Não mais era exigido que o Estado se abstivesse em atuar na economia, agora a sua intervenção se tornava necessária, em face da crise social que ocorria, para que fosse garantido um mínimo de direitos aos trabalhadores. Nos ensinos de Paulo Motta[9],
“Da simbiose da Revolução Industrial com a Revolução Francesa surgiria o mais extraordinário período de desenvolvimento da espécie humana, o que somente seria possível com a eliminação, nunca total, das diferenças entre os seres humanos, agora não mais escravos, vassalos, proletários, mas sim Cidadãos, ou seja, Titulares de direitos subjetivos”.
Assim, o modelo de mercado e Estado Liberal entra em crise e passa a dar lugar ao Estado Social, ou do Bem-Estar Social, ou Welfare-State, ou ainda Intervencionista, um tipo de Estado que promove a proteção social e organiza a economia. Este atua como um agente regulamentador de toda a atividade social, política e econômica de um país, garantindo a prestação de serviços públicos e a proteção de sua população.
Este novo modelo de Estado surgiu no final do século XIX na Europa, mas desenvolveu-se após a crise de 1929, que gerou uma Grande Depressão econômica, finda somente após a Segunda Guerra Mundial, com o fim dos governos totalitários da Europa Ocidental.
O Estado Social passa a adotar medidas e práticas intervencionistas necessárias para o desenvolvimento econômico e social, atendendo ao pedido assistencial da população, que esperava por uma intervenção estatal que lhes garantisse condições mínimas de sustentabilidade. Desta forma, o Estado busca maneiras de balancear as desigualdades, tentando colocar os cidadãos que se encontravam em miséria em uma situação onde possam ter o mínimo para sobreviver. Esta é a sua principal diferença em relação ao Estado Mercantilista, pois a interferência deste último tinha fins unicamente econômicos.
Apesar do avanço legal trazido por leis, como a Constituição Alemã de 1919, que consagrava direitos sociais relativos ao trabalho, à cultura, à educação e reorganizava o Estado em função da sociedade, para todos os cidadãos, o Estado continua a praticar o deixem fazer, deixem passar, ideal inserido nas relações econômicas pelos Liberais.
O Estado se torna empresário e investe na criação de várias empresas públicas[10]. Assim, temos a origem das indústrias, empresas públicas e sociedades de economia mista, estas formadas com a junção do capital público e privado. O Estado também passa a investir grandes quantias para o desenvolvimento e modernização nos diversos setores que atua. Desta forma, além de cuidar da ordem social, que exige a aplicação de recursos, o Estado tem que desembolsar mais ainda para concretizar a sua atuação empresária, como nos ensina Menezello[11],
“verifica-se que começaram a surgir também movimentos nacionalistas que desembocaram na criação de várias empresas estatais monopolistas voltadas para a prestação de serviços públicos considerados essenciais para a coletividade. Com isso, intensificou-se o intervencionismo do Estado na economia, que permaneceu atuante até a década de 90.”
As medidas adotadas pelo Estado do Bem-Estar Social na ordem socioeconômica provocaram melhorias na condição de vida da população, o aumento da expectativa média de vida, e concessões de benefícios, tais como previdência, direitos trabalhistas, assistência social, educação, saneamento, oferecidos a todos indistintamente. Assim, o novo modelo estatal implicou numa imensa transformação estrutural, buscando-se alcançar os ideais de justiça, igualdade e liberdade, objetivo este não atingido com o modelo Liberal[12].
O Estado Intervencionista teve que desembolsar ainda mais dinheiro para executar diretamente as atividades sociais e econômicas que se propôs. Com o decorrer do tempo, o desempenho dessas atividades se tornou inviável, pois o Estado não tinha mais recursos para manter os projetos de satisfação da coletividade e estava sobrecarregado de responsabilidades[13].
O modelo de atuação estatal não conseguiu acompanhar as evoluções sociais por diversos fatores, entre eles: a multiplicação da população; a falta de manutenção do padrão de eficiência dos serviços prestados diretamente, sem o recebimento da devida contrapartida; o crescimento desmedido do aparelho estatal, através da criação das empresas, esgotando a capacidade de investimento, e ocasionando a deterioração do serviço público; e, por fim, o crescimento das dívidas externas e internas[14].
Todas as estruturas deste modelo estatal mostraram-se inúteis, o que acarreta o seu esgotamento. Associadas a isto, observamos também o crescimento da corrupção e a má gestão da coisa pública, facilitadas pela burocratização e pelo crescimento da máquina estatal. Além dos excessivos gastos com o exercício direto das atividades, o Estado ainda arcava com o escoamento do dinheiro público, de forma criminosa, para as contas dos agentes públicos[15]. Desta forma, podemos verificar o surgimento de uma nova modalidade de atuação estatal na economia, o Neoliberalismo, que implicou no nascimento do Estado Regulador.
O crescimento das atribuições estatais, entre outros fatores, levou ao esgotamento da capacidade estatal de investir no setor público, gerando um fenômeno denominado pela doutrina de “crise fiscal”. Assim, constatou-se o aumento das despesas públicas e o acúmulo de dívidas, que deixaram o Estado incapaz de custear as despesas essenciais, tornando-o insolvente.
A “crise fiscal” do Estado Social representou a deterioração dos serviços públicos e de sua estrutura, já que o Estado não conseguia investir ou mantê-la[16]. Assim, o pensamento liberal voltou a ser discutido e tido como o fundamento capaz de alterar este paradigma estatal.
Esse cenário mostrou-se ideal para a disseminação dos ideais neoliberais. O Estado deveria reduzir a sua atuação direta no campo econômico, diminuir suas obrigações, e permitir que o setor privado participasse da economia, e por reflexo, investir na revitalização de diversos setores. Para isto, o novo modelo de atuação estatal usaria da competência normativa que lhe é inerente para disciplinar o modo de agir dos particulares.
A doutrina econômica do Neoliberalismo passou a ser seguida a partir de 1980, com o ideal de defender a liberdade absoluta nas relações de mercado e a restrição da intervenção estatal na economia, que só deveria ocorrer em alguns setores de maneira diminuta.
O Neoliberalismo proporcionou ao Estado a diminuição da sua atuação direta e concretizou a globalização da economia. Podemos observar a integração econômica, social e cultural dos países com a unificação dos mercados, e o encurtamento das distâncias, através do desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicação, ou seja, o mercado econômico se internacionalizou e proporcionou maior agilidade nas relações econômicas, proporcionando estabilidade monetária, contenção de orçamento e concessões[17].
No entanto, assim como no século XIX, o afastamento do Estado abriu margem para novos problemas econômicos e sociais. A desigualdade social aumenta cada vez mais, assim como a desigualdade econômica entre os países ricos e os ditos “emergentes”. O capital, mais uma vez, é detido na mão de poucos, em detrimento da maioria.
Nos últimos meses vem sendo noticiada no mundo inteiro uma nova crise econômica mundial. O Estado neoliberal, com seu modelo de livre mercado, também vem demonstrando que não é o modelo econômico a ser seguido definitivamente, e apresenta atualmente sintomas de colapso. A não intervenção do Estado na economia tornou-a vulnerável, como também às relações entre particulares, o que acarretou uma crise de confiança no mercado mundial.
Surge, novamente, a necessidade de intervenção estatal no setor econômico, e decisões estão sendo adotadas nesse sentido pelos chefes de governo de muitos países. Na Europa, bancos estão sendo nacionalizados, nos Estados Unidos, empréstimos são concedidos pelo Estado aos particulares, no Brasil o governo injeta dinheiro no mercado e isenta o Imposto sobre Operações Financeiras nas relações com os estrangeiros, para facilitar a compra de moedas, e o mundo percebe que o Estado não pode deixar a economia a mercê do setor privado. Agora não basta apenas a sua intervenção indireta, este tem a responsabilidade e o dever de balizar as relações econômicas, protegendo-as de crises como a ocorrida na atualidade.
1.2. Intervenção do Estado Brasileiro na Atividade Privada
Durante a época colonial, vigorava no Brasil o mercantilismo. Portugal explorava as riquezas de nosso território, incluindo madeira, pedras preciosas e agricultura, como forma de proteção da sua economia. Ao contrário do ocorrido nos Estados Unidos, nenhuma reação contrária foi capaz de mudar esse sistema, por isso após a independência do Brasil, durante o Império, as práticas mercantilistas ainda eram adotadas.
Após a proclamação da República, o Brasil passou a adotar práticas liberais. No início do século XX até o final da década de 20 era o período das Repúblicas Oligárquicas no Brasil, que sustentavam a política do café-com-leite, com o predomínio das idéias liberais[18].
Em 1930, acompanhando a quebra da bolsa de Nova York de 1929, a política do café-com-leite entra em crise e culmina na Revolução de 30, onde em um golpe de Estado, Getúlio Vargas assume o governo do país, e implementa inúmeras alterações de ordem social e econômica.
Assim, a partir da Era Vargas o Estado passa a adotar medidas intervencionistas no plano econômico, buscando o desenvolvimento do país, com investimentos oriundos do poder estatal, aplicados na produção e circulação de bens, assemelhando-se ao modelo do Estado Social. Este sistema permaneceu até a década de 90[19].
As primeiras manifestações do Estado-empresário brasileiro se deram na década de 40, com a finalidade de suprir as deficiências do mercado interno, extremamente abalado pela segunda guerra mundial, pois a produção industrial nacional era incipiente e dependente das importações.
Com a intenção de substituir a política de importações, o Brasil deu o primeiro passo para a industrialização. Por ter uma iniciativa privada frágil, esse processo foi impulsionado pelo Estado, que ditava o ritmo e os setores beneficiados pelas políticas públicas de desenvolvimento. Na década de 40 observamos a criação das primeiras grandes empresas estatais, a exemplo, da Companhia Siderúrgica Nacional, da Fábrica Nacional de Motores, da Companhia vale do Rio Doce e da Companhia Hidrelétrica do São Francisco.
Na década de 50 o Estado-empresário continua a crescer embora em um ritmo mais lento, mas esse período ficou marcado por ser um curto período de redemocratização do país. Surgiram apenas duas estatais de peso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE, que posteriormente passou a ser conhecido por BNDES, e a Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás.
Nas décadas de 60/70 temos o avanço e o agigantamento das empresas estatais, principalmente após o golpe militar de 1964, sendo criadas mais de 300 estatais, a exemplo da Eletrobrás, Nucleobrás, Siderbrás, etc, sendo apontado em 1981 a existência no âmbito federal de 530 pessoas jurídicas de caráter econômico[20].
No entanto, seguindo a tendência mundial, o Estado Brasileiro enxergou a necessidade de redefinir seu papel de atuação na economia e passou a diminuir sua intervenção direta, como também a incentivar a iniciativa privada a participar da economia, adotando medidas para regulá-la.
As idéias globalizantes surgidas no final do século XX proporcionaram uma mudança na economia mundial, que necessitava de um dinamismo no capitalismo para alcançar e facilitar a relação com o mercado de outros países. A situação financeira dos Estados exigia mudanças, tanto na forma de prestação dos serviços públicos, como na titularidade.
Com o objetivo de alcançar os ideais neoliberais e modificar a estrutura estatal, o governo de Fernando Collor iniciou o Programa Nacional de Desestatização (PND), criado pela Lei Federal nº 8.031/90, posteriormente revogada pela Lei Federal nº 9.491/97, que tem como objetivos fundamentais, expostos em seu art. 1º[21]:
“I – reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;
II – contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida;
III – permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada;
IV – contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infra-estrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito;
V – permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais;
VI – contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa.”
Desta forma, o Programa Nacional de Desestatização (PND) vem enquadrar-se na tendência mundial de globalização e busca retirar o Estado da exploração direta da atividade econômica, utilizando-se das privatizações, descentralizando diversas atividades, estimulando o investimento privado com a desburocratização de sua estrutura, redefinindo a área de atuação estatal, reestruturando o setor público, para contribuir com o fortalecimento do mercado e diminuir a dívida pública.
O setor público encontrava-se sobrecarregado, os recursos, escassos, as empresas públicas ineficientes e mal geridas, com baixo nível de produtividade. Evidenciava-se a necessidade de privatização para que o processo de crescimento econômico pudesse ser retomado e a estabilidade financeira do setor mantida, com o objetivo de reduzir o déficit público, incentivar a competição e o desenvolvimento do mercado.
Para alcançar este fim, diversos programas de privatização foram instituídos e envolveram concessões ao setor privado e a venda de empresas públicas pertencentes aos governos federal, estadual e municipal, que caracterizaram a transferência e a descentralização da execução dos serviços públicos. Desta forma, o papel do Estado muda de produtor dos bens e serviços para o de regulador, papel este desenvolvido pelas agências reguladoras.
Assim, o Estado começa a atuar indiretamente na economia, desenvolvendo funções de fiscalização, regulação e planejamento, atuando de forma direta apenas em situações excepcionais, como disposto no caput do Art. 173[22] da Constituição Federal de 1988:
“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”
Nos ensina os professores Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[23] que:
“A atuação indireta do Estado na economia se dá de diversas formas, visando, em linhas gerais, a corrigir as distorções que se verificam quando os agentes econômicos podem atuar de modo totalmente livre (merecendo destaque a coibição à formação de oligopólios, de cartéis, à prática de dumping – venda de produtos por preços inferiores aos custos -, enfim, a vedação a qualquer prática contrária à livre concorrência).”
Portanto, o Processo de Desestatização Brasileiro tinha como objetivos a reorganização da postura do Estado na economia, a diminuição da dívida pública nacional por meio da alienação das suas empresas e a concessão de serviços ao setor privado, com o intuito de reduzir os gastos e investimentos no setor e aumentar as receitas tributárias, para assim, equilibrar as contas públicas.
A Constituição de 1988, com a previsão dos direitos e garantias fundamentais e a ampliação das atribuições sociais, havia sobrecarregado ainda mais o modelo de Estado empresário. A crise estatal levou várias empresas públicas à falência e ineficiência de suas estruturas. Para o Estado ficou muito pesado manter essas atividades, pois suas contas encontravam-se instáveis pela necessidade de investimentos constantes, que levaram à estagnação e prestação precária dos serviços.
Assim, verificou-se que o modelo estatal intervencionista impedia o crescimento econômico e social do país e que era necessário a redução das suas atribuições, devendo elaborar uma política de redefinição do seu papel. A idéia da participação mínima do Estado na economia, advinda do movimento neoliberal iniciado na década de 80, propôs a livre movimentação de capital por todos os países, a quebra das barreiras comerciais, e a extinção das restrições aos investimentos estrangeiros. Alexandrino e Paulo[24], asseveram que,
“a nova orientação econômica do Estado brasileiro, iniciada na década de 90, repousa na tese central de que o Estado é muito menos eficiente do que o setor privado quando desenvolve diretamente atividades econômicas em sentido amplo, abrangendo a prestação de serviços públicos propriamente ditos, a prestação de serviços de natureza puramente econômica e a exploração de atividades industriais e comerciais. Vale dizer, entende-se que o Estado não é eficiente quando produz, diretamente, bens ou utilidades.”
Estes argumentos, somados à situação do Brasil, e à atuação dos governantes acompanhando a tendência mundial de globalização, levaram a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND), que exigiu reformas constitucionais e legais capazes de modificar a atuação do Estado. Como afirma Maria D’Assunção Menezello[25],
“Para atender à lógica da transformação que o denominado Estado Neoliberal exige, houve a necessidade de realizar mudanças no texto constitucional a fim de adequar esse programa de liberação dos diversos setores da economia, que antes pertenciam exclusivamente ao Estado e que, por alteração na Lei Maior, puderam ser entregues à execução da iniciativa privada.”
O processo de privatização e concessão dos serviços públicos foi impulsionado pela globalização e teve a capacidade de aplicar ao Estado brasileiro uma nova forma de atuação estatal no setor econômico onde este interviria de maneira mínima, exercendo funções reguladoras na economia.
Com a finalidade de colaborar com a reforma administrativa do Estado brasileiro, o Governo de Fernando Henrique Cardoso determinou a elaboração do "Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado", que definiu objetivos e estabeleceu diretrizes para a reforma, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e para a descentralização, reorganizando as estruturas da administração com ênfase na qualidade e na produtividade do serviço público. O "Plano Diretor" serviu de base para as propostas de Emenda Constitucional que o Poder Executivo apresentou ao Congresso Nacional para as reformas nas áreas administrativa e previdenciária.
A reforma do Estado brasileiro ocorreu com a inserção no nosso ordenamento jurídico das Emendas Constitucionais nº 5, 6, 8 e 9 de 1995, que trouxeram mudanças estruturais muito importantes, como a extinção de determinadas restrições de capital estrangeiro, a flexibilização dos monopólios estatais, servindo de base para a criação de algumas agências reguladoras, como também a criação de leis que autorizaram a privatização de determinados setores[26].
Estas Emendas tinham como objetivo reformar a administração e preparar o Estado para atuar no mundo globalizado, e limitar as áreas de atuação em setores que exijam o uso de suas funções próprias, formando um “Estado Mínimo”.
A Emenda Constitucional nº 5, com a sua alteração, possibilitou aos Estados-membros explorar diretamente ou conceder à iniciativa privada os serviços locais de gás canalizado, que antes só poderiam ser exercidos por empresas de controle acionário estatal.
A extinção da restrição ao capital estrangeiro foi inserida na ordem econômica com a Emenda de nº 6, que revogou o Art. 171 da CF/88, que previa a empresa brasileira de capital nacional e todos os seus benefícios, como também trouxe a permissão para a pesquisa e lavra dos recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica por concessionárias.
As Emendas de nº 8 e 9 foram um marco da atuação estatal pela regulação, pois permitiram as concessões para a iniciativa privada no setor de telecomunicações e possibilitaram à união contratar com empresas públicas ou privadas a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos, a refinação do petróleo, e a importação e exportação dos produtos e derivados do petróleo. Criaram também os entes reguladores e fiscalizadores da telefonia e das atividades petrolíferas, possibilitando que o Estado mediasse as atividades do setor privado, estruturado através das agências reguladoras, passando a ser reconhecido como um Estado Regulador.
A admissão das privatizações entre todas as medidas tomadas para reformar a atividade estatal foi a que proporcionou a consolidação da redução da interferência estatal na ordem econômica, pois a partir dela a administração pôde transferir as suas obrigações para a iniciativa privada, utilizando-se de institutos como a concessão, permissão e autorização.
Outra medida constitucional que inseriu mudanças importantes na atuação estatal foi a Emenda nº 19/98, que trouxe modificações legais imprescindíveis para a modernização do Estado Brasileiro. Como exemplo, temos a estabilidade dos servidores, a gestão gerencial da administração, a participação dos usuários na administração, e a previsão de convênios, que dinamizaram assim a prestação dos serviços públicos, como também, a introdução do Princípio da Eficiência, importante avanço para a atuação da Administração Pública. Como pode ser observado, a Emenda nº 19/98 instrumentalizou as mudanças necessárias à remoção de obstáculos que a Constituição trazia à implantação plena dos postulados da Administração Gerencial. Por todos esses motivos, a referida Emenda Constitucional ficou conhecida como a Reforma Administrativa[27].
Os principais objetivos das reformas constitucionais do aparelho estatal foram: a busca por descarregar o Estado, descentralizando o exercício de atividades para a iniciativa privada, limitando a atuação estatal em áreas determinadas, onde sua presença era indispensável para gerar benefícios à sociedade; a adoção de uma política gerencial para habilitar a participação dos usuários; e a criação das agências reguladoras para normatizar os serviços concedidos.
Verificamos a importância das reformas da atuação estatal na economia e como as agências reguladoras vieram a ter um papel importante com esta alteração, pois passaram a deter o poder de regular as atividades econômicas produzidas pelos particulares, como também se tornaram um meio de intervenção indireta do Estado na economia, com funções de fiscalização, incentivo e planejamento, com base no artigo 174[28] da Carta Magna, que assim expressa:
“Art. 174: Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”
Assim, observamos que este dispositivo constitucional fundamenta a existência das agências reguladoras, como também guia a posição do Estado na condução da economia, devendo este agir como um agente normativo e regulador dos entes regulados, seguindo os preceitos deixados pelo poder constituinte através dos princípios constitucionais.
Possibilitaram o desenvolvimento da atividade estatal as reformas constitucionais mencionadas e as alterações no ordenamento jurídico nacional, com elas o Programa Nacional de Desestatização (PND) desenvolveu-se. Os princípios constitucionais marcaram, deste modo, a consagração do modelo de organização econômica de mercado, da propriedade privada, da liberdade de iniciativa e da livre concorrência.
O processo de desestatização retirou do Estado o dever de executar os serviços, sua função passou a ser de regulador e fiscalizador, devendo planejar a atuação das empresas concessionárias, mas sem prestar diretamente o serviço, e assim desempenhar as suas funções próprias sem nenhum entrave. Neste contexto, surgem as agências reguladoras, como personagens fundamentais do novo modelo estatal.
Os variados programas de privatizações realizados nas diversas esferas de governo, os programas de parcerias do setor público e privado, levaram à conclusão de como é importante o Estado privilegiar a participação da sociedade, para que os bens e serviços possam ser alcançados por todos, e que melhor é o Estado que trabalha em função da sociedade.
Assim, o Estado abandona a posição de monopolista para tornar-se um instrumento da sociedade, trabalha para ela, e deve buscar formas de tornar a prestação dos serviços mais barata e eficiente.
Nesse contexto as agências passam a regular o setor privado, ditando normas para os entes privados, que atuam na economia em substituição à administração. Os setores público e privado passam a se relacionar intimamente, e o Estado tem a competência de regular os mercados nacionais, garantindo a prestação dos serviços com eficiência e qualidade, e os particulares devem prestar os serviços seguindo os princípios constitucionais, os mandamentos legais, as normas dos agentes reguladores e o interesse da população.
Com o intuito de promover a regulação no país, foram criadas as seguintes agências reguladoras no âmbito federal: a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, pela Lei 9.472, de 1997; a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, pela Lei 9.427/96; a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, pela Lei 9.478/97; a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, pela Lei 9.782/99; a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, pela Lei 9.961/00; a Agência Nacional de Águas – ANA, pela Lei 9.984/00; a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, ambas criadas pela Lei 10.233/01; a Agência Nacional do Cinema – ANCINE, criada pela Medida Provisória 2.228-1 de 2001; a Agência Nacional da Aviação Civil – ANAC, criada pela Lei 11.182 de 2005.
No âmbito estadual também podemos observar a criação de agências reguladoras, a exemplo do Ceará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que preferiram instituir um único ente regulador para atuar em diversas áreas, ou o exemplo da Paraíba e São Paulo, onde foi verificado o estabelecimento de agências especializadas, a imitar o sistema federal, onde cada setor concedido tem um ente regulador próprio.
Apesar de todas as medidas neoliberais adotadas, o Estado Brasileiro, principalmente levando-se em conta os atuais governos, continua adotando práticas características do Estado Social, apresentando um misto entre esse sistema e o neoliberalismo. Conforme explica Menezello[29],
“Atualmente, vivenciamos uma dinâmica a cada dia em que o Estado controla os setores-chaves ou estratégicos (…), e abstém-se na prestação do serviço para ser presente na regulação e na fiscalização da operação dessas atividades.”
Assim como o Estado do Bem Estar Social, os últimos mandatos do Presidente Lula privilegiaram medidas de cunho social, através da criação de programas como o “Fome Zero” e o “Bolsa Família”. Isto, no entanto, não significa que o mesmo abandonou as práticas neoliberais, do contrário, em 2005 foi criada a Agência Nacional da Aviação Civil – ANAC, atuando no setor privado em substituição à administração direta.
2. AGÊNCIAS REGULADORAS
2.1. Origem
A criação das agências reguladoras como autarquias autônomas destinadas à regulação, integrando a estrutura administrativa do Estado, encontra seu fundamento no direito de países estrangeiros, onde a regulação é desenvolvida desta maneira há bastante tempo, sendo trazida para o direito nacional há pouco mais de dez anos.
Foi na Inglaterra, a partir de 1834, que utilizou-se a palavra agência para caracterizar um ente regulador de determinada atividade econômica. Esses entes eram criados para concretização dos mandamentos legais e resolução das controvérsias deles resultantes.
Mas foi nos Estados Unidos que se consolidou o sistema de regulação econômica desenvolvido por órgãos autônomos. Influenciado pela colonização Inglesa, os americanos adotaram o sistema de regulação em 1887, mas com a Depressão Econômica de 1930 várias agências foram criadas para intervir e reestruturar a economia americana, que sempre foi baseada no pensamento Liberal.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho[30] nos mostra em seu estudo sobre as agências que,
“Nos Estados Unidos, desde o século XIX surgiram entes descentralizados, de função regulatória de atividades especificas. O primeiro destes foi a Interstate Commerce Commission, instituída em 1887. (…) São genericamente chamadas de agencies. Esse termo, segundo define a Lei dos Procedimentos Administrativos (Administrative Procedures Act, de 1946), designa todo ente que participe da “autoridade do Governo dos Estados Unidos (…) com exclusão do Congresso e dos Tribunais”.
As agências reguladoras no Direito Americano são figuras de fundamental importância. Hoje está consolidado um modelo regulatório independente, com poderes que lhes dão competência para emitir normas e decidir os conflitos nas relações econômicas, e responsabilidade direta na execução das leis, chegando a ser consideradas por alguns juristas americanos como um quarto ramo do governo, “miniaturas de governo independente” [31].
Já na França os entes reguladores foram concebidos após o processo de desestatização, estão ligados à administração pública, especificamente aos órgãos ministeriais, com funções que vão além da regulação da economia, a exemplo, à proteção dos direitos fundamentais, mas o seu poder de normatização está abaixo da lei.
2.2. As Agências Reguladoras no Brasil
Através das privatizações, do Programa Nacional de Desestatização e das Reformas Constitucionais, muitas atividades exercidas diretamente pelo Estado passaram a ser executadas pela iniciativa privada, e observamos que a postura estatal muda, não sendo mais um Estado prestador de serviços, mas agora fiscalizador do exercício dessa prestação pelos particulares.
A criação das agências reguladoras no sistema jurídico brasileiro como parte da Administração Pública representa uma novidade, pois a Constituição Federal, quando outorgada, não fazia menção à sua instituição. A partir das emendas constitucionais, o legislador concedeu poder de normatização a estes entes integrantes da administração indireta de uma maneira nunca vista, dando-lhes autonomia administrativa, financeira e patrimonial, com o objetivo de obter uma Administração pública gerencial e eficiente. Nos ensinamentos do Professor Manoel Gonçalves[32], as agências
“Constituem-se, pois, como autarquias que são, em entes descentralizados da Administração Pública, com personalidade jurídica de direito público, com autonomia, inclusive no tocante à gestão administrativa e financeira, patrimônio e receita próprios, destinada a controlar (regular e fiscalizar) um setor de atividades, de interesse público, em nome do Estado brasileiro.”
As agências reguladoras nasceram da necessidade de regular e fiscalizar as atividades econômicas que o Estado exercia em regime de monopólio e os serviços públicos delegados aos particulares, devendo garantir a normalidade e eficiência na prestação dos serviços e atividades não mais realizadas diretamente pelo Estado.
O primeiro ente regulador instituído no Brasil foi a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, através da Lei 9.427 de 1996, com a finalidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica no país. Exerce funções próprias do poder concedente, anteriormente exercida pela administração direta. É dirigida por um órgão colegiado com a presença de um diretor-geral e quatro diretores, todos nomeados pelo Presidente da República.
Em 1997 foi criada a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, pela Lei 9.472. Sua criação está intimamente ligada ao processo de reforma estatal, e caracteriza-se por ser um órgão autônomo com a responsabilidade de regular e fiscalizar os serviços de telecomunicações, também incumbida de desempenhar as funções do poder concedente. Sua direção é feita por um conselho diretor nomeado pelo Presidente da República.
Da mesma forma, foi estabelecida a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, pela Lei 9.478/97, com a finalidade de ser um ente regulador da indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis. Dirigida por um órgão colegiado nomeado pelo Presidente, mediante prévia aprovação do Senado Federal.
Estas três agências reguladoras marcaram o início do processo de regulação, pois foram os primeiros entes criados com esta finalidade e serviram de base para as criadas posteriormente.
Já em 1999 tivemos a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, através da Lei 9.782, com o objetivo de promover a proteção à saúde da população, com o controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços, como também dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias usadas na produção, e o controle sanitário dos portos, aeroportos e fronteiras. É uma agência que detém o poder de polícia, dirigida por um órgão colegiado com cinco membros.
No ano 2.000, dois entes foram instituídos, um deles a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, pela Lei 9.961, com a finalidade de regular e fiscalizar a prestação dos serviços de saúde por particulares, e assim defender o interesse público na assistência suplementar à saúde, com o poder de polícia que lhe é atribuído. É dirigida por um diretor-presidente e até mais quatro diretores, nomeados pelo Presidente da República.
Neste mesmo ano tivemos também o surgimento da Agência Nacional de Águas – ANA, pela Lei 9.984, com a responsabilidade pelo gerenciamento dos recursos hídricos. É uma agência de regulação do uso de bem público, como nos mostra a doutrina. Sua diretoria é composta por cinco membros nomeados pelo Presidente da República.
Em 2001 houve a criação da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, pela Lei 10.233/01, com o objetivo de regulação de suas esferas de atuação, para garantir o transporte de pessoas e coisas com eficiência, segurança, conforto, pontualidade, e modicidade nos fretes e tarifas, como também harmonizar o interesse público com o dos particulares prestadores do serviço. A ANTT regula os transportes terrestres ferroviário e rodoviário, suas funções são próprias do poder concedente e é dirigida por órgão colegiado com cinco diretores. A ANTAQ também exerce funções específicas do poder concedente e é dirigida por órgão colegiado formado por três diretores.
A Agência Nacional do Cinema – ANCINE, criada pela Medida Provisória 2.228-1 de 6 de setembro de 2001, tem o objetivo de regular e fiscalizar a indústria cinematográfica e videofonográfica brasileira. Assim, a ANCINE é uma agência de fomento dirigida por quatro diretores, que compõem seu órgão colegiado. A doutrina nos mostra um debate sobre a inconstitucionalidade da criação deste ente, por ter se dado através de Medida Provisória, já que a Carta Magna em seu art. 37, XIX, proíbe a criação de autarquias por esta espécie normativa.
Em 2005 tivemos a criação da Agência Nacional da Aviação Civil – ANAC, através da Lei 11.182, com a finalidade de regular e fiscalizar as atividades da aviação civil e de infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária, sendo o último órgão regulador criado no Estado brasileiro.
As agências reguladoras não estão restringidas à criação e atuação na esfera federal, podem ser criadas na estrutura administrativa dos Estados e Municípios, com competência para atuação mais limitada do que as entidades federais.
2.3. Natureza Jurídica
A Administração Pública, no exercício de suas atividades, divide-se em Direta e Indireta. A Administração Direta é aquela exercida pela União, Estados e Municípios de maneira centralizada, caracteriza a atuação direta do Estado, por meio de seus órgãos e sob sua exclusiva responsabilidade. A Administração Indireta é caracterizada pela descentralização, que ocorre na transferência de competências administrativas, titularidade ou execução, por outorga ou delegação, a autarquias, fundações, empresas estatais, empresas privadas ou particulares individualmente. A outorga ocorre quando o Estado cria uma entidade e por lei transfere a titularidade de um determinado serviço público; e a delegação se dá quando o Estado transfere por contrato ou ato unilateral a execução do serviço, por conta e risco do delegado, nas condições estabelecidas e mediante controle estatal.
As agências reguladoras brasileiras são entidades integrantes da Administração Pública Indireta, sob a forma de autarquias, possuindo personalidade jurídica de direito público. Podemos observar que a forma autárquica é atribuída no diploma normativo criador de todas as agências existentes no direito pátrio. Alexandre Mazza[33] afirma que,
“(…) as agências possuem natureza jurídica de autarquias, menos porque o legislador as tenha assim definido, mais em razão de desenvolverem atividades que são próprias do Estado.”
O conceito de autarquia não é bem definido no sistema administrativo nacional, mas alguns diplomas normativos a conceituam, a exemplo dos Decretos-lei n. 6.016, de 1943 e o de n. 200, de 1967. E todos os doutrinadores apresentam conceito para estas entidades, a exemplo de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[34], para quem autarquia é uma,
“Pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de auto-administração, para o desempenho de serviço público descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos limites da lei.”
Assim, podemos verificar que as agências reguladoras, como autarquia que são, foram entidades criadas para desempenhar descentralizadamente funções típicas de Estado, como exemplo, regulação, fiscalização, e intervenção na economia e em serviços públicos.
As agências reguladoras possuem personalidade jurídica de direito público, que lhes permite titularizar as tarefas atribuídas por meio de lei. Aliás, como autarquias, sua criação sempre ocorre mediante lei especifica, conforme o disposto no art. 37, XIX da CF/88, mas seu caráter autárquico ocorre devido às atribuições que lhe são inerentes, e não por causa das leis instituidoras dessas entidades. Como as demais autarquias, possuem capacidade de auto-administração, o que caracteriza o grau de independência desses entes.
A natureza jurídica de autarquia concedida às agências derivou das tarefas atribuídas a essas entidades, que por exigirem uma atuação técnica e especializada, necessitavam de autonomia para o exercício de suas atividades, autonomia conseguida com a forma autárquica que lhe é concedida.
As agências reguladoras não são autarquias comuns, mas são entidades dotadas de um regime especial, imposto por lei, que lhes dá privilégios específicos capazes de garantir mais autonomia do que as de uma autarquia comum. Como traço marcante desse regime especial, observamos a independência das agências em relação ao poder público que lhes dá autonomia política, administrativa, econômica e financeira, garantindo que ao desempenhar suas funções, estes órgãos não serão submetidos à Administração Direta. Conforme nos ensina Alexandre de Moraes[35],
“No Brasil, as Agências Reguladoras foram constituídas como autarquias de regime especial integrantes da administração indireta, vinculadas ao Ministério competente para tratar da respectiva atividade, apesar de caracterizadas pela independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade; ausência de possibilidade de demissão ad nutum de seus dirigentes e autonomia financeira.”
É atribuída independência às agências para que não sejam submetidas à ingerência do poder estatal, ou seja, com o objetivo de vedar a influência política e atos de governantes que possam interferir na direção das entidades reguladoras e do setor regulado, para que, desta forma, os objetivos essenciais dos entes reguladores sejam cumpridos.
Por possuírem representação jurídica e orçamentária própria, estas entidades independentes do poder central têm mais autonomia do que as autarquias convencionais, que são excessivamente vinculadas a quem lhes institui e dependentes de suas decisões.
A independência desses entes também se dá em relação às entidades econômicas reguladas, pois pela área de atuação e complexidade da atividade regulatória, as agências podem tomar atitudes que contrariem o interesse das empresas reguladas em face do interesse público e do cumprimento dos seus objetivos de acordo com os mandamentos legais.
Mas a independência das agências não é absoluta, uma vez que suas decisões devem estar fundamentadas no ordenamento jurídico nacional e podem ser alvo de fiscalização pelo Poder Judiciário. No exercício de suas atividades, esses entes devem buscar alcançar sua finalidade legal, podendo sua atuação ser objeto de controle por diversos órgãos.
Caminhando conjuntamente com a independência, outra característica que se faz notória é o poder normativo atribuído às agências reguladoras, que revela-se pela edição de normas, construídas por critérios técnicos, com o objetivo de regular o setor de atuação.
A competência para edição de atos normativos que regulem determinado setor é objeto de controvérsia doutrinária, por exemplo, para Di Pietro[36],
“só as agências previstas constitucionalmente teriam competência para exercer o poder normativo, desta forma, só a ANATEL e a ANP seriam capazes de editar normas de regulação de um determinado setor;”
Mas esse entendimento é alvo de crítica, pois as leis instituidoras dos entes reguladores conferem competência normativa.
Assim, negar que os entes reguladores têm competência para a edição de normas é negar a existência das agências para o direito brasileiro, pois a capacidade técnica dessas entidades lhes confere poder de atuação específico e direcionado na seara econômica, tendo os seus atos maior capacidade de intervenção do que os emanados pelo Poder legislativo, que detém caráter genérico. Salienta Cuéllar[37], que:
“Importa destacar que a ação disciplinadora dos entes reguladores tornar-se-ia inócua e restariam frustradas as razões de sua instituição, se tais órgãos se restringissem à prática de atos repressivos, por exemplo, sem poder elaborar normas de caráter geral, veiculatórias de sua política econômica. Tampouco seriam úteis na hipótese de configurarem mera “reprodução”, com denominação diversa, das tradicionais autarquias. Verifica-se, portanto, que as agências reguladoras precisam dispor de meios de atuação, de poderes compatíveis com as funções que lhes foram outorgadas”.
Desta maneira, verifica-se que ao editar atos normativos, as agências devem observar os limites aos preceitos constitucionais, ao sistema de tripartição dos poderes e aos princípios da administração pública. Além disso, as normas criadas devem ser da competência de cada entidade reguladora, de caráter infra-legal, guiadas pela especificidade de cada ente.
Outra característica das entidades reguladoras é a atribuição para solução de conflitos, que pode ser entre os agentes regulados, entre estes e os usuários, ou ante ao poder público. Este atributo também é bastante discutido na doutrina, tendo em vista a existência do Poder Judiciário e o princípio da jurisdição estatal.
O poder de dirimir questões é privilégio dado às agências por suas leis instituidoras, que garante a solução administrativa dos conflitos no âmbito de cada ente. Mas a atividade julgadora exercida pelas entidades reguladoras tem caráter administrativo e não afasta do judiciário a apreciação do litígio. Assim, podemos utilizar mais uma vez os ensinamentos de Cuéllar[38],
“Ademais, obviamente os regulamentos são passíveis de se submeter a controle por parte do Poder Judiciário, tanto no que tange à possibilidade de sua emanação quanto em relação ao seu conteúdo. Em outras palavras, há de se preservar a essência do sistema de “cheks and balances”, de modo a possibilitar o controle do título competencial detido pela entidade que emana o provimento regulamentar, assim como quanto ao seu conteúdo. Esse controle, na medida em que se impõe a atos administrativos com a natureza jurídica normativa de provimentos gerais e abstratos, pode ser exercitado da forma concentrada – controle objetivo – e difusa – controle subjetivo. Assim, um regulamento emanado por uma agência reguladora federal, cujas normas espalhem-se pelo território nacional, pode tanto ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade quanto ser atacado em mandado de segurança, pela pessoa que se vir prejudicada concretamente pelo provimento”.
Às agências é atribuído o poder de arbitragem para compor conflitos que ocorram na sua esfera de atuação, e das suas decisões não cabe apreciação ou revisão por outro ente da Administração Pública.
Assim, podemos verificar a definitividade administrativa das decisões proferidas pelas agências, outro traço característico dos entes reguladores. Desta maneira, quem tiver uma decisão desfavorável emitida por uma agência, não pode buscar em nenhuma instância administrativa a revisão deste feito, nem mesmo no Ministério ao qual a entidade é vinculada, pois a relação existente entre eles é de mera vinculação, não estando os entes reguladores subordinados hierarquicamente. Vale ressaltar que mesmo sem a existência de vínculo hierárquico, se previsto na legislação específica, será juridicamente possível a instituição de recurso para o Ministério, ao qual a agência é vinculada, em face do vínculo de tutela.
Por isso, podemos afirmar que as decisões tomadas pelas agências têm força de coisa julgada administrativa, não tendo viabilidade os recursos interpostos perante outras autoridades administrativas, ou ao Ministério ao qual o ente é vinculado.
Entretanto, como afirmado anteriormente, estas decisões não podem ser afastadas de apreciação pelo Judiciário, pois a atividade exercida por este poder é soberana e não pode se limitar ao poder administrativo, ou seja, a impossibilidade de apreciação recursal de matéria solucionada administrativamente só se impõe à esfera administrativa.
No ordenamento jurídico brasileiro prevalece o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CF/88. Desta maneira, as decisões administrativas tomadas pelas agências reguladoras são passíveis de apreciação judicial, cabendo à parte inconformada provocar o judiciário para analisar seu conflito. Afirma o professor Aragão[39],
“Em relação ao Poder Judiciário, a independência dos órgãos e entidades dos ordenamentos setoriais não pode, pelo menos em sistemas que, como o nosso (art. 5º, XXXV, C.F.), adotam a unidade de jurisdição, ser afirmada plenamente. Em tese, sempre será possível o acionamento do Judiciário contra as suas decisões. Todavia, em razão da ampla discricionariedade conferida pela lei e ao caráter técnico-especializado do seu exercício, prevalece, na dúvida, a decisão do órgão ou entidade reguladora, até porque, pela natureza da matéria, ela acabaria deixando de ser decidida pela agência, para, na prática, passar a ser decidida pelo perito técnico do Judiciário. O Poder Judiciário acaba, portanto, em razão de uma salutar autolimitação, tendo pouca ingerência material nas decisões das agências, limitando-se, na maioria das vezes, como imposição do Estado de Direito, aos aspectos procedimentais assecuratórios do devido processo legal e da participação dos direta ou indiretamente interessados no objeto da regulação.”
Diante do que foi exposto, podemos concluir que as agências reguladoras brasileiras são entidades integrantes da Administração Pública Indireta, que possuem natureza jurídica de autarquia em regime especial, e que os traços característicos dessas entidades constituem o diferencial delas para com as autarquias comuns.
2.4. Autonomia das Agências Reguladoras
As agências reguladoras são autarquias de regime especial, criadas para dar conveniência ao modelo de intervenção estatal. São entidades que contam com a especialidade, pois são entes técnicos, não políticos, com competência para dispor sobre determinados assuntos e proceder fiscalização no setor de atuação com autonomia.
As vantagens proporcionadas por esses entes são a não participação direta do Estado em determinadas situações, gerando para estas entidades uma responsabilidade na área em que atuam, como também, um nível de especialização na prestação dos serviços, e autonomia financeira, para assim, fornecer aos interessados celeridade na execução dos serviços.
Um risco da atividade prestada pelas agências é a captura dos entes pelos agentes regulados, que se configura quando o ente administrativo perde a autoridade, e deixa de produzir em favor da coletividade e passa a realizar ações em favor dos órgãos empresariais regulados, configurando um desvio de finalidade dos agentes reguladores, que pode ser evitado pela realização de um controle efetivo nessas pessoas administrativas.
Uma característica relevante das agências é a especialidade, pois cada ente atua na área em que sua lei criadora determinar, assim é difícil de se conceber uma uniformização entre os entes, já que se tratam de entidades singulares, embora tenham vários pontos em comum. A Lei Federal nº 9.986/00 tentou uniformizar essas entidades, dispondo sobre a gerência dos recursos humanos dos entes reguladores.
A Lei nº 9.986/00 estabelece a maneira que se dará a investidura nos cargos existentes nas agências reguladoras, devendo ser mediante concurso público, e as relações de trabalho regidas pela Consolidação das Leis Trabalhistas. A lei ainda estabelece que as agências serão dirigidas por um órgão colegiado, e os requisitos exigidos para o exercício do cargo de dirigente, devendo a nomeação ser feita pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal. Também é prevista a criação de uma Ouvidoria.
Vale ressaltar, a criação da Lei 10.871 de 20 de maio de 2004, que revogou alguns artigos da referida lei e dispõe sobre a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das autarquias especiais denominadas Agências Reguladoras, e dá outras providências, como também o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2135, onde o STF, através de medida cautelar, declarou a inconstitucionalidade da alteração do caput do art. 39, CF/88, pela Emenda 19/98, que permitia a adoção do regime celetista, permitindo a contratação de servidores na esfera federal pelo regime único e pelo celetista, desta forma, a partir da medida cautelar fica proibido a Administração Direta, autárquica e fundacional a contratação de servidores pelo regime celetista.
Apesar das diferenças existentes em cada entidade, existem traços característicos comuns que as compõem, a exemplo da autonomia administrativa, que se dá pelo mandato fixo dos dirigentes, concedido mediante aprovação do Senado Federal; a autonomia financeira, pela cobrança de taxas de fiscalização sobre os agentes fiscalizados, ou pelo recebimento de percentuais de participação em contratos; e a autonomia técnica, que ocorre pela existência de pessoal técnico especializado na área de atuação da agência, com a finalidade de acompanhar o desenvolvimento tecnológico da área.
2.4.1 Autonomia administrativa
A autonomia administrativa das agências reguladoras é reconhecida pela personalidade jurídica conferida a esses entes, personalidade esta, conferida pelas leis de criação, que lhes garante capacidade de contratar, contrair obrigações e adquirir direitos em nome próprio, de acordo com o ordenamento jurídico, dotando as agências de independência gerencial, como também, assegura a nomeação dos dirigentes pelo Poder Executivo, a detenção de mandato fixo, estabelecido nas leis instituidoras e a impossibilidade de exoneração ad nutum dos diretores, salvo pelo cometimento de falta grave apurada mediante processo.
A independência gerencial das entidades reguladoras ocorre pela separação desses entes da classe política, para se ter transparência nas relações, com o objetivo de prestar serviços eficientemente, atendendo aos anseios sociais. A agência deve ter independência suficiente para se opor aos interesses dos governantes, devendo agir como um instrumento de implementação de políticas governamentais, por ser uma entidade do Estado, e não de um determinado governo[40].
A estabilidade dos dirigentes das agências é outra manifestação da autonomia administrativa destes entes. A impossibilidade de exoneração ad nutum de seus dirigentes é uma forma de assegurar a independência das entidades, para garantir a segurança jurídica dos agentes regulados e a preservação dos atos regulatórios. O mandato fixo, seguindo o prazo estipulado na lei, gera para os dirigentes autonomia para o exercício da função, sem que as mudanças de governos possam interferir na condução das entidades, preservando a independência do ente, só podendo o diretor ser exonerado pelo cometimento de fato grave apurado mediante processo, assegurado o contraditório. Nos ensinos de Araujo[41],
“Característica das agências reguladoras que as diferencia das demais autarquias seria o fato de seus dirigentes serem detentores de mandato. Isso significa que não são exoneráveis ad nutum pelo Chefe do executivo, o que configura certa independência “política” em relação ao governante, pois só poderiam deixar tais cargos voluntariamente, ou ao final do mandato, ou por destituição, nos termos da lei e de seus estatutos, como nas empresas públicas, sociedade de economia mista e fundações.”
Outra forma de manifestação da autonomia das agências se dá pela previsão nas leis instituidoras dos entes reguladores de um “período de quarentena”, reconhecido como a impossibilidade dos dirigentes das entidades reguladoras de prestarem serviço, direta ou indiretamente, pelo prazo de um ano, a qualquer tipo de empresa que tenha se submetido a sua regulamentação ou fiscalização. Enquanto estiver impedido, o ex-dirigente tem assegurado o direito à remuneração equivalente a que recebia no exercício de suas funções.
Na esfera federal, foi criada a Lei nº 9.986/00 que teve por objetivo dispor sobre a administração dos recursos humanos nas agências reguladoras. O art. 1º da referida lei federal determina a adoção da Consolidação das Leis Trabalhistas e legislações correlatas para reger as relações de trabalho na entidade, sendo os cargos preenchidos na forma de emprego público. A Lei 10.871 de 2004, não revogou este artigo, mas propôs a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das agências reguladoras. Como afirmado anteriormente, o STF revogou a alteração feita no caput do art. 39, pela EC 19/98, assim hoje está impossibilitada a Administração Direta, autárquica e fundacional de contratar servidores pela CLT.
A Lei nº 9.986/00 veio confirmar o que antes era aplicado, e fixar que: os diretores das agências devem ser nomeados pelo Presidente da República, mediante aprovação do Senado Federal e os requisitos para a ocupação do cargo; o período de quarentena, impondo ao ex-dirigente, após o cumprimento do mandato, a não prestação de serviço, por um período de quatro meses, no setor público ou nas empresas reguladas pela agência em que exercia sua atividade; e a estabilidade dos diretores, que só perderão o cargo mediante renúncia, condenação judicial transitada em julgado ou processo administrativo.
2.4.2 Autonomia financeira
A autonomia financeira é dada às agências através de dotações orçamentárias gerais e pela arrecadação de rendas, que pode ocorrer por meio das taxas de fiscalização e regulação, ou por participação em contratos e convênios. As leis instituidoras das agências possibilitam que os entes reguladores estabeleçam taxas de fiscalização durante o contrato de concessão com os agentes regulados ou de uma parcela das participações governamentais em alguns setores, e também determina como se dará a arrecadação dessas receitas. Afirma Menezello[42],
“A autonomia financeira, evidenciada pela cobrança da taxa de fiscalização dos agentes fiscalizados, ou seja, as empresas concessionárias, permissionárias ou autorizadas e, no caso da ANP, pelo recebimento de parcela das participações governamentais”.
Vale ressaltar que por terem forma autárquica de direito público, os bens das agências reguladoras são considerados bens públicos, e a responsabilidade jurídica pelos danos causados a terceiros por essas entidades se dá objetivamente, conforme previsão constitucional, nos termos do § 6º do art. 37[43] da CF/88. Desta forma, as agências serão responsáveis civilmente quando cometerem atos, ou a pretexto de exercê-los, de forma comissiva ou omissiva, que tragam prejuízo aos usuários, agentes regulados, ou a terceiro afetado pelo ato, em decorrência da prestação do serviço pela agência.
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Assim, podemos verificar que a autonomia financeira das agências reguladoras garante que a criação dessas entidades não gerará ônus para o Estado, pois os recursos necessários para o seu desenvolvimento e manutenção podem ser cobrados de todos os usuários e pessoas beneficiadas pelos serviços prestados. Em outras palavras, de acordo com o princípio tributário retributivo contraprestacional, o Estado tem o direito de cobrar do cidadão o necessário para o exercício de seu poder de polícia, pelos benefícios trazidos a sociedade por sua fiscalização.
2.4.3 Autonomia técnica
A autonomia técnica decorre da especialização e singularidade de cada setor da economia regulado por uma determinada agência. Um requisito básico para a admissão em cargo de direção dos entes reguladores é o amplo e aprofundado conhecimento da área de atuação. Leila Cuéllar[44] diz,
“A especificidade de cada agência está traçada na lei que a cria e decorre das previsões legais “especiais” que a adornam. Não se podem estabelecer os mesmos elementos encontrados em relação a uma entidade para a(s) outra(s), pois isto consistiria inclusive em agressão, desconsideração da própria noção de especialidade. Assim, haverá graus diferentes de especialidade para cada autarquia a que se confere natureza especial.”
A especialização das agências reguladoras está ligada à criação dos entes e ao poder normativo que lhes é conferido, pois a capacidade técnica é requisito para a legitimação das entidades reguladoras, lhes conferindo um maior conhecimento do setor regulado.
A autonomia técnica deve ser buscada pelas agências para o aperfeiçoamento da prestação dos serviços e dos funcionários, para que a sua atuação não seja submetida ao maior conhecimento dos agentes regulados.
2.5. O Poder Regulador
No Estado Constitucional de Direito todo o ordenamento jurídico se origina na Constituição, que exerce a função normativa e de orientação valorativa para o desenvolvimento e a execução daquilo que nela é previsto, incluindo a atividade administrativa[45]. Assim, podemos afirmar que todos os poderes são decorrentes da Carta Magna, que traça o caminho para o seu exercício.
O poder regulador é atribuído pelo Estado a órgãos da Administração Direta e a entidades da Administração Indireta, integrantes da sua estrutura, para regular determinado setor. Nenhum deles está investido no poder de criar normas inovadoras na ordem jurídica, mas possuem capacidade para pormenorizar tecnicamente os ditames legais e constitucionais, estabelecendo comandos abstratos e genéricos[46].
Desta forma, podemos afirmar que regulação é uma atividade normativa onde o Estado, por meio de entes técnicos, intervém no mercado, determinando requisitos para a atuação dos agentes econômicos. Regular significa estabelecer regras, harmonizar o mercado, é a edição de normas capazes de influenciar o mercado, para evitar a sua deturpação e a atuação irregular de empresários mal intencionados.
Sabemos que o Estado nos últimos anos transitou de um modelo prestador de serviços para ser um regulador, podendo nas diversas situações interferir nos acontecimentos econômicos que ocorrerem, sendo estes de ordem nacional ou internacional. Autores como Raquel Melo de Carvalho[47] defendem que a tendência atual é que o Estado se torne ainda mais regulador, devido ao distanciamento que o legislador deve manter em relação aos casos concretos na edição das leis para evitar futuras injustiças, tendência esta denominada de administrativização do Direito Público.
A regulação é um meio legítimo que o Estado tem para diminuir diretamente as desigualdades existentes entre os particulares e os usuários, solucionar os conflitos e sanar a defasagem das leis em face dos acontecimentos sociais. Neste prisma, observamos que o Estado regulador exerce controle sobre as atividades privadas para evitar injustiças sociais. Mas a sua atuação necessita da participação da sociedade para que as normas possam ser legítimas, e para que o Estado possa responder aos seus anseios, levando justiça social.
Atualmente, as agências reguladoras são entidades competentes para regular os diversos setores da economia, produzindo normas técnicas para determinar o melhor desempenho dos agentes integrantes do setor em que atuam. Mas a competência regulatória do Estado não se restringe apenas às agências, como defende parte da doutrina, pois autarquias como o Banco Central e o CADE atuam na atividade normativa do país. Na realidade, os órgãos e entidades públicas sempre exerceram atividade regulatória.
O poder regulador é atribuído às agências reguladoras nas suas leis criadoras, pelo Legislativo, quando da criação dessas entidades. As agências, ao regular, devem praticar atos idôneos e protetores da sociedade, devendo sua atuação pautar-se em solucionar casos concretos, pois as situações abstratas devem ser solucionadas pelo Legislativo, por meio das leis.
As agências, ao exercerem o poder regulatório, atuam administrativamente dentro dos limites impostos pelas leis criadoras, não atingindo competências dos Poderes Executivo ou Legislativo. Essa atuação deve estar limitada também aos princípios e preceitos existentes na Constituição Federal. Portanto, os atos normativos emitidos pelas entidades reguladoras devem estar em conformidade com as leis. Como leciona Menezello[48],
“Cada ato normativo ou individual emitido deve ser legal, legítimo, obrigatório, visar ao interesse público, ter motivação necessária e suficiente, ou seja, estar em absoluta concordância com todo o sistema jurídico, incluindo principalmente os princípios constitucionais e legais”.
As normas regulatórias devem ser criadas em benefício da sociedade, e com a sua participação, devendo ser levadas em consideração a estrutura da agência, a evolução histórica da sociedade, as diferenças existentes no setor regulado, as crises e a economia. Atingem desde os particulares, cujas atividades estejam submetidas, entes federativos e entidades administrativas, bem como contratados pelo poder público e servidores públicos.
As agências reguladoras devem agir de forma democrática, sendo uma entidade onde as demandas e conflitos existentes entre agentes regulados e os consumidores sejam solucionados, tudo isso com a finalidade de melhor desenvolver os setores econômicos, sem a necessidade de participação de outros setores do Governo para dar celeridade às relações jurídicas.
Assim, verificamos que o poder regulatório deve ser exercido pelas entidades legitimadas em lei, e que este deve basear-se nos dispositivos constitucionais e legais. A regulação tem por objetivo a emissão de normas sobre concorrência, qualidade e universalidade dos serviços, sem a ocorrência de danos para a sociedade[49].
Mudamos de um Estado burocrático, monopolista e prestador direto de serviços, para um Estado participativo, regulador das atividades privadas, onde a execução de diversos serviços públicos foi transferida para a iniciativa privada. Deste modo, a participação da sociedade é de suma importância para o desenvolvimento do Estado, através do cumprimento das normas editadas, da fiscalização do cumprimento destas pelos prestadores de serviços, e no caso de descumprimento, realização de denúncias ao ente regulador competente para apuração do fato. O papel das agências reguladoras está em utilizar seu poder para resolver os casos existentes em seu âmbito de atuação, como um instrumento para a realização dos interesses da sociedade.
O poder regulador é delegado às agências para dar dinamismo, atualidade e eficiência à atuação estatal, atuando os entes reguladores diretamente no controle dos setores regulados, obrigando as normas jurídicas expedidas aos agentes regulados nos limites previstos em lei. Mas para Di Pietro[50],
“Das características que vêm sendo atribuídas às agências reguladoras, a que mais suscita controvérsias é a função reguladora, exatamente a que justifica o nome da agência. Nos dois tipos de agências reguladoras, a função reguladora está sendo outorgada de forma muito semelhante à delegada às agências reguladoras do direito norte-americano; por outras palavras, a elas estão sendo dado o poder de ditar normas com a mesma força de lei e com base em parâmetros, conceitos indeterminados, standards nela contidos.”
O exercício do poder regulador não pode implicar no surgimento de regras inovadoras de conduta e deve estar inserido na competência dada pela estrutura administrativa para edição de normas gerais e abstratas, observando os limites da lei que busca pormenorizar, atendendo a necessidade de normatização técnica, sem que sofra influência política. Não cabe discricionariedade à regulação, exceto quanto à escolha da solução técnico-científica cabível ao caso, devido a sua complexidade. No entanto, doutrinadores afirmam que esta decisão que envolva discricionariedade técnica pode sofrer influência política[51].
2.6. O Poder Fiscalizador e Sancionador
O Estado de Direito tem a função de proteger o bem-estar geral, através da regulação dos direitos individuais reconhecidos pelo ordenamento jurídico. Além de impor limitações, o poder público emite atos preventivos de controle, aplica penalidades por infrações e exerce coação direta, para a preservação dos interesses sociais. Neste sentido, Raquel Melo define o poder de polícia do Estado como sendo: “a competência do Estado de restringir o exercício de direitos e liberdades individuais a fim de evitar danos ao bem comum[52]”.
O poder de policia, portanto, tem o fim de preservar as condições que são essenciais à vida do indivíduo, da sociedade e do próprio Estado. E não se limita à autonomia privada, mas é cabível também aos entes políticos e públicos, pois se fundamenta na supremacia do interesse da sociedade, sendo irrelevante se a autonomia atingida seja privada, política, ou administrativa.
Em sentido amplo, poder de polícia abrange os atos legislativos que regulam atividades particulares prejudiciais ao bem comum, como também os atos normativos e concretos da Administração, que concretizam a restrição de direitos individuais em favor do interesse público. Enquadra-se nesta noção tanto a lei em sentido formal, como ato regulamentar ou regulatório da Administração, que restrinjam direitos individuais.
Em sentido restrito, fazem parte do poder de polícia apenas os atos regulamentares do Chefe do Executivo, atos regulatórios das demais entidades administrativas e os atos concretos dos agentes públicos que integram o quadro de pessoal da administração. Esta chamada policia administrativa pode exigir uma obrigação de fazer, de suportar, ou de não fazer, com a intenção de privilegiar a coletividade.
No entanto o poder público não está limitado apenas à fiscalização e aplicação de penalidades diversas, pois cabe a este também tomar medidas promocionais que evitem a ocorrência dos atos penalizados, e este comportamento ativo também é um exercício de polícia administrativa.
Às agências reguladoras é atribuído o poder de fiscalizar o cumprimento da legislação do setor econômico específico, as condições de como ocorre a prestação dos serviços e a exploração da atividade regulada. A fiscalização realizada pelas entidades reguladoras tem por objetivo verificar a obediência dos agentes regulados aos preceitos normativos, desta maneira, podemos asseverar que o poder de fiscalizar está ligado à observância do cumprimento das obrigações legais e regulatórias, buscando a preservação dos interesses sociais. Para Aragão[53],
“O fundamento da atividade fiscalizatória poderá, no entanto, variar segundo a agência seja (a) reguladora do serviço público, caso em que será um dever inerente ao Poder Concedente, (b) reguladora da exploração privada de monopólio ou bem público, quando o fundamento da fiscalização é contratual, ou (c) reguladora de atividade econômica privada, em que a natureza da fiscalização é oriunda do poder de polícia exercido pela agência, poder de polícia este que pode ser clássico ou econômico”.
O poder de fiscalização, e a conseqüente aplicação de sanções, exige que os atos praticados pelos agentes regulados sejam baseados na lei e estejam cobertos de validade, mas também que estes atos sejam eficazes na produção de seus efeitos, exigindo a participação das agências para a apuração de atos contrários ao ordenamento jurídico[54].
Na fiscalização dos atos, as agências devem observar a relação do fato ilícito com a punição prevista em lei, devendo valer-se do princípio constitucional da razoabilidade para a aplicação de sanções, bem como a fiel observância ao princípio da legalidade, que é o princípio base para o exercício da fiscalização pelas entidades reguladoras, devendo ainda assegurar o cumprimento dos princípios da motivação, da segurança jurídica, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Durante a fiscalização, a agência deve estar restrita aos atos indispensáveis à eficácia da fiscalização e ao interesse público.
A aplicação de sanções administrativas aos agentes descumpridores de preceitos legais deve seguir uma graduação, relacionada ao ato contrário à lei e à vantagem obtida pelo seu cometimento. A doutrina enumera penalidades que variam de acordo com a gravidade do ato cometido, podendo ser aplicado multas até a revogação da licença de concessão para o exercício da atividade.
A falta de fiscalização eficiente e baseada nos princípios expostos poderá gerar responsabilidade para a agência reguladora. O seu exercício irregular, de forma abusiva, também pode configurar abuso de autoridade, sujeitando-se o agente à responsabilização civil, administrativa e criminal. A atividade fiscalizatória prestada pela agência deve estar baseada na lei e deve seguir os princípios da legalidade, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência, para que os atos contrários ao ordenamento sejam alterados e tenham base legal[55].
Desta forma, o Estado tem a competência para fiscalizar a atividade econômica dos agentes particulares, quando lhes for atribuído a prestação de serviços públicos. O particular prestador de serviço público não pode esconder das agências seus livros e documentos, devendo manter uma relação transparente com essas entidades, submetendo-se ao poder fiscalizatório e sancionador previsto nas leis de criação dos entes reguladores.
2.7. O Controle Exercido Sobre Sua Atuação
Por produzir normas de efeitos concretos, o Estado deve ter instrumentos para controlar e limitar a atuação das agências reguladoras. Este controle exercido sobre as agências deve ser baseado no interesse social, e por terem natureza autárquica, todos os atos destas entidades devem ser praticados em consonância com o regime jurídico administrativo próprio de sua natureza.
O controle realizado nas entidades reguladoras do setor econômico deve ter por objetivo a melhor prestação dos serviços públicos por esses entes, devendo-se fazer uma análise da atividade realizada, com a finalidade de evitar a prática de atos abusivos e contrários ao ordenamento vigente, na realização do controle sobre os atos das agências, devendo seguir-se os preceitos legais.
A maneira como ocorre esse controle varia em cada agência, pois cada uma é criada por um diploma legal específico, devendo a Administração verificar a atuação de cada entidade em conformidade com os preceitos instituídos nas suas leis criadoras. Como ensina Bandeira de Mello[56],
“Dado que as autarquias são pessoas jurídicas distintas do Estado, o Ministro supervisor não é autoridade de alçada para conhecer de recurso contra seus atos, pois inexiste relação hierárquica entre este e aquelas, mas apenas os vínculos de controle legalmente previstos.”
A realização de controle ministerial sobre os entes reguladores resta prejudicada devido à independência e autonomia administrativa atribuída a estas pessoas jurídicas, mas vale ressaltar que pode ser realizado controle pelos Ministérios supervisores se nas leis que instituírem as agências estiver expresso, em função do vínculo de tutela, afirmando o professor Motta[57],
“que o controle interno fica mitigado, visto que, se as agências reguladoras possuem ampla autonomia administrativa, é evidente que este controle, de caráter político-administrativo, ficará deveras prejudicado, visto que os objetivos do Ministério, por razões políticas, podem ser divergentes dos objetivos de determinada agência reguladora. Pode-se, em conclusão, dizer que quanto maior for a intensidade do controle hierárquico, ou do interno, menor será a autonomia desfrutada pela agência reguladora”.
Apesar da ampla autonomia, não existem nas leis disposições que proíbam o controle financeiro destas entidades pelo Tribunal de Contas, nem o controle do exercício das funções pelo Poder Judiciário, ou pelo Ministério Público. Surge assim, o questionamento se estes controles são suficientes para a fiscalização dos entes reguladores, ou se é necessário um controle social ostensivo para que as agências não desvirtuem suas finalidades.
O controle se dá pelo confronto da atuação real com os objetivos que devem ser alcançados pela atuação das entidades reguladoras, podendo ocorrer o controle público, que acontece no poder público, e o político-social, que é exercido pela soberania popular. Quanto à eficácia, o controle pode ser direto, exercido sobre a atividade governamental, e indireto, que ocorre pela fiscalização dos atos praticados. Estes controles podem ser acionados de ofício, pelas partes interessadas e pela sociedade[58].
2.7.1 Controle administrativo
O controle administrativo nas agências ocorre internamente, e é realizado com base na relação hierárquica nela existente. Esta forma de controle pode ser manifestada de ofício ou por provocação dos agentes regulados e usuários que não se conformarem com as decisões administrativas que lhes forem emitidas. As decisões proferidas pelas agências geram direitos e obrigações para elas e para os agentes alcançados pela decisão.
No exercício do controle administrativo, a entidade reguladora irá reexaminar a matéria e verificar a possibilidade de reconsideração da decisão tomada, estabelecendo aos usuários e agentes econômicos regulados, quando não concordarem com os atos realizados, uma forma de reexame de questões pela pessoa hierarquicamente superior existente na estrutura organizacional da agência, mediante recurso administrativo.
Vale ressaltar que, na análise dos recursos interpostos, as agências reguladoras, por serem autarquias em regime especial, gozam de autonomia para elaborar decisões em consonância com as leis do respectivo setor, não sendo o Ministério a que são vinculadas competentes para o conhecimento de recursos contra os atos por elas emitidos, exceto se previsto em lei[59].
Para a tomada de decisões administrativas, as agências reguladoras devem analisar a legalidade do pedido em face ao direito, através de uma seqüência ordenada de atos, denominada de procedimento administrativo, que tem características de um processo judicial, não tendo a característica de definitividade das decisões, pois estas podem ser reavaliadas judicialmente[60].
Assim, todo ato emitido através de um procedimento poderá, a pedido do interessado, ser objeto de recurso administrativo, perante a própria agência, para um reexame mais profundo da questão apresentada. As partes interessadas na questão poderão utilizar o pedido de reconsideração, onde o reexame da questão é dirigido à autoridade que praticou o ato, conhecido como o direito de revisão, ou o recurso hierárquico próprio, que consiste no pedido de reexame de uma questão a uma autoridade hierarquicamente superior a que proferiu o ato, baseando-se no poder de fiscalização pelo superior hierárquico dos atos praticados pelos subordinados. Desta maneira, para algumas situações, os recursos administrativos serão objeto de duplo grau de decisão[61].
As decisões proferidas pelas agências reguladoras têm o efeito de coisa julgada administrativa, não podendo tal decisão ser examinada por nenhum outro ente estatal, só podendo ser alvo de reexame mediante atuação do judiciário. Segundo Hely Lopes Meirelles[62], a coisa julgada administrativa gera uma preclusão de efeitos internos, os atos administrativos são simples atos decisórios, sem força conclusiva como a de um ato emitido pelo Poder Judiciário, que detém o poder privativo de emitir decisões com força conclusiva.
Há que se destacar que para a utilização do Judiciário não é necessário o esgotamento das vias administrativas, reputando o interessado que a decisão lhe é inadequada, ou ilegal, poderá ver sanada a irregularidade mediante provocação do Poder judiciário, como garantido na Lex Mater.
O controle administrativo é uma das maneiras das agências verificarem a observância da legalidade e eficiência das suas decisões e servidores. Uma administração eficiente segue os preceitos constitucionais e pode democraticamente distribuir justiça para a sua população, assim a interposição de recursos administrativos faz com que as agências reguladoras comprovem a efetividade de suas decisões e se elas estão preenchendo as necessidades sociais.
2.7.2 Controle pelo Tribunal de Contas
O controle exercido pelo Tribunal de Contas nas agências reguladoras ocorre, conforme o art. 70, CF/88, de forma direta, através de fiscalização contábil, financeira e orçamentária das entidades, buscando encontrar a legalidade, legitimidade e economicidade dos atos oriundos do exercício regular de suas atribuições e competências. Para Justen Filho[63],
“Esse controle versará, basicamente, sobre a gestão administrativa em sentido próprio. Não caberá ao Tribunal de Contas investigar o conteúdo das decisões regulatórias emitidas pela agência. O que se deverá verificar serão os dispêndios, licitações e contratações produzidos, os atos atinentes a pessoal e sua remuneração. Enfim, a atuação do Tribunal de Contas envolverá a fiscalização das agências reguladoras enquanto autarquia federal, não como órgão titular de competências regulatórias.”
As entidades reguladoras, no exercício de suas atividades, devem praticar atos baseados nos ditames legais, e que tragam economicidade, ou seja, que menos onerem a entidade, devendo observar as maneiras de como irão dispor dos recursos públicos. Essa disposição dos recursos públicos são os atos apreciados pelo Tribunal de Contas, através das auditorias.
A realização do controle pelo Tribunal de Contas pode ser provocada pelos cidadãos, partidos políticos, associações ou sindicatos, ou ainda, quaisquer pessoas interessadas, que verifiquem a ocorrência de atos irregulares ou ilegais, configurando o descumprimento de normas constitucionais ou de leis infraconstitucionais.
O direito de representar as agências reguladoras perante as Cortes de Contas se configura como um instrumento para impedir que as mesmas ajam extrapolando as atribuições que lhe são inerentes. É uma forma de exercício da cidadania, fazendo com que a sociedade fiscalize o bom uso dos recursos públicos, seguindo os preceitos legais, como também, exige dos Tribunais de Contas o aperfeiçoamento de sua estrutura para que possam acompanhar o desenvolvimento das entidades reguladoras e trazer colaborações para o desenvolvimento delas.
2.7.3 Controle pelo Poder Legislativo
O art. 49, X, da Constituição Federal prevê que é competência exclusiva do Poder Legislativo fiscalizar e controlar os atos do Poder Executivo, incluindo os atos praticados pelas entidades integrantes da administração indireta. Desta maneira, as agências reguladoras podem ter os seus atos controlados pelo Poder Legislativo, que pode exigir delas justificativa para as suas decisões, até mesmo as decisões de caráter técnico podem ser alvo de questionamento pelo Legislativo.
O controle exercido pelo Legislativo pode se dar pela fiscalização dos atos emitidos pelas agências reguladoras, convocação para comparecimento, pedido escrito de informação, Comissões Parlamentares de Inquérito e fiscalização financeira e orçamentária, com o auxílio do Tribunal de Contas, como já visto.
A fiscalização dos atos emitidos pelas agências reguladoras está expressa no art. 49, X, da CF/88, e é uma fiscalização direta dos atos emitidos por estas entidades. Nos ensina Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[64]
“O amplo poder normativo conferido pelas leis instituidoras às agências reguladoras exige que o Congresso Nacional esteja permanentemente monitorando os atos normativos por elas editados, uma vez que é seu dever, por força de comando constitucional expresso, zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa de outros poderes. Sempre que o Congresso Nacional verificar que houve excesso no exercício do poder normativo por parte da agência reguladora, compete a ele suspender o ato da agência”.
A Carta Magna no caput do art. 50 assevera que os Ministros de Estados e os titulares de entidades integrantes da administração indireta, no caso, os dirigentes das agências reguladoras poderão ser convocados para comparecimento perante a Câmara dos Deputados, ou o Senado Federal, ou qualquer de suas Comissões para prestarem pessoalmente informações sobre assuntos determinados, importando a ausência injustificada em crime de responsabilidade. Já no § 2º, do mesmo artigo, prevê que as mesas do Congresso Nacional poderão encaminhar pedidos escritos de informações sobre determinados assuntos aos Ministros de Estados ou aos dirigentes das agências reguladoras, importando em crime de responsabilidade a recusa, o não atendimento do pedido ou a prestação de informações falsas.
O controle realizado pelo Legislativo pode ainda se dar através das Comissões Parlamentares de Inquérito, que são comissões permanentes ou temporárias, criadas pelo Congresso Nacional, ou cada uma de suas casas separadamente, constituídas e com competência atribuída pelos seus regimentos ou ato que as criem, conforme disposto no art. 58, da CF.
As Comissões Parlamentares de Inquérito são um instrumento dado ao Poder Legislativo para controlar os atos praticados pelo Estado, direta ou indiretamente. Tem como objetivo apurar fatos determinados, que possam caracterizar crimes com grande repercussão no país, cometidos tanto na administração pública, como na esfera privada.
Na apuração dos fatos, as Comissões terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias, podendo fazer interrogatórios, intimar e ouvir acusados e testemunhas, promover acareações, solicitar perícia, quebrar sigilo bancário e telefônico e efetuar prisões. Seus poderes são amplos e necessários para o desenvolvimento de suas atribuições, porém não são ilimitados[65].
Não podem titularizar ação penal pública, pois esta é uma função do Ministério Público, e nem julgar, ou impor condenações, que são funções do Poder Judiciário. Se comprovado que os determinados fatos se configuraram em crimes, as Comissões aprovarão um relatório sobre o fato, e o encaminhará ao Ministério Público para que promova as ações cabíveis.
O controle feito pela CPI nas agências reguladoras pode abranger toda a atividade desempenhada por elas, inclusive as futuras, devendo preservar o sigilo das matérias reguladas, e questionar a gestão interna e a justificativa de decisões proferidas em procedimentos administrativos[66].
O Poder Legislativo, ao controlar os atos praticados pelas agências reguladoras, age em conformidade com a constituição, e não desrespeita a separação dos poderes, devendo sempre verificar se os atos praticados estão em conformidade com o ordenamento jurídico e se foram praticados por pessoas legitimadas, para que os ideais de justiça possam ser alcançados e os serviços prestados pelas entidades reguladoras estejam em conformidade com os interesses sociais.
2.7.4 Controle pelo Poder Judiciário
O Poder Judiciário, ao exercer controle sobre os atos das agências reguladoras, age em conformidade com o sistema de tripartição dos poderes previsto constitucionalmente, pois é o guardião da segurança jurídica. Vale lembrar, que a Constituição tem como princípio a inafastabilidade da jurisdição, assegurando a todos os cidadãos o acesso ao judiciário e o devido processo legal.
O controle jurisdicional sobre as agências abrange os atos praticados em discordância com o ordenamento jurídico, que geraram lesão ou ameaça a direito, cabendo ao Judiciário saná-los, pela função jurisdicional ordinária, abrangendo as ações comuns e especiais. Desta forma, analisará a legalidade e a moralidade dos atos praticados, ou ainda, atuará na apreciação das decisões advindas da competência das agências de dirimir conflitos existentes entre os agentes regulados, entre estes e os usuários e/ou poder público.
O sistema constitucional brasileiro adotou o princípio da jurisdição una, consagrando a inafastabilidade do acesso ao judiciário, desta forma, todas as decisões emitidas pelas agências reguladoras poderão ser apreciadas pelo Poder Judiciário, por provocação dos interessados, assegurado o devido processo legal, com as características que lhe são inerentes, como o direito à ampla defesa e ao contraditório.
Podemos ressaltar que não é necessário o exaurimento das vias administrativas para que o interessado ingresse com a devida ação perante o judiciário, não existindo mais a necessidade de revisão administrativa, ou mais conhecida como a instância administrativa de curso forçado, ou seja, existindo uma decisão administrativa desfavorável, a pessoa pode buscar diretamente a sua revisão pelo Poder Judiciário, pois os mecanismos de controle são permanentes e atuam ao mesmo tempo. Afirma Mazza[67],
“Ao Poder Judiciário compete controlar as atividades das agências reguladoras e de seus agentes públicos quando questionadas, mediante provocação dos interessados, por meio de ação popular, ação civil pública, mandado de segurança, habeas data, ação de improbidade administrativa, ou qualquer outra ação judicial visando a prevenir ou reprimir atos e omissões atentatórias às normas e princípios pertencentes ao ordenamento jurídico pátrio.”
O controle pelo judiciário poderá provocar a suspensão ou anulação dos atos praticados pelas agências reguladoras, ou ainda impor uma obrigação. A suspensão ocorre em sede de medidas liminares e tem por objetivo cessar os efeitos do ato administrativo; a anulação tem o condão de invalidar o ato desde o momento em que ele foi praticado; e a imposição de obrigação ocorre quando se quer que a agência pratique ou deixe de praticar atos que afetem o interesse de determinada pessoa.
A atuação do Poder Judiciário tem o dever de assegurar a defesa dos interesses sociais e estatais, não devendo apenas reconhecer direitos, ou aplicar a letra fria da lei, para que a justiça possa ser levada a todos os cidadãos, devendo proteger o patrimônio público, a responsabilização dos agentes pelo cometimento de atos contrários a lei e, principalmente, assegurar os direitos e garantias individuais e coletivos previstos na Lei Maior.
2.7.5 Controle pelo Ministério Público
O Ministério Público pode controlar as atividades das agências reguladoras, pois é uma instituição essencial para a função jurisdicional do Estado, incumbido de proteger a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses individuais e sociais indisponíveis.
A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público passou a ter autonomia e garantias para poder atuar sem a interferência do Poder Executivo, com a finalidade de proteção à ordem jurídica, ao regime democrático e aos interesses individuais e sociais indisponíveis, passando a ser reconhecido como uma instituição defensora do povo. Conforme afirma Menezello[68],
“No que concerne aos controles externos, a agência reguladora também pode sofrê-los por meio da atuação direta do Ministério Público por força de comandos constitucionais contidos no art. 127 da Constituição de 1988, os quais lhe atribuíram competências para a defesa da ordem pública, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, podendo averiguar a legalidade e a legitimidade das decisões das agências, seja com pedidos de esclarecimentos, seja com propositura de ações judiciais, a fim de impedir que a agência reguladora viole o ordenamento jurídico, (…).”
Ao exercer o controle sobre as agências reguladoras, o MP tem o poder de investigar os atos praticados, como também detém o direito de ação, podendo promover a responsabilização civil e criminal dos agentes que cometerem atos contrários ao ordenamento.
Pode o “parquet” utilizar o inquérito civil público para colher provas e informações sobre o desempenho das funções exercidas pelos entes reguladores, como também pode conceber um compromisso entre agências reguladoras, agentes regulados e/ou consumidores, através de termo de ajuste de conduta, que tem força de título executivo extrajudicial.
O controle exercido pelo Ministério Público nas agências reguladoras é direto, para a verificação da legalidade e legitimidade de suas decisões, e tem por finalidade alcançar o interesse público, para que a atuação das entidades reguladoras se coadune com o ordenamento jurídico e possa distribuir justiça a toda a sociedade.
2.7.6 Controle social
O controle social é exercido de forma direta pela sociedade na fiscalização das atividades desenvolvidas pelas agências reguladoras. Com o desenvolvimento do Estado, criaram-se meios de vigilância diretos dos atos administrativos, possibilitando que a sociedade, através de denúncias ou representações, nas mais diversas entidades, possa controlar as decisões proferidas pelos entes reguladores.
O controle social, para o professor Motta[69],
“Sem a menor sombra de dúvida, e as repetidas experiências pelas quais vem passando a sociedade brasileira assim o demonstram, este, sem nenhum demérito aos demais, vem se constituindo no mais efetivo e eficaz controle, eis que diretamente exercido pela cidadania, com custos relativos baixos, geralmente suportados pela própria sociedade, notadamente no trabalho investigatório que vem sendo procedido pelos meios de comunicação social”.
Afirma a professora Leila Cuéllar[70], que
“Impende apontar, igualmente, a previsão de controle social das agências reguladoras, como forma de garantir a participação popular na Administração Pública.(…) Dentre as garantias de participação popular previstas pela legislação relativa às agências reguladoras, merecem realce a instituição de Ouvidorias, às quais compete receber e analisar as reclamações e sugestões formuladas por agentes regulados e usuários ou consumidores, bem como propor medidas para atendê-las; a previsão de audiências públicas, mecanismo utilizado para coleta de subsídios e informações, bem como propiciar que os particulares se manifestem, e dar publicidade da ação regulatória das agências;(…)além da instituição de Conselho Consultivo, órgão opinativo, em que há representação e participação da sociedade. Todos estes mecanismos almejam permitir uma participação efetiva da sociedade”.
O controle social desperta a população para cobrar uma melhor prestação dos serviços públicos, pois não existem barreiras para o exercício desse direito pelos cidadãos, e apesar da falta de leis processuais que definam a defesa dos usuários de serviços públicos, o exercício desse controle é uma expressão direta de cidadania, que não gera altos custos e conta com o apoio dos meios de comunicações para facilitar e ampliar a sua utilização. Mas ainda observamos a necessidade de uma maior conscientização por parte da população em relação a esse papel tão importante que a mesma deve desempenhar no desenvolvimento da democracia.
3. A ATUAÇÃO DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR
3.1. O Direito à Saúde e a Atuação da Iniciativa Privada
A constituição Federal de 05 de outubro de 1988 consagrou a saúde como um direito fundamental, assegurando expressamente esse direito em diversos artigos ao longo do seu texto.
No início da Constituição, no art. 1º, III, é consagrada como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, onde encontramos implicitamente o direito à saúde, e no art. 5º, caput, através da inviolabilidade do direto à vida. Assim, podemos concluir que para se ter dignidade e proteção à vida é necessário assegurar condições mínimas de saúde para toda a população.
É assegurado também no art. 6º, caput, a saúde como um direito social. No art. 7º, implicitamente no inciso XXII, pela redução de riscos ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, no inciso XXIII, pela estipulação de adicional na remuneração para as pessoas que desenvolvem atividades penosas, insalubres ou perigosas, e no inciso XXXIII, pela proibição de trabalho para menores em período noturno, atividades perigosas e insalubres.
A saúde também foi inserida na Carta Magna no contexto dos direitos previstos na Ordem Social. De acordo com o que está expresso no art. 196, a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Assim, destaca Canotilho e Moreira[71], que a saúde possui dupla natureza: a negativa, que é o direito de exigir que o Estado e terceiros se abstenham de qualquer conduta que a prejudique, e a positiva, que é o direito de exigir do Estado medidas para assegurar a prevenção da saúde e o tratamento das doenças.
Como dever do Estado, a CF/88 assevera que a saúde deve ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que busquem assegurar o acesso para todos e a redução do risco de doenças.
No artigo 197[72], da CF, vemos a disposição a respeito da execução dos serviços de saúde, que assim afirma,
“Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”
O que vem disposto no artigo supracitado é de grande importância para o presente estudo. Conforme visto, o Estado pode executar diretamente os serviços de saúde, por meio do oferecimento do serviço público de saúde, bem como através da iniciativa privada, exercendo sobre ela fiscalização e controle.
Assim, verificamos a previsão constitucional, que possibilita a atuação da iniciativa privada no setor da saúde, dando-se essa atuação pelo atendimento em estabelecimentos privados, cujo acesso é oferecido à população, através da oferta de planos e seguros de assistência à saúde.
A atuação da iniciativa privada no Brasil tem crescido bastante, pois o sistema público de saúde está em situação precária, mal estruturado, sem contar com o desvio das verbas públicas destinadas ao setor, que prejudica ainda mais o desenvolvimento do setor. Em face da falência da saúde pública, a população passou a recorrer aos planos privados de saúde, com o fim de proteção da sua integridade física.
Dessa maneira, pelo permissivo constitucional, transferiu-se para a iniciativa privada uma parcela da atribuição estatal, permitindo-se a atuação na área da saúde, e o poder público assumiu a responsabilidade de regulamentar e fiscalizar essa atuação, com a finalidade de proteger os usuários de possíveis abusos.
3.2. A Agência Nacional de Saúde Suplementar
A Agência Nacional de Saúde Suplementar foi criada em 28 de janeiro de 2000, pela Lei Federal nº 9.961. A ANS é uma autarquia em regime especial, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro, vinculada ao Ministério da Saúde, com prazo indeterminado de duração, podendo atuar em todo o território nacional, como uma entidade de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades relacionadas à assistência suplementar a saúde.
A lei instituidora da ANS define que a natureza de autarquia especial que lhe é conferida garante a autonomia administrativa, financeira, patrimonial e de gestão de recursos humanos, como também autonomia nas decisões técnicas e mandato fixo dos dirigentes.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar promove o equilíbrio entre as operadoras e os consumidores, com a finalidade de construir um mercado sólido e justo. A Lei 9.656/98 foi o resultado da negociação estatal com o Senado pela participação da iniciativa privada no sistema de saúde brasileiro, dando-se sua aprovação após alterações por Medida Provisória, para que o setor não ficasse operando sem regras. Assim, podemos definir como marco do processo de regulação do setor de saúde suplementar a Lei 9.656, conjuntamente com a MP, que a alterou, e posteriormente a Lei 9.961 que criou a ANS e lhe conferiu a atribuição para ser a entidade reguladora do setor[73].
A lei de criação da ANS dá legitimidade para a sua atuação, e cria os parâmetros para o exercício do seu poder regulador, como também a Lei nº 9.656/98, e as alterações introduzidas pela MP, ditam regras para a regulamentação do setor, e dispõem sobre os planos e seguros privados de saúde. Ainda verificamos de forma complementar à legislação setorial o Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), fixando normas para a regulação do setor, como também as normas criadas pela própria agência, as regulamentações operacionais, que são decisões da Diretoria Colegiada, de alcance externo, como a alienação da carteira, instauração de regime especial de direção fiscal, liquidação extrajudicial das operadoras, entre outras.
A Lei 9.656/98 estabeleceu os fundamentos para criação, funcionamento e extinção das operadoras de saúde, discriminando os padrões de cobertura dos planos e a qualidade da assistência, definindo os atributos essenciais e específicos dos planos de saúde, como também transferiu para o Executivo a responsabilidade pela regulação do setor da saúde suplementar, abrangendo as atividades das operadoras e a fiscalização para a observação do cumprimento das normas legais[74].
A partir da vigência da Lei 9.656/98, houve uma grande mudança no setor dos planos de saúde, devendo as operadoras de saúde que desejem atuar no setor suplementar obter na ANS um registro provisório de funcionamento, em conformidade com os requisitos da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 5, sendo eles documento de constituição da empresa e alterações posteriores, devidamente registrados na Junta Comercial ou Cartório, documento de inscrição dos controladores, administradores e membros do conselho fiscal, consultivo, deliberativo, administrativo ou assemelhados no Cadastro de Pessoa Física. De igual modo, cada plano de saúde, para ser comercializado, também deve estar registrado na agência. Agora as operadoras estão impedidas de requererem a concordata e os credores de pedirem a falência. Uma empresa só será liquidada a pedido da ANS, fórmula encontrada pelo legislador para proteger os consumidores. As operadoras ainda estão obrigadas a prestar informações à ANS, permitindo que a agência analise a empresa a fundo, acompanhando, por exemplo, a evolução dos custos.
Em face do poder atribuído à ANS e pelo bom funcionamento do mercado deve a entidade fixar os critérios para entrada e saída das empresas do setor. Para a saída de uma empresa do mercado é necessário a participação da agência, tendo em vista as regras impostas pela entidade, que proíbem a livre mobilidade das operadoras.
Os planos de saúde anteriores à lei de criação da ANS, por sua vez, foram proibidos de serem comercializados, devendo os contratos firmados entre consumidores e operadores darem garantia de assistência a todas as doenças reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde. Os contratos firmados antes da criação desta lei obtiveram garantias com o seu advento, não podendo ser rescindidos unilateralmente pela operadora. As internações, por exemplo, só podem ser encerradas por alta médica e o aumento das mensalidades dos planos de saúde ocorrerá apenas mediante autorização expressa da ANS.
A agência pode recorrer aos regimes especiais de direção fiscal e direção técnica e a liquidação extrajudicial das operadoras sempre que verificar irregularidade grave ou insanável, que coloque em risco o atendimento à saúde previsto no plano contratado.
Todas estas mudanças trazidas pela lei dos planos de saúde e pela regulamentação feita pela ANS têm por objetivo levar segurança jurídica para os usuários de planos privados de saúde[75].
A finalidade institucional da agência é a promoção da defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, pela regulação das operadoras setoriais, inclusive quanto às relações com os prestadores e consumidores, para, desta maneira, contribuir com o desenvolvimento das ações de saúde no país.
O art. 4º da lei de criação da agência dispõe sobre a competência da ANS, sendo elas: propor políticas e diretrizes gerais ao CONSU para a regulação do setor; estabelecer as características gerais dos instrumentos contratuais utilizados na atividade das operadoras; elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica e suas excepcionalidades; fixar critérios para os procedimentos de credenciamento e descredenciamento de prestadores de serviço às operadoras; estabelecer parâmetros e indicadores de qualidade e de cobertura em assistência à saúde para os serviços próprios e de terceiros oferecidos pelas operadoras; estabelecer normas para ressarcimento ao Sistema Único de Saúde – SUS; estabelecer normas relativas à adoção e utilização, pelas operadoras, de mecanismos de regulação do uso dos serviços de saúde; deliberar sobre a criação de câmaras técnicas, de caráter consultivo, que subsidiem suas decisões; normatizar os conceitos de doença e lesão preexistentes; definir a segmentação das operadoras e administradoras, observando as suas peculiaridades; estabelecer critérios, responsabilidades, obrigações e normas de procedimento para garantia dos direitos assegurados; estabelecer normas para registro dos produtos; decidir sobre o estabelecimento de sub-segmentações aos tipos de planos; estabelecer critérios gerais para o exercício de cargos diretivos das operadoras e estabelecer critérios de aferição e controle da qualidade dos serviços; estabelecer normas, rotinas e procedimentos para concessão, manutenção e cancelamento de registro dos produtos das operadoras; autorizar reajustes e revisões das contraprestações pecuniárias dos planos privados, ouvido o Ministério da Fazenda; expedir normas e padrões para o envio de informações de natureza econômico-financeira pelas operadoras, com vistas à homologação de reajustes e revisões; integrar as informações com os bancos de dados do SUS; autorizar o registro dos planos privados de saúde; monitorar a evolução dos preços de planos de saúde, seus prestadores de serviços, e respectivos componentes e insumos; autorizar o registro e o funcionamento das operadoras, bem como a cisão, fusão, incorporação, alteração ou transferência do controle societário; fiscalizar as atividades das operadoras e zelar pelo cumprimento das normas de seu funcionamento; controlar e avaliar a garantia de acesso, manutenção e qualidade dos serviços prestados pelas operadoras; avaliar a capacidade técnico-operacional das operadoras para garantir a compatibilidade da cobertura oferecida com os recursos disponíveis na área geográfica de abrangência; fiscalizar a atuação das operadoras e prestadores de serviços de saúde com relação à abrangência das coberturas de patologias e procedimentos; fiscalizar a cobertura e o cumprimento da legislação referente aos aspectos sanitários e epidemiológicos, relativos à prestação de serviços médicos e hospitalares no âmbito da saúde suplementar; avaliar os mecanismos de regulação utilizados pelas operadoras; fiscalizar o cumprimento das disposições da Lei 9.656/98, e de sua regulamentação, bem como aplicar as penalidades pelo seu descumprimento; requisitar o fornecimento de informações às operadoras, bem como da rede prestadora de serviços a elas credenciadas; estimular a competição no setor de planos privados; instituir o regime de direção fiscal ou técnica nas operadoras; proceder à liquidação extrajudicial e autorizar o liquidante a requerer a falência ou insolvência civil das operadoras; determinar ou promover a alienação da carteira de planos privados; articular-se com os órgãos de defesa do consumidor; zelar pela qualidade dos serviços no âmbito da assistência à saúde suplementar; administrar e arrecadar as taxas instituídas por esta Lei; celebrar termo de compromisso de ajuste de conduta e termo de compromisso e fiscalizar os seus cumprimentos; definir as atribuições e competências do diretor técnico, diretor fiscal, do liquidante e do responsável pela alienação de carteira; fixar as normas para constituição, organização, funcionamento e fiscalização das operadoras de produtos; estipular índices e demais condições técnicas sobre investimentos e outras relações patrimoniais a serem observadas pelas operadoras[76].
A recusa, a omissão, a falsidade ou o retardamento injustificado de informações ou documentos solicitados pela agência caracteriza-se em infração punível com multa diária de cinco mil reais, podendo ser aumentada em até 20 vezes para garantir sua eficácia em face do poder econômico da operadora ou prestadora de serviços. A aplicação das normas previstas no art. 4º dependerá das características das operadoras, da natureza jurídica e dos atos constitutivos destas.
A Agência Nacional de Saúde é dirigida por uma Diretoria Colegiada, devendo contar com um Procurador, um Corregedor e um Ouvidor, além das unidades especializadas responsáveis por diferentes funções, designadas no regimento interno. Também contará com a Câmara de Saúde Suplementar, que possui caráter permanente e consultivo.
A Diretoria Colegiada da ANS é responsável pela gestão da entidade, sendo composta por até cinco Diretores, sendo um deles o Diretor-Presidente. Os Diretores serão brasileiros, indicados e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação do Senado Federal, para o exercício de mandato de três anos, admitida uma única recondução. O Diretor-Presidente é escolhido entre os membros da diretoria, pelo Presidente da República, com mandato de três anos e exerce as funções de Diretor-Geral da agência, de Presidente da Diretoria Colegiada, Presidente da Câmara de Saúde Suplementar e Secretário-Executivo do Conselho de Saúde Suplementar.
Conforme a Resolução da Diretoria Colegiada nº 95, de 30 de janeiro de 2002, que aprova o regimento interno da agência e seguindo as explicações de Ângela Araújo[77], vemos que a diretoria da entidade é divida da seguinte forma,
“Diretoria de Desenvolvimento Setorial – responsável pelas atividades de integração de informações e ressarcimento das operadoras ao SUS, informação e informática e modernização administrativa, bem como a melhoria do desempenho das operadoras setoriais e incentivos à qualidade; Diretoria de Normas e Habilitação de Operadoras – responsável pelas atividades de regulamentação, habilitação, qualificação e acompanhamento das operadoras de planos e seguros de assistência à saúde; Diretoria de Normas e Habilitação de Produtos – responsável pelas atividades de regulamentação, habilitação, qualificação e acompanhamento dos produtos ou planos privados de assistência à saúde; Diretoria de Fiscalização – responsável pelas atividades de fiscalização assistencial e econômico-financeira das operadoras, bem como aplicação de penalidades, pelo descumprimento dos dispositivos legais, além do apoio ao consumidor e articulações com os órgãos de defesa do consumidor. Para cumprir plenamente sua função, a Diretoria possui unidades direcionadas para o atendimento das demandas dos consumidores de planos de saúde, distribuídas em dez Núcleos Regionais de Atendimento e Fiscalização (Nuraf) e cinco Unidades Estaduais de Fiscalização (UEF). Dispõe, também, de uma Central de Atendimento, o Disque ANS, que se destina a aferir as necessidades e queixas dos consumidores; Diretoria de Gestão – responsável pela execução das atividades de orçamento, finanças, material, patrimônio, recursos humanos, comunicação administrativa, documentação e serviços gerais.”
Os Diretores da ANS, após quatro meses de exercício das funções, só perderão o mandato por: condenação penal transitada em julgado; condenação em processo administrativo, instaurado pelo Ministro da Saúde, assegurado o contraditório e a ampla defesa, podendo o Ministro de Estado solicitar ao Presidente da República o afastamento provisório do diretor até a conclusão do procedimento, não implicando o afastamento do cargo prorrogação ou permanência além da prevista legalmente; acumulação de cargos, empregos ou funções públicas; e por descumprimento injustificado de objetivos e metas definidos em contrato de gestão.
Após o exercício do mandato, é vedado ao Diretor da ANS por um período de doze meses representar qualquer pessoa ou entidade perante a agência, salvo na defesa de interesses pessoais relacionados a contrato particular de plano de saúde, como contratante ou consumidor, e deter participação, exercer cargo ou função em organização sujeita a regulamentação da agência.
A Diretoria Colegiada da ANS tem competência para administrar a entidade; editar normas; aprovar o regimento interno da agência e definir a área de atuação de cada diretor; cumprir e fazer cumprir as normas do setor; elaborar e divulgar relatórios periódicos sobre o desempenho de suas atividades; julgar em recurso as decisões dos diretores, mediante provocação dos interessados; e encaminhar os demonstrativos bancários aos entes competentes.
As reuniões da diretoria devem contar com a presença de no mínimo três diretores, entre eles o Diretor-Presidente ou o substituto, e as deliberações deverão contar com no mínimo três votos coincidentes. Os atos praticados pelos diretores poderão ser objeto de recurso perante a Diretoria Colegiada, sendo esta considerada a última instância administrativa. Os recursos interpostos terão efeitos suspensivos, salvo quando a questão dispuser sobre risco à saúde dos consumidores.
O Diretor-Presidente tem competência para: representar legalmente a ANS; presidir as reuniões da Diretoria Colegiada, bem como cumprir e fazer cumprir suas decisões; decidir questões de urgência, com o referendo posterior da Diretoria; decidir, em caso de empate, nas deliberações da Diretoria; nomear e exonerar servidores para os cargos efetivos, em comissão e funções de confiança, e exercer o poder disciplinar sobre os atos destes; encaminhar ao Ministério da Saúde e ao Conselho Nacional de Saúde Suplementar os relatórios elaborados; e assinar contratos e convênios, ordenar despesas e praticar atos de gestão necessários para o alcance dos objetivos da agência.
A Câmara de Saúde Suplementar é um órgão consultivo e permanente da ANS, sendo composta: pelo Diretor-Presidente da ANS, ou seu substituto, na qualidade de Presidente; por um diretor da ANS, na qualidade de Secretário; por um representante dos Ministérios da Fazenda, da Previdência e Assistência Social, do Trabalho e Emprego, da Justiça e da Saúde; por um representante do Conselho Nacional de Saúde, do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde, do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde, do Conselho Federal de Medicina, do Conselho Federal de Odontologia, do Conselho Federal de Enfermagem, da Federação Brasileira de Hospitais, da Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços, da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas, da Confederação Nacional da Indústria, da Confederação Nacional do Comércio, da Central Única dos Trabalhadores, da Força Sindical, da Social Democracia Sindical, da Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização e da Associação Médica Brasileira; por um representante do segmento de autogestão de assistência à saúde, das empresas de medicina de grupo, das cooperativas de serviços médicos que atuem na saúde suplementar, das empresas de odontologia de grupo e das cooperativas de serviços odontológicos que atuem na área de saúde suplementar; por dois representantes das entidades de defesa do consumidor, de associações de consumidores de planos privados de assistência à saúde, das entidades de portadores de deficiência e de patologias especiais.
A Ouvidoria é um meio de ligação entre a sociedade e a Agência Nacional de Saúde Suplementar, é o setor que recebe as reclamações, consultas, sugestões e elogios dos consumidores, operadoras, prestadores de serviço e gestores. Sua atuação deve ser imparcial, transparente e independente, não possuindo vínculo hierárquico com a Diretoria Colegiada ou com a Câmara de Saúde Suplementar. Sua finalidade é a busca contínua da melhoria da qualidade da atuação regulatória da ANS, garantindo o equilíbrio e desenvolvimento da entidade. O ouvidor é o agente responsável pela Ouvidoria, devendo ser indicado pelo Ministro da Saúde e nomeado pelo Presidente da República para um mandato de dois anos, com possibilidade de uma recondução, não lhe sendo permitido possuir interesse, direto ou indireto, em empresas ou pessoas sujeitas à atuação regulatória da agência[78].
A administração da ANS será regida por um contrato de gestão, negociado entre o Diretor-Presidente e o Ministro da Saúde, sendo aprovado pelo Conselho de Saúde Suplementar, no prazo de cento e vinte dias da designação do Diretor-Presidente. O contrato de gestão tem por escopo estabelecer os parâmetros para a administração interna da agência, e os indicadores para avaliação de sua atuação administrativa e o seu desempenho. Vale relembrar que o descumprimento injustificado dos objetivos e metas definidos em contrato de gestão implicará na perda do mandato.
Constituem o patrimônio da ANS os bens e direitos de suas propriedades, os que lhe forem conferidos ou os que venham a adquirir ou incorporar.
Constituem-se como receitas da ANS: o produto resultante da arrecadação da Taxa de Saúde Suplementar, disposta no art. 18; a retribuição por serviços de qualquer natureza prestados a terceiros; o produto da arrecadação das multas resultantes das suas ações fiscalizadoras; o produto da execução da sua dívida ativa; as dotações consignadas no Orçamento-Geral da União, créditos especiais, créditos adicionais, transferências e repasses que lhe forem conferidos; os recursos provenientes de convênios, acordos ou contratos celebrados com entidades ou organismos nacionais e internacionais; as doações, legados, subvenções e outros recursos que lhe forem destinados; os valores apurados na venda ou aluguel de bens móveis e imóveis de sua propriedade; o produto da venda de publicações, material técnico, dados e informações; os valores apurados em aplicações no mercado financeiro das receitas previstas neste artigo, na forma definida pelo Poder Executivo e quaisquer outras receitas não especificadas nos incisos I a X deste artigo.
A Taxa de Saúde Suplementar tem por fato gerador o exercício do poder de polícia pela ANS, poder que é atribuído legalmente. São sujeitos passivos da Taxa as pessoas jurídicas, condomínios ou consórcios constituídos sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa ou entidade de autogestão, que operem produto, serviço ou contrato com a finalidade de garantir a assistência à saúde visando a assistência médica, hospitalar ou odontológica.
A Taxa de Saúde Suplementar é devida pelos planos de assistência à saúde e pelo registro de produto, registro de operadora, alteração de dados referentes aos produtos e às operadoras, pedido de reajuste de contraprestação pecuniária, sendo devida a partir da protocolização do requerimento. Já os casos de alteração de dados referentes aos produtos ou às operadoras, que não tragam prejuízos para os consumidores ou ao mercado, poderão ter os valores isentos ou reduzidos, conforme disposição da Diretoria Colegiada.
A Taxa é devida anualmente e será recolhida até o último dia útil do primeiro decêndio de março, junho, setembro e dezembro. A taxa que não for paga dentro do prazo será cobrada com juros de mora, administrativa ou judicialmente, na proporção de um porcento ao mês e com multa de mora no valor de dez porcento. Alem do acréscimo dos juros e multa, a empresa perderá os descontos a que tenha direito. Os débitos referentes à Taxa de Saúde poderão ser parcelados, a juízo da ANS, e em conformidade com a legislação tributária. Os valores cuja cobrança seja atribuída à ANS e que não sejam recolhidos no prazo previsto serão inscritos como dívida ativa da entidade e servirão como título executivo judicial. A execução fiscal da dívida ativa será promovida pela Procuradoria da agência de saúde.
O valor da Taxa de Saúde Suplementar paga pelos planos é o produto da multiplicação de R$ 2,00 (dois reais) pelo número médio de usuários ativos de cada plano privado, deduzido o percentual de desconto que cada ramo tenha direito. Para o cálculo da média de usuários serão excluídos os maiores de sessenta anos.
As operadoras de plano de assistência à saúde são empresas e entidades que atuam no setor de saúde suplementar e oferecem aos consumidores os planos de saúde, divididas em oito modalidades pela ANS, sendo elas: administradoras, cooperativas médicas, cooperativas odontológicas, instituições filantrópicas, autogestões (patrocinadas e não patrocinadas), seguradoras especializadas em saúde, medicina de grupo e odontologia de grupo[79]. Esta classificação poder ser encontrada na RDC nº 39, que dispõe sobre a definição, segmentação e classificação das operadoras.
As administradoras são empresas que administram planos de saúde, não se constituem em rede e nem assumem riscos, sendo financiadas pelos contratantes. As cooperativas médicas, além dos serviços dos cooperados, operacionalizam os convênios médico-hospitalares, com rede própria. As odontológicas são empresas que operam exclusivamente planos odontológicos. As entidades filantrópicas não têm fins lucrativos, operam serviços médico-hospitalares, e comercializam planos de saúde, como uma forma de reestruturação dessas entidades. A autogestão é um sistema fechado com consumidores específicos, vinculados a empresas ou a sindicatos e associações, subdividas entre as que operam assistência pelo departamento de recursos humanos e as que operam por entidades vinculadas, podendo ser patrocinadas ou não pelas companhias as que são vinculadas. As seguradoras especializadas em saúde são as sociedades que operam o seguro configurado como plano ou produto de saúde previsto na Lei 9.656/98, devendo realizar essa atividade exclusivamente, ou seja, sem atuar em outros ramos de seguro. A partir da Lei 10.185/01, sua atuação ficou condicionada a criação de uma empresa específica[80].
Conforme disposto no §6º, do art. 20, os planos privados de saúde que se enquadrarem no segmento de autogestão por departamentos de recursos humanos, ou de filantropia, ou que tenham número de usuários inferior a vinte mil, ou que, em sua rede, gastem mais de sessenta porcento do custo assistencial com serviços hospitalares referentes aos seus planos e que prestem ao menos trinta porcento de sua atividade ao Sistema Único de Saúde – SUS, terão direito a um desconto de trinta porcento sobre o montante calculado para o pagamento da Taxa de Saúde.
Os planos privados de assistência à saúde oferecidos pelas operadoras seguem ao que está disposto na Lei 9.656/98 e dividem-se pela modalidade de contratação, data da assinatura, cobertura assistencial e abrangência geográfica, os submetendo de maneira diferenciada à legislação setorial.
Os planos de saúde realizados na modalidade de contratação podem ser firmados: individual ou familiarmente, onde um indivíduo faz um contrato com uma operadora para assistência à saúde, abrangendo o titular do plano (individual) ou o titular e os dependentes (familiar); coletivo com patrocinador, onde uma pessoa jurídica contrata os serviços de uma operadora e paga total ou parcialmente a mensalidade, incluindo-se nessa categoria também os contratos mantidos por autogestão em que o beneficiário paga parcialmente a mensalidade; e o coletivo sem patrocinador, onde uma pessoa jurídica contrata uma determinada operadora, ficando o beneficiário responsável pelo pagamento integral da mensalidade[81].
Os planos de saúde quanto à data de assinatura dividem-se em: contrato novo, sendo aqueles celebrados depois da vigência da Lei 9.656/98, portanto, todos os contratos firmados a partir de 1º de janeiro de 1999 têm que ser registrados na ANS e estão totalmente sujeitos a nova legislação; contrato adaptado, como sendo os contratos pactuados antes da lei dos planos de saúde e que se adequaram ao sistema trazido por ela, devem estar registrados na ANS e estão submissos à nova legislação; e os contratos antigos, que foram celebrados anteriormente à vigência da lei e que não foram adaptados às novas regras, não podem mais ser comercializados, permanecem válidos para os consumidores que não quiseram se adaptar às novas regras, são intransferíveis, suas condições são garantidas apenas ao titular e aos dependentes, e só é permitida a inclusão de novo cônjuge e filhos[82].
Cobertura assistencial é o conjunto de direitos que o usuário faz jus pela contratação de um plano de saúde, por exemplo, tratamentos, serviços, procedimentos médicos, hospitalares e odontológicos. Desde a entrada em vigor da lei dos planos de saúde, independente da forma de contratação para evitar negativas de assistência e para a proteção do consumidor é obrigatório constar no contrato a cobertura assistencial que está sendo contratada. A lei nos mostra que um plano de saúde pode oferecer a cobertura integral do plano de referência ou a cobertura integral por segmento (ambulatorial, hospitalar com obstetrícia ou odontológica). Não é proibida pela lei a comercialização de planos com cobertura e características superiores ao plano de referência, como os que estabelecem diferentes condições de acomodação ou com cobertura para procedimentos não obrigatórios, como as cirurgias estéticas[83].
A expressão cobertura também se refere à abrangência geográfica do plano de saúde, que indica os locais onde o beneficiário poderá ser atendido. A cobertura geográfica do plano deve vir expressa no contrato, podendo abranger um município, ou um conjunto de municípios (cobertura municipal), um Estado-membro, ou um conjunto de Estados-membros (cobertura estadual) ou ainda todo o território nacional (cobertura nacional) [84].
A ANS poderá contratar especialistas para a execução de trabalhos nas áreas técnica, científica, administrativa, econômica e jurídica, por projeto ou prazo limitado. É vedada à entidade a requisição de pessoal com vínculo empregatício ou contratual a empresas onde exerça seu poder regulador, bem como aos respectivos responsáveis, salvo em comissões de trabalho criadas com fim específico, duração determinada e não integrante da estrutura organizacional, como também de empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista, que tenham o sistema de assistência a saúde na modalidade de autogestão.
As contratações realizadas pela ANS deverão seguir o procedimento geral de licitações da Administração Pública, devendo seguir o previsto nos arts. 54 a 58, da Lei nº 9.472, de 1997, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Aplicando-se também o previsto no art. 24, parágrafo único da Lei nº 8.666, de 1993.
No ano de 2007, segundo dados constantes do site da Agência Nacional de Saúde Suplementar, existia no Brasil 1.933 operadoras com registro ativo, das quais 1.629 com beneficiários. Entre 2001 e 2007 observou-se a redução do número de operadoras no país e o aumento do número de operadoras com beneficiários cadastrados na ANS. Existem mais de 48 milhões de vínculos de beneficiários a planos privados de saúde distribuídos entre as 1.629 operadoras[85].
Nos últimos sete anos, as receitas das contraprestações das operadoras de plano privado de saúde cresceram cento e doze porcento. Em 2001 a receita do setor suplementar era de 22 bilhões de reais e em 2007 passou para 47 bilhões. Neste período, o gasto assistencial das operadoras também cresceu em proporção similar, superando em 2007 os 37 bilhões. E a análise da relação entre as receitas das contraprestações e as despesas assistenciais das operadoras revela que oitenta porcento desta receita se destina à assistência nas operadoras médico-hospitalares, enquanto nas odontológicas o percentual é de cinqüenta porcento[86].
3.3. Amplitudes e Limites à Atuação da ANS
A regulação exercida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar é caracterizada como as ações que definem a estrutura normativa e as referências para o estabelecimento de fronteiras e limites aos procedimentos das operadoras de saúde. Através da ANS, o Estado estabelece o modo pelo qual as operadoras de planos de saúde irão ofertar os serviços, respeitando as expectativas dos consumidores, com o fim de evitar o oportunismo, que pode levar ao desequilíbrio de poder entre os agentes.
A atuação da ANS tem por objetivo intensificar a igualdade de condições entre as partes envolvidas, garantindo a igualdade de competição entre as operadoras e uma atuação benéfica destas para com os consumidores. Assim, a agência deve preocupar-se em manter a igualdade de concorrência entre os diversos agentes, evitando a formação de oligopólios, para a preservação dos consumidores frente a estas práticas de mercado.
A atividade regulatória de uma entidade reguladora é constante e consiste no julgamento e arbitragem de casos concretos, requerendo a feitura de novas normas e o estabelecimento de limites, para que se aprimore a relação entre as operadoras e os consumidores. Desta forma, a regulação visa proporcionar uma equidade de poderes entre a entidade reguladora, os entes regulados e os consumidores, fazendo com que os ganhos e as perdas sejam socialmente aceitáveis e distribuídos entre as partes, com a função de estabilizar as relações entre os agentes envolvidos. Como nos ensina Kornis e Caetano[87], a ampliação da ação do Estado na saúde, regulando a atuação das operadoras, poderá contribuir para a melhoria na prestação do serviço que cada vez é mais importante para as famílias.
Desta maneira, deve-se ampliar as ações públicas na área da saúde para que haja maior qualidade na prestação dos serviços, pois são de extrema importância para a sociedade. As regras do setor são transitórias e reagem à dinâmica do mercado, devendo a ANS atuar constantemente para adaptar o setor às novas situações apresentadas e manter o equilíbrio nas relações.
Antes da criação da ANS, destaca Andreazzi[88], o poder regulatório gerou um jogo de forças por esse poder, brigando duas correntes governamentais pela hegemonia do setor, baseadas em aspectos fundamentais para os consumidores, a exemplo do equilíbrio econômico-financeiro nos planos de saúde. A primeira corrente advém do Ministério da Fazenda, que tem por objetivo a manutenção da estabilidade da moeda e do crescimento do produto e da renda. A segunda corrente tem origem no Ministério da Saúde, com o objetivo de promover a saúde à população, o ponto de defesa da matéria seria a concepção constitucional de saúde como um bem público, sendo direito do cidadão e dever do Estado, idéia que justifica o controle e a fiscalização das operações de planos de saúde por uma agência reguladora. Existe também uma terceira corrente vinculada ao Ministério da Justiça, com o objetivo de regular as relações entre consumidores e operadoras e defender a concorrência.
Os seguros são um ramo da economia que sempre estiveram expostos à atuação estatal, mas no âmbito da saúde não existia regulação específica. A economia se preocupava com a variação dos preços cobrados pelas prestadoras, os investimentos realizados pelas operadoras no mercado financeiro, e a evasão fiscal, entre outros, pois estas práticas têm reflexo na economia de um país, por isso devem ser fiscalizadas por uma entidade governamental, mesmo que independente, para que não se gere especulação e desconforto para os consumidores.
No interesse dos consumidores, a sociedade civil organiza-se em associações, clamando por ações regulatórias, ampliação da cobertura dos planos de saúde e preços flexíveis. Em outro norte, temos as operadoras reivindicando a flexibilização das normas, para assim, oferecerem planos com preços flexíveis e que satisfaçam as necessidades das demandas.
Mesmo recepcionada pela Constituição de 88, a atividade privada de assistência à saúde só teve a criação de regulamentação específica em 1998, quando o Congresso, pela Câmara dos Deputados, aprovou a Lei dos Planos de Saúde, oito anos após a construção do marco legal do SUS. Em destaque, ficou caracterizada a dificuldade de regular o setor, tendo em vista os milhões de consumidores extremamente insatisfeitos com os serviços prestados.
O modelo de regulação adotado pela Lei dos Planos de Saúde de 1998 previa que duas entidades seriam responsáveis pela regulação do setor, o Conselho Nacional de Seguros privados – CNSP, sob supervisão da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, sendo responsável pela emissão de normas e a fiscalização das atividades regulatórias referentes às operadoras, inclusive sua autorização de funcionamento, o controle econômico-financeiro e os reajustes de preços, e o Conselho Nacional de Saúde – CONSU, responsável por assumir a regulação da atividade de produção da assistência à saúde, inclusive a autorização para comercialização do produto e toda a fiscalização relativa a essa área, sendo fiscalizado pelo Ministério da Saúde[89].
Atualmente a Agência Nacional de Saúde Suplementar é a entidade reguladora responsável pela saúde suplementar no país. A ANS é uma autarquia de natureza especial vinculada ao Ministério da Saúde, que tem por finalidade a promoção da defesa do interesse público na assistência à saúde. A partir da promulgação da Lei 9.661/00, que criou a agência, todas as operadoras passaram a se submeter à ANS, quanto à autorização para funcionamento, tipo de serviço oferecido e maneira de operarem. A ANS tem por finalidade o enquadramento do setor, a partir da definição de responsabilidades, do estabelecimento de regras financeiras e de assistência e do incentivo à concorrência, devendo combater as práticas atentatórias à economia.
A regulação adotada pela ANS teve por base a adotada nos setores de telecomunicações, petróleo e energia elétrica que foram objeto das reformas estatais, do Programa Nacional de Desestatização, baseados no modelo de regulação adotados em outros países. A ANS age regulando o mercado das operadoras de planos e seguros privados de saúde, controlando as relações contratuais formadas entre as operadoras e os consumidores, como também, a abrangência da cobertura assistencial, os procedimentos médicos, entre outros e ao contrário das agências criadas na reforma estatal, foi criada para ajustar as falhas de mercado existentes entre operadoras e consumidores. O objetivo de atuação de uma entidade reguladora é o de fornecer mecanismos para que o Estado haja regulando as relações de mercado e defendendo o interesse dos consumidores, corrigindo os desequilíbrios do mercado, devendo ainda, equilibrar os valores políticos e sociais relacionados ao serviço público regulado, controlar as informações do setor e maximizar a participação dos consumidores no mercado.
A ANS já encontra-se estruturada e com atuação plena, mas a abrangência do poder regulador atribuído a esta entidade desperta no meio acadêmico discussões a cerca da atividade desempenhada, quanto à competência e finalidade da entidade para atuação, devendo os objetivos do ente estar em permanente alteração para buscar os melhores interesses da ação reguladora. Vale ressaltar que o setor de planos e seguros de saúde há mais de quarenta anos não sofria qualquer controle estatal e que a instituição da ANS foi de máxima importância para o seu desenvolvimento.
3.3.1 Contrato de gestão
Um dos instrumentos de fundamental importância para o desenvolvimento do exercício do papel do Estado regulador foi o contrato de gestão, sendo um mecanismo de acompanhamento da avaliação de resultados das agências reguladoras. O contrato de gestão foi introduzido pela Emenda Constitucional nº 19/98, com a finalidade de dar uma maior autonomia para o administrador público, compromissando-o com os resultados a serem alcançados e a transparência nas informações sobre o desempenho institucional. A finalidade de um contrato de gestão é conferir maior autonomia aos órgãos e entidades da Administração, permitindo a consecução de metas previamente definidas e que devem ser atingidas no prazo fixado em contrato, devendo prever um controle de resultados com a função de orientar a Administração Pública quanto a manter, rescindir ou alterar o contrato[90].
O contrato de gestão deve conter as metas a serem atingidas, a compatibilidade dos planos anuais com o orçamento e meios necessários à sua consecução, as medidas legais e administrativas para assegurar a autonomia de gestão orçamentária, financeira e administrativa, as penalidades aplicadas em caso de descumprimento de metas, as condições de revisão, renovação e rescisão do contrato e o prazo de vigência.
Celebrado o contrato de gestão com o Ministério supervisor, o reconhecimento como agência executiva ou de um regime jurídico especial se dá pela atribuição de um tratamento diferenciado à entidade, quanto à autonomia gerencial e ao gerenciamento de recursos.
As agências reguladoras, vale destacar, foram definidas como autarquias especiais porque o legislador assim determinou na sua constituição, definindo um conjunto de garantias particulares, como autonomia decisória, administrativa ou financeira, que as distingue das demais autarquias. Os contratos seriam um instrumento adicional de controle social e de aperfeiçoamento da gestão e desempenho das agências, para assegurar a compatibilidade entre meios e fins e viabilizar melhores condições operacionais para as agências[91].
Desta maneira, podemos verificar que algumas agências reguladoras (ANEEL, ANA, ANVISA e ANS) estão obrigadas por força das leis criadoras a celebrar contrato de gestão com os Ministérios a que estão vinculadas. Os contratos de gestão não representam limitações à atuação da agência, sendo um meio capaz para análise da autonomia das agências e a transparência na gestão e o compromisso com a sociedade.
Por força do artigo 14 da Lei nº 9.961/00, a ANS deve ter sua administração regida por um contrato de gestão firmado com o Ministério da Saúde e aprovado pelo Conselho de Saúde Suplementar. O contrato de gestão é um instrumento de avaliação do desempenho das atividades da entidade, baseado em parâmetros pré-estabelecidos, que formam um conjunto de metas e indicadores a serem seguidos para a verificação de resultados. Esse mecanismo de avaliação proporciona ao Ministério supervisor o poder de verificar o cumprimento das metas de atuação da ANS e lhe dá competência para corrigir eventuais desvios de condutas. A agência deve disponibilizar ao Ministério da Saúde dados para a verificação do cumprimento de suas funções, o Ministério elaborará um parecer certificando ou não cumprimento do contrato de gestão.
Desta maneira, podemos verificar que o modelo de contrato de gestão adotado pela ANS é uma forma de controle horizontal, pois configura uma medida limitadora da ação da entidade, sujeita na fase pré-contratual a análise de metas pelo CONSU e na fase contratual a supervisão e controle pelo Ministério da Saúde. Na relação contratual a atuação do Ministério supervisor visa a obtenção dos resultados propostos e que as ações desenvolvidas pela ANS estejam de acordo com as políticas de saúde. No exercício do controle horizontal o Ministério pode intervir nas ações da entidade reguladora e determinar a perda do mandato dos dirigentes que agirem contrariamente ao contrato de gestão, representando um fator limitador da sua autonomia e independência, sem interferir no poder regulador da agência, impondo à entidade que no exercício do poder mantenha afinidade com as diretrizes gerais e específicas do Ministério da Saúde e com as políticas governamentais de saúde[92].
3.3.2 Condições de entrada, permanência e saída
Podemos destacar que antes da regulação as empresas agiam livremente e baseavam-se na legislação societária. A assistência à saúde, quanto à cobertura, era definida livremente, as operadoras podiam praticar seleção de risco, excluir usuários unilateralmente, e estabelecer carências e reajustes da maneira que melhor lhe conviesse. Com a criação da ANS o setor sofreu grandes mudanças, pois a atuação das operadoras passou a ser controlada pela entidade, foram criadas regras uniformes, sujeitando as operadoras à intervenção e liquidação por parte da agência, criou-se a exigência de reservas de capital para oferecer garantias financeiras, a integral assistência dos beneficiários, proibiu-se a seleção de risco e o rompimento unilateral do contrato, as carências passaram a ser definidas e limitadas e os reajustes de preços controlados pela entidade reguladora[93].
Na regulação, a agência deve definir as condições de entrada, permanência e saída do setor, exigindo das operadoras a constituição de reservas e garantias para comprovação do seu equilíbrio econômico-financeiro, para que os consumidores tenham segurança do cumprimento dos contratos por parte das empresas e garantir a transparência na competitividade do setor.
Como observado anteriormente, para que as empresas se constituam em operadoras de planos privados de saúde devem atender as exigências da ANS, devendo em primeiro lugar possuir um registro provisório junto à entidade e atender aos requisitos da RDC nº 5. Para assumir ao cargo de administrador de uma operadora, as pessoas nomeadas deverão comprovar a capacitação técnico-profissional, reputação ilibada, sem impedimentos legais, não estar sob efeito de condenação nos crimes de prevaricação, corrupção ativa ou passiva, concussão, peculato, crimes contra a economia popular e não ter participado de empresas que estejam sob direção fiscal ou liquidação extrajudicial. Vale ressaltar que a regulação da ANS não diferencia as empresas que já operavam antes da sua criação das empresas que foram constituídas posteriormente, a lei atinge todas as empresas e dá competência à ANS para estabelecer os mecanismos de transição.
A promoção da concorrência deve ser estimulada pela ANS e constitui um de seus principais objetivos, devendo a agência oferecer condições abrangentes de competição às operadoras de saúde e trazer benefícios tanto para elas quanto para os consumidores. Nessa atuação, a entidade deve monitorar o mercado e a partir do seu banco de dados verificar a ocorrência de concorrência desleal, monopólio natural e estatal, e executar operações para coibi-los, pois o mercado de saúde não pode ser submetido às mesmas ingerências que ocorrem nos outros mercados[94].
A ANS deve desenvolver também atividades preventivas de proteção aos consumidores, a partir da elaboração de planos de fiscalização, que podem trazer indicadores de riscos para os consumidores, estabelecidos a partir de estudos permanentes do funcionamento do mercado e inovações trazidas pelas empresas, dados estes obtidos pelos bancos de dados da entidade e em parceria com os órgãos de defesa dos consumidores.
Para acompanhar o desempenho do mercado de saúde a ANS criou mecanismos regulatórios de controle na área econômico-financeira e contábil, para agregar subsídios para melhor acompanhar o comportamento do setor. O Plano de Contas Padrão foi criado pela RDC nº 38 de 27 de outubro de 2000, com a finalidade de padronizar o mercado, sendo o principal instrumento de controle operacional das operadoras de saúde, pois facilita a coleta de dados das empresas, para que a ANS analise o desempenho dos agentes regulados, permitindo a verificação do desempenho da operadora em toda sua existência, o comparativo com outras operadoras e uma melhor fiscalização da agência, já que as empresas constantemente devem preencher os Documentos de Informações Periódicas das Operadoras de Plano de Saúde – DIOPS. É certo que a implantação do Plano de Contas Padrão trouxe muitos benefícios para a gestão do setor[95].
O DIOPS, aplicativo onde as operadoras preenchem dados cadastrais e contábeis e enviam para análise da ANS, facilita o acompanhamento individual de cada operadora de planos de saúde, o acompanhamento dos diversos setores que prestam serviços de saúde e subsidia a entidade reguladora com dados relevantes para melhor compreensão do mercado. O Plano de Contas Padrão auxilia a ANS na tomada de decisões, em face da amplitude do mercado. O PCP padronizou o envio de dados, obrigou as empresas a prestarem informações periodicamente e facilitou o acompanhamento da situação econômica das operadoras.
Ao regulamentar a área econômico-financeira e contábil, a ANS estabeleceu um novo formato de mercado, exigindo que as empresas sejam mais profissionais, estimulando a concorrência, que sejam mais competitivas e mais estáveis.
Com a criação do PCP a agência teve que fixar critérios para a avaliação e acompanhamento da solvência das operadoras de saúde, e com o lançamento da RDC nº 77, de 17 de julho de 2001, desenvolveu um modelo simplificado, observando as especificidades de cada empresa nos diversos segmentos do mercado de saúde suplementar. Modelo contemplado com premissas técnicas, baseados em princípios atuariais e na capacidade das operadoras em solver seus compromissos futuros, fixando parâmetros a serem cumpridos pelas operadoras, em face da descapitalização do mercado e estabelecido em variáveis fixadas pela agência, a exemplo do capital mínimo, provisão de risco, índice de giro de operação, entre outras. Esse conjunto de medidas adotado pela RDC 77 forma a totalidade de garantias financeiras[96].
Em julho de 2008 a ANS criou a Resolução Normativa nº 173, que obriga as operadoras a enviarem mensalmente por meio eletrônico, até o dia 10 do mês subseqüente, o fluxo de caixa, composto pelo envio dos dados financeiros do mês.
A ANS também criou um sistema de Troca de Informação em Saúde Suplementar – TISS, para o registro e intercâmbio de dados entre operadoras e prestadores de serviços. É um mecanismo que desburocratizou a troca de informações, pois facilitou a comunicação entre os atores do setor e estabeleceu um padrão para todos, sendo uma ferramenta fundamental para o setor, pois norteia avaliações clínicas, epidemiológicas e gerenciais, orienta decisões e planejamentos, embasa as estatísticas da ANS e de outros órgãos governamentais.
A fiscalização realizada pela ANS tem como papel operacional a adequação das operadoras atuantes no setor da saúde suplementar às regras de regulamentação, podendo pelo poder de polícia que lhe é atribuído, no exercício de sua atividade, imputar sanções às empresas que não adotarem as regras em vigor. Assim, a fiscalização realizada pela entidade exerce um papel garantidor da efetividade da regulação do setor.
O exercício do poder de polícia pela ANS se dá direta e indiretamente. A fiscalização direta é exercida pela apuração de denúncias e representações e pelo cumprimento de diligências nas operadoras. A fiscalização direta tem muita visibilidade, pois a ANS é umas das únicas instituições que publica as multas de 1ª instância no Diário Oficial da União, e seu resultado serve para avaliar a efetividade da atividade regulatória. A fiscalização indireta é exercida pelo acompanhamento e monitoramento da operadora, baseado nos dados oferecidos e no cruzamento das informações. Os mecanismos de fiscalização indireta produzem impacto sobre todos os usuários das operadoras, se divide em Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta, Planos de Recuperação, Regimes Especiais (direção fiscal e/ou técnica, liquidação extrajudicial) e Alienação Compulsória de Carteira e Leilão[97].
As operadoras com alto índice de denúncias e multas referentes a infrações concernentes aos contratos devem firmar Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta (TCAC), assumindo o compromisso de corrigir as falhas contratuais. Os TCAC já beneficiaram milhões de usuários e a multa em caso de descumprimento é de um milhão de reais.
A ANS pode impor às operadoras a apresentação de um Plano de Recuperação capaz de normalizar o seu equilíbrio econômico-financeiro, contendo metas e prazos para a recuperação da operadora. A agência avalia o plano, faz a sua aprovação e acompanha toda a sua execução, podendo exigir dos administradores garantias financeiras para o seu cumprimento.
A adoção de direção fiscal e/ou técnica, se dá quando constatado pela ANS irregularidades graves, como o descumprimento do plano de recuperação, desta maneira, a administração da operadora passa a ser acompanhada e controlada por um representante indicado pela ANS. No regime especial de direção fiscal, os bens dos administradores ficam indisponíveis e pode haver o cancelamento do registro da operadora, quando não houver usuários ou débitos com prestadores. Encerra-se a intervenção quando a operadora demonstra condições de recuperação. Quando fica comprovada a incapacidade de recuperação, é decretada a liquidação extrajudicial da operadora, que pode ser transformada em falência pela ANS.
A Alienação Compulsória de Carteira é decretada para garantir o atendimento dos usuários, em um prazo de 30 dias, prorrogável por igual período, na transferência da carteira deve ser garantido todos os direitos do usuário. A alienação é determinada para operadoras em regime de direção fiscal, que não demonstram capacidade de recuperação. Se não ocorrer a alienação compulsória, a ANS determinará o Leilão da carteira, buscando operadoras que mantenham as condições contratuais e ofereçam o ingresso em seus planos sem período de carência[98].
A fiscalização direta se divide em reativa e planejada. A fiscalização é reativa quando fiscaliza o mercado através de problemas pontuais apresentados pelos consumidores, através de denúncias e representações, atribuindo sanções referentes às infrações à legislação setorial. A fiscalização planejada ocorre de duas maneiras, uma como verificadora e analista do mercado em relação à adequação aos regulamentos do setor, a partir de amostras, buscando verificar e constatar a adoção de todos os itens programados para a área contábil, econômico-financeira e assistencial, e a outra como educadora do setor, quando inspeciona todos os itens objeto de sua competência, imputando sanções aos descumprimentos e fazendo recomendações[99].
A saída de uma operadora do mercado de saúde deve ser regulada pela ANS, tendo em vista as regras impostas pela entidade, que proíbem o livre trânsito das operadoras. Conforme a RDC nº 5 para o cancelamento do registro provisório de funcionamento, ou seja, para sair do mercado, o responsável pela operadora deverá apresentar à ANS uma solicitação do cancelamento dos planos registrados, comprovando o cancelamento, que não possui nenhum usuário e que não tem dívidas com os prestadores de serviços. As operadoras não podem pedir concordata e os seus credores a falência, pois a liquidação de uma operadora ocorre através da ANS, como uma forma de garantir o direito dos consumidores.
A exclusão de uma operadora poderá ocorrer voluntária ou compulsoriamente, esta ocorrendo quando, no exercício das atribuições conferidas pelo art. 1º, da Lei 9.661/00, a agência determinar a liquidação extrajudicial da empresa, em decorrência do risco oferecido aos destinatários da sua atividade, com o intuito de proteger os consumidores das ingerências em razão dos fatos de mercado cometidas pelos administradores das empresas.
Vale destacar que, além da atividade regulatória, cabe à ANS instaurar a liquidação extrajudicial, autorizando o liquidante a requerer a falência ou insolvência civil da operadora, nos casos em que o ativo da massa não seja suficiente para o pagamento da metade dos créditos quirografários, ou quando o ativo da massa não for suficiente para o pagamento das despesas administrativas e operacionais da liquidação extrajudicial, ou nas hipóteses previstas nos art. 186 a 189 do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. A ANS não é a liquidante, mas quem determina a liquidação, nomeia o liquidante, que pode ser um particular ou servidor da entidade, com amplos poderes de administração e liquidação, podendo propor ações e representar a massa. O seu papel é de fundamental importância, pois deve promover a totalização do ativo para o pagamento dos credores, obedecidos os limites da massa, e se não cumprir com os seus deveres será destituído do cargo, respondendo pelos prejuízos causados.
A liquidação extrajudicial só acontece quando for detectado problemas econômico-financeiros irrecuperáveis, devendo a operadora de planos de saúde passar primeiro por um Plano de Recuperação, constituído de prazos e metas, indicando os procedimentos a serem adotados para a recuperação, ou direção fiscal e/ou direção técnica.
O regime de direção fiscal ou direção técnica são mecanismos de regulação que funcionam como alternativas de correção das atividades das operadoras. A operadora de planos de saúde em dificuldades econômico-financeira, em vez de ser retirada do mercado, é dada a oportunidade de corrigir suas falhas e regularizar seu funcionamento, devendo ser aplicado um dos regimes de direção para a preservação do mercado. Desta maneira, os regimes de direção fiscal e técnica são alternativas à liquidação das atividades das operadoras, que continuam a operar, sob uma intervenção.
A saída voluntária de uma operadora poderá ocorrer por meio de pedido de cancelamento de registro, transferência de controle da operadora ou transferência das carteiras. O cancelamento do registro provisório, como já mencionado, ocorre por meio do preenchimento dos requisitos da RDC nº 5 e nasce do poder de fiscalização da ANS, ou por pedido da operadora. Para o pedido é necessário a comprovação da não comercialização de planos, a não existência de beneficiários e de débitos com os prestadores de serviço. A transferência de controle ocorre pela mudança do controle acionário ou societário, que deve ser aprovado pela ANS, antes da mudança na Junta Comercial. A transferência de carteira ocorre quando a ANS identifica na operadora risco para a continuidade da assistência à saúde, ou na vigência de regime de direção fiscal e/ou técnica que determina a alienação compulsória da carteira, que deve manter as mesmas condições do contrato sem restringir os direitos ou prejudicar os consumidores. A legislação estabelece que as operadoras poderão transferir voluntariamente as carteiras, desde que mantenham as condições do contrato originário, inclusive quanto à data de aniversário do reajuste da contraprestação pecuniária e vedado o estabelecimento de carência adicional[100].
3.3.3 Relações com o SUS
A agência deve estabelecer ações de fomento, fiscalização e controle dos modelos assistenciais existentes no país, sendo assim a formulação de políticas de saúde responsabilidade do Estado, que deve desenvolver práticas para o aperfeiçoamento da saúde, seja direta, pelo o Ministério da Saúde, ou indiretamente pela ANS, pois a concepção constitucional vigente considera a saúde como um bem essencial à vida e de relevância pública, como também, considera a participação complementar das instituições privadas em face do Sistema Único de Saúde – SUS.
A Constituição Federal de 1988, as portarias e normas operacionais emitidas pelo Ministério da Saúde, as decisões, as instruções normativas, resoluções e portarias da ANS e as legislações complementares definem saúde de uma forma abrangente, caracterizada por um conjunto de fatores sociais, econômicos, ambientais e culturais advindos da sociedade.
Estes fatores interagem com questões locais, hábitos pessoais, transformando o local como o palco principal da interação entre partes, fatores e circunstâncias determinantes da saúde. Todas estas premissas influenciaram o desenvolvimento do SUS e devem integrar o modo de agir da ANS para o desenvolvimento da assistência a saúde suplementar no país.
Vale ressaltar que a maior parte da rede privada de saúde foi criada e desenvolvida por investimentos e subsídios dados pelo setor público, como exemplo, podemos citar a renúncia fiscal oferecida a diversas operadoras, que permanecem em sua grande maioria oferecendo serviços ao SUS.
A ANS vem elaborando uma política de integração das informações oferecidas pelas operadoras, para assim, produzir conhecimento sobre o setor. Desta forma, investe na compra de novos equipamentos, na transmissão de dados e na criação de uma política de segurança. A agência vem aprimorando o sistema de ressarcimento ao SUS através da integração das informações prestadas pelas prestadoras e os bancos de dados do SUS, com a finalidade de facilitar o reembolso das despesas no sistema público, evitar a ocorrência de fraude e diminuir os questionamentos judiciais.
A ANS não tem poder de interferir no SUS, mas algumas ações das operadoras de saúde estão relacionadas ao Sistema Único, pois derivam de parcerias entre os estabelecimentos privados e o ente condutor do sistema de saúde pública, para a realização de certos procedimentos hospitalares, a exemplo, dos transplantes, hemodiálises, etc.
A legislação setorial estabelece que as operadoras devem ressarcir o SUS, em valores superiores pagos por este, os atendimentos realizados em sua rede a usuários de planos privados de assistência à saúde, procedimentos estes com cobertura previstas nos contratos. Nos contratos novos, as exclusões ao ressarcimento ao SUS estão limitadas ao período de carência, à cobertura parcial temporária, à área de abrangência do contrato e à segmentação. Nos contratos antigos, as exclusões abrangem as exclusões de cobertura previstas nos contratos velhos, que não foram adaptados[101].
O ressarcimento é cobrado com base na Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos – TUNEP, e os valores em média são uma vez e meia superiores à tabela do SUS, sendo reembolsado o Fundo Nacional de Saúde pelo valor pago pelo SUS e o prestador com a diferença entre a TUNEP e a tabela do SUS. O ressarcimento é realizado sem o envolvimento do usuário que foi atendido pelo SUS, a ANS pelo DATASUS compara o cadastro dos beneficiários com as autorizações de internação hospitalar pagas pelo SUS, identifica o usuário e informa a operadora para que proceda ao ressarcimento. Vale ressaltar que o instituto do Ressarcimento ao SUS é objeto de uma ADIN perante o STF, e que muitas operadoras recusam-se a fazer o seu pagamento.
Desta forma, ensina Andreazzi[102], que a ANS deveria adotar um sistema de regulação descentralizado, igual ao do SUS, e a partir da atuação de entidades locais, municipais, melhorando a qualidade do serviço e a comunicação das necessidades locais à agência reguladora, que se daria por um gestor municipal, representante da entidade existente em cada município. A partir do encaminhamento desses dados à ANS, e do cruzamento deles com os do SUS, seria fortalecida a regulação e a gestão da agência, que seria mais eficiente e abrangente. Destaca-se que para a aplicação dessas idéias, seria necessário uma reforma na lei instituidora da entidade.
3.3.4 Desafios do setor
A partir da década de 80 a sociedade passou a exigir uma maior atuação do Estado em face ao desrespeito ou abusos nas relações contratuais existentes entre operadoras de plano de saúde e consumidores. Em 1990 foi editado o Código de Defesa do Consumidor, que não conseguiu reduzir as reclamações dos consumidores, principalmente dos mais idosos.
O sistema de saúde suplementar é considerado mutualista, pois todos os usuários pagam para que alguns utilizem o serviço. As operadoras, com a finalidade de aumentar seus lucros, faziam uso da seleção de risco, excluíam os beneficiários idosos, com aumentos abusivos das mensalidades e limitações na assistência. Autorizadas pelos contratos, as operadoras impunham todo tipo de limitação ao atendimento de seus clientes, mas com a criação da Lei dos planos de saúde, as operadoras foram obrigadas a fornecer assistência integral, devendo abranger todas as doenças previstas na Classificação da Organização Mundial de Saúde.
Outro problema que podemos destacar são os limites contratuais existentes nos planos antigos, aqueles assinados antes da vigência da Lei 9.656/98, onde barreiras assistenciais são percebidas quando o cliente necessita de um atendimento vetado pelo contrato. Os contratos antigos são os que geram até hoje o maior número de reclamações na ANS e nos órgãos de defesa dos consumidores.
As relações no setor de saúde são estabelecidas da seguinte maneira, de um lado o consumidor necessita da operadora para fornecer a assistência e assumir os riscos da atividade e do outro a operadora, que necessita de uma grande quantidade de clientes para viabilizar o negócio e prestadores de serviço de saúde para atender os consumidores. Os prestadores de serviço se beneficiam dos clientes das operadoras sem assumir o risco do negócio. Com estas situações, observamos que o mercado fica cada vez mais acirrado, tendo em vista que cada uma das pessoas citadas busca privilegiar seus próprios interesses e ignoram a dependência existente entre eles.
A ANS deve buscar um ponto de equilíbrio para viabilizar o acesso à saúde da população que optou pelo uso de assistência privada a saúde. Assim, a agência deve garantir o cumprimento dos contratos e das obrigações legais, oferecer meios para a resolução dos conflitos, evitar o uso indiscriminado dos serviços, equilibrar os custos das operações e propiciar meios para o desenvolvimento do setor.
A Agência Nacional de Saúde não é uma instância do Judiciário, não tendo instrumentos para garantir a reparação de danos individuais. Deste modo, quando o consumidor for lesado deve buscar a reparação junto ao Poder judiciário. A ANS tem o poder de aplicar multas às operadoras que praticarem atos contrários ao estabelecido nas leis e resoluções, mas não pode obrigar a operadora a reparar o dano causado ao consumidor. Exemplificando, uma denúncia de recusa de atendimento por parte de uma operadora pode gerar o pagamento de multa e a reincidência uma intervenção da ANS, em casos extremos pode optar pela liquidação extrajudicial da operadora, mas a entidade não pode obrigar a operadora a liberar o atendimento. A busca pela reparação de danos deve se dar perante o Judiciário, sendo essa a diferença entre a ação reguladora e a ação judicial.
A ANS deve coibir a criação de falsos planos de saúde, proibindo a atuação de empresas que não se submeteram ao seu poder regulador e atuam sem oferecer qualquer garantia de assistência à saúde, devendo ampliar as ações contra essas operadoras, inclusive através de parcerias com o Ministério Público, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e os órgãos e de proteção e defesa dos consumidores[103].
3.3.5 Controle e avaliação
Devem ser desenvolvidos sistemas de avaliação e controle das atividades exercidas pela ANS para que possa haver o aperfeiçoamento das suas decisões e gestão. No Estado Regulador o poder advém da capacidade de criar e impor regras, regular o setor, e da capacidade de oferecer incentivos. Ao regular, a agência quer assegurar que as atividades desempenhadas pelos agentes de mercado consigam manter-se econômica e socialmente. No âmbito da saúde suplementar, por tudo que foi exposto, vemos que é necessária a participação da ANS, como forma de representação do poder público no setor, mas a sua atuação deve ser controlada, avaliada, para evitar manipulação da entidade por interesses políticas ou pelos entes regulados.
Na avaliação de uma agência reguladora devemos estimar o impacto de sua atuação e os custos e benefícios que gera para a sociedade e a sua eficiência em face de outras entidades reguladoras. O uso de mecanismos de avaliação sobre as agências e a sua ampla divulgação são práticas que contribuem para o desenvolvimento da atividade regulatória.
Deve-se buscar o equilíbrio entre a regulação e os incentivos, devendo garantir que as ofertas públicas e privadas de serviço se completem, sem que as normas reguladoras não ampliem os investimentos privados, para não os onerar mais que o legalmente previsto, como também, o equilíbrio dos poderes das pessoas envolvidas no setor, para que a entidade não seja controlada por nenhuma dessas pessoas. A agência deve sempre redefinir seu papel de atuação para responder ao jogo de interesse do setor, buscando com a sua atuação reguladora o dinamismo nas relações.
Espera-se que o processo de regulação seja orientado por um sistema de avaliação e controle, desta forma, as práticas avaliativas devem permear as decisões oriundas da entidade reguladora. O processo de regulação deve ser acompanhado por um conjunto de medidas objetivas, que facilitem a verificação do cumprimento da sua finalidade. A ANS pode ser controlada por todos os meios e formas expostos no capítulo dois do presente trabalho, mas também pelas maneiras a seguir apresentadas.
Pode-se fazer avaliação por um sistema de indicadores, sendo parte dos caminhos de avaliação a serem seguidos no sistema global de avaliação. Os indicadores dispõem de dados imediatos sobre o desempenho conseguido, devendo-se buscar indicadores relacionados aos fatos que se quer avaliar[104].
Na avaliação por indicadores podemos ter nas agências uma avaliação baseada em indicadores contábeis, que ajudará a acompanhar os gastos e crescimento da entidade, pois oferecem uma estimativa dos valores que passam pela agência, permitindo a verificação da sua autonomia. As ações da ANS têm um forte impacto no mercado, contribuindo para o aumento dos preços dos planos oferecidos pelas operadoras e dos prestadores de serviço, por isso a verificação contábil da agência é de suma importância para os consumidores[105].
Os indicadores devem ser criados com base na atuação da ANS, podendo ocorrer na emissão de parâmetros de atuação para os entes regulados, nas fiscalizações realizadas, autuação pela inobservância das normas e transgressão de parâmetros.
Também se faz necessário a avaliação da agência pela participação do seu público, devendo ela criar canais de comunicação, para captar as respostas das partes. Na ANS merece destaque os seguintes meios de comunicação: as câmaras setoriais e conselhos consultivos, que se caracterizam pela reunião periódica de representantes das categorias interessadas no setor, com o intuito de discuti-lo, sendo as vantagens desse meio a junção dos agentes responsáveis pelo processo, com a criação de possibilidades de agendas e a busca pela convergência de interesses, e a Ouvidoria, que permite a inclusão dos consumidores, pois permite a realização de críticas e contribuições, que podem ser usadas para o desenvolvimento institucional da agência, entre outros.
A implantação de mecanismos de avaliação e controle deve ser uma meta da ANS, para que a entidade tenha a capacidade de aprender com as situações adversas. No desenvolvimento do controle deve disponibilizar meios para a sua fiscalização, para que todos possam verificar o cumprimento fiel de suas atividades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estado brasileiro passou por algumas mudanças ao longo da história. Em grande parte do século XX, ele representou o Estado Social, modelo no qual o Estado intervém diretamente na ordem econômica, exercendo ativamente atividades de cunho estritamente privado. No entanto, o modelo de Estado provedor brasileiro estava, no final do século XX, bastante desgastado, pois havia uma enorme burocratização na Administração Pública, e, portanto, não havia um dinamismo capaz de atender às reformas que o Estado necessitava. Logo, o Estado provedor é substituído pelo Estado regulador, neoliberal, agindo de forma subsidiária nas atividades econômicas.
Em busca dessa nova adaptação, o Estado brasileiro providenciou a introdução, em seu ordenamento jurídico, de emendas que alteraram o texto constitucional de 1988 e de legislações infraconstitucionais. Neste contexto surgiram as agências reguladoras, autarquias especiais que tinham o dever de regular o exercício dos agentes econômicos privados que estavam prestando serviços de interesse público.
Assim como as demais atividades, a saúde também passa a ser prestada, em grande parte, pela iniciativa privada. Antes da regulação do setor, as empresas que forneciam os serviços ligados à área da saúde agiam livremente. Em suas ações não se considerava a relevância do setor, nem mesmo o grau de interferência que o mesmo possuía em relação à sociedade. Deste modo, as operadoras podiam praticar seleção de risco, excluir usuários unilateralmente, e estabelecer carências e reajustes da maneira que melhor lhe conviesse. Ou seja, agiam em favor de seus próprios interesses, e na maioria das vezes em prejuízo da população.
Mais uma vez o Estado enxergou a necessidade de regular uma atividade que não mais prestava diretamente de forma integral, e que se encontrava entregue à iniciativa privada, na sua maior parte, para defender os interesses da coletividade, já que o mesmo deixou de ser um Estado Empresário para se tornar um Estado Regulador. E no caso em questão o problema se tornava ainda mais relevante, pois o setor tratado dizia respeito à saúde, direito este garantido constitucionalmente e ligado à própria vida, direito supremo da pessoa humana. Neste contexto é criada a ANS como ente público responsável pela regulação da saúde suplementar no Brasil.
As condições institucionais para a montagem do atual sistema regulatório da saúde suplementar com maior capacidade de atuação foi impulsionada pela criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, em 2000, tendo em vista que a agência unificou as atividades de regulação em uma única entidade e foi constituída como uma autarquia em regime especial, com autonomia decisória, técnica, econômica e financeira.
As ações desenvolvidas pela ANS comprovam um grande esforço da entidade pela normatização do setor e definição de regras de funcionamento do mercado, podendo-se destacar as coberturas assistenciais e condições de acesso, entrada, permanência e saída das operadoras, reajustes de preços, fiscalização das atividades desenvolvidas pelas operadoras, bem como a operação e comercialização dos planos, monitoramento dos contratos e ressarcimento ao SUS.
Reconhecemos, portanto, que a ANS produziu avanços significativos no setor, pois padronizou e estabeleceu as condições para a operação de uma área que há mais de 30 anos operava sem nenhum regramento. Muitas injustiças que antes eram ocorridas foram sanadas ou evitadas através de sua regulação, e suas práticas privilegiaram a concorrência saudável entre as operadoras, proporcionando melhoras significativas nos serviços prestados.
Mas a agência ainda encontra muitos desafios no presente e para o futuro, pois as operadoras ainda adotam algumas práticas prejudiciais aos consumidores em detrimento de todos os regramentos impostos. No entanto, o principal de seus desafios se refere à saúde pública, pois esta se encontra cada vez mais sucateada, em razão da falta de investimentos e da corrupção generalizada, e empurra a massa da população para a saúde privada, que perde paulatinamente o seu caráter suplementar e passa a ser a principal via de acesso à saúde, é claro, para os que possuem condições para arcar com seus custos.
Cabe ressaltar que é de suma importância uma fiscalização consistente na entidade reguladora, para evitar a sua captura pelas demais pessoas envolvidas no setor, bem como para verificar o cumprimento dos preceitos legais e a utilização dos poderes que lhe são atribuídos, observando sempre se estão em consonância com a lei e em respeito ao interesse público. Sua autonomia não pode, nunca, justificar práticas abusivas ou ilegais, e nem mesmo privilegiar alguns em detrimento de todos. Do contrário, a atuação da ANS deve sempre ser pautada na legalidade e no interesse público.
O presente trabalho pode seguir caminho em possíveis estudos de pós-graduação nas áreas de direito econômico, estudando a reforma do Estado e a sua atuação no domínio econômico, como também na área do direito do consumidor, realizando pesquisa com base na relação de consumo existente entre os consumidores de planos privados de saúde e as operadoras, como ainda, na área do direito administrativo analisando o controle exercido sobre a atuação da ANS, entre outros vários caminhos que se podem vislumbrar.
As conclusões aqui apresentadas não têm força de esgotar a análise de questões referentes ao tema em apreço, devido á complexidade que envolve a matéria tratada. Vale ainda afirmar que, em contrapartida à dificuldade que existe em analisar um tema tão importante e minucioso, está o grande e instigante desafio em contribuir ao meio acadêmico por meio de idéias, e à vida prática através de soluções.
Informações Sobre o Autor
Márcio Roberto Montenegro Batista Junior
Advogado. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa 2008. Especialista em Direito Civil e Direto Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia da Paraíba em parceria com a Faculdade Maurício de Nassau 2013