Resumo: O presente artigo abordou a essencialidade da água como um insumo fundamental à vida. Caracterizou esse recurso natural como finito e renovável, e como um bem ambiental de natureza difusa. Ademais, apontou os seus diversos usos, que vão da geração da energia elétrica, assimilação e afastamento de esgotos à abastecimento doméstico e recreação. Bem como, descreveu os seus principais problemas decorrentes da escassez e degradação da qualidade, que resultaram em verdadeiros conflitos. E por fim, observou que para a solução de tais conflitos e a preservação desse bem jurídico tutelado faz-se necessário um ordenamento jurídico coerente com as demandas ambientais, estabelecendo normas de caráter de conservação e preservação.
Palavras- Chave: Água; Bem Ambiental; Preservação
INTRODUÇÃO
A água é um elemento insubstituível em diversas atividades humanas além de proporcionar o equilíbrio do meio ambiente saudável. É por essas e outras razões que se torna um insumo fundamental à vida, definindo até mesmo o grau de desenvolvimento de uma região, país ou sociedade.
Todavia, ao longo dos anos, o crescimento populacional e a intensificação das atividades produtivas promoveram um maior uso das águas, como na geração de energia elétrica, no abastecimento doméstico e industrial, na irrigação de culturas agrícolas, navegação, recreação, aquicultura, piscicultura, pesca e também na assimilação e afastamento de esgotos, que resultaram altos índices de escassez e poluição de mananciais.
Por decorrência em 2001, 1 bilhão de pessoas viviam em condições de insuficiência de disponibilidade de água para o consumo. E na mesma época, estimava-se que em 2030, 5,5 bilhões de pessoas estariam vivendo em áreas com moderada ou séria falta d’água, segundo dados Agência Nacional de Águas-ANA.
Esse consumo excessivo da água através dos múltiplos usos e o problema de escassez em determinadas regiões transformou rivalidades em verdadeiros conflitos pela utilização desse bem, o que colocou em xeque a disponibilidade do recurso e determinou o reconhecimento da água como bem limitado.
Em função desses conflitos, coube principalmente ao Direito tutelar este recurso tão essencial, por meio de um ordenamento jurídico voltado à proteção e à preservação dos bens ambientais. O Decreto nº 24.643/34, que estipulou o Código de Águas; a Lei nº 9433/97, conhecida como Lei das Águas e a Lei nº 9.984/00, que criou a Agência Nacional de Águas, sem olvidar da Carta Magna Federal de 1981 são os mais relevantes diplomas legais que disciplinam a temática.
Dessa maneira, com base numa posição epistemológica interdisciplinar de métodos de pesquisas mistos, utilizou-se ferramentas de coleta de informações em órgãos institucionais relevantes à temática e levantamentos históricos e bibliográficos para compor esta pesquisa de cunho jurídico social.
1.O MEIO AMBIENTE E A ÁGUA
Não há definição una e pacífica sobre o meio ambiente na Doutrina. Dentre todos os conceitos, o mais objetivo e a contento para essa pesquisa parece ser o apresentado pela Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, entendendo por “meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Esse mesmo diploma legal, reconhece a água como um recurso ambiental, conforme o inciso V, do artigo 3º, juntamente com outros recursos[1].
Carrizosa (1982), considera o meio ambiente como um grande sistema integral dividido em dois subsistemas: o natural e o socioeconômico. No qual, a água constituí um elemento do subsistema natural, não antrópico. Nesse sentido, a água é encarada também como um recurso natural.
Assim, a água é considerada um recurso natural ambiental com quantidade total na Terra de 1.386 milhões de Km³, e tem permanecido com essa proporção de modo aproximadamente constante durante os últimos 500 milhões de anos. Destaque, todavia, para as quantidades estocadas nos diferentes reservatórios individuais de água da Terra que variaram substancialmente ao longo desse período (Shiklomanov,1999). Desse modo, a como podemos mensurar sua quantidade no planeta, concluímos ser também a água finita.
Sem olvidar, que a água é considerada um recurso renovável, haja vista a sua capacidade de se recompor em quantidade, principalmente pelas chuvas, e por sua capacidade de absorver poluentes.
Desta forma, a água é reconhecida como um recurso ambiental natural finito e renovável. Essencial à vida, e para quase todas as atividades humanas, sendo, ainda, componente da paisagem e do meio ambiente. Trata-se, a água de um bem precioso, de valor inestimável, que deve ser, a qualquer custo, conservado e protegido.
2.NATUREZA JURÍDICA DA ÁGUA
Como visto, a água é classificada como um bem ambiental, e por essa razão está intrinsecamente ligada à proteção de interesses metaindividuais ou plurindividuais denominados de difusos, isto é, feixes de interesses que ultrapassam o interesse puramente individual ou coletivo sob a perspectiva de um grupo determinado ou facilmente determinável. (HABER, 2012)
Eis que se trata o bem ambiental, e por consequência, a água, de um direito difuso[2], cujo interesse é representado por uma pluralidade indeterminada ou indeterminável de sujeitos reunidos por circunstâncias excepcionais de fato que afetam estes indivíduos (as presentes e futuras gerações).
Ademais, conforme Haber (2012) o bem ambiental pode ser analisado sobre duas visões:
“O macrobem é incorpóreo e imaterial e na lógica da reparação do dano ao meio ambiente é visto como um conjunto de fatores que interagem e condicionam a vida das pessoas[3]. É indivisível e insuscetível de apropriação. (…) O microbem é o recurso ambiental considerado individualmente e fracionadamente quando possível de seu todo. Pode haver o uso ou fruição de elemento, fração do meio ambiente que é suscetível de apropriação segundo regras próprias de direito.”
Dessa forma, podemos classificar a água como microbem, haja vista que pode ser individualmente considerada, possuindo tratamentos legislativos próprios. Nesse diapasão, cabe ressaltar o reconhecimento da água antes de tudo como um bem. Sendo necessário, o entendimento de bens como “coisas úteis e raras, suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico” para a doutrina clássica, ou como “toda a utilidade física ou ideal, que seja objeto de um direito subjetivo”, no ensinamento mais atuais de Gagliano & Pamplona (2009).
O bem ambiental, foi definido na Constituição Federal como “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. O Direito Civil brasileiro, no que diz respeito à titularidade, faz uma divisão dos bens entre públicos e particulares[4]. Sendo, os públicos, dentre outros “- os de uso comum do povo, tais como os rios, mares estradas, ruas e praças”.
Destaque deve ser dado, que malgrado a definição de bem ambiental disposto na Carta Magna Federal mencionar “uso comum do povo” que remete ao conceito de bens públicos estabelecido no Código Civil, e a definição clássica de bens relacioná-los como suscetíveis de apropriação, ensejando caráter particular, os referidos bens ambientais (e neste caso, a água) não são nem um e nem outro. Em outras palavras, o bem ambiental não é bem público nem privado: é bem difuso, assim:
“O art. 225 estabelece a existência de uma norma vinculada ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, reafirmando, ainda, que todos são titulares do referido direito. Não se reporta a uma pessoa individualmente concebida, e sim a uma coletividade de pessoas indefinidas, o que demarca um critério transindividual, em que não determinam, de forma rigorosa, as pessoas titulares desse direito.” (FIORILLO, 2003)
Diante do exposto, podemos inferir que a água é um bem, estabelecido na seara ambiental, sendo portanto, mais precisamente, um microbem ambiental passível de ser analisado individualmente. E por se tratar de um bem ambiental é configurado como de interesse difuso, que transcende as barreiras do individual e coletivo e dos bens particulares e públicos.
3. DISPONIBILIDADE DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL
O Brasil possuí situação privilegiada em relação a disponibilidade hídrica do planeta. Todavia, a sua distribuição não é uniforme em todo o território nacional. Segundo dados da ANA (2001) 70% da água doce do país encontra-se na Região Amazônica, que é habitada por menos de 5% da população total. Portanto, apenas 30% dos recursos hídricos brasileiros estão disponíveis para 95 % da população.
O mapa a seguir apresenta a situação da demanda pelo uso quantitativo de recursos hídricos em relação à disponibilidade hídrica nos principais rios brasileiros.
Percebemos que, apesar da relativa abundância de água em termos médios, em algumas bacias a situação é bem escassa quanto à disponibilidade. Vejamos, na Região Nordeste, no entorno dos grandes centros urbanos e em regiões de agricultura intensiva, aonde se verifica a ocorrência de níveis críticos e muito críticos.
Isso se deve a ideia de abundância que perdurou durante muito tempo como suporte à cultura do desperdício da água disponível, à não realização dos investimentos necessários para o seu uso e proteção mais eficientes, e à sua relativa valorização econômica.
Ademais, os problemas de escassez hídrica no Brasil decorrem, fundamentalmente, da combinação do crescimento exacerbado das demandas localizadas e do comprometimento da qualidade das águas. Além da má distribuição dos recursos nacionalmente, como afirmou Thame (2000)[5]. Ou seja, em razão da ausência de um adequado sistema de gestão de água.
4. CONFLITOS DE INTERESSES E APLICAÇÃO DO DIREITO
Ao passar dos anos, a procura pela água aumentou consideravelmente em razão do crescimento populacional e das atividades produtivas relacionadas mormente à urbanização, industrialização e expansão agrícola.
Nesse sentido, com o crescimento da demanda, começaram a surgir conflitos entre os usuários da água, a qual passa a ser escassa e necessitada de gerência como bem econômico, devendo-lhe ser atribuído valor justo. Tal escassez também tem origem no aspecto qualitativo da água, quando a poluição afeta de tal forma a qualidade da água que os valores excedem os padrões admissíveis para determinados usos. (ANA, 2001)
Cabe frisar, que os setores usuários das águas são os mais diversos, com aplicação para inúmeros fins. A utilização pode ter caráter consutivo, quando a água é captada do seu curso natural e somente parte dela retorna ao curso normal do rio, ou não consutivo, onde toda a água captada retorna ao curso d’água de origem. (ANA, 2001)
Os referidos conflitos de interesses possuem três planos segundo Granzieira (2000):
“O primeiro refere-se ao desenvolvimento das atividades humanas. A partir do momento em que o homem descobre maiores possibilidades tecnológicas, voltadas ao desenvolvimento, utiliza os recursos naturais de forma mais intensa. Quando a população aumenta, evidentemente, o uso dos recursos naturais vai ser mais demandado.
O segundo plano refere-se ao fato de haver vários tipos de usos. A distribuição de água e a irrigação são uso chamados consuntivos, pois retiram o recurso do corpo hídrico. Outros não consomem, mas apenas se utilizam da vazão, como é o caso da navegação e da energia elétrica. (…)
O terceiro plano consiste no risco de dano pelo mau uso da água. Se a água não é utilizada com as cautelas necessárias à sua preservação, compromete-se a sua qualidade e, consequentemente, diminui a quantidade de água disponível. O dano é verificado na ocorrência da poluição da escassez e do assoreamento dos corpos de água.”
Diante desse contexto, uma nova forma de gerir a água fora consagrada pela Lei nº. 9433/97, conhecida como Lei das Águas, sob o entendimento de que a água não é bem particular e sim difuso, um insumo produtivo dotado de valor econômico. E por tal motivo, deverá ser cobrado o seu uso, a fim de incentivar a sua racionalização; obter recursos financeiros para o financiamento de programas e intervenções para recuperar bacias hidrográficas e arrecadar recursos para gestão administrativa dos recursos hídricos[6].
Assim, até meados do século XX, a gestão dos recursos hídricos era feita principalmente pela intervenção estatal e suas ferramentas de controle (controle da poluição por meio da regulação de padrões de emissões ou lançamento de poluentes nos corpos d’agua e criação de unidades de conservação). Contudo, a partir da influência de uma Política Ambiental Internacional, que alertava para o conceito do desenvolvimento sustentável, novos instrumentos passaram a compor a gestão, os econômicos, que objetivam induzir determinado comportamento social por intermédio de incentivos. (NOGUEIRA & PEREIRA, 1999 e MENDES & MOTA, 1997)
A fim de superar todas aquelas etapas, cada uso da água deve ter normas próprias, mas são necessárias normais gerais que regulamentem as inter-relações e estabeleçam prioridades e regras para solução dos conflitos entres os usuários.
MÉTODOS E DADOS
Durante o estudo deste artigo utilizou-se uma posição epistemológica interdisciplinar com métodos de pesquisas mistos, através de abordagens quantitativas e qualitativas. Prevaleceu assim ferramentas de levantamento histórico, a coleta de informações em órgãos institucionais relevantes à temática, e o levantamento bibliográfico para compor esta pesquisa de cunho jurídico social. Ademais, fez- se uso do raciocínio dedutivo (do geral para o particular) e indutivo (do particular para o geral), porquanto foi exploratório e focado.
CONCLUSÃO
Conforme o exposto, verificamos que a água é um recurso natural de múltiplas funções, utilizada para a geração de energia elétrica, abastecimento doméstico e industrial, irrigação de culturas agrícolas, navegação, recreação, aquicultura, piscicultura, pesca e também na assimilação e afastamento de esgotos. Sendo, portanto, um insumo essencial à vida, insubstituível em diversas atividades humanas e capaz de determinar o grau de desenvolvimento de até mesmo uma sociedade. Além do mais, proporciona a manutenção do equilíbrio do meio ambiente interferindo em todas as inter-relações.
Em função de tamanha essencialidade da água, um bem precioso, de valor inestimável, que deve ser, a qualquer custo, conservado e protegido, coube ao Direito à sua tutela. Reconhecendo-a como um bem jurídico tutelado essencial à vida das presentes e futuras gerações. Destarte, a água é encarada como um bem ambiental de natureza difusa, ou seja, que atinge uma pluralidade indeterminada ou indeterminável de sujeitos reunidos por circunstâncias excepcionais de fato que afetam estes indivíduos.
Destaque deve ser dados aos problemas enfrentados por tal recurso de escassez em determinadas regiões e de degradação de qualidade. Isso se deu em razão do aumento populacional dos últimos anos e do aumento das atividades produtivas, que requerem consumo desenfreado e desvinculado de medidas de reparação.
Esse cenário ensejou diversos conflitos pela utilização desse bem, o que colocou em xeque a disponibilidade do recurso e determinou o reconhecimento da água como bem limitado. Assim, para dirimir tais conflitos necessita-se da atuação de um Poder Judiciário que aplique as normas de um ordenamento jurídico voltado à proteção e à preservação dos bens ambientais.
Informações Sobre o Autor
Karla Conceição de Oliveira Pereira da Silva de Menezes
Advogada. Graduada pela Universidade Federal de Pernambuco- UFPE. Mestranda do Programa de Pós- graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente-PGDRA da Universidade Federal de Rondnia- UNIR. Integrante do Grupo de Pesquisa Energia Renovável Sustentável- GPERS/ UNIR . Integrante do Grupo de Pesquisa Tutela dos Interesses Difusos- GPID/ UFPE. Têm experiência na área de Direito com ênfase em Direito Civil e na área de Serviço Social