Agentes infiltrados x ação criminosa

Sem a devida regulamentação legal, pois apenas vem referido no artigo 2° V da Lei 9034/95, consiste basicamente em permitir a um agente da Polícia ou de serviço de inteligência  infiltrar-se no seio da Organização Criminosa, passando a integrá-la como se criminoso fosse, – na verdade como se um novo integrante fosse. Agindo assim, penetrando no organismo e participando das atividades diárias, das conversas, problemas e decisões, como também por vezes de situações concretas, ele passa a ter condições de melhor compreendê-la para melhor combatê-la através do repasse das informações às autoridades.

As vantagens que podem advir desse mecanismo processual são evidentes: Fatos criminosos não esclarecidos podem ser desvelados, “modus operandi”, nomes – principalmente dos “cabeças” da organização, nomes de “testas de ferro”, bens, planos de execução de crimes, agentes públicos envolvidos, nomes de empresas e outros mecanismos utilizados para a lavagem de dinheiro, etc.

Mas há questões que não podem escapar de análise do intérprete da lei, na forma da sistemática jurídica vigente. São eles:

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Prática de crimes e Princípio da Proporcionalidade: Considerando ainda que uma vez integrante da organização criminosa, prévia autorização judicial, pode-se imaginar a situação em que o agente infiltrado que não co-participar de alguns delitos, praticando inclusive atos de execução, pode ter a sua identidade descoberta pelos criminosos ou quando menos, ter contra ele suspeitas levantadas, frustrando o procedimento e até sujeitando-o a risco de vida – por razões óbvias. Como resolver então essa questão? Pode o agente infiltrado co-participar de qualquer espécie de crime? Poderia ele praticar um homicídio, um roubo mediante emprego de arma de fogo, extorsão mediante seqüestro, ou uma exigência e divisão de dinheiro?

A resposta parece estar mais uma vez na solução adotada pioneiramente pela doutrina alemã chamada de Princípio da Proporcionalidade Constitucional, ou Verhaltnismaßigkeitsgrudsatz, segundo o qual, numa situação real de conflito entre dois princípios constitucionais, deve-se decidir por aquela de maior peso. Considera-se que não pode haver normas Constitucionais absolutas e nem contraditórias e portanto elas devem ser interpretadas de forma que coexistam em harmonia. Desta forma, entre dois princípios constitucionais aparentemente de igual peso, prevalecerá aquele de maior valor. Exemplificando, entre a vida e a intimidade ou a privacidade, evidentemente que primeira tem maior peso, merecendo, em caso de necessidade, a sua eleição em detrimento das demais. Nada poderia justificar  o sacrifício de uma vida em favor da infiltração do agente e este deverá utilizar de todas as suas habilidades para impedi-lo. Claro que um policial infiltrado, impossibilitado de impedir o pior, em caso extremo, como por exemplo com uma arma apontada para sua cabeça, e a ordem do criminoso que atire em outra pessoa, a solução estará nos princípios do direito penal, no caso, que nos parecer, a excludente de culpabilidade pela coação moral irresistível.

Seguindo o mesmo raciocínio com base do princípio da proporcionalidade, se um agente infiltrado estiver diante da situação em que tenha que admitir receber algum dinheiro, poderá aceitar para repassá-lo às autoridades na primeira oportunidade, acompanhado de relatório circunstanciado, para que seja devidamente apreendido e documentado.

Nos casos em que houver dúvida a respeito da maior validade da prova processual deste sistema de pesos e contrapesos, para se decidir o “atuar ou não”, interpretamos que, havendo tempo hábil para análise, a decisão deverá ficar a cargo do Promotor de Justiça – quanto à decisão imediata da conduta, para que posteriormente o Juiz de Direito a admita ou não como lícita já em plano de eventual processo penal.

Enfim, o agente infiltrado poderá até praticar condutas típicas (que não são crimes porquanto não sejam antijurídicas), desde que não atentem contra um direito constitucional sobressalente. Há casos em que a prevalência de um direito será muito evidente a ponto de não ensejar qualquer dúvida de interpretação e resolução pela não atuação, e outros duvidosos, fronteiriços, cuja interpretação deve caber, ao Juiz ou, acreditamos, na medida do possível e conforme a urgência, ao Promotor de Justiça, ou na situação urgentíssima ao Delegado de Polícia ou mesmo ao próprio Policial infiltrado, seguindo-se essa ordem de preferência.  E como agir então o agente que se veja diante de situação em que não possa agir, sob pena de detonar um direito mais valioso? Sem poder atuar – matar, ou assaltar, ele deverá agir com muita habilidade de forma a escapar daquela situação para logo em seguida obter o auxílio dos seus companheiros policiais que (se) eventualmente estiverem a postos e prontos a intervir. Poderá também ser esse o momento de uma prisão em flagrante. Cada situação difere da outra e o enfrentamento dos casos práticos dependerá sempre da habilidade dos policiais. Para tanto deverão receber constante treinamento especializado e assim saberão decidir e atuar de forma a diminuir os riscos decorrentes da situação prática.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Marcelo Batlouni Mendroni

 

Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia

 


 

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Equipe Âmbito Jurídico

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